1 Introdução
Atualmente o mundo assiste a inúmeras assimetrias do ponto de vista económico, social, político e ambiental, referidas em vários estudos de investigação (AKKARI, 2017; COSTIN, 2020; PEREIRA, 2022; SÁ; ANDRADE, 2008; SÁ; SÁNCHEZ, 2022), resultantes de cenários de desenvolvimento muito diferenciados, sendo que alguns evidenciam fragilidades várias, como, por exemplo, a necessidade de promoção de direitos iguais para todos e o acesso a bens e serviços para as populações na sua generalidade. O acelerado ritmo de desenvolvimento social, económico e tecnológico de alguns países (com a consequente exploração ilimitada de recursos ao seu dispor) tem colocado em causa a sustentabilidade do nosso planeta, nomeadamente os desequilíbrios em vários segmentos da sociedade e com consequências várias para os processos educativos e formativos a todos os níveis, provocando exclusão social. Nesta lógica, são desafiados os protagonistas a adotarem culturas que privilegiem a criatividade e uma reflexão crítica sobre assuntos atuais, identificando as causas e consequências de determinados fenómenos e avaliando a maneira como os mesmos afetam não só os seres humanos, mas os ambientes como um todo (FAUSTINO; AMADOR, 2016).
Para fazer face a esses desafios é notória uma preocupação crescente por parte dos governantes a nível mundial em investir na educação de cidadãos, permitindo a promoção de um currículo que atenda aos desafios da EDS (AKKARI, 2017), através do incremento de mudanças na postura dos professores e dos seus formadores, em particular no contexto da Formação Inicial de Professores (FIP). De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), não é apenas educar de qualquer modo, mas é necessário uma educação que contempla tanto as habilidades profissionais de uma disciplina quanto as sustentáveis e gerais que possibilitem um desempenho profissional docente de qualidade a fim de formar uma cidadania global, a garantia de um futuro mais sustentável (ONU, 2022; UNESCO, 2005, 2015, 2016).
A presente investigação se assenta numa revisão sistemática de literatura, em que se procura responder à seguinte questão: que orientações emergem da investigação publicada quanto à conceção e desenvolvimento da Prática Pedagógica (PP) em contexto de FIP numa perspetiva de Educação para o Desenvolvimento Sustentável (EDS)? O artigo, para além desta introdução, inclui duas secções, sendo que a primeira destina-se à descrição do referencial teórico; e a segunda destina-se à apresentação da metodologia do estudo seguido para analisar os artigos (corpus documental) sobre o desenvolvimento da PP no contexto da FIP, em que se procede à apresentação dos resultados da análise do corpus documental. Termina-se com as conclusões, nas quais se apresentam as principais reflexões sobre essa temática, esperando contribuir para novos olhares sobre as conceções de PP.
2 Referencial teórico
O termo “Desenvolvimento Sustentável” (DS) tem sido referenciado em vários campos da sociedade contemporânea, dos discursos políticos aos estudos de âmbito económico, ambiental, entre outros. Não obstante essa multiplicidade de domínios, parece não haver consensos entre os autores (SACHS, 2004; SANTOS; SILVA; PEDROSA, 2016; VILCHES; PÉREZ, 2012), sendo assim considerado um “[...] dos conceitos mais polissémicos”, dependendo o seu significado do “método a utilizar”, das preocupações e dos interesses socioeconómicos específicos que se perseguem para alcançá-lo (FAUSTINO; AMADOR, 2016, p. 2023).
Embora seja amplamente reconhecido o imperativo de práticas suportadas por uma ação mais informada e preocupada com o equilíbrio entre os sistemas ambientais, económicos e sociais a nível planetário, isso parece demonstrar um interesse dos governos em (ARAÚJO; PEDROSA, 2014; FAUSTINO; AMADOR, 2016; ROSA; MALACARNE, 2016; SANTOS; SILVA; PEDROSA, 2016; VILCHES; PÉREZ, 2012), “[...] construir uma nova mentalidade, uma nova ética e uma nova práxis” (SANTOS; SILVA; PEDROSA, 2016, p. 272) através da promoção de ações voltadas para responsabilidade social e melhoria da qualidade de vida dos cidadãos (ARAÚJO; PEDROSA, 2014; LAURIE et al., 2016; ROSA; MALACARNE, 2016; SANTOS; SILVA; PEDROSA, 2016).
A literatura refere que o termo DS só começa a ter uma explicitação mais formal a partir da divulgação da Estratégia Mundial de Conservação da Natureza dos Anos Sessenta e, posteriormente, em 1987, de forma mais efetiva e definida, no Relatório Bruntland. A definição de DS é referenciada em numerosos estudos, como aquele que a Comissão para o Desenvolvimento Sustentável da Organização as Nações Unidas (ONU) de 1988 apresenta: “Desenvolvimento Sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades”.
Os próprios termos “Sustentabilidade” e “Desenvolvimento Sustentável” são muitas vezes usados como sinónimos na literatura da especialidade (FAUSTINO; AMADOR, 2016), referindo-se ao DS como aquele processo dinâmico de transformação, que consiste em compatibilizar o crescimento económico, o desenvolvimento humano e social e a qualidade ambiental e a “Sustentabilidade”, considerada como o objetivo desse mesmo desenvolvimento (FAUSTINO; AMADOR, 2016; SACHS, 2004; VILCHES; PÉREZ, 2012).
A sustentabilidade implica redução crescente das desigualdades económicas, diminuição dos níveis de pobreza, aumento da solidariedade para com os mais desprotegidos, busca permanente por um maior equilíbrio social, mais autonomia e, essencialmente, promoção da participação de todos os cidadãos. Ambos os termos parecem ser considerados conceitos indefinidos (SÁ; ANDRADE, 2008), o DS é percebido como forma de alcançar a Sustentabilidade, e esta tida como meta (FAUSTINO; AMADOR, 2016) e, independentemente da perspetiva que se assume, se desenvolvam práticas educativas concretas, objetivas e integradas, nos diferentes níveis de ensino que promovam, de facto, a mudança de hábitos e comportamentos em prol da sustentabilidade (SÁ; ANDRADE, 2008).
Na esfera educativa, a introdução do conceito de DS consolida-se em 2004, com o estabelecimento da Década da ONU da Educação para o Desenvolvimento Sustentável (2005-2014); a meta 4.7 enfatiza que a educação é a via fundamental para alcançar a sustentabilidade, como aludido por Costin (2020), que, até 2030, almeja garantir “[...] que todos os alunos adquiram conhecimentos e habilidades necessárias para promover o desenvolvimento sustentável”, aprendendo a desenvolver estilos de vida sustentáveis, a promover direitos humanos, igualdade de gênero, “[...] uma cultura de paz e não violência, cidadania global e valorização da diversidade cultural” (UNESCO, 2015)
É crucial que se produzam tais mudanças, as quais devem ter em vista o desenvolvimento de capacidades para analisar os processos educativos numa perspetiva mais holística e integradora, de pensar em futuros alternativos, desenvolvendo o pensamento crítico e sistémico e promovendo a participação ativa do trabalho colaborativo através da inter, multi e transdisciplinaridade curricular em particular na FIP (ARAÚJO; PEDROSA, 2014; ASSAI; BROIETTI; ARRUDA, 2018; CEBRIÁN, 2019; COSTIN, 2020; EXPÓSITO; CIURANA, 2017; FAUSTINO; AMADOR, 2016; LAURIE et al., 2016; ROSA; MALACARNE, 2016; SANTOS; SILVA; PEDROSA, 2016; PEREIRA, 2022; TRINDADE et al., 2019).
A FIP tem sido abordada por vários autores de referência, como Estrela (2002, p. 18), que a considera como “[...] o início institucionalmente enquadrado e formal, de um processo de preparação e desenvolvimento da pessoa, em ordem ao desempenho e realização profissional numa escola ao serviço de uma sociedade historicamente situada”. Mendes, Medeiro e Peneda (2005, p. 85), citando vários autores, referem-se à FIP como:
[...] ‘a etapa de formação do futuro docente, na qual adquire as competências didático - pedagógicas e que lhe confere o estatuto de um profissional docente, outorgado por uma escola especializada’, [visando a] ‘o desenvolvimento de competências diversificadas que devem contribuir para melhorar a eficácia, a qualidade do ensino e promover a inovação pedagógica’.
Nesta etapa formativa, torna-se fundamental assentar-se na integração de conteúdos de domínio cognitivo, psicomotor e psicoafectivo, realçando a conjugação da pesquisa e da ação, promovendo-se aprendizagens participativas, colaborativas e ativas (CEBRIÁN, 2019; COSTIN, 2020). Os currículos dos cursos de FIP integram a disciplina Práticas Pedagógicas (PP), também designada de Estágio Supervisionado (ALFREDO, 2019; ASSAI; BROIETTI; ARRUDA, 2018; CANHICI; LEITE; FERNANDES, 2019; LIMA; ANDRADE; COSTA, 2020; MORGADO, 2014; PIMENTA; LIMA, 2012; RIBEIRO; ARAÚJO, 2017), considerada uma componente integradora, essencial e obrigatória, sendo destacada como um dos eixos centrais dos cursos de FIP, em que os futuros professores iniciam o desenvolvimento da identidade profissional, aprendendo a experimentar, a construir e a mobilizar o pensamento de si e da profissão docente (FORMOSINHO; MACHADO; MESQUITA, 2015; ROLDÃO, 2007) em todas as suas dimensões, consciente de “[...] que a sua aprendizagem se realiza na interação com os outros e consigo próprios, em processos de auto e/ou de hétero supervisão da prática pedagógica” (MACHADO; ANDRADE; NEVES, 2020, p. 138).
Schön (1990) e Zeichner (1993) sugerem o triplo movimento “conhecimento na ação”, “reflexão na ação” e “reflexão sobre a ação” e sugerem que se estabeleçam relações entre as técnicas e estratégias de ensino e as questões éticas relacionadas ao que se ensina, logo, torna-se necessário imprimir mudanças na cultura de práticas pedagógicas dominantes, através da adoção de estratégias pedagógicas que priorizem a aprendizagem centrada no aluno (MUÑOZ et al., 2017). Para Nóvoa (1992) e Holly e McLoughlin (1989), não basta mudar o profissional, é preciso mudar também os contextos em que ele intervém, visto que a FIP passa por um processo de articulações entre dispositivos de investigação-ação e de investigação-formação para dar sustentabilidade à apropriação dos saberes mobilizados no exercício profissional.
Observando várias pesquisas, percebemos uma convergência na tentativa de fazer aparecer um panorama onde se apresentam estudos já realizados na temática de articulação de uma FIP com a EDS (ALFREDO, 2019; ARAÚJO; PEDROSA, 2014; BRANDT; HOBOLD, 2019; CHISSINGUI; COSTA, 2020; EXPÓSITO; CIURANA, 2017; ROSA; MALACARNE, 2016; SANTOS; SILVA; PEDROSA, 2016; VILCHES; PÉREZ, 2012). Entretanto, esses estudos parecem refletir recorrentes limitações ao abordarem as competências dos professores para a sua atuação, justificada pela forma como os conhecimentos têm sido encarados, não sendo o processo de formação (inicial e contínuo) visto por sua sistematicidade, e sim por se mostrar como um produto, marcado principalmente pela: forte inclinação à exposição de conteúdos pelos professores e sua reprodução pelos formandos; fraca preparação dos professores na FI para exercerem a profissão docente; e articulação entre os diversos componentes durante o processo de FIP não alinhados com as exigências da EDS. Esses tópicos emergem dos estudos em referência, os quais ancoram o desenvolvimento da presente revisão sistemática de literatura.
3 Metodologia
Dada a intenção de se compreender os modos como a disciplina de PP na FIP têm se operacionalizado e como esta se pode constituir em espaço de aprendizagem para fazer frente aos desafios da EDS, constituem premissas mais gerais de um projeto maior sobre o tema e, de forma mais específica, elencamos as seguintes questões de investigação:
Qual é o lugar da EDS nos currículos de FIP?
Qual é o lugar da EDS na PP?
Como se propõe trabalhar a EDS na FIP?
Tendo em conta as questões elencadas, objetivamos, de forma particular, analisar as orientações emergentes dos artigos publicados e consultados quanto à conceção e desenvolvimento da PP no contexto da FIP, numa perspetiva de EDS. Neste contexto, julgamos ser importante realizar o presente estudo a partir de uma Revisão Sistemática de Literatura (RSL), por ser uma via mais adequada que possibilita em pesquisa educacional “[...] obter uma visão geral do conhecimento atual sobre uma temática em foco” (BRYMAN, 2012; NEWMAN; GOUGH 2020).
De acordo com Munn et al. (2018), as RSL seguem uma estrutura de um processo predefinido, requerendo métodos rigorosos e de busca exaustiva, de modo a garantir que os resultados sejam confiáveis e significativos para os usuários finais. Nesta lógica, o processo de RSL é precedido pela elaboração de uma questão de investigação clara, pela definição da estratégia de busca, pelo estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão dos artigos e pela análise criteriosa da literatura selecionada (NEWMAN; GOUGH, 2020; VOSGERAU; ROMANOWSKI, 2014).
Optamos por uma revisão qualitativa, enquadrada primordialmente no paradigma interpretativo (AMADO, 2014; BOGDAN; BIKLEN, 2013; COUTINHO, 2016), pois buscamos conhecer, analisar e interpretar o fenómeno em estudo. Esta apoiou-se no cumprimento do modelo proposto por Bryman (2012, p. 103), no qual se incluem as etapas apresentadas no Quadro 1.
Etapas | Descrição |
---|---|
1 | Definir o objetivo e o âmbito da revisão. |
2 | Definir questões de investigação. |
3 | Pesquisar estudos relevantes para o propósito da revisão. |
4 | Examinar os estudos identificados na etapa anterior […] com base na aplicação rigorosa dos critérios definidos. |
5 | Analisar cada estudo e sintetizar os resultados. |
Fonte: Bryman (2012).
Definidas as questões e objetivos de investigação, partimos para a identificação e seleção dos artigos que iriam constituir o corpus documental, com base na aplicação rigorosa dos critérios definidos, de modo a analisar cada artigo e sintetizar os seus resultados para obtermos uma visão geral de como a temática tem vindo a ser investigada por autores de referência.
Na primeira fase da estratégia de pesquisa, identificamos os modos como são tratados os conceitos, através da inserção das palavras-chave e termos relacionados em bases de dados credíveis do ponto de vista científico (Scielo, Google Académico, Redalyc e Rcaap) e nas três línguas definidas, bem como a busca completa das suas variações em inglês e espanhol, pois achamos ser um número considerável de idiomas que possivelmente podem ajudar a evitar enviesamentos, caraterística deste tipo de revisão, segundo o disposto no Quadro 3, justificada pela maior visibilidade de publicações de acordo com a pertinência da temática.
Palavra-chave principal | Termos correlacionados |
---|---|
Prática Pedagógica | Estágio Supervisionado Supervised internship Pasantía supervisada |
Formação Inicial de Professores | Professor em formação inicial Inicial teacher education Formación docente inicial |
Educação para o Desenvolvimento Sustentável | Desenvolvimento sustentavel Sustainable development Desarrollo sostenible |
Fonte: Elaborado pelas autoras (2021).
A segunda fase, que consistiu na operacionalização deste modelo, integrou a seleção dos artigos, a qual se baseou nos critérios de inclusão - artigos cujos títulos, resumo e palavras-chave contemplassem: i) referências sobre (a) FIP; (b) PP; c) EDS e revisados por pares; ii) todos os artigos publicados em revistas científicas prestigiadas estarem disponíveis para a consulta on-line (com acesso aberto); iii) os artigos analisados devem, preferencialmente, encontrar-se publicados nos últimos cinco anos (entre 2016 e 2021); e excluímos artigos que, (a) embora se enquadrassem na FIP, focavam outras componentes da formação que não as da PP, (b) só fizessem referência à formação contínua de professores, (c) focassem a formação desenvolvida noutros contextos, e não na FIP, e (d) fossem publicações duplicadas.
Seguimos para a terceira fase, que consistiu em pesquisar estudos relevantes para o propósito da presente revisão. O procedimento possibilitou, através do operador booliano “AND”, definirmos o contexto dos estudos (educação no ensino superior, FIP e as categorias: “educação” e “multidisciplinária”). Constituímos, desse modo, o primeiro conjunto de 72 artigos. A partir da leitura dos seus títulos e dos resumos/abstracts, selecionamos 36 artigos que mais se aproximavam do foco da nossa investigação. Essa fase foi longa e exaustiva, exigindo retornos contínuos às bases de dados, processo caracterizado pelo exame de cada estudo identificado e aplicação rigorosa dos critérios de inclusões e exclusões ora definidos, até chegarmos a um conjunto de dez artigos (nosso corpus documental), tal como consta no Quadro 4. No referido quadro, listamos os textos tendo em conta a atribuição de um código para cada artigo; a seguir, há a referência completa de cada estudo, país de desenvolvimento da investigação e as palavras-chave, elaborado com apoio do software Mendeley.
Código | Referência (normas ABNT) | País | Palavras-chave |
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A1 | CALERO, M. et al. La educación para la sostenibilidad en la formación del profesorado de ciencias experimentales en Secundaria. Enseñanza de las Ciencias, Barcelona, v. 37, n. 1, p. 157-176, 2019. | Espanha | Educación para la sostenibilidad; Formación del profesorado; Máster en Formación del Profesorado; Educación Secundaria; Guías docentes. |
A2 | SANTOS, L. C.; SILVA, R. M. G.; PEDROSA, M. A. Practices of education for sustainable development: contributions, limitations and future possibilities. Indagatio Didactica, Aveiro, v. 1, n. 1, p. 210-228, 2016. | Portugal | Teacher training; Education for Sustainable Development; Relations Science; Technology; Society and Environment. |
A3 | CEBRIÁN, G. La educación para el desarrollo sostenible en el currículum universitario: una investigación-acción cooperativa con profesorado. Revista Iberoamericana de Educación Superior, Huixquilucan, v. 11, n. 30, 2020. | Reino Unido | Educación para el desarrollo sostenible; Investigación-acción; Sostenibilidad; Universidad; Currículum; Profesorado; Aprendizaje activo; Reino Unido. |
A4 | MUÑOZ, V. G. et al. Revisión sistemática sobre competencias en desarrollo sostenible en educación superior. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, n. 73, p. 85-108, 2017. | Espanha | Sostenibilidad; Competencias; Educación superior; Universidad española. |
A5 | EXPÓSITO, L. M. C.; CIURANA, A. M. G. Avanzar en la educación para la sostenibilidad. Combinación de metodologías para trabajar el pensamiento crítico y autónomo, la reflexión y la capacidad de transformación del sistema. Revista Iberoamericana de Educación, Madrid, v. 73, p. 131-154, 2017. | Espanha | Educación para la Sostenibilidad; Metodologias activas. Iinnovación; Didáctica. |
A6 | CHISSINGUI, A. V.; COSTA, N. Teacher Education and Sustainable Development Goals: A Case Study with Future Biology Teachers in an Angolan Higher Education Institution. Sustainability, [S.l.], v. 12, n. 8, p. 1-14, 2020. | Angola | Sustainable development; Biology; Initial teacher education; Angola; Case study. |
A7 | FUERTES-CAMACHO, M. T. et al. Article integrating sustainability into higher education curricula through the project method, a global learning strategy, Sustainability, [S.l.], v. 11, n. 767, 2019. | Catalunya | Sustainability competencies (SC); Competencies in education for sustainability (ESD); Project method; Sustainable food; Degree in early childhood education; teacher training; Higher education; Curricular sustainability; sustainable development goals; SDGs. |
A8 | ROSA, T. R. V.; MALACARNE, V. Formação Docente e Sustentabilidade. Um Estudo sobre Ambientalização Curricular no Curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Revista Iberoamericana sobre Calidad, Eficacia y Cambio en Educación, Madrid, v. 14, n. 3, p. 95-107. 2016. | Brasil | Formação docente; Currículo; Educação ambiental; Sustentabilidade. |
A9 | FLEIG, R.; NASCIMENTO, I. B.; MICHALISZYN, M. S. Desenvolvimento sustentável e as instituições de ensino superior: Um desafio a cumprir. Arquivos Analíticos de Políticas Educativas, Arizona, v. 29, n. 95. 2021. | Brasil | Sustentabilidade; Universidade; Desenvolvimento Sustentável; Educação Superior. |
A10 | GAZZONI, F. et al. O papel das IES no desenvolvimento sustentável: estudo de caso da Universidade Federal de Santa Maria. Revista Gestão Universitária na América Latina, Florianópolis, v. 11, n. 1, p. 48-70, janeiro 2018. | Brasil | Sustentabilidade; Gestão de IES; Conhecimento. |
Fonte: Elaborada pelas autoras (2021)
Dos dez artigos em análise, há predominância de um maior número de publicações desenvolvidas em Espanha e Brasil (3), o que pressupõe a atualidade e interesse da temática nos últimos tempos e cujo trabalho é referenciado a nível internacional. Encontramos um artigo respetivamente publicado em países como Portugal, Reino Unido, Catalunya e Angola. Não obstante esse reduzido número de publicações, salientamos a necessidade crescente e o interesse pela investigação de temáticas relacionadas ao presente estudo nos últimos tempos, embora não publicados, conforme ilustra o Gráfico 1.
Quanto ao contexto de investigação, nota-se que todos os artigos fazem referência aos estudos realizados na formação de professores no ensino superior, que é o quadro escolhido, não incluindo, portanto, aqueles que tinham a educação em geral ou ensino secundário, o que reforça a ideia de ter-se definido como uma das palavras-chave “formação inicial de professores”, sendo um critério relevante, remetendo para a preocupação e interesse dos investigadores em analisarem como melhorar a PP a este nível e em espaços de formação crítico-reflexiva.
Um outro aspecto foi a análise dos artigos tendo em conta o ano de publicação, enquadrados no Gráfico 2, detalhadamente dois artigos publicados em 2016, 2017, 2019 e 2020 e um nos anos de 2018 e 2021. Essa distribuição possibilitou-nos inferir o período em que incide maior interesse pela investigação de temas relacionados ao nosso objeto, assim como os países com maior número de artigos publicados.
Esta ordem de distribuição constitui um indicador de que a temática relacionada à presente revisão integra um campo de interesse de pesquisa no último quinquénio (2016-2021), um fator importante de constante (re)construção do conhecimento sobre a EDS na FIP, o que evidentemente poderá servir de base para a realização de estudos posteriores. Dos artigos pesquisados, consta um dado relevante de uma subida do número de publicações nos anos de 2016, 2017, 2019 e 2020, com dois artigos, respetivamente; este facto revela-se bastante relevante para comprovarmos a atualidade do tema. Nota-se um ligeiro decréscimo no ano subsequente (2018), o que nos parece estar relacionado aos desafios emergentes e às constantes dinâmicas que se impõem no contexto de FIP nos últimos tempos, um fator que desperta o interesse dos investigadores e profissionais educacionais, número este que vem a registar-se no ano de 2021.
4 Resultados e discussão
Os artigos selecionados foram analisados e posteriormente categorizados mediante a leitura e interpretação dos objetivos e discussões envolvidos em cada uma das produções. Neste caso, definimos três categorias de análise que melhor poderiam responder à questão orientadora, nomeadamente: i) o lugar da EDS no currículo de FIP; (ii) o espaço da EDS na disciplina de PP; e iii) as dimensões da EDS contempladas nos conteúdos da formação.
Os resultados da análise dos dez artigos apontam, quanto à primeira categoria, que a EDS constitui uma premissa das agendas políticas de várias organizações internacionais (por exemplo, Unesco e ONU) e de vários programas nacionais para o ensino superior, tornando-se um elemento fundamental para garantir que os processos de formação dos cidadãos do futuro integrem uma visão holística e crítica entre suas linhas de ação (A1, A2, A4 e A8).
A integração de conteúdos sobre EDS no currículo do ensino superior torna-se um grande desafio para as Universidades, particularmente na FIP, uma vez que estas são consideradas espaços onde se compartilham conhecimentos e formação de futuro profissionais, incentivando-os a desenvolver ações que promovam a EDS e possibilitar a construção de sociedades mais sustentáveis. Os artigos A5, A6 e A7 demonstraram a tendência mundial de inclusão da EDS no ensino superior, embora os resultados do estudo A6 e A9 tenham revelado que o plano curricular pedagógico e a trajetória formativa de algumas realidades não integram explicitamente os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e seus desafios para a FIP, dito de outro modo, apesar de a sustentabilidade ser um tópico presente nos planos de desenvolvimento da instituição, não existe de facto uma política institucional voltada para o desenvolvimento sustentável.
A maior parte dos artigos analisados mostraram que a EDS ainda é “algo pouco palpável” nas Universidades, pois que a sua operacionalização depende em grande medida dos principais atores envolvidos nos processos formativos, embora, como referido nos estudos A3 e A9, a sustentabilidade é ainda vista como uma agenda imposta, e não ligada à sua disciplina específica, ou seja, os formadores de professores veem a sustentabilidade como periférica às suas funções e estão dependentes das políticas verticalizadas, comprometendo a operacionalização da EDS. Nesse sentido, os artigos A5, A9 e A10 apelam que se torna imperioso o estabelecimento da cooperação com os governos dos países em desenvolvimento, tornando as Universidades mais dinâmicas.
Nos estudos A3, A4 e A9, apela-se para a revisão integral dos currículos promovendo-se o EDS de modo a garantir a inclusão de conteúdos básicos transversais sobre sustentabilidade em todos os ciclos formativos. A FIP deve basear-se nesta lógica, segundo a qual é essencial a promoção da reflexão, do trabalho colaborativo e interdisciplinar e do pensamento sistêmico (A4 e A9), potenciando, desse modo, o enfoque com caráter mutidimensional, inter e transdisciplinar que ultrapassa as fronteiras de um único campo de conhecimento (A2 e A10).
No que concerne à categoria de análise ii) o espaço da Educação para o Desenvolvimento Sustentável na disciplina de Prática Pedagógica, a literatura refere que a premente necessidade de alteração nos currículos para a FIP (A1, A3, A7, A8 e A9) constitui um desafio que se coloca às instituições formadoras desses profissionais, e não só. Nessa perspetiva, as instituições responsáveis pelo processo formativo (inicial e contínuo) se transformem em espaços para a formação de educadores sustentáveis.
A PP, como espaço de socialização dos saberes transversais dos cursos de FIP (ALFREDO, 2019; CHISSINGUI; COSTA, 2020), apresenta-se fragilizada na estrutura dos seus programas em conteúdos relacionados à EDS (A5 e A10), pois, quanto mais clareza o docente tiver sobre o desenvolvimento sustentável, mais este poderá contribuir para mudanças de atitudes em relação à interação do homem na natureza (A8 e A9) e viabilizar soluções para as questões relacionadas com a promoção da sua qualidade de vida. Do ponto de vista pedagógico, a integração de EDS implica romper com a tradição pedagógica que favorece ações de caráter individual (A1), produzindo mudanças nas estratégias pontuais, como referido nos estudos A3 e A5. Estes refletiram que tais mudanças passam pela promoção de metodologias ativas, que imprimam mudanças “de uma aprendizagem baseada na transmissão para uma aprendizagem baseada na descoberta” e experimentação, que, por outro lado, passem “de abordagens centradas no professor para as direcionadas aos alunos” e, essencialmente, que passem “de uma aprendizagem teórica a uma aprendizagem orientada para a ação”, estabelecendo uma relação dialógica entre teoria e prática (ZEICHNER, 1993).
Na mesma lógica, A2 e A8 relevam que a EDS versa sobre a implementação de estratégias interativas, baseadas em ações dirigidas a construir uma nova mentalidade, uma nova ética e uma nova práxis, a partir da convergência de abordagens multi e interdisciplinares e incentivando parcerias e colaboração entre diferentes instituições formais e não formais. Do exposto depreendemos que, na fala dos autores, a formação de professores deve ser constantemente questionada, por um lado, pelos desafios impostos pelos avanços tecnológicos e, por outro, pelas exigências de epistemologias e metodologias da complexidade e da transdisciplinaridade como fatores que os agreguem (A8 e A9).
É imprescindível que os currículos da FIP experienciem novas organizações interdisciplinares e, em particular, a PP, como disciplina profissionalizante, inclua temáticas que possam ser trabalhadas integrando os objetivos da EDS. Não obstante a literatura apelar para a reconfiguração dos planos curriculares, importa apelar que seja incluída como uma premissa nas políticas institucionais e essencialmente articuladas às práticas educativas dos professores da FIP, posto que se espera formar profissionais com capacidade para olhar amplamente para as dimensões dos processos educativos.
No que concerne à categoria iii) dimensões da EDS contempladas nos conteúdos da formação inicial de professores, a literatura revelou que o conceito de sustentabilidade é visto como um conjunto de saberes, valores, atitudes e habilidades que um indivíduo precisa para enfrentar com sucesso os desafios do desenvolvimento sustentável (A1, A3 e A4). Denota-se, nesse sentido, que a educação é a via fundamental para alcançar a sustentabilidade a todos os níveis.
Os artigos A1, A3, A4 e A5 referem que, nos últimos tempos, vem-se promovendo, no contexto do ensino superior a nível mundial, a inclusão de competências transversais nos planos de estudos, tais como: i) análise crítica dos conhecimentos e sua relação com a sustentabilidade; ii) utilização racional de recursos naturais e a prevenção do seu impacto no meio ambiente; iii) participação da comunidade em ações de sensibilização para a sustentabilidade e a aplicação de princípios éticos no seu comportamento pessoal e profissional. Nesse enquadramento, reconhece-se a necessidade de integrar as dimensões da EDS nos programas dos cursos universitários, dirigidas à promoção e desenvolvimento de competências nos futuros professores a nível do saber, saber fazer e saber estar (A4 e A5), baseadas na utilização de metodologias ativas centradas no futuro professor e que possibilitem prepará-los para o exercício de sua futura profissão.
Os estudos A4, A5 e A9 revelaram, por um lado, que a maior parte das competências analisadas e desenvolvidas na FIP relacionam-se com o conhecimento de conteúdo, conhecimento didático e motivação para implementar EDS. Por outro lado, A4, A5 e A9 referem que a inclusão real de competências para a EDS na FIP e seu desenvolvimento pressupõe a utilização de metodologias baseadas essencialmente na promoção da aprendizagem participativa e colaborativa, que mobilizem o pensamento crítico-reflexivo, a autonomia e a iniciativa na resolução de problemas, assim como a capacidade de transformação dos sistemas relacionados com o desenvolvimento sustentável.
5 Considerações finais
Este estudo procurou conhecer, a partir dos artigos publicados e analisados, quais as ações que vêm sendo realizadas em quadros de formação de professores numa perspetiva de EDS. Consideramos ser necessário continuarmos a desenvolver investigações mais exaustivas no sentido de se perceber melhor os modos como são operacionalizadas as estratégias transformadoras da realidade no ensino superior, priorizando a intenção de se atender de forma particular as carências no currículo da FIP em relação à integração de ações de promoção da EDS e seus objetivos.
Os resultados apresentados neste artigo auxiliaram-nos a identificar a intenção dos vários estudos em colocar a EDS como uma premissa nas políticas institucionais, quando articuladas com as práticas educativas dos professores na FIP, com enfoque em abordagens multi, inter e transdisciplinares. A sua integração parece garantir a inclusão de conteúdos valorativos e altitudinais, sobre sustentabilidade, que sejam transversais em todos os ciclos formativos.
Os artigos nos ajudaram também a compreender que a FIP acontece no âmbito de cursos oferecidos no ensino superior, através da mobilização de metodologias que possibilitem o desenvolvimento de competências profissionais docentes a nível do saber (conhecimento de conteúdo), do saber fazer (conhecimento didático) e do saber estar (motivação em implementar), baseadas em ações dirigidas a construir uma nova mentalidade, uma nova ética e uma nova práxis, embora ainda existam programas de ensino que insistem em focar as reflexões dos professores na sua própria prática de ensino e/ou nos alunos, negligenciando as condições sociais que influenciam o desenvolvimento profissional.
Portanto, é indispensável que sejam estabelecidas parcerias com os governos dos países em desenvolvimento, por um lado, e que, por outro, a FIP deve basear-se no trabalho colaborativo entre diferentes instituições e essencialmente na aprendizagem participativa. Assim, acreditamos que a melhoria na operacionalização das PP de FIP passa por integrar perspetivas que realçam o desenvolvimento de competências necessárias para as transformações desejadas no processo educativo no geral, incluindo estas a EDS.