Introdução1
A educação é um processo dinâmico de intercâmbio de informações, com o propósito específico de permitir que o indivíduo possa elaborar conhecimentos e significados, incorporando-os a sua estrutura cognitiva e ao legado cultural coletivo no qual está inserido. No contexto educacional das ciências da saúde e no atual cenário mundial globalizado, é imprescindível que as Instituições de Ensino Superior (IES) utilizem metodologias que problematizem situações da realidade de trabalho a serem enfrentadas pelo futuro profissional de saúde, proporcionando a assimilação de novos conceitos e habilidades (DE VASCONCELOS FREITAS et al., 2017; GOMES et al., 2008).
Não obstante essa premissa, ainda são verificados hiatos entre conteúdos teóricos e desenvolvimento de habilidades e competências, ou mesmo ausência destes ou daqueles nos cursos de graduação em saúde. No âmbito da Ressuscitação Cardiopulmonar (RCP), considera-se imprescindível o desenvolvimento de habilidades e competências nas manobras de reanimação, uma vez que o desconhecimento ou atuação inadequada do profissional de saúde comprometem a assistência; além disso, a taxa de sobrevida dos pacientes de Parada Cardiorrespiratória (PCR) está associada a melhoria na educação da RCP (DASILVA SALAZAR, 2017; GEBREMEDHN, 2017).
A PCR é definida pela interrupção abrupta das funções vitais, sendo evidenciada pela súbita cessação da atividade cardíaca, com a vítima evoluindo para irresponsividade, pulso central não palpável e ausência de movimentos respiratórios ou respiração agônica (DE NASSAU, 2018; MELLO, 2019). Trata-se de uma emergência clinica grave que requer assistência precoce e eficiente, uma vez que a isquemia pode levar a lesões cerebrais irreversíveis após cinco minutos do colapso elétrico e circulatório (ESPÍNDOLA, 2017). Em virtude disso, compreende-se a PCR como um importante problema de saúde pública e espera-se que todos os profissionais da saúde dominem o conhecimento das manobras de ressuscitação, considerando que, no Brasil, estima-se a ocorrência de 200.000 PCR ao ano (DE OLIVEIRA BOTELHO, 2016; BERNOCHE et al., 2019).
O Suporte Básico de Vida (SBV) é o primeiro atendimento à vítima de PCR, por meio da sequência sistemática de reanimação nas manobras de RCP, procedimento de emergência que consiste no reconhecimento imediato do colapso, ativação do sistema de emergência, realização de RCP precoce e desfibrilação rápida, que mantem a circulação sanguínea oxigenada até o Retorno da Circulação Espontânea (RCE) (AMERICAN HEART ASSOCIATION et al., 2015; GEBREMEDHN, 2017). As intervenções do SBV são determinantes no aumento das taxas de sobrevivência, pois, o sucesso da reanimação depende, principalmente, da efetividade das ações iniciais (TOBASE et al., 2017).
Apesar da relevância da temática, o que se observa é que a maioria dos profissionais de saúde não reúnem condições para dar os primeiros socorros à vítima de PCR e que o SBV não é ofertado como componente curricular nos cursos de graduação na área da saúde. Segundo Da Silva et al. (2015), a lacuna de conhecimento se deve em parte à formação acadêmica do profissional de saúde, durante a qual as abordagens sobre o tema, quando existem, são pontuais e superficiais, portanto, insuficientes para proporcionar a aquisição de conhecimentos sólidos necessários para o atendimento a uma vítima de PCR.
Nesta conjuntura, o presente artigo objetiva avaliar a oferta do conteúdo de SBV nos cursos de graduação em saúde da Universidade de Pernambuco (UPE) no Campus Petrolina e proceder análise comparativa entre os Projetos Pedagógicos Curriculares (PPCs) dos respectivos cursos das IES do Polo Petrolina-PE-Juazeiro-BA, confrontando-os com a legislação vigente.
Metodologia
Trata-se de pesquisa qualitativa e descritiva por meio da análise documental dos Projetos Pedagógicos Curriculares (PPCs) dos cursos de graduação em saúde da UPE Campus Petrolina, procedendo a análise comparativa entre os PPCs dos cursos de saúde de quatro outras IES do Polo Petrolina-PE-Juazeiro-BA. Essa pesquisa é parte integrante do projeto intitulado Suporte Básico de Vida nos cursos de graduação em saúde: análise do conteúdo curricular e capacitação discente, cujo parecer de aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco - CEP Reitoria - está registrado sob nº 2.881.184.
Como critério de inclusão, estabeleceu-se que a IES deveria ter regularização junto aos órgãos competentes e autorização para funcionamento de acordo com a sua missão. Para fins de análise documental, foram incluídos os PPCs de todos os cursos de graduação em saúde ofertados pela UPE Campus Petrolina. Adicionalmente, foram incluídos os PPCs dos cursos de saúde ofertados por quatro IES do Polo Petrolina-PE-Juazeiro-BA, sendo uma instituição federal e três instituições da rede privada de ensino.
Os documentos analisados pertencentes aos cursos de saúde da UPE, foram disponibilizados pela coordenação dos referidos cursos, e seu uso na pesquisa foi formalmente autorizado através do termo de concessão assinado pela direção da instituição. Além disso, os PPCs estão disponíveis no site institucional da UPE. Da mesma forma, os PPCs das demais IES foram obtidos em consulta aos sites das referidas instituições, que disponibilizam as informações e a matriz curricular dos cursos para acesso público.
Os critérios de análise dos PPCs no intuito de se verificar a presença do conteúdo de SBV foram: presença de componente curricular de urgência e emergência; presença da temática SBV abordada em outra disciplina; SBV abordado individualmente ou em conjunto com Suporte Avançado de Vida (SAV); presença do conteúdo de SBV na ementa e nas referências bibliográficas de componente curricular; relação equiparada entre carga horária teórica-prática e o período no qual a disciplina é ofertada.
Resultados e Discussão
Os conteúdos curriculares dos cursos de graduação em saúde implementados pelos PPCs constituem um dos elementos do processo de formação que implica no desenvolvimento de um perfil profissional voltado para qualificação do cuidado da assistência à saúde. Nesse sentido, acreditamos ser relevante averiguar se o conteúdo de SBV, preconizado pelas diretrizes da American Heart Association (AHA) e Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), está inserido na matriz curricular dos respectivos cursos, discutir aspectos pedagógicos e da legislação vigente, e inferir quais as possíveis implicações na assistência à saúde.
Nesta ótica, obedecendo aos critérios de elegibilidade, foram selecionados os PPCs dos cursos de graduação em saúde ofertados por cinco IES do Polo Petrolina-PE-Juazeiro-BA; sendo duas instituições públicas, a UPE Campus Petrolina e uma instituição federal, e três IES da rede privada de ensino. Para fins de análise comparativa, os cursos de graduação selecionados foram Enfermagem, Fisioterapia e Nutrição. A distribuição dos cursos por IES está apresentada no quadro 1.
Cursos | Instituições de Ensino Superior | ||||
---|---|---|---|---|---|
Federal | Privada 1 | Privada 2 | Privada 3 | UPE | |
Enfermagem | X | X | X | X | X |
Fisioterapia | --- | X | X | X | X |
Nutrição | --- | --- | X | X | X |
Fonte: Dados dos autores. X = Presença; --- = Ausência.
Análise Curricular dos PPCs de Enfermagem
A apreciação dos PPCs dos cursos de graduação em Enfermagem, Fisioterapia e Nutrição da UPE Campus Petrolina, quanto à presença do conteúdo de SBV na grade curricular, mostrou que apenas o curso de Enfermagem contempla o ensino dessa temática. Nesse curso, o conteúdo de SBV está inserido na disciplina obrigatória Cuidar de Enfermagem nas Emergências e Traumas, ofertada no 7º período, com carga horária de 120 horas; entretanto, o SBV é abordado apenas em uma aula de Princípios do Advanced Cardiovascular Life Suport (ACLS), com carga horária teórica de 4 horas e 4 horas práticas. O quadro 2 apresenta os critérios analisados separados por IES.
Resultado semelhante foi constatado na análise dos PPCs dos cursos de Enfermagem ofertados pelas outras IES (Quadro 2). Todos os cursos apresentaram o conteúdo de SBV nas suas matrizes curriculares em disciplinas obrigatórias; sendo que na instituição federal, a temática é abordada em uma carga horária de 8 horas (4h teóricas e 4h práticas) dentro da disciplina Paciente Crítico I, no 8º período. Nas instituições privadas, o SBV é ofertado na disciplina de Urgência e Emergência, no 7º período, com carga horária similar aos demais cursos avaliados.
Critérios | Instituições de Ensino Superior | ||||
---|---|---|---|---|---|
Federal | Privada 1 | Privada 2 | Privada 3 | UPE | |
Presença de componente curricular de urgência e emergência | X | X | X | X | X |
Presença da temática SBV abordada em outra disciplina | X | X | X | X | X |
SBV abordado individualmente ou em conjunto com SAV | X | X | X | X | X |
Presença do conteúdo de SBV na ementa e nas referências bibliográficas de componente curricular | X | X | X | X | X |
Relação equiparada entre carga horária teórico-prática e o período no qual a disciplina é ofertada | X | X | X | X | X |
Fonte: Dados dos autores. X = Presença; --- = Ausência.
De uma forma geral, todos os cursos de graduação em Enfermagem avaliados abordam o conteúdo de SBV isoladamente ou em conjunto com SAV, nos períodos finais dos cursos, ou seja, já no ciclo profissional, contemplam o referencial teórico na componente curricular e possuem uma relação de carga horária teórico-prática equiparada, ou seja, 4h teóricas e 4h práticas.
É imprescindível que os graduandos de enfermagem sejam estimulados e treinados em SBV para prestar um atendimento adequado e de qualidade, ao presenciar uma vítima de PCR, reduzindo ou evitando sequelas, diminuindo a taxa de mortalidade. Para tanto, esta temática necessita ser objeto de discussão na graduação, a fim de formar profissionais comprometidos com os problemas de saúde da população independente de sua especialidade e campo de atuação uma vez que, o enfermeiro atua no cuidado direto ao paciente e geralmente é o primeiro a identificar a PCR (DA SILVA et al., 2015).
Análise Curricular dos PPCs de Fisioterapia
A análise dos PPCs dos cursos de Fisioterapia oferecidos pelas cinco IES selecionadas nesta pesquisa, mostrou que exclusivamente a instituição privada 1 contempla o conteúdo de SBV em sua grade curricular, na disciplina de Urgência e Emergência, de forma precoce no 2º período. Tal achado corrobora com Kawakame e Miyadahira (2015), quando afirmam que é significativa a exposição precoce dos estudantes de saúde a essa temática, com intuito de desenvolver as habilidades necessárias logo no início da graduação e que podem ser reforçadas nos anos seguintes. É relevante advertir o escasso conhecimento e destreza da maioria dos estudantes da área da saúde referente ao SBV, sendo motivo de alerta e preocupação. O quadro 3 apresenta os critérios analisados separados por IES.
É importante salientar que a ausência do conteúdo de SBV nos programas das disciplinas dos demais cursos de graduação em Fisioterapia aqui avaliados, contrapõe a Resolução nº 501, de 26 de dezembro de 2018 do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), que reconhece a atuação do Fisioterapeuta na assistência à saúde nas unidades de Emergência e Urgência. Logo, uma vez que esse profissional integra a equipe multidisciplinar de saúde, preconiza-se sua capacitação em SBV e SAV. Vale ressaltar que, devido a afinidade com a temática, a disciplina Fisioterapia Cardiovascular e Pneumofuncional poderia contemplar o conteúdo do SBV, contudo, sendo necessário a inserção desse na ementa programa, bem como no referencial teórico da disciplina.
Instituições de Ensino Superior | ||||
---|---|---|---|---|
Critérios | Privada 1 | Privada 2 | Privada 3 | UPE |
Presença de componente curricular de urgência e emergência | X | --- | --- | --- |
Presença da temática SBV abordada em outra disciplina | X | --- | --- | --- |
SBV abordado individualmente ou em conjunto com SAV | X | --- | --- | --- |
Presença do conteúdo de SBV na ementa e nas referências bibliográficas da componente curricular | X | --- | --- | --- |
Relação carga horária teórico-prática e o período no qual a disciplina é ofertada | X | --- | --- | --- |
Fonte: Dados dos autores. X = Presença; --- = Ausência.
Análise Curricular dos PPCs de Nutrição
Ao analisar os PPCs dos cursos de graduação em Nutrição oferecidos pelas cinco IES selecionadas, verificou-se ausência do conteúdo de SBV em todas as grades curriculares (Quadro 4).
Instituições de Ensino Superior | |||
---|---|---|---|
Critérios | Privada 2 | Privada 3 | UPE |
Presença de componente curricular de urgência e emergência | --- | --- | --- |
Presença da temática SBV abordada em outra disciplina | --- | --- | --- |
SBV abordado individualmente ou em conjunto com SAV | --- | --- | --- |
Presença do conteúdo de SBV na ementa e nas referências bibliográficas da componente curricular | --- | --- | --- |
Relação carga horária teórico-prática e o período no qual a disciplina é ofertada | --- | --- | --- |
Fonte: Dados dos autores. X = Presença; --- = Ausência.
Esse resultado é preocupante, pois entra em conflito com o entendimento do nutricionista como profissional de saúde inserido no contexto da equipe multidisciplinar. Em conformidade com essa concepção, DA SILVA et al. (2019) afirma que os profissionais de saúde, independente da sua especialidade, devem ter domínio sobre os conhecimentos de SBV necessários ao atendimento a PCR, porquanto essa é reconhecida como a mais grave emergência clínica, podendo ocorrer a qualquer momento e em qualquer lugar, e causa na equipe muito estresse, cansaço, ansiedade e exaustão. Assim, devem ser adquiridas habilidades que possibilitem atuar de maneira rápida e eficaz durante essa emergência.
De acordo com a Constituição Federal de 1998, em seu art. 200, compete ao Sistema Único de Saúde (SUS) ordenar a formação dos recursos humanos em saúde. Em vista disso, com o propósito de oferecer uma formação que possibilite a qualificação do cuidado da assistência à saúde contemplando os princípios do SUS, o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Saúde (MS) instituíram as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) para 14 profissões da área da saúde (DO BRASIL, 2010; COSTAa et al., 2018). As DCNs são utilizadas pelas IES em todo o país, como referência padrão para a elaboração de seus PPCs sob uma perspectiva interdisciplinary que direcione o processo de ensino-aprendizagem, devendo contemplar os elementos sobre perfil, competências e habilidades dos egressos, onde os conteúdos curriculares apresentem inter-relação entre sociedade, cultura e educação, de tal forma que a organização do curso atenda às demandas do SUS (COSTAa et al., 2018).
Essa inter-relação deve ser estabelecida no ensino de graduação, uma vez que essa compreende um estágio do processo de formação, onde os conteúdos estabelecidos na grade curricular devem alicerçar o desenvolvimento do perfil profissional, a partir do método de aprender a aprender, atendendo às demandas da sociedade. Em adição, o ensino de graduação necessita priorizar a formação de profissionais autônomos e flexíveis que saibam lidar com a constante produção de conhecimentos e os desafios reais do ambiente de trabalho (COSTAb et al., 2018; DE AZAMBUJA ZOCCHE, 2007). Mais que a integração teórica de temas e disciplinas na proposta curricular, presume-se que o aprendizado integrado aconteça de fato para cada um dos estudantes, e espera-se que o currículo facilite este processo (IGLÉSIAS; BOLLELA, 2015).
No que concerne ao SBV, é imprescindível que os discentes dos cursos da área da saúde detenham conhecimento teórico-prático a fim de realizar o atendimento à vítima de PCR com segurança e destreza. Para tanto, considera-se fundamental que as IES instituam em suas matrizes curriculares, disciplinas pertinentes ao atendimento em urgência e emergência que contemplem o SBV como temática principal, e não apenas inserí-lo como conteúdo de apenas uma aula com carga horária mínima. Essas disciplinas devem ainda aproximar os estudantes dos conceitos e condutas para o SBV, bem como do protocolo de RCP fundamentado nas diretrizes das sociedades e órgãos de cardiologia como os preconizados pela AHA e a SBC (DA SILVA et al., 2019).
Nesta perspectiva, o foco principal da SBC tem sido o treinamento de profissionais de saúde em SBV com o objetivo de reverter a PCR por meio de atendimento adequado, livre de imperícias, minimizando a morbimortalidade e favorecendo maior probabilidade de RCE. Desse modo, em 2013, seguindo as diretrizes da AHA, a SBC publicou a I Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência, com adaptações voltadas para atender a realidade brasileira (DA SILVA SALAZAR, 2017; BERNOCHE et al., 2019).
O sucesso no atendimento da PCR depende não só da disponibilidade e funcionalidade do equipamento de reanimação, mas também do treinamento da equipe multiprofissional. Nesse sentido, foi idealizada a criação de times especializados na assistência de emergências com o objetivo de prestar um atendimento rápido e efetivo às vítimas de PCR. Nessas situações, um time de profissionais é acionado e se desloca imediatamente para o local da ocorrência. Com base nesse conceito, oInstitute for Healthcare Improvement(IHI) recomendou em 2004 a implementação dos Rapid Response Teams ou Times de Resposta Rápida (TRR) nos hospitais que são acionados pelo código azul, como parte de uma estratégia para evitar a ocorrência de PCRs e, consequentemente, reduzir a mortalidade hospitalar (GONÇALES et al, 2012; SANTANA-SANTOS, 2017).
O código azul é um modelo de acionamento do TRR para atendimento da PCR intra-hospitalar, fora de unidades críticas (unidade de terapia intensiva, pronto-socorro ou centro cirúrgico). O TRR é composto por profissionais de saúde e têm como objetivo a identificação e tratamento precoce dos pacientes, adultos e pediátricos, que apresentem deterioração clínica ou se encontrem em risco de morte, fora do ambiente de unidades críticas (DE LIMA LOPES et al., 2012). Em 2003 a SBC considerou o médico e enfermeiro como profissionais de saúde integrantes do TRR e responsáveis diretamente pelo atendimento a PCR no ambiente intra-hospitalar, todavia, em adição recomendou o treinamento dos demais profissionais não envolvidos diretamente no atendimento, a saber, o fisioterapeuta em SBV e SAV e o nutricionista em SBV (GOMES et al., 2003).
No código de ética dos profissionais de Nutrição de 2004, no capitulo IV que dispunha sobre responsabilidade profissional, era previsto ao nutricionista, no art. 6º inciso IV, prestar assistência inclusive em setores de urgência e emergência, quando fosse de sua obrigação fazê-lo. Em 2018, o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) alterou o código de ética e revogou o art.6, o que não condescende com as DCNs do curso de Nutrição que, de acordo com Costaa et al. (2018), reconhecem que o profissional precisa realizar ações conforme a necessidade de saúde do indivíduo, família e/ou sociedade, na perspectiva da integralidade em todos os níveis de complexidade do sistema.
O currículo mínimo para diversos cursos de graduação do país foi estabelecido na década de 1960 pelo Conselho Federal de Educação (CFE), listando matérias que deveriam compor o currículo pleno dos cursos de graduação oferecido em cada instituição. Em 1970, o currículo mínimo do curso de Nutrição passou por uma revisão sob a crítica de não acompanhar o desenvolvimento técnico e científico e por não atender as necessidades da realidade brasileira. Por fim, a Resolução nº 5/2001 instituiu as DCNs do curso de graduação em Nutrição em substituição ao currículo mínimo, estruturando uma abordagem mais qualitativa do curso, voltada para tornar o estudante apto para compreender e atuar diante das necessidades de saúde da população (SOARES; AGUIAR, 2010).
Ainda no tocante ao curso de graduação em Nutrição, no que tange ao ensino do SBV, é preciso avançar na direção de uma revisão da matriz curricular nacional. Santos et al. (2015) enfatizam que para alcançar esse objetivo pode ser necessária uma mudança da política nacional, como nos países desenvolvidos. Isso porque, embora as habilidades básicas de SBV sejam consideradas obrigatórias em todas as profissões da saúde, é muito difícil garantir que esse seja o caso no Brasil. Nesse contexto, Santos et al. (2015) reiteram a importância da inclusão do conteúdo de SBV no currículo dos cursos de graduação, independentemente da área de estudo, tal é a importância desse conhecimento para a saúde pública.
Contrariamente, houveram avanços no que tange às atribuições e competências do profissional de Fisioterapia no atendimento à PCR em ambiente intra-hospitalar. A Resolução nº 501 do COFFITO não apenas reconhece a atuação do fisioterapeuta na assistência à saúde no setor de urgência e emergência, como endossa o reconhecimento internacional quanto à presença do fisioterapeuta como profissional habilitado a compor o TRR; sendo recomendado a capacitação desse profissional em SBV e SAV de acordo com as diretrizes da AHA.
Esse reconhecimento do COFITTO foi legitimado pela SBC que, em setembro de 2019, publicou a Atualização da Diretriz de Ressuscitação Cardiopulmonar e Cuidados Cardiovasculares de Emergência da Sociedade Brasileira de Cardiologia 2019, ratificando não apenas a Resolução nº 501, como o que vem sendo implementado mundialmente, a exemplo da Austrália, muitos países da Europa e nos Estados Unidos, no tocante à inserção do fisioterapeuta, juntamente com o médico e enfermeiro, como equipe multiprofissional que compõe o TRR (BERNOCHE et al. 2019). Nessa conjuntura, as IES que oferecem o curso de graduação em Fisioterapia deverão readequar seus PPCs para atender esse precedente legal, garantindo ao estudante o desenvolvimento de competências e habilidades em SBV e SAV ainda na graduação, bem como seu aperfeiçoamento durante a carreira profissional, na forma de recursos de educação continuada.
Considerações Finais
Os resultados do presente estudo sinalizam para uma defasagem dos Projetos Pedagógicos Curriculares dos cursos de graduação em Fisioterapia e Nutrição, em relação aos de Enfermagem, na rede de ensino superior do Polo Petrolina-PE-Juazeiro-BA, quanto à oferta do conteúdo Suporte Básico de Vida na matriz curricular. Os achados contrapõem as Diretrizes Curriculares Nacionais que preconizam a elaboração dos currículos de graduação sob uma perspectiva interdisciplinar, contemplando competências e habilidades necessárias ao desempenho do egresso na inter-relação entre educação e sociedade.
No que concerne ao curso de graduação em Enfermagem, observa-se que, apesar do conteúdo constar na matriz curricular de todas as instituições selecionadas, não é possível garantir a eficiência do ensino da temática de SBV no que tange ao desenvolvimento cognitivo e das habilidades psicomotoras dos estudantes, uma vez que esse conteúdo é ofertado em carga horária mínima, nas aulas de ACLS em disciplinas que abordam o SAV.
No que se refere ao curso de Fisioterapia, a ausência do conteúdo de SBV na matriz curricular da UPE e nas outras duas IES privada, fere a resolução nº 501 do COFFITO que reconhece a presença do fisioterapeuta no setor de urgência e emergência e exige que esse profissional seja capacitado em SBV e SAV. No tocante ao curso de Nutrição, se faz necessária a inserção do conteúdo de SBV na grade curricular, uma vez que o nutricionista pode enfrentar uma situação de PCR na sua rotina de trabalho, como membro da equipe multidisciplinar de saúde, devendo estar capacitado a realizar o SBV.
Considerando a relevância e magnitude da PCR como um problema de saúde pública, é imperioso que todos os profissionais de saúde, independente da área de atuação, possuam o treinamento em SBV de acordo com as diretrizes da AHA e SBC. Logo, acreditamos ser fundamental a capacitação dos discentes de saúde em SBV, com a finalidade de desenvolver, ainda na graduação, habilidades cognitivas e psicomotoras para um atendimento sistematizado e eficaz a PCR através das manobras de ressuscitação, possibilitando maior sobrevida às vítimas.
Por fim, é necessário reconhecer as limitações do presente estudo, no que se refere ao fato de que a análise dos Projetos Pedagógicos Curriculares está restrita às instituições de ensino superior do Polo Petrolina-PE-Juazeiro-BA. No que se refere à Universidade de Pernambuco, os resultados delineam a situação de apenas um Campus, não tendo sido analisados os demais cursos de graduação em saúde da UPE, distribuídos em diversos municípios de Pernambuco. Contudo, nos arriscamos a afirmar que não encontramos estudos com metodologia similar realizados em outras regiões do Brasil, não sendo objeto de estudo do presente artigo a comparação entre regiões.