Aresponsabilidade da escola na vida de jovens encontra-se bem consolidada na literatura. Acresce que os/as jovens têm relações diferentes com a escola, uma vez que o seu sentido de pertença e de sucesso está relacionado com muitos fatores que influenciam o capital social e cultural, tais como classe social, género, etnia, geografia, motivação e cultura. No entanto, preocupadas com a promoção da equidade, as escolas têm um papel social claro no desenvolvimento dos percursos educativos de jovens (Silva & Abrantes, 2017). As escolas continuam a ser compreendidas como lugares de formação e educação de cidadãos ativos e livres em sociedades cada vez mais complexas (Dewey, 1916).
Dado que as escolas são contextos sociais centrais, é importante estudar como desenvolvem e promovem os percursos educativos de jovens quando localizadas em contextos específicos com desafios adicionais em nível demográfico, social, económico, cultural e educacional. Além disso, é importante prestar atenção a jovens de contextos periféricos, como são as regiões rurais ou algumas regiões fronteiriças, muitas vezes esquecidos dos estudos sociológicos e educacionais, uma vez que enfrentam desafios específicos, dado terem de lidar com menos recursos, com exigências locais e globais (Silva, 2013, 2014; Silva & Abrantes, 2017). Nesse cenário, o conceito de escolas resilientes torna-se relevante. Em particular, a perspetiva ecológica da resiliência (Adger, 2000; Ungar, 2012) apresenta um quadro importante para compreender como as escolas procuram e promovem a qualidade no contexto educativo.
Este trabalho foi realizado como parte integrante de um programa de doutoramento e de um projeto de investigação desenvolvido em nível nacional. O projeto visa a compreender a influência recíproca de fatores individuais, contextuais/institucionais e sistémicos nas biografias de jovens nas regiões fronteiriças, bem como analisar a forma como as escolas e as comunidades lidam com desigualdades. Tomar em consideração fatores contextuais permite compreender melhor a relevância desta nossa proposta para refinar o conceito de escolas resilientes quando desafiadas por condições de contextos particulares. Uma vez que as escolas nas regiões fronteiriças, e, muitas vezes, simultaneamente rurais, são particularmente relevantes, não só pelo papel social tradicionalmente atribuído à escola, mas também para o desenvolvimento local, considerámos que o conceito de escolas resilientes poderia trazer novos contributos importantes para pensar a escola nesses contex- tos. Embora o ponto de partida deste artigo seja a consciência dos desafios que as escolas nas regiões fronteiriças portuguesas têm, quando comparadas com as escolas urbanas, considerámos que o conceito de escolas resilientes pode permitir uma reflexão e análise em diferentes sistemas educativos, nomeadamente escolas em risco e em locais periféricos.
Escolas e abordagens de resiliência: Justificar o conceito de resiliência
As escolas continuam a enfrentar desigualdades estruturais relacionadas com classe social, género e etnia (Bourdieu, 1979/2010), mas também relacionadas com localização geográfica, demografia, níveis de desenvolvimento e cultura. Todas essas dimensões intersectadas podem influenciar a forma como as escolas avaliam as suas condições e planeiam a sua ação, particularmente como resultado da distribuição desigual das oportunidades educativas em alguns territórios. O facto de as escolas serem instituições permeadas por fatores contextuais (Boix-Tomàs et al., 2015) levanta questões adicionais que podem influenciar a sua capacidade de resposta ou de antecipação de desafios, sendo, por essa razão, relevantes a considerar quando se estuda a sua resiliência.
A literatura nacional e internacional sugere que as escolas em regiões periféricas, tais como as zonas fronteiriças, enfrentam desafios educacionais específicos (Amiguinho, 2008; Heggen, 2000; Silva, 2014; Silva & Silva, 2018). O sistema educativo português está organizado em agrupamentos de escolas, isto é, “unidades organizacionais que podem abranger várias escolas e ciclos de apren- dizagem, desde o jardim de infância até o ensino secundário superior” (European Commission & European Education and Culture Executive Agency [Eurydice], 2020, p. 26, tradução nossa). Os níveis de ensino estão organizados por meio de um ciclo prévio opcional (pré-escolar; 3-6 anos) e quatro ciclos obrigatórios, sendo três ciclos básicos e o último ciclo secundário: primeiro ciclo (6-10 anos), correspondente ao ensino primário; segundo ciclo até o 6º ano (10-12 anos); terceiro ciclo até o 9º ano (12-15 anos); e ensino secundário (15-18 anos). Alguns agrupamentos de escola de regiões de fronteira não oferecem estudos até o ensino secundário (obrigatório em Portugal), como consequência de falta de estudantes decorrente do despovoamento, o que traz um esforço adicional para alguns/algumas jovens e famílias que precisam de se mudar para outro município com o objetivo de completar o ensino obrigatório. Além disso, a maioria dos/as jovens precisa deixar a sua região para prosseguir estudos no ensino superior (Silva, 2014; Silva & Silva, 2018), o que constitui mais uma dificuldade para as famílias de menores rendimentos. Também nesses contextos, a oferta curricular é menos diversificada, e os agrupamentos de escola estão geograficamente dispersos, resultando em tempos de viagem mais longos, muitas vezes apenas duas vezes por dia devido a redes de transporte insuficientes.
Dadas essas especificidades e desafios adicionais em comparação com outros contextos em Portugal, foi relevante discutir o conceito de escolas resilientes. A nossa premissa era que precisávamos compreender se o conceito de escolas resilientes, que tem sido utilizado noutros estudos, tanto em nível nacional como internacional, poderia servir para uma melhor compreensão das ações e planeamento dessas escolas.
Leite e Fernandes (2014) identificam mudanças, ao longo das últimas duas décadas, com influência na dinâmica das escolas em Portugal. As autoras referem especificamente a organização das escolas portuguesas em agrupamentos de escola, a implementação da avaliação externa, a extensão da escolaridade obrigatória até os 18 anos de idade, bem como o desenvolvimento da educação para a cidadania e da educação intercultural. Por conseguinte, considerámos que essas mudanças requerem novas configurações das escolas e que, como salientado por diversos autores (Phillips et al., 2014; Whitney et al., 2012), são fundamentais no exercício de conceptualizar abordagens resilientes nas escolas.
Vários campos científicos se dedicaram ao estudo da resiliência, como engenharia, psicologia, ecologia e estudos sobre sustentabilidade (Thóren, 2014). Embora a resiliência seja predominantemente concetualizada pelo seu enfoque no indivíduo, autores como Luthar et al. (2000, p. 543, tradução nossa) definem-na como “um processo dinâmico que abrange a adaptação positiva [de um indivíduo] no contexto de uma adversidade significativa”. Adicionalmente, autores como Masten et al. (1990) argumentam que a adaptação positiva do indivíduo, no contexto da adversidade, é essencial para a definição de resiliência. Tanto Masten e seus colaboradores (1990) como Luthar e seus colaboradores (2000) defendem que a resiliência não se esgota num traço ou característica do indivíduo, mas implica um processo dinâmico de adaptação positiva do indivíduo num contexto de adversidade.
Embora aquelas teorias coloquem a atenção sobre o indivíduo, neste artigo situamo-nos numa perspetiva ecológica de resiliência que considera a pessoa e as suas ecologias como parte do mesmo processo, envolvendo negociação e inter-relação (Adger, 2000; Ungar, 2012). Segundo Ungar (2012, p. 28, tradução nossa),
. . . esta é a inversão do nosso pensamento que está a transformar o estudo da resiliência da atenção às capacidades dos indivíduos para uma compreensão mais complexa da capaci- dade das ecologias sociais e físicas para potenciar os processos protetores que contribuem para o que definimos como resultados funcionais associados à resiliência em contextos de adversidade.
Perspetivas ecológicas e contextuais foram mobilizadas no âmbito dos estudos educativos sociais e científicos (Ferreira et al., 2012). Centrando-se em teorias ecológicas de resiliência que reconhecem a relevância das ecologias pessoais, e na teoria ecológica do desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 1989), este artigo propõe examinar a resiliência de uma ecologia humana relevante: a escola. O foco não está no nível individual, mas sim no nível institucional. Por outras palavras, a nossa atenção está na concetualização das escolas resilientes como instituições e não na resiliência escolar dos atores da escola.
Nessa linha de pensamento, Whitney et al. (2012, p. 35, tradução nossa) definem escolas resilientes, afirmando que “organizações e sistemas também podem ter um desempenho acima das expectativas em face de ambientes de elevado estresse e/ou risco e podem ser considerados resilientes”, e essa definição é partilhada por outros autores, tais como Phillips et al. (2014).
É importante notar que estudos sobre organizações resilientes, em outros campos além da educação, enfatizam a importância do compromisso com a missão da organização, a capacidade de improvisar, a criatividade, a reciprocidade por parte da comunidade que tira proveito do serviço, a proatividade, a transparência fiscal, a busca de oportunidades e a solução de problemas (Witmer & Mellinger, 2016).
Existem vários níveis de fatores protetivos que promovem escolas resilientes e ajudam a ultrapassar situações adversas. O estudo de Whitney et al. (2012) enfatiza o apoio administrativo, a colaboração profissional, os programas de apoio da escola que promovem um ambiente de cuidado para com os/as estudantes, bem como os sistemas de apoio interno e externo. Outros autores salientam fatores adicionais, tais como a sinergia entre a visão da escola e a comunidade educativa, parcerias e alianças estratégicas em nível interno e com a comunidade envolvente, liderança sólida, apoio a docentes e pessoal não docente, bem como colaboração e comunicação com as famílias (Esquivel et al., 2011; Naicker et al., 2016; Phillips et al., 2014). A literatura valoriza a resiliência no sector educativo, e os resultados empíricos sugerem um impacto positivo das escolas resilientes nas práticas escolares de sucesso, bem como na resiliência individual e no sucesso académico dos/as estudantes (Esquivel et al., 2011; Naicker et al., 2016; Phillips et al., 2014; Silva & Silva, 2021). As características das escolas resilientes identificadas a partir da literatura publicada seguem a whole school approach, colocando em interação as figuras individuais das escolas, o currículo, os processos de ensino e aprendizagem, a dinâmica e o ethos escolar, assim como as políticas (Goldberg et al., 2018).
É importante distinguir esses estudos dos estudos sobre eficácia escolar e teorias de melhoria escolar mais preocupados com os resultados (Patterson et al., 2002; Stoll & Fink, 1996). Por sua vez, as escolas resilientes concentram-se no enfrentamento de situações adversas enquanto, ao mesmo tempo, promovem os percursos educativos dos/as seus/suas estudantes, incluindo o sucesso escolar, o desenvolvimento e o bem-estar dos/as jovens. A principal diferença das escolas resilientes em face das teorias sobre eficácia escolar e teorias da melhoria escolar diz respeito à consideração específica dos contextos escolares. Uma escola resiliente considera cuidadosamente os fatores contextuais (internos e externos) ao atuar e planear a sua missão educativa, nomeadamente aquando da existência de condições adversas: “quando se acrescenta à mistura um ambiente de adversidade de crise ou adversidade contínua, alterou-se o quadro de referência para a resiliência” (Patterson et al., 2002, p. 4, tradução nossa).
Autores como Timm et al. (2008), para o contexto brasileiro, sublinham também a importância de refletir sobre o conceito de resiliência em contextos educativos, especificamente no que se refere a docentes. Esses autores sublinham que as pessoas podem enfrentar situações adversas e geri-las. Embora as figuras das escolas, enquanto docentes, sejam da maior importância, a nossa abordagem para compreender a resiliência é focada em toda a escola, em vez de nos concentrarmos em seus atores isoladamente.
Reconhecendo o potencial do conceito de escolas resilientes, este artigo irá analisar várias perspetivas presentes em estudos centrados nesse assunto e em documentos estruturais de escolas que têm desafios diários a resolver. Depois disso, iremos propor novos indicadores de escolas resilientes.
A resiliência e as estratégias de qualidade nas escolas: Justificação da sua relação
As escolas resilientes podem ser uma resposta à proposta de formas alternativas de estudar a qualidade das escolas (Motala, 2001). Autores como Dijkstra et al. (2017, p. 77, tradução nossa) consideram que é importante estudar a qualidade das escolas para além dos resultados académicos dos/as estudantes, nomeadamente concentrando-se em resultados sociais e considerando “contexto, input, processo e output”. Para além das classificações/rankings escolares e medidas baseadas apenas em resultados, que podem maximizar desigualdades, este artigo considera que a qualidade se relaciona também com o cumprimento de um papel/função e a adaptação a contextos escolares internos e externos em prol de percursos significativos para crianças e jovens. Ou seja, o conceito de qualidade também se refere a percursos educativos ajustados à realidade de cada jovem, de acordo com os seus objetivos, valorizando a educação formal, não formal e informal e salvaguardando oportunidades que estimulem a possibilidade de expectativas promissoras para todos/as.
De acordo com Cheng e Tam (1997, p. 27, tradução nossa), “não importa se se refere ao input, processo, resultado, ou a todos estes, a definição de qualidade em educação pode frequentemente ser associada ao cumprimento do seu propósito, à satisfação das necessidades dos círculos estratégicos”. Argumentamos que as escolas resilientes podem ser importantes para pensar sobre a qualidade das escolas e para compreender a operacionalização das missões educativas, uma vez que essa abordagem não considera os resultados independentemente dos seus inputs, processos e contextos. As escolas podem promover a qualidade da ação educativa se estiverem mais bem preparadas para satisfazer as suas necessidades internas e externas e se estiverem orientadas para objetivos realizáveis que façam sentido nos seus contextos. Nesse alinhamento, as características das escolas resilientes podem ser importantes quando se pensa nas estratégias de qualidade das escolas. A capacidade de resposta e a ação educativa ajustada, tendo em conta os contextos escolares internos e externos, promoverão um melhor cumprimento dos objetivos das escolas enquanto instituições, juntamente com estudantes e comunidade envolvente (Dias Sobrinho, 2012): a noção de qualidade que considerámos neste artigo leva em conta o ajustamento das ações educativas às realidades das escolas com vista ao alcance dos seus objetivos.
Além disso, a discussão sobre o conceito de escolas resilientes se beneficia do modelo de aprendizagem organizacional da qualidade da educação, proposto por Cheng e Tam (1997), e que aborda a dinâmica e o desenvolvimento contínuo na procura de melhoria constante. O conceito de escolas resilientes permite ainda abordar a qualidade das escolas considerando uma perspetiva espacializada.
Artigos recentes, no âmbito do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil), sublinham que pensar na qualidade da educação é fundamental para considerar várias dimensões que influenciam o cumprimento e garantia dos direitos das crianças e jovens. Citando Nascimento e Cury (2020, p. 679), “ela [qualidade] depende, além dos fatores econômicos, de condições políticas, engajamento da família e da sociedade, nível de democracia e estruturas de Estado para assegurar sua efetividade”.
Considerando que a “qualidade na educação deve ser consistente com a compreensão do próprio processo educativo” (Elassy, 2015, p. 258, tradução nossa), o conceito de escolas resilientes permite perceber como as escolas podem ajustar-se e melhorar continuamente em circunstâncias e contextos específicos desafiantes. Na procura da qualidade educativa, as escolas devem considerar as necessidades e características das realidades internas e envolventes, e contribuir para o desen- volvimento dos/as jovens como cidadãos, respeitando os seus direitos (Dijkstra et al., 2017; Leite & Fernandes, 2014; Nascimento & Cury, 2020; Silva & Silva, 2021; Dias Sobrinho, 2012).
Metodologia
Recolha e análise de dados
Realizámos um estudo qualitativo para compreender de que modo a literatura académica publicada e não publicada trabalha o conceito de escolas resilientes. Adicionalmente, explorámos de que modo documentos oficiais desenvolvidos por escolas localizadas em regiões de fronteira portuguesas espelham características das escolas resilientes. A especificidade dessas regiões, muitas vezes com menos oportunidades e mais desvantagens, é experienciada nos contextos escolares e visível nos documentos oficiais das escolas, o que nos permite contactar com conteúdos relevantes quando pensamos o potencial de renovação e superação das escolas em face dos seus desafios.
Este estudo é baseado na análise documental e análise de conteúdo (Bardin, 2011). A análise de conteúdo, apoiada pelo software NVIVO 11, incluiu leitura flutuante, codificação e refinamento analítico, permitindo a análise e a interpretação dos dados. Esses procedimentos seguiram um modelo indutivo de investigação, e as categorias, na sua maioria, são emergentes dos dados. Tendo em conta o objetivo deste estudo e a natureza dos dados empíricos, orientámo-nos por essa estratégia metodológica.
Encontrámos escassa literatura científica sobre o tema, por meio de diferentes tipologias de literatura académica (mais teórica ou empírica), principalmente proveniente das áreas das ciências sociais, humanidades e educação, e identificou-se a necessidade de complementar esses dados com análise de conteúdo dos documentos oficiais das escolas. Este artigo procura estudar os diferentes usos do conceito na literatura científica e levou-nos a colocar em diálogo a literatura científica com as contribuições dos documentos escolares.
Para fundamentar o nosso estudo, começámos por fazer uma revisão sistemática da literatura (Efron & Ravid, 2019), seguida de uma análise de conteúdo (Bardin, 2011; Windle, 2011). Aplicámos vários critérios na recolha da literatura a ser analisada e desenvolvemos a análise de forma estruturada, a fim de informar o conceito. Para além da revisão da literatura (Efron & Ravid, 2019), analisámos também literatura publicada e não publicada, bem como documentos escolares. O objetivo do artigo e a natureza dos dados justificaram a estratégia metodológica.
Procedimentos relativos à seleção e análise da literatura
Os dados empíricos analisados incluíram literatura publicada e não publicada (artigos, dissertações de mestrado e teses de doutoramento) até junho de 2020, e 38 projetos educativos de agrupamentos de escola (um agrupamento de escolas selecionado de cada município com localização na fronteira entre Portugal e Espanha).
A análise da literatura publicada e não publicada incluiu documentos completos recolhidos a partir de bases de dados, especificamente EBSCOhost e Online Knowledge Library. Desenvol- vemos a nossa pesquisa por meio dessas bases de dados, uma vez que: i) por intermédio delas po- demos aceder a publicações internacionais e nacionais; ii) integram trabalhos publicados que podemos encontrar noutras bases de dados, como a Web of Science.
As palavras de pesquisa foram escritas em português e/ou inglês: “escola resiliente” e “escolas resilientes”. Para refinar a pesquisa (de 291 documentos, apenas 4 eram dissertações de douto- ramento, e os restantes eram artigos), apagámos duplicados, assim como os documentos em que as palavras de pesquisa só apareciam na biografia dos autores ou na secção de referências, e guardámos apenas documentos com texto integral disponível. Essas etapas conduziram a uma seleção final de 116 documentos, que foram analisados e organizados em áreas temáticas, permitindo-nos ter uma visão global sobre como o conceito de escola resiliente vem sendo utilizado na literatura e informando-nos quais as publicações em que tais escolas são o objeto de estudo principal.
Ao analisar os 116 documentos, verificou-se que a maioria dos artigos foca a resiliência dos membros da comunidade escolar em um nível individual (56 artigos, 48,28%). O termo “escola(s) resiliente(s)” surge nesses artigos, principalmente como um adjetivo ou um reforço da resiliência de estudantes e de líderes escolares. O objeto de estudo é a pessoa.
Outros artigos que utilizam o termo estão relacionados com questões de segurança (19 artigos), estudos ou projetos sobre violência e jovens (7 artigos), resiliência em áreas de privação ou conflito (4 artigos), bibliotecas escolares resilientes (2 artigos) e escolas resilientes como um tema que pode ser estudado utilizando metodologia de estudo de caso (2 artigos). Comum a todos esses temas é a presença do termo “escola(s) resiliente(s)” como uma característica ou uma forma de promover algo. Por fim, 26 documentos (22,41%), apenas artigos, são estudos realmente focados em escolas resilientes, consideradas claramente um objeto de estudo: estes compõem a nossa seleção final para uma análise aprofundada (Tabela 1).
Os 26 artigos selecionados são dos anos de 2001 a 2020. Nove deles são teóricos, um é um relato de um programa para promover ambientes educacionais resilientes, e 16 são artigos empíricos. A maioria dos artigos orienta-se por uma abordagem qualitativa, com entrevistas e grupos focais, análise de dados secundários, e apenas um artigo se baseia num questionário. Os artigos são predominantemente dos Estados Unidos da América (8), seguidos da Europa (6), África (5), Austrália (4) e Rússia (3).
Artigo (A) | Autor(es), data | País | Fonte de dados |
---|---|---|---|
A1 | Acevedo & Mondragón, 2005 | Colômbia | Apresentação de um programa para a promoção de ambientes educacionais resilientes e principais resultados |
A2 | Agasisti & Longobardi, 2014 | Itália | Análise de dados da OCDE-Pisa* |
A3 | Di Biase, 2017a | Austrália | Artigo teórico/Special issue |
A4 | Di Biase, 2017b | Austrália | Entrevistas |
A5 | Corbett & Hawkins, 2017 | Austrália | Entrevistas |
A6 | Eickelmann et al., 2019 | Alemanha | Análise de dados secundários |
A7 | Esquivel et al., 2011 | Estados Unidos da América | Artigo teórico/Special issue |
A8 | Fleisch & Christie, 2004 | África do Sul | Artigo teórico/Revisão da literatura |
A9 | Golubitsky, 2017 | Rússia | Análise de dados secundários |
A10 | Motala, 2001 | África do Sul | Teórico/Revisão da literatura |
A11 | Naicker et al., 2016 | África do Sul | Estudo de caso: entrevistas (entrevistas semiestruturadas e em grupo focal), observação, observação com diálogo com a direção e análise de documentos |
A12 | Patterson & Patterson, 2004 | Estados Unidos da América | Entrevistas em profundidade |
A13 | Perumal, 2009 | África do Sul | Artigo teórico/Experiência do autor e revisão da literatura |
A14 | Phillips et al., 2014 | Estados Unidos da América | Análise de dados secundários |
A15 | Pinskaya et al., 2018 | Rússia | Entrevistas; Grupo focal; Dados secundários |
A16 | Pinskaya et al., 2019 | Rússia | Análise de dados secundários |
A17 | Schelvis et al., 2014 | Reino Unido | Artigo teórico/Revisão da literatura |
A18 | Sharp, 2001 | Estados Unidos da América | Artigo teórico/Revisão da literatura |
A19 | Sibanda, 2017 | África do Sul | Artigo teórico/Revisão da literatura |
A20 | Smit, 2015 | África do Sul | Artigo teórico/Revisão da literatura |
A21 | Tintor, 2013 | Croácia | Entrevistas; Grupo focal |
A22 | Wallace et al., 2007 | Austrália | Análise de dados secundários; Entrevistas |
A23 | Wallin, 2008 | Canadá | Questionário; Análise de dados secundários; Grupo focal |
A24 | Watkins et al., 2007 | Reino Unido | Análise de dados secundários; Entrevistas |
A25 | Whitney et al., 2012 | Estados Unidos da América | Métodos mistos: Análise de dados secundários; Entrevistas |
A26 | Campos, 2020 | Espanha | Artigo teórico |
Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados da pesquisa.
Nota: Referência completa listada na secção Referências.
* Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A análise do conteúdo dos 26 artigos, desenvolvidos principalmente em países de língua inglesa, indica três categorias analíticas abrangentes ao considerar os fatores-chave das escolas resilientes: (i) a resolução de problemas como motor essencial da ação; (ii) estratégias e abordagens relativas a estratégias integradas; e (iii) o papel da comunidade escolar, pais/famílias e pessoas-chave da comunidade local. Dessas categorias, aquela que se encontra mais representada e é mais frequente é a que se refere às pessoas da escola e da comunidade local, tanto coletiva como individualmente, em prol da promoção de escolas resilientes. Em trabalhos nos quais o objeto de estudo são as escolas resilientes, o indivíduo é entendido como representando um papel com um impacto positivo no desenvolvimento desses contextos. Nesse sentido, mesmo quando se refere a indivíduos, essa abordagem de resiliência visa a “descentralizar o indivíduo como unidade primária de análise” (Ungar, 2012, p. 18, tradução nossa).
Dado que a literatura publicada sobre escolas resilientes que analisámos após a aplicação do referido conjunto de critérios não era muito extensa numericamente, considerámos relevante complementar o estudo com uma análise de conteúdo de projetos educativos desenvolvidos por escolas da região fronteiriça em Portugal Continental para melhor explorar os pontos fortes e a transferibilidade do conceito fornecido pela literatura, mas também para integrar aspetos adicionais que essas escolas trariam para a discussão.
Procedimentos relativos à seleção e à análise de projetos educativos de agrupamentos de escolas
A análise do conteúdo de projetos educativos de escolas fronteiriças em Portugal Continental é essencial para reforçar e/ou identificar características de escolas resilientes, considerando tanto a contribuição das escolas por meio da sua documentação oficial como os dados analisados a partir dos artigos científicos publicados.
Esse documento faz parte de um procedimento obrigatório para todas as escolas em Portugal, que devem conceber um projeto educativo de três em três anos para orientar a política e a prática educativa em torno de problemas, prioridades e estratégias práticas (Silva & Silva, 2018). Esses documentos são públicos e aprovados por cada Conselho Escolar, composto pelo/a diretor/a da escola e por representantes dos docentes, pessoal não docente, estudantes e comunidade em geral. Esses documentos são instrumentos de autonomia e de gestão das escolas. Citando a legislação portuguesa, os projetos educativos dão conta “dos princípios, valores, objetivos e estratégias para o cumprimento da sua missão educativa pelos agrupamentos escolares ou escolas não agrupadas” (Decreto-Lei n. 75, 2008, p. 2344).
Selecionámos as versões mais recentes disponíveis publicamente nos sítios web das escolas dos 38 agrupamentos escolares localizados em todos os municípios das regiões fronteiriças (38) (Tabela 2).
Para a seleção dos projetos educativos a analisar, salvaguardando a dimensão nacional da investigação, aplicamos os seguintes critérios: (i) em cada município, analisámos o projeto educativo do agrupamento escolar com oferta de ensino básico e secundário (EBS); (ii) nos casos em que não havia agrupamento escolar com oferta de ensino secundário, analisámos o projeto educativo do agrupamento escolar com oferta apenas de ensino básico (EB); (iii) no caso dos municípios onde havia mais de um agrupamento escolar com oferta de ensino básico e secundário, selecionámos aleatoriamente entre os agrupamentos escolares existentes de educação básica e secundária. Para a seleção, as escolas (agrupamentos e escolas não agrupadas) dos municípios fronteiriços foram enumeradas com base nos dados disponibilizados no sítio web da Direção-Geral de Estabelecimentos Escolares (DGEstE) para o ano letivo de 2015/2016.
Projetos educativos de agrupamentos de escolas (P) |
Região | Título |
---|---|---|
P1 | Alentejo (Sul) | “PE” * |
P2 | Algarve (Sul) | “PE” |
P3 | Centro | “PE: ensinar e aprender a crescer” |
P4 | Norte | “PE” |
P5 | Alentejo (Sul) | “PE” |
P6 | Alentejo (Sul) | “PE” |
P7 | Norte | “PE” |
P8 | Norte | “PE: mais e melhor escola pública” |
P9 | Alentejo (Sul) | “PE” |
P10 | Centro | “PE: juntos pela qualidade e rigor na formação e educação dos alunos” |
P11 | Alentejo (Sul) | “PE” |
P12 | Algarve (Sul) | “PE” |
P13 | Norte | “PE” |
P14 | Alentejo (Sul) | “PE” |
P15 | Centro | “PE” |
P16 | Norte | “PE: uma escola ativa para agir e interagir para a mudança e inovação pedagógica” |
P17 | Centro | “PE: do território educativo que somos para o território educativo que queremos ser” |
P18 | Alentejo (Sul) | “PE: qualidade e equidade - uma responsabilidade partilhada” |
P19 | Norte | “PE” |
P20 | Alentejo (Sul) | “PE” |
P21 | Norte | “PE” |
P22 | Norte | “PE: todos juntos pelo agrupamento” |
P23 | Norte | “PE” |
P24 | Norte | “PE: voa com as próprias asas” |
P25 | Alentejo (Sul) | “PE” |
P26 | Alentejo (Sul) | “PE” |
P27 | Alentejo (Sul) | “PE: para uma cidadania ativa” |
P28 | Centro | “PE” |
P29 | Norte | “PE: transformar vidas, alimentar sonhos, projetar carreiras” |
P30 | Alentejo (Sul) | “PE” |
P31 | Centro | “PE” |
P32 | Alentejo (Sul) | “PE” |
P33 | Norte | “PE” |
P34 | Norte | “PE” |
P35 | Norte | “PE” |
P36 | Algarve (Sul) | “PE” |
P37 | Norte | “PE: enfrentar a interioridade alargando os horizontes educacionais” |
P38 | Norte | “PE: observando o passado, planeando o futuro” |
Fonte: Elaboração das autoras com base nos dados da pesquisa.
* PE = projeto educativo sem subtítulo.
A análise do conteúdo dos projetos educativos de agrupamentos de escolas incluiu uma leitura flutuante e possibilitou identificar indicadores de escolas resilientes. Essa análise se beneficiou da seleção e revisão exaustivas da literatura acima mencionada e do contacto de longa data com essas escolas, o que nos permitiu identificar indicadores emergentes em falta ou menos relevantes na literatura dedicada ao estudo de escolas resilientes. As características das escolas resilientes identificadas nos documentos das escolas foram: (i) desenvolvimento de um sentimento de pertença à escola entre a comunidade escolar; (ii) redução de procedimentos burocráticos; (iii) estratégias para a valorização da cultura local; (iv) interesse na abertura das escolas aos contextos e oportunidades nacionais e internacionais.
Análise de resultados e discussão
Esta secção centrar-se-á na análise de conteúdo dos artigos finais selecionados, por meio das três grandes categorias analíticas já referidas, combinada com a análise de conteúdo dos projetos educativos, de forma a explorar pontos de proximidade e afastamento entre ambas as fontes de dados. Referimo-nos ao material empírico utilizando o formato “A[número]” para os artigos e “P[número]” para os projetos educativos.
As escolas resilientes e o desafio da resolução de problemas
A análise de conteúdo sugere que, ao mobilizarem o conceito de escolas resilientes, os artigos se referem a escolas com um foco elevado na resolução de problemas (para superar e/ou prevenir) e que reagem proativamente a uma situação ou necessidade, interna ou externa (de acordo com A5, A8, A9, A10, A11, A12, A13, A14, A15, A16, A17, A20, A22, A24, A25, A26). A resolução de problemas pode estar relacionada com situações mais concretas (tais como comunidades em situação de des- vantagem social, económica e educacional) ou situações adversas gerais (tais como mudança social). As escolas resilientes encontram soluções e definem estratégias para pô-las em prática. Além disso, têm um desempenho melhor do que o esperado e tornam-se mais fortes a partir de uma situação desa- fiante. Sendo orientadas para a solução de problemas, as escolas resilientes não só resolvem a necessi- dade/problema desafiante, como também sabem como partir dessa situação para se fortalecerem. Esses pressupostos estão alinhados com Patterson et al. (2002) relativamente à eficácia e à resiliência.
O foco das escolas na resolução de problemas está presente também nos projetos educativos. Nesses documentos, as preocupações com a resolução de problemas e, sobretudo, com a sua prevenção, são objetivos evidentes. Algumas escolas têm problemas que são transversais a muitas outras (como a exclusão social), e outras antecipam problemas concretos, resultantes do contexto local, para os quais propõem estratégias de resolução.
O resultado inevitável da resolução proativa de problemas é que as organizações resilientes são capazes de ter sucesso em face da adversidade. (A14).
Continuar a propor, na rede escolar anual, percursos alternativos para que os alunos, após o 9º ano de escolaridade, possam optar por prosseguir os seus estudos no concelho. (P2).
Para além de se transformarem a si próprias como instituições, as escolas resilientes são também definidas como sendo capazes de transformar e ter impacto em seus/as estudantes (A6, A16, A21, A25). Essas escolas são promotoras de justiça, equidade, resiliência, bem-estar e sucesso académico de seus/suas estudantes. Esse foco nos/as estudantes pode também ser encontrado nos documentos das escolas.
As escolas resilientes ajudam os seus alunos a atingir objetivos educacionais mais elevados em face de condições desfavoráveis. (A16).
A Escola assegura a prestação de um serviço público de qualidade potenciador do sucesso escolar e pessoal dos alunos. (P31).
Dessa forma, as escolas mostram preocupação não apenas com o sucesso acadêmico, mas também com a sua formação diversificada, questões emocionais, participação, cidadania, bem-estar e promoção de expectativas elevadas.
Escolas resilientes, as suas estratégias e abordagens
Considerámos abordagens como entendimentos gerais das escolas para a realização das suas missões. As estratégias são os planos de ação e as medidas concretas para colocar em prática essas abordagens.
A análise de conteúdo da literatura publicada sugere que as escolas resilientes propõem formas inovadoras de pensar e enfrentar desafios (A3, A10, A17, A22). Essas abordagens são apoiadas por estratégias de gestão equilibrada dos recursos disponíveis em face das necessidades das escolas. Essas escolas abraçam a mudança e posicionam-se para conceber e modificar, de forma flexível, as estruturas do ambiente escolar. Essa abordagem inovadora adaptada pelas escolas, na forma de pensar e de enfrentar desafios, é evidente na análise dos projetos educativos, pois existem escolas que se adaptam a novas diretrizes, europeias ou nacionais, dispostas a mudar e a apropriar-se de novas recomendações em prol de um ambiente educativo melhor.
O estudo conclui com uma série de princípios sobre como pôr em prática, fornecendo conhecimentos para outros que pretendem promover a inovação e a reforma em contextos afins. (A3).
Renovar as metodologias de ensino e aprendizagem de forma a tornar as aulas dinâmicas e participadas, utilizando, nomeadamente, as novas tecnologias. (P15).
Além disso, um artigo apresenta as abordagens escolares resilientes como um indicador para informar a qualidade das escolas: “A investigação inovadora no contexto sul-africano está a começar a criar uma abordagem mais abrangente da qualidade, reparação e equidade” (A10).
As escolas resilientes também dependem do autoconhecimento para se informarem e capacitarem (A4, A11, A24). São capazes de reconhecer a origem dos problemas, de identificar os recursos disponíveis, de falar sobre e de atuar diante de seus problemas. Como estratégia para melhorar o autoconhecimento, as escolas avaliam-se formal e informalmente, monitorizando a sua ação. Nos documentos das escolas, essa preocupação está frequentemente presente e, em geral, uma equipa assegura a avaliação e o acompanhamento da escola.
Esse desafio serve também para distinguir entre os diferentes níveis de constrangimentos, na medida em que alguns podem ser mais facilmente resolvidos a partir do interior da escola, enquanto outros são mais problemáticos. Ser capaz de diferenciar esses constrangimentos é uma característica crucial da Escola de Investigação e um elemento distintivo de ser uma “escola resiliente”. (A4).
Reforçar o planeamento do Agrupamento desenvolvendo iniciativas conjuntas de diagnóstico, de definição de prioridades, estratégias, fixação de objetivos, execução das iniciativas, moni- torização e avaliação. (P6).
As escolas resilientes seguem uma abordagem ecológica e sistémica, uma vez que consideram a intersecção de diferentes ecologias dos contextos de vida das pessoas, bem como diferentes níveis de fatores que têm impacto no trabalho das escolas (A8, A25). As escolas resilientes consideram as suas condições e contextos específicos, e atuam de acordo com as circunstâncias sociais, culturais e económicas, os recursos disponíveis e os sistemas educativos em que estão inseridas (A3, A4, A6, A8, A17, A25). Essas escolas podem influenciar as práticas de outras escolas, mas importa assegurar que cada estratégia educativa tem de estar de acordo com as suas especificidades. Nos projetos educativos, a abordagem ecológica reflete-se nas passagens em que as escolas consideram, ao operacionalizar as suas ações, os recursos internos e externos, e quando identificam as consequências das suas ações, não só internamente, mas também externamente ao contexto escolar imediato.
O estudo utiliza informação da comunidade, distrito e nível de edifício escolar, seguindo um quadro teórico de sistemas ecológicos. (A25).
Articular e colaborar com o município com o objetivo de uma melhoria contínua e sistemática do serviço educativo prestado à comunidade. (P4).
Estratégias colaborativas (por exemplo, trabalho cooperativo) e democráticas (por exemplo, o envolvimento dos pais e da comunidade) são dois tipos de estratégias utilizadas na ação coletiva das escolas (A14, A18, A20). Este artigo já abordou o trabalho colaborativo, bem como as práticas de cuidados e apoio, por meio do trabalho de Whitney et al. (2012). Atividades após a escola, atividades extracurriculares, canais de comunicação bem consolidados, expectativas elevadas e responsabilidades partilhadas reforçam essa abordagem coletiva. Os documentos das escolas também se referem ao coletivo, sendo que este inclui pessoal docente e não docente, estudantes, pais/mães e tutores/as, a biblioteca da escola, a comunidade fora das escolas (por exemplo, antigos/as alunos/as) e as partes interessadas. A força do coletivo reside não só no trabalho em conjunto, mas também na partilha de boas práticas.
Por meio da combinação de uma ênfase, ao longo do currículo, no trabalho cooperativo e elevados níveis de literacia emocional com abordagens estruturadas de cuidados de saúde dirigidas por pares. (A18).
[Investigação] descobriu que essas escolas têm certas características democráticas em comum, tais como uma cultura de preocupação, boa governação e relações comunitárias, envolvimento adequado dos pais, segurança e disciplina. (A20).
Promover uma cultura participativa, fomentadora de motivação e interação na comunidade escolar. (P27).
Os artigos em análise apontam ainda para a salvaguarda da segurança e funcionalidade dos espaços como características distintivas das escolas resilientes, incluindo a conceção de programas para promover a saúde e segurança de estudantes, assim como para o cuidado nas opções em termos de arquitetura e recursos (A14, A25, A26). Nos projetos educativos, também essas preocupações características das escolas resilientes se encontram presentes.
Os aspetos mais críticos relativamente a escolas resilientes e mais seguras são, sem dúvida, os relacionados com a segurança . . . Mas essas ferramentas de conceção e construção devem ser complementadas com outros critérios, derivados da qualidade do espaço e do bem-estar potencial que pode gerar nos estudantes, no corpo docente e na comunidade. (A26).
Garantir condições de segurança na escola a toda a comunidade. (P5).
O papel da comunidade educativa, dos/as pais/mães/famílias e da comunidade envolvente na promoção de escolas resilientes
A direção das escolas, o pessoal docente e não docente, bem como as famílias e a comunidade envolvente, têm um papel essencial na promoção e no reforço das escolas resilientes. Para além do papel que cada um pode desenvolver individualmente, o papel que desempenham como coletivo e em interação, sob um sentido de comunidade, é também relevante (A4, A15, A25). É importante mencionar von Bertalanffy (1968), especificamente em relação à noção de um sistema cujas partes são coordenadas para formar uma unidade complexa e no qual a mudança de uma das partes afeta o todo: “entidades chamadas sistemas, ou seja, que consistem em partes ‘em interação’” (p. 19). Nos projetos educativos, esse valor da comunidade educativa é percebido por meio de passagens textuais que refletem a mobilização de toda a comunidade educativa e comunidade envolvente na realização de atividades, incluindo a elaboração dos documentos estruturais das escolas.
O segundo tema geral presente em todas as escolas de alto risco e de alto desempenho é o desenvolvimento e apoio de um sentido de comunidade na escola e nos diferentes níveis de ensino. (A25).
Elaborar os documentos estruturantes do Agrupamento, em colaboração com a comunidade educativa. (P10).
Para além de considerar a relevância do esforço coletivo das escolas para o desenvolvimento de escolas resilientes, o papel dos/as líderes escolares e dos/as docentes é o mais valorizado. Em contrapartida, os artigos fazem menos referências às famílias, comunidades, partes interessadas e estudantes.
Nas escolas resilientes, as lideranças desempenham um papel fundamental na escola e gestão dos seus recursos (A2, A4, A6, A8, A11, A13, A19, A22, A25). Procurando refinar o conceito de escolas resilientes, as especificidades das suas lideranças estão relacionadas com a definição de políticas consistentes relativamente às necessidades e ao âmbito das escolas, com o incentivo ao desenvolvimento profissional e com a promoção das relações da comunidade educativa, tanto entre si como com a comunidade envolvente. Os/as líderes de escolas resilientes também se caracterizam por promover valores pedagógicos. Um exemplo de uma figura relevante de liderança, mas não a única, é o/a diretor/a da escola. Os artigos destacam também a importância de docentes enquanto líderes, sendo aqui relevantes as questões de relacionamento, proximidade e cuidado (A4, A11, A12). Esse aspeto reforça a importância da liderança partilhada e é corroborado por estudos, nomeadamente o de Pam (2010). As escolas, por meio dos seus documentos, reiteram a importância da liderança partilhada, bem como a possibilidade de desenvolver ações de formação para esse fim.
Algumas escolas, no entanto, têm uma vantagem importante no enfrentamento das adversidades: professores líderes apaixonadamente empenhados em ajudar a escola a manter uma cultura resiliente durante tempos difíceis. (A12).
Desenvolver uma liderança organizacional que estimule a responsabilidade individual e coletiva e o espírito de partilha. (P36).
Os/as docentes são vistos/as como importantes para o desenvolvimento de uma escola resiliente, uma vez que estão próximos/as dos/as estudantes e são capazes de identificar as suas necessidades, de ajustar práticas e de prolongar o seu papel para o desenvolvimento de interações com a comunidade (A4, A11, A17). A ligação emocional e o sentido do cuidado são, portanto, características importantes que os/as docentes podem apresentar e são apontadas, pelos artigos, como fatores relevantes para promover escolas resilientes. Além disso, a literatura publicada (A15) sugere que os/as docentes se dedicam à formação para melhorar competências e aptidões, demonstrando também vontade de trabalhar em colaboração com colegas nas suas ou noutras escolas. Em consonância com as publicações analisadas, os documentos das escolas também sublinham a importância da formação contínua de docentes e acrescentam a supervisão pedagógica e a partilha de boas práticas como forma de melhorar a profissão docente.
Uma escola que utiliza os seus recursos (ou seja, a observação atenta do/a docente) de forma pró- -ativa facilitaria as aulas sobre estratégias de pesquisa eficientes. (A17).
Os/as docentes também trabalham em rede com colegas em nível de circuito, distrital, regional e provincial e estão envolvidos/as em iniciativas de desenvolvimento de pessoal com outras escolas. (A11).
Valorizar a supervisão pedagógica enquanto prática de desenvolvimento profissional e indutora de boas práticas em contexto de sala de aula. (P17).
Estudantes (A1), famílias (A4, A7), comunidades (A7, A19) e partes interessadas (A23) são referidos/as residualmente na literatura publicada. Na linha da valorização do coletivo, já mencionada neste artigo, os projetos educativos das escolas destacam que o investimento no coletivo pode operacionalizar-se por meio da promoção da participação de estudantes, pessoal não docente, pais/mães e tutores/as, famílias e partes interessadas, em prol da melhoria de condições para os/as estudantes.
Novas propostas dos documentos das escolas de fronteira portuguesas
A análise dos projetos educativos confirmou e ilustrou todas as características das escolas resilientes acima referidas que foram indicadas pela literatura científica examinada, uma vez que as escolas apresentam objetivos e/ou prioridades de intervenção em linha com essas características. Contudo quatro características emergiram da análise do conteúdo dos documentos das escolas em regiões de fronteira que podem contribuir para um refinamento do conceito de escolas resilientes.
A primeira está relacionada com o desenvolvimento de um sentimento de pertença à escola que se encontra entre a comunidade escolar (“Fortalecer a apropriação individual e coletiva dos diferentes espaços e recursos do Agrupamento por parte de todos os elementos da comunidade escolar”, P27). Osterman (2000) defende a relevância da promoção de um sentido de comunidade nas escolas e o seu benefício para os percursos educativos de jovens.
Quanto à segunda característica, sobre a redução de procedimentos burocráticos (“Promover a desburocratização de forma sustentável e eficaz”, P4), é um problema reportado nas escolas portuguesas e afeta a dedicação às atividades e prioridades diárias das escolas. As escolas são afetadas, por vezes, por uma burocracia pouco razoável que não só consome tempo como é desenvolvida com vista à mensuração, tendo um impacto questionável na qualidade educacional.
A terceira dimensão dá atenção à valorização da cultura local (“Aumentar o número de alunos inscritos em Língua e Cultura Mirandesa”, P17). Esse aspeto é especialmente relevante em contextos como regiões fronteiriças, pois, apesar das desvantagens, existem potencialidades, tais como patri- mónio e recursos naturais, património, cultura e tradições locais que devem ser promovidas e integradas nos currículos (Silva, 2013, 2014; Silva & Silva, 2018, 2021; Vázquez, 2015).
O quarto aspeto destacado nos projetos educativos reforça a importância da abertura das escolas às oportunidades nacionais e internacionais (“Fomentar a abertura ao meio, desenvolvendo sinergias em território nacional e internacional”, P7). Essa contribuição pode refletir, por um lado, o valor das parcerias, redes e sinergias que autores como Chapman e Hadfield (2010) defendem, reforçando a ação das escolas, e, por outro lado, fortalecer a relevância delas como instituições abertas ao ambiente contíguo e, simultaneamente, ao ambiente internacional, beneficiando-se de ambos. Note-se que a abertura de escolas à sua comunidade envolvente é particularmente relevante nesses territórios periféricos onde a escola tem um papel ativo no desenvolvimento local (Amiguinho, 2008). A abertura ao contexto internacional pode ser uma vantagem para aumentar as oportunidades e, ao mesmo tempo, tirar partido das suas condições fronteiriças e proximidade com outros países.
Podemos concluir, a partir dessas contribuições, que essas quatro características encontradas nos projetos educativos de agrupamentos de escolas resultam da apropriação ou são consequência de orientações do sistema educativo português, ou, ainda, têm como principal motor o contexto local.
Conclusão
Embora a importância do estudo da resiliência no campo educativo esteja prevista na literatura, os trabalhos sobre escolas resilientes são escassos. Apesar das propostas teóricas do modelo ecológico de resiliência, os estudos empíricos continuam a equacionar a resiliência centrando-se numa abordagem individual.
A análise dos dados indicou que o conceito de escolas resilientes é utilizado quando as investigações se desenvolvem em contextos de adversidade, quer seja emergente ou em curso. De facto, ao mesmo tempo que promovem os percursos educativos dos jovens, as escolas situadas em contextos mais desafiantes estão envolvidas na resolução de situações adversas específicas, muitas vezes sem relação direta com o contexto escolar, tais como o trabalho em rede para abordar problemas da comunidade em geral.
De acordo com os artigos analisados, as escolas resilientes são aquelas que partilham as características “Ramra”: Resolução de problemas (as escolas resilientes concentram-se na resolução de problemas); Ação (as escolas resilientes são aquelas que se caracterizam pela sua proatividade, enfrentando e/ou prevenindo dificuldades); Melhoria (as escolas resilientes fortalecem-se a partir de uma situação adversa); Reforma (as escolas resilientes estão abertas à reforma e ajustam-se, concebendo a mudança como um desafio positivo); Autoconhecimento (as escolas resilientes estão conscientes das suas especificidades internas e externas e monitorizam o seu trabalho).
Portanto as escolas resilientes não são definidas pela soma da resiliência de seus indivíduos, mas pela forma como atuam como um sistema (von Bertalanffy, 1968), focando objetivos combi- nados: os objetivos comuns a outras escolas, tais como o apoio a percursos educativos dos jovens, e outros inerentes à sua realidade interna e externa.
Acreditamos que as escolas resilientes podem ser diferenciadas em termos de práticas, uma vez que são sensíveis às suas especificidades internas e externas, mas partilham uma cultura de resiliência. Essa cultura de resiliência pode ser traduzida no modo como analisam as vantagens da mudança, enfrentam desafios de formas inovadoras, adotam estratégias democráticas e de colaboração, partilham a liderança e consideram diferentes ecologias ao enfrentarem os seus desafios. Algumas características definem escolas resilientes, mas, de acordo com a sua realidade interna e externa, cada escola pode ativar estratégias específicas em consonância com as suas necessidades: não existe uma fórmula aplicável a todos os contextos, uma vez que precisa ser contextualizada. Whitney et al. (2012, p. 36, tradução nossa) consideram que “as escolas de alto desempenho e em risco não são todas iguais nos desafios que enfrentam e nos recursos disponíveis”.
Ao combinar os dados de diferentes fontes, pretendemos destacar as características fundamentais das escolas resilientes. Avançando a partir das características emergentes da litera- tura académica e confirmadas pelos documentos das escolas (as referidas Ramra), os projetos educativos apontam também para outras características das escolas resilientes, tais como força coletiva, expectativas elevadas, ecologias, contexto e o compromisso de manter um processo de desenvolvimento permanente. A força coletiva está relacionada com a importância de toda a comunidade educativa e da sua ação conjunta para os mesmos objetivos, partilhando e nutrindo um sentimento de pertença à escola. As expectativas elevadas associam-se à ideia de que a escola resiliente enfrenta desvantagens em vez de ser definida por essas desvantagens. Por ecologias, entendemos que as escolas resilientes necessitam e se beneficiam da conciliação de várias dimensões da escola, dentro e fora dos seus muros. O contexto é crucial para as escolas resilientes, uma vez que são sensíveis à sua realidade interna e externa e valorizam a cultura local. Finalmente, há um compromisso de manter o investimento na formação e abertura a novas oportunidades, bem como novas diretrizes para um desenvolvimento e adaptação permanentes. Esse conceito considera as escolas como contextos que podem melhorar progressivamente as suas condições e ações educativas, perseguindo uma visão de sucesso que inclui não só o sucesso académico, mas também o crescimento pessoal, emocional, cívico e cultural de seus/suas alunos/as, bem como o desenvolvimento local.
Como forma de organizar a informação, e levando em conta que tal conceito necessita de maior desenvolvimento, propomos a conceptualização de escolas resilientes considerando os se- guintes componentes: resolução de problemas, ação, melhoria, reforma, autoconhecimento, força coletiva, expectativas elevadas, ecologias, contexto e o compromisso de manter um processo de desen- volvimento permanente.
A qualidade das escolas pode beneficiar-se de uma abordagem resiliente, e o conceito de escolas resilientes permite-nos abordar a qualidade das escolas de uma forma contextualizada e territorializada. A reflexão sobre essas características pode ser um contributo para o desenvolvimento de instrumentos de medição para pensar a qualidade das escolas para além do sucesso académico dos/as alunos/as, melhorando as escolas como um todo. Contribuir para o desenvolvimento do conceito de escolas resilientes pode ajudar na criação de políticas e programas para reconhecer e aumentar o potencial das escolas na redução das desigualdades, tais como as que surgem de contextos em locais periféricos. Pode também ajudar a propor visões positivas contra o fatalismo da periferia. Uma visão complexa e ecológica das escolas resilientes pode ajudar a pensar nas estratégias das escolas em situações difíceis, tais como a pandemia global da covid-19, como abordagens promissoras para outros contextos. Juntamente com Ungar (2012) e Adger (2000), considerámos relevante a mudança para a compreensão da resiliência das escolas por meio de uma abordagem ecológica e sistémica.