Introdução
O movimento para inclusão de crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE) na escola tem ocorrido mundialmente. Desde a década de 1990, com a Declaração de Jomtien, também conhecida como Declaração Mundial de Educação para Todos (UNESCO, 1990), juntamente com a Convenção de Direito da Criança (UNESCO, 1988) e a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994), estabeleceu-se que toda pessoa (criança, jovem e adulto) deveria usufruir das oportunidades educacionais voltadas às suas necessidades de aprendizagem. Assim, como as pessoas com deficiência1 requerem atenção especial, devem ser tomadas medidas que garantam a igualdade de acesso à educação a elas como parte integrante do sistema educacional.
Em vista disso, o sistema educacional precisou se reorganizar em prol da inclusão escolar. Tal processo visava importantes mudanças, principalmente na forma de interação dos profissionais voltados à educação. A partir de uma visão interdisciplinar, eles precisaram investigar o processo de aprendizagem de cada indivíduo, considerando que, devido à deficiência, ele ocorreria de forma singular, o que deveria se refletir na flexibilização curricular e na estruturação das séries. Assim, a educação especial passou a atuar no atendimento educacional especializado, funcionando como suporte ao trabalho de sala de aula e às relações escolares (ANJOS; ANDRADE; PEREIRA, 2009).
No Brasil, o governo criou políticas e diretrizes que propor-cionaram as condições de acesso aos espaços e aos recursos pedagógicos necessários à inclusão. Além disso, viabilizavam ferramentas que apoiam os profissionais na atuação e na compreensão da inclusão escolar, bem como no processo de organização da aprendizagem com vistas à valorização das diferenças, de forma a atender às necessidades educacionais dos alunos. Tais políticas incentivam a formação de professores para o atendimento especializado das crianças com deficiência, além de programas de incentivo da participação da família e das comunidades na escola (BRASIL, 2008; BRASIL, 2013).
No entanto, estudos apontam que, mesmo com o incentivo do governo, há muitas dificuldades para a efetivação da inclusão escolar (ÁVILA; TACHIBANA; VAISBERG, 2008; RODRIGUES; MOREIRA; LERNER, 2012). Tais dificuldades refletem a necessidade de formação qualificada e de apoio técnico no trabalho com os alunos, no entendimento do professor sobre a inclusão, devido às mudanças no cotidiano do seu trabalho, e, principalmente, no processo de ensino, que ainda está associado ao formato tradicional (ensinar-aprender), vinculado às premissas de ajuste ou correção do indivíduo, modelo que não viabiliza o processo de inclusão (ROSA, 2008; MONTEIRO; MANZINI, 2008).
No contexto da inclusão escolar são contemplados os indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA). No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV), o Transtorno Autista, o Transtorno de Asperger, a Síndrome de Rett, o Transtorno Desintegrativo na Infância e o Transtorno Global do Desenvolvimento sem outra Especificação eram classificados como Transtornos Globais do Desenvolvimento (TGD) (APA, 2002). No entanto, com o DSM-5 (APA, 2013), ocorreram modificações a fim de facilitar o diagnóstico. O autismo, na nova edição do manual, passou a pertencer à categoria denominada Transtornos de Neurodesenvolvimento, classificada como Transtornos do Espectro Autista (TEA). Assim, como TEA foram reunidos os transtornos que compartilham características do autismo, como: Autismo, Asperger, Transtorno Infantil Desintegrativo e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento sem outra Especificação, havendo distinções de acordo com o nível de gravidade em relação à interação social e à comunicação (APA, 2013). Destaca-se que, para este estudo, foi considerado para a revisão bibliográfica o termo “autismo”, excluindo-se os demais transtornos que compõem os TEA, devido à maior incidência de publicações.
O indivíduo com TEA, conforme o DSM-5 (APA, 2013), caracteriza-se por apresentar um desenvolvimento comprometido ou acentuadamente anormal da inserção social e da comunicação e um repertório muito restrito de atividades e interesses. As manifestações do transtorno variam imensamente, dependendo do nível de desenvolvimento e da idade cronológica. O atraso pode ocorrer em pelo menos uma das seguintes áreas: interação social, linguagem comunicativa, jogos simbólicos ou imaginários (BAGAROLLO; RIBEIRO; PANHOCA, 2013).
Em função da especificidade dos TEA, a inclusão de crianças com tal diagnóstico provoca discussões frequentes sobre formas possíveis de intervenção na escola. Nesse sentido, faz-se necessário que o professor tenha conhecimento sobre as características de cada aluno com TEA para a construção das aulas e sua inclusão na turma (FERRAIOLI; HARRIS, 2011). Esse processo precisa ser apoiado pela escola, para que o professor não se sinta incapaz ou frustrado com o desenvolvimento do seu trabalho (CASTRO, 2005).
Tendo em vista as mudanças requeridas para a efetivação da inclusão escolar, em especial de crianças com TEA, o presente estudo teve como objetivo realizar uma revisão sistemática da literatura nacional e internacional de artigos de periódicos científicos indexados sobre a inclusão de crianças com TEA, destacando o período, o periódico da publicação e as escolhas metodológicas dos estudos. A partir da reunião do material localizado, foi possível analisá-lo para apresentar um panorama dos estudos já realizados na área investigada, nacional e internacionalmente.
Método
Realizou-se um levantamento de estudos nacionais e internacionais que abordavam a inclusão escolar de crianças com TEA. A busca de pesquisas nacionais foi feita em portais de dados disponíveis na web: Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Portal de Periódicos da CAPES. Já os estudos internacionais foram extraídos do portal EBSCOhost Online Research Database e Medline. Optou-se pela pesquisa nesses portais por indexarem estudos sobre saúde e educação que são avaliados por comitês científicos antes de sua publicação. São bibliotecas que oferecem serviços de busca por meio de bases de dados de referência, com publicações em diversos idiomas, confiáveis cientificamente e de fácil acesso.
A busca dos estudos nacionais foi realizada inicialmente com a combinação dos seguintes descritores e operadores booleanos2: inclusão and escola and autismo; inclusão and escola and autista; escola and autismo; escola and autista. Também foi feita busca com as mesmas combinações, mas usando a expressão “espectro autista” em vez de “autismo”, mas esta resultou nos mesmos estudos já localizados anteriormente. Para a busca dos estudos internacionais, foram utilizados os descritores e os operadores booleanos a seguir: inclusion and education and autism; inclusion and school and autism; inclusion and academic and autism.
A seleção das publicações resultantes incluiu todos os artigos teóricos, de revisão sistemática, relatos de caso e estudos empíricos que tiveram como objetivo a inclusão escolar de crianças com TEA e que estivessem publicados nas línguas portuguesa e inglesa, independentemente do seu período de publicação. Foram excluídos os artigos cujo tema não contemplava o objetivo proposto neste estudo ou não enfocava crianças de até 12 anos de idade, conforme critério do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990). Trabalhos de conclusão de curso, monografias, dissertações, teses e resenhas de livros, além de trabalhos sem texto completo disponível online, também foram excluídos.
Conforme consta na Figura 1, inicialmente foram localizados 192 estudos nacionais, dos quais 67 foram excluídos por duplicata e 12 por estarem em outro idioma que não o português. Após essa seleção, 113 artigos permaneceram e foram analisados quanto à sua temática principal, que deveria abordar a inclusão escolar de crianças com TEA. Mais 88 estudos foram excluídos por terem como foco: adolescência, adoção, amamentação, benefício da lei, comportamento cognitivo, comunicação e linguagem em contextos outros que não a escola regular, fisioterapia, qualidade de vida, Síndrome de Asperger e Williams Beuren, terapia e TDAH. Também foram excluídos 12 estudos que estavam em formato de monografias e teses e uma pesquisa que não estava disponível na íntegra online gratuitamente. Em suma, a seleção final contou com 25 pesquisas na íntegra. Todas elas foram obtidas no seu formato completo e analisadas de acordo com os objetivos da presente pesquisa.
Para seleção dos estudos internacionais, conforme consta na Figura 2, identificaram-se, inicialmente, 421 estudos, dos quais 183 foram excluídos por duplicata e três por estarem em outro idioma que não o inglês. Permaneceram 235 artigos, que foram analisados quanto à sua temática principal. Foram excluídos 113 estudos que tinham como objetivo de investigação outros temas, tais como: Síndrome de Asperger; treinamento de pais, sem especificar o contexto da inclusão; tratamentos com medicamentos ou pesquisas biomédicas; práticas de ensino e socialização da criança fora do contexto escolar regular; sexualidade; atividades terapêuticas, entre outras especificações. Ainda foram excluídos 18 estudos que estavam em formato de resenhas de livros, trabalhos de conclusão de curso, monografias, dissertações e teses. Restaram 104 artigos, entre os quais 12 não estavam disponíveis na íntegra online gratuitamente. Portanto, a seleção final contou com 92 estudos, os quais foram obtidos no seu formato completo e analisados de acordo com os objetivos desta pesquisa.
Resultados
O material selecionado foi analisado considerando o período e o periódico da publicação, os temas de estudo - elencados a partir dos principais objetivos de investigação - e as escolhas metodológicas. Foram identificados como estudos teóricos (revisões sistemáticas de literatura e discussões a respeito da inclusão escolar de crianças com TEA) ou empíricos (estudos envolvendo pesquisa quantitativa, qualitativa ou mista).
Inicialmente, são apresentados os resultados referentes aos estudos nacionais e, após, aos internacionais. Destaca-se que as autoras do presente artigo classificaram separadamente os estudos em cada etapa de análise, atingindo um percentual de concordância de 72%. Nos casos de discordância, recorreu-se a uma terceira colega.
Estudos nacionais
Quanto ao período de publicação, identificou-se que todos os 25 estudos nacionais localizados foram publicados entre 1998 e 2014. Observou-se que houve uma variação de uma a duas produções anuais, exceto em 2009, que teve quatro publicações, e entre 2011 e 2013, em que houve três publicações a cada ano. A Figura 3 apresenta o número de publicações anuais dos estudos nacionais.
Os periódicos que tiveram mais publicações foram: Revista Educação Especial (seis publicações entre 2009 e 2013), Estilos da Clínica (1998, 2000, 2001, 2007, 2008 e 2010) e Revista Brasileira de Educação Especial (três publicações entre 2008 e 2009). As demais revistas tiveram apenas uma publicação, conforme indicação por ano: Audiology Communication Research (em 2012), Ciência & Saúde Coletiva (em 2013), Psicologia e Argumento (em 2010), Psicologia da Educação (em 2005), Psicologia e Sociedade (em 2009), Psicologia Escolar e Educacional (em 2011), Psicologia: Teoria e Pesquisa (em 2012), Psicologia: Teoria e Prática (em 2012), Psyche (em 2006), Reflexão e Ação (em 2009) e Temas sobre Desenvolvimento (em 2005).
Os estudos selecionados também foram analisados quanto aos temas investigados, considerando os seus objetivos, e foram classificados em quatro grupos: 1) a escola frente ao processo de inclusão da criança com TEA; 2) formação e atuação do professor na inclusão escolar; 3) formação e atuação do psicólogo no âmbito da inclusão escolar; e 4) inclusão e desenvolvimento da criança com TEA no contexto escolar. O primeiro dos temas concentrou 24% dos estudos (n = 6), que verificaram os impactos do processo de inclusão escolar. O segundo tema também reuniu 24% dos estudos localizados (n = 6), que apresentaram as dificuldades e os desafios do trabalho dos professores com crianças com TEA. O terceiro tema correspondeu a 12% dos estudos (n = 3), que salientaram a falta de disciplinas sobre inclusão nos currículos de psicologia e o acompanhamento clínico da criança com TEA na escola. Por fim, o quarto tema concentrou 40% das pesquisas (n = 10), que investigaram o processo de escolarização, aprendizagem e desenvolvimento da competência social da criança com TEA. Destaca-se, contudo, que alguns deles poderiam ser classificados em mais de um dos grupos, mas, nesses casos, optou-se pelo não compartilhamento, inserindo-os no grupo que mais se adequava ao seu objetivo. O Quadro 1 apresenta os temas investigados com as respectivas referências dos estudos.
No tocante à metodologia, constatou-se que houve maior incidência de estudos empíricos e qualitativos (56%), que utilizaram entrevistas e questionários como instrumentos, em comparação aos estudos teóricos (28%). Estudos mistos não foram identificados.
Em síntese, a análise dos estudos nacionais permitiu concluir que ainda são poucos os estudos publicados sobre a temática (25 no período entre 1998 e 2014), os quais enfocam principalmente a criança no ambiente escolar (40%), sendo preponderantemente empíricos e de natureza qualitativa (56%).
Estudos internacionais
A seleção dos estudos internacionais resultou em 92 publicações extraídas nas bases EBSCOHost e Medline. As publicações compreenderam o período de 1993 a 2013, sendo diversificado o número de publicações por ano. No entanto, destaca-se o importante aumento de estudos entre 2007 e 2011, conforme demonstra a Figura 5.
Os periódicos que tiveram maior número de publicações foram: Journal of Autism & Developmental Disorders, com 13 publicações, distribuídas entre 1996 e 2013 (três em 2009 e em 2008, duas em 2013 e uma nos demais anos). Em seguida, aparece o Focus on Autism & Other Developmental Disabilities, com nove publicações entre 1996 e 2011 (duas em 2007 e uma nos demais anos). O periódico Autism: The International Journal of Research & Practice teve sete publicações entre 2001 e 2013; o British Journal of Special Education publicou cinco estudos entre 2002 e 2011; o Intervention in School & Clinic aparece com quatro publicações entre 1999 e 2011 e o Teaching Exceptional Children teve quatro estudos publicados entre 2008 e 2011. Além disso, foram encontrados outros 11 periódicos com duas publicações cada, assim como 37 com uma única publicação entre os anos de 1993 e 2013.
Também se verificou quais temas estavam sendo mais investigados em âmbito internacional sobre a inclusão de crianças com TEA. Os 92 trabalhos localizados foram divididos em seis grupos: 1) a escola frente ao processo de inclusão escolar, que reuniu 8,7% (n = 8) dos estudos, que se preocuparam em verificar os impactos do processo de inclusão escolar; 2) capacitação e atuação do professor na inclusão escolar, com 15,2% (n = 14) dos estudos, que apresentaram as dificuldades e os desafios do trabalho dos professores com crianças com TEA; 3) instrumentos de avaliação do processo de ensino-aprendizagem no contexto da inclusão escolar, tema que concentrou 8,7% (n = 8) dos estudos, os quais apresentaram uma variedade de instrumentos para avaliar o desenvolvimento das crianças com TEA na escola regular; 4) intervenções para inclusão social e desenvolvimento da aprendizagem, grupo que englobou 45,6% (n = 42) dos estudos, que relataram e avaliaram intervenções realizadas no contexto escolar; 5) família e processo de inclusão escolar de criança com TEA, com 6,5% (n = 6) dos estudos, sobre a relação entre a família e a escola no processo de inclusão escolar de crianças com TEA; e 6) inclusão e desenvolvimento da criança com TEA no contexto escolar, tema que agrupou 15,2% (n = 14) dos estudos, que se voltaram para o processo de escolarização, aprendizagem e desenvolvimento da competência social da criança com TEA.
Assim como para os estudos nacionais, o agrupamento foi feito de acordo com os temas de investigação, considerando o objetivo de cada estudo. Quando poderiam ser classificados em mais de um dos grupos, optou-se pelo não compartilhamento, inserindo-os no grupo que mais se adequava ao seu objetivo. O Quadro 2 apresenta os temas investigados com as respectivas referências dos estudos.
No que se refere ao método dos estudos, 31 são teóricos (33,7%), três caracterizam-se como revisões sistemáticas (3,3%) e 58 são empíricos (63%). Entre os estudos empíricos, 40 são qualitativos, há 17 quantitativos e um misto. A Figura 6 apresenta esses índices.
Em nível internacional, de maneira geral, observou-se que o fenômeno da inclusão escolar apresenta-se como objeto de pesquisa há mais de uma década. Os estudos são, em geral, empíricos, com abordagem prioritariamente qualitativa (45,3%), mas com uma ampla variedade de aspectos analisados, conforme descrito no Quadro 2.
Discussão
A inclusão escolar é um movimento que ocorre mundialmente e se fortaleceu internacional e nacionalmente nos anos 90, a partir de leis e diretrizes governamentais, tendo tido maior divulgação nas últimas décadas. No entanto, a inclusão escolar de crianças com TEA ainda se constitui como um desafio para os profissionais da saúde e da educação. Nesse sentido, buscou-se mapear o que vem sido estudado sobre a temática por meio de uma revisão sistemática da literatura nacional e internacional, identificando-se publicações em periódicos científicos indexados sobre a inclusão escolar de crianças com TEA, com atenção para o período e o periódico, os temas investigados e as escolhas metodológicas.
Os resultados obtidos possibilitaram reflexões sobre a incidência e o tipo de publicações existentes nas bases de dados pesquisadas. Nesse sentido, verificou-se que, de forma geral, as publicações nacionais (N = 25) ainda são restritas, principalmente se forem comparadas com o número de estudos internacionais (N = 92). Outro fator que chamou atenção foi a quantidade de publicações anuais, pois os artigos nacionais foram localizados somente a partir de 1998, com uma ou duas publicações anuais - exceto no ano de 2009, que teve quatro artigos publicados, e o ano de 2010, que teve três. O aumento dos estudos em 2009 pode ter sido reflexo da regulamentação publicada pelo MEC em 2008 (BRASIL, 2008) sobre a inclusão de criança com TEA na escola regular. Já as publicações internacionais datam a partir de 1993 e são mais frequentes. Desde 2001, houve três a quatro estudos publicados por ano, chegando a 14 no ano de 2011. Frente a esses dados, entende-se que há necessidade de incentivo aos profissionais envolvidos com a inclusão de publicar sobre suas práticas, a fim de contribuir para o melhor conhecimento do TEA e do processo de inclusão escolar das crianças com essa particularidade.
Verificou-se que, tanto nos estudos nacionais como nos internacionais, muitos investigaram os processos de inclusão, de escolarização e de interação social da criança com TEA no ambiente escolar. Os principais resultados remetem para dificuldades de comunicação, desconhecimento das características da criança com TEA e carência de estratégias pedagógicas que impactam no processo de aprendizagem dessas crianças, dados que têm sido corroborados por outros estudos, como o de Nunes, Azevedo e Schmidt (2013). Contudo, as pesquisas localizadas também visavam ao melhor entendimento do TEA, buscando colaborar na construção de ferramentas diferenciadas que possam ser utilizadas para melhor acessar e interagir com a criança.
Outro tema complacente, mas menos pesquisado, diz respeito à família, ressaltando a importância de pais e professores estabelecerem parceria e trocarem experiências. Tal relação poderia possibilitar o melhor entendimento do comportamento da criança com TEA nos contextos familiar e escolar e contribuir para o seu desenvolvimento, especialmente quanto às dificuldades de aprendizagem e interação social. Os artigos nacionais ainda carecem de uma avaliação da interação família-professor-escola, favorecendo um olhar direcionado somente a cada um desses sistemas. Sugere-se, portanto, incentivar o trabalho conjunto entre essas esferas no intuito de explorar outras questões que possam emergir dessa relação.
Ainda foram localizados estudos sobre as dificuldades de atuação de professores (FARIAS; MARANHÃO; CUNHA, 2008; PETRI, 1998) e psicólogos no processo de inclusão de crianças com TEA (BARBOSA; CONTI, 2011; FRAGUAS; BERLINCK, 2001; SERENO, 2006). Nesse sentido, a academia poderia contribuir para a formação desses profissionais, mas constata-se que a inclusão ainda é um tema pouco discutido nos cursos de formação. Estudos nacionais indicaram tal dificuldade, apontando para a deficiência curricular nos cursos de licenciatura e psicologia. Nos estudos internacionais, por sua vez, discutiu-se sobre as dificuldades dos profissionais na realização de suas atividades nas turmas de inclusão. De modo geral, a mudança do contexto educacional impactou suas rotinas, particularmente quanto à organização e à forma de ensinar dos professores. No caso do TEA, por ser um transtorno com características específicas, indica-se que os profissionais busquem aperfeiçoamento, que troquem experiências e avaliem suas práticas para melhores entendimento e atuação com a criança com o transtorno.
Nessa perspectiva, verificaram-se nos estudos internacionais pesquisas sobre instrumentos e intervenções no processo de ensino-aprendizagem no contexto da inclusão escolar (BITSIKA, 2008; CONROY; BOYD; ASMUS; MADERA, 2007; DYMOND, 2001; GIANGRECO; BROER, 2007; GREENWAY, 2000; OLIVAR-PARRA; IGLESIA-GUTTIERREZ; FORNS, 2011; WARD; AYVAZO, 2006; WILLIAMS; JOHNSON; SUKHODOLSKY, 2005), os quais apresentaram a utilização e a eficácia de diferentes ferramentas que podem servir de apoio para os profissionais na avaliação da criança com TEA. A construção de ferramentas específicas para os processos de aprendizagem e de comunicação também foi alvo de alguns estudos. Constatou-se que, de forma geral, as ferramentas abordaram diversos temas, tais como: a interação da criança em sala de aula; os interesses e os rituais da criança; técnicas motivacionais com base em formação de respostas por meio de práticas entre pares; manifestações positivas e organização física do contexto de sala de aula; modelos de recreação, atividades lúdicas e música com o engajamento dos pares; leitura funcional; utilização de jogos compartilhados; além de outros modelos, como Ensino Incidental, TEACCHI, Interação Intensiva e a utilização de ferramentas tecnológicas. Esses estudos podem resultar em planejamentos pedagógicos mais adequados, melhores condições de desenvolvimento da criança no contexto escolar, além de motivarem os profissionais em seus campos de trabalho. Destaca-se que o maior número de estudos internacionais localizados referiu-se a intervenções para inclusão social e desenvolvimento da aprendizagem que estão sendo utilizadas pelos profissionais que trabalham com TEA. Com isso, entende-se que as ferramentas para que o processo de inclusão ocorra estão sendo desenvolvidas e testadas, mas isso não garante que ele esteja sendo realizado com sucesso nas escolas.
Por fim, quanto aos aspectos metodológicos, os resultados mostraram que cerca de 56% dos estudos nacionais e 45% dos internacionais eram empíricos com métodos qualitativos de investigação. Tais achados corroboram as conclusões do estudo de Oliveira e Paula (2012), que revisou estudos brasileiros e identificou que a maioria das pesquisas são estudos de caso. Dessa forma, pode-se pensar que, de maneira geral, as investigações de crianças com TEA são realizadas com amostras menores, e suas análises abordam as especificidades da criança que tem o transtorno e situações singulares sobre as vivências de professores, pais e alunos no contexto escolar.
Lord e McGee (2001) indicam que uma das maiores dificuldades encontradas nas pesquisas com crianças com TEA relaciona-se com a heterogeneidade do transtorno. Tal característica limita a utilização de metodologias padronizadas de pesquisa que poderiam abordar questões sobre a eficácia de intervenções e tratamentos. Os autores também pontuam a pouca integração entre os estudos. Por exemplo, as informações da literatura que descrevem as características das crianças com TEA muitas vezes não estão relacionadas aos programas de intervenção propostos e desenvolvidos. Ainda destacam que a pesquisa que enfatiza os comportamentos em resposta a programas de intervenção tem sido mais rara do que os estudos descritivos sobre o desenvolvimento das crianças com TEA em vários domínios. Acredita-se que investigações nesse âmbito se tornarão possíveis à medida que a inclusão de crianças com TEA venha a ser uma prática mais comum nas escolas regulares.
Avalia-se, portanto, que a presente revisão sistemática da literatura pôde contribuir para apresentar um panorama dos estudos que foram desenvolvidos sobre a inclusão escolar de crianças com TEA em nível nacional e internacional. Nesse sentido, poderá auxiliar tanto pesquisadores que estão iniciando uma revisão teórica sobre a temática como profissionais da saúde e da educação, entre eles, psicólogos que trabalham com inclusão de crianças com TEA em ambiente escolar, para que possam refletir e fortalecer suas práticas.
Considerações finais
De modo geral, a análise dos estudos selecionados nesta revisão proporcionou um resgate de fontes importantes de conhecimento sobre a inclusão escolar de crianças com TEA, além de apresentar um esboço sobre alguns dos principais temas que estão sendo investigados. Entretanto, ressalta-se que ainda são poucas as pesquisas nessa área, principalmente em âmbito nacional, por isso, aponta-se a necessidade de novos estudos brasileiros apresentarem reflexões e questionamentos sobre a temática em questão.
Cabe salientar que a amostra de estudos analisada é somente um recorte das pesquisas realizadas sobre a inclusão escolar de crianças com TEA, haja vista a escolha das bases de dados, os critérios específicos de seleção e os descritores utilizados nesta revisão. Para futuras pesquisas, sugere-se que também sejam analisados os resultados dos estudos, na intenção de poder verificar os efeitos das ações que estão sendo realizadas para a efetivação do processo de inclusão. Indica-se, além disso, a utilização de outros descritores, como “Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD)”, classificação utilizada no DSM-5, que poderá resultar em outros estudos sobre o TEA.
Finalmente, destaca-se a carência de estudos que contemplem a interação entre gestores, professores e pais no processo de inclusão escolar, para promover as mudanças necessárias na escola. Espera-se que os estudos sobre inclusão possibilitem compartilhar a realidade escolar, as práticas e as experiências vivenciadas neste contexto com os órgãos governamentais, com vistas a incentivá-los a fomentar mais pesquisas nessa área.