INTRODUÇÃO
Com o aumento do uso das Tecnologias Digitais (TD), Brynjolfsson & McAfee (2014) afirmam que os setores da sociedade do conhecimento modificaram e condicionaram a forma como se vive, se relaciona, se comunica, se aprende e se geram novos conhecimentos. Isso exige dos sujeitos Competências Digitais (CD) para lidar com todas essas mudanças. Os estudos sobre o conceito de CD como da OCDE (2003), Unesco (2006) e Comissão Europeia (2012), de um modo geral, definem um rol de competências digitais para o perfil de sujeitos usuários dessas tecnologias, vinculados a um contexto internacional, na maioria europeu. De acordo com os relatórios da UNESCO (2006), a competência digital é uma das oito competências essenciais para o desenvolvimento ao longo da vida. Entretanto, poucos são os estudos realizados no Brasil para a compreensão do conceito dessas competências na educação.
A partir desses estudos, verifica-se que as CDs são interpretadas de diferentes formas, o que produz múltiplos significados e uma gama de nomenclaturas. Percebe-se que, apesar de haver uma vasta bibliografia conceituando o termo, nem sempre sua definição é clara. De fato, todas as descrições buscam se referir a como as pessoas devem lidar com as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC)1 nos diferentes âmbitos da vida. Dessa forma, não há um conceito comum ou globalmente acordado sobre as competências digitais, o que dificulta a sua compreensão, não sendo, portanto, utilizado devidamente no contexto educacional.
Diante dessas colocações, acredita-se que uma revisão sistemática auxiliará a compreender o conceito de CD, definir um ponto de vista com viés educacional e esclarecer a diferença entre termos ligados a ele como Letramento Computacional, Letramento Informacional, Letramento em Mídias, Letramento Digital, além de outros que são referidos em diferentes estudos.
Este trabalho, portanto, objetiva traçar um panorama no campo da educação em relação ao conceito de Competências Digitais, apresentando pesquisas que vêm sendo realizadas na área.
Assim, o presente artigo está organizado em cinco seções, sendo esta primeira a introdução. A segunda apresenta a metodologia adotada, a terceira e quarta, a discussão dos resultados e, por fim, as considerações finais.
REVISÃO SISTEMÁTICA ACERCA DAS COMPETÊNCIAS DIGITAIS
A fim de elucidar o conceito de competências digitais e relacionar suas diferentes terminologias, realizou-se uma análise sistemática a partir das seguintes etapas:
Escolha das palavras-chave: devido à falta de descritores para competências digitais, foram selecionadas as seguintes palavras-chave: competências digitais, competência digital e sua tradução para o Inglês, digital competence.
Seleção do banco de dados: foram selecionados três bancos de dados com relevância para a área educacional: Banco de Dissertações e Teses da Capes, Portal de Periódicos da Capes e Google Acadêmico.
Definição dos critérios para refinamento:
Ano de corte 1997, ano em que a expressão Digital Literacy (Letramento Digital) difundiu-se nacional e internacionalmente por Gilster (1997) como um dos conceitos-chave para compreender as competências digitais;
Seleção de trabalhos em que os termos estavam contidos no título;
Idioma: Português, Inglês e Espanhol;
Trabalhos de cunho educacional.
As buscas realizadas em 2017 tiveram os dados organizados em tabelas por banco, contendo ano, título, autores, tipo de publicação e idioma. A análise dos dados foi realizada a partir da leitura dos artigos na íntegra e seleção dos registros sobre a definição do conceito de Competências Digitais, para a discussão acerca do termo.
RESULTADOS DO LEVANTAMENTO SISTEMÁTICO
No Banco de Teses e Dissertações da Capes, foram encontradas três dissertações, conforme a Tabela 1, a seguir.
Ano | Título | Autor(es) | Tipo Publicação | Idioma |
---|---|---|---|---|
2015 | Percepção docente sobre os indicadores de competência digital | ESPINDOLA, Joice de | Dissertação | Português |
Habilidades informacionais dos estudantes de artes visuais multimídia: uma abordagem da competência em informação e competência digital | BOCHNIA, Bruna Amanda | Dissertação | Português | |
2016 | Competências digitais para o trabalho na sociedade conectada: estudo de caso em uma organização pública | BARROS, Robson Santos | Dissertação | Português |
Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).
No portal de Periódicos da Capes, surgiu um total de 93 artigos, a partir dos critérios apontados anteriormente. No entanto, para a análise, foram selecionados 16 trabalhos, por tratar do conceito de competências digitais e experiências realizadas em sua maioria em países europeus, como Espanha, Rússia, Noruega, Portugal, Eslováquia e Polônia, como pode ser visto na Tabela 2.
Ano | Título | Autor(es) | Tipo | Idioma |
---|---|---|---|---|
2010 | Trends and models of Media literacy in Europe: between digital competence and critical understanding | TORNERO, José Manuel Pérez et al. | Artigo | Inglês |
2012 | De la competencia digital y audiovisual a la competencia mediática: dimensiones e indicadores | AMOR, Perez, Ma | Artigo | Espanhol |
Educación para los medios, alfabetización mediática y competencia digital | GUTIÉRREZ, A; K Tyner | Artigo | Espanhol | |
2013 | Aproximación a la competencia digital | POVEDA, Lucía Amoroso | Artigo | Espanhol |
2014 | Estilos de coaprendizaje y algunos indicadores de competências digitales | BARROS, Daniela Melaré Vieira | Artigo | Espanhol |
Diseño en entorno 3D para el desarrollo de la competencia digital docente en estudiantes universitarios: usabilidad, adecuación y percepción de utilidad | ESTEVE, Mon; Francesc Marc; SEGURA, Jordi Adell; CERVERA, Mercè Gisber | Artigo | Espanhol | |
La competencia digital en la formación de los futuros maestros: percepciones de los alumnos de los Grados de Maestro de la Facultad de Educación de Albacete | GUTIÉRREZ, Ramón Cózar; COLMENERO, Manuel Jacinto Roblizo | Artigo | Espanhol | |
Assessment of the digital competence in Russian adolescents and parents: Digital Competence Index | SOLDATOVAA, Galina V.; Rasskazova, Elena I. | Artigo | Inglês | |
Digital competence — an emergent boundary concept for policy and educational research | ILOMÄKI, Liisa et al. | Artigo | Inglês | |
2015 | El trabajo en el aula y la competencia digital en el modelo 1 a 1 de la Comunidad de Madrid | MUÑOZ ALVAREZ, Tania; SÁNCHEZ ANTOLÍN, Pablo; PAREDES LABRA, Joaquín | Artigo | Espanhol |
La competencia digital en la enseñanza del diseño. El caso de BAU Centro Universitario de Diseño de Barcelona (Uvic) | DEUMAL, Gloria; GUITERT CATASÚS | Artigo | Espanhol | |
Conocimiento profesional y competencia digital en la formación del profesorado. El caso del Grado de Maestro en Educación Primaria | GEWERC, Adriana; MONTERO, Lourdes | Artigo | Espanhol | |
El desarrollo de la competencia digital docente a partir de experiencia piloto de formación en alternancia en el Grado de Educación | LAZARO CANTABRANA, José L. Lázaro; CERVERA, Mercè Gisbert | Artigo | Espanhol | |
Predictors of digital competence in 7th grade: a multilevel analysis | HATLEVIK, Ove Edvard; OTTESTAD, G.; THRONDSEN, I. | Artigo | Inglês | |
Professional development in teacher digital competence and improving school quality from the teachers’ perspective: a case study | CERVERA, G. Mercè; CANTABRANA, Lázaro; LUIS, José | Artigo | Inglês | |
Digital kompetanse på videregående skole, em idéanalyse av digital kompetanse i stortingsmeldingene | HOLMES, Alan Richard | Artigo | Norueguês |
Fonte: elaborado pelas autoras (2018).
Com relação à busca no Google Acadêmico, foram encontrados 391 trabalhos. Destes, 21 foram para análise, sendo cinco publicações nacionais, conforme a Tabela 3. Os critérios para seleção dos trabalhos foram os mesmos utilizados no portal de Periódicos da Capes, somando a opção dos trabalhos com maior índice de relevância.
Ano | Título | Autor(es) | Tipo Publicação | Idioma |
---|---|---|---|---|
2007 | Competências digitais dos profissionais de comunicação: confrontando demandas de mercado e experiências pedagógicas | MACHADO, Elias; PALACIOS, Marcos | Artigo revista | Português/Brasil |
2008 | Digital Competence, for a Life Long Learning | ALA-MUTKA, Kirsti; PUNIE, Yves; REDECKER, Christine | Comissão Europeia | Inglês |
Competência Digital: uma vertente da competência informacional | SANTOS, Hemanuela Fernandes Melo dos | Monografia de graduação | Português/Brasil | |
Situated learning and teachers’ digital competence | KRUMSVIK, Rune Johan | Evento Springer | Inglês | |
O papel dos videojogos no desenvolvimento de competências digitais | PEREIRA, Luís | Artigo revista | Português/Portugal | |
2009 | Models and instruments for assessing digital competence at school | CALVANI, Antonio et al. | Artigo em Journal | Inglês |
2011 | Mapping Digital Competence: Towards a Conceptual Understanding | ALA-MUTKA, Kirsti | Comissão Europeia | Inglês |
Digital competence in the Norwegian teacher education and schools | KRUMSVIK, Rune Johan | Artigo em revista | Inglês | |
2012 | Competências Digitais dos docentes do ensino superior | LEMOS, Susana; PEDRO, Neuz | Evento | Português/Portugal |
Educación para los medios, alfabetización mediática y competencia digital/Media Education, Media Literacy and Digital Competence | GUTIÉRREZ, Alfonso; TYNER, Kathleen | Artigo em revista | Espanhol | |
Digital Competence in Practice: An Analysis of Frameworks | FERRARI, Anusca | Comissão Europeia | Inglês | |
2013 | DIGCOMP: A Framework for Developing and Understandig Digital Competence in Europe | FERRARI, Anusca | Comissão Europeia | Inglês |
Digital competence at the beginning of upper secondary school: Identifying factors explaining digital inclusion | HATLEVIK, Ove Edvard; CHRISTOPHERSEN, Knut-Andreas | Artigo em revista | Inglês | |
2014 | As competências digitais dos professores em redes de aprendizagem online: o caso da rede VoiceS — The voice of the European Teachers | BARBOSA, Elaine Cristina de Andrade | Dissertação | Português/Portugal |
2015 | Competência digital: pilar das políticas europeias para educação aberta | DEVINE, Jim | Magazine article | Portuguese (Portugal) |
Competência Digital e possibilidades de colaboração com recursos educacionais abertos (REAS) | ESPINDOLA, J. de; PEREIRA, AM de A.; ALVES, Thelma Panerai | Event | Portuguese (Portugal) | |
Competências digitais e informacionais no ensino superior: um estudo com acadêmicos na Universidade Federal do Rio Grande — FURG | GODINHO, Natalia Bermudez; GONÇALVES, Renata Braz; DE ALMEIDA, Alex Serrano | Magazine article | Portuguese (Brazil) | |
Digital Competence in the Knowledge Society | GALLARDO-ECHENIQUE, Eliana E. et al. | Magazine article | English | |
2016 | Competência Digital: conhecer para estimular o ensino e a aprendizagem | PATRÍCIO, Maria Raquel; OSÓRIO, António | Event | Portuguese (Portugal) |
Competência Digital: um estudo com alunos ingressantes no ensino superior | DE MOURA, Flávio Aparecido Antonio | Master’s Thesis | Portuguese (Brazil) | |
2017 | Competências Digitais: Comportamentos, percepções e atitudes dos docentes / pesquisadores dos PPGCIS — 2008 a 2012 | AUTRAN, Marynice Medeiros Matos; BORGES, Maria Manuel | Event | Portuguese (Brazil) |
Fonte: elaborado pelas autoras (2018).
No total, a pesquisa utilizou 40 trabalhos, oito deles nacionais, com a primeira publicação em 2007 de Palácios, em que o conceito de competências digitais é descrito conforme a Comissão Europeia (2006). Outros trabalhos são desenvolvidos em seguida; entretanto, é a partir de 2012 que se percebe o aumento de publicações, principalmente em nível internacional, promovendo e discutindo modelos de competências digitais focados em perfil de sujeitos. São poucas as experiências nacionais publicadas acerca da temática de competências digitais. Entre o primeiro trabalho, publicado no ano de 2007, e os últimos, datados em 2017, apenas oito são nacionais e discutem as competências digitais voltadas para a educação.
Dessa forma, a seção a seguir apresenta a discussão dos dados analisados dos artigos, partindo inicialmente do conceito de Competências Digitais. Em seguida, discorre sobre os termos referenciais e bases utilizados, muitas vezes, como sinônimo de Competências Digitais, presentes nos artigos analisados. O objetivo é esclarecer inicialmente o conceito de CD e, em seguida, apresentar a diferença entre os termos comumente ligados a ele.
DISCUSSÃO ACERCA DO CONCEITO DE COMPETÊNCIAS DIGITAIS
Em 2006, o termo Digital Competence (Competência Digital) surge no relatório Competências-chave para a educação e a formação ao longo da vida,2 do Parlamento Europeu, em conjunto com a Comissão Europeia de cultura e educação. O documento teve como objetivo identificar as abordagens e as tendências emergentes na Europa para Media Literacy (Letramento em Mídias), apresentando oito competências essenciais para a formação ao longo da vida. Dentre elas está a competência digital, definida como o uso seguro e crítico das tecnologias da informação para o trabalho, o lazer e para a comunicação. Dessa forma, a partir desses relatórios, em 2006, a Europa inicia um movimento em relação ao desenvolvimento de pesquisas focando o conceito e frameworks de competências digitais para os cidadãos europeus.
Na Noruega, no mesmo ano, 2006, pesquisas surgem com o objetivo de desenvolver e conceituar as competências digitais na educação por meio da mudança curricular nas escolas. Esse novo modelo trouxe, incorporado ao currículo de cada nível, o desenvolvimento de competências digitais voltadas para a realidade norueguesa. O conceito de CD teve como alicerce os autores ITU (2005) e Erstad (2005). Para ITU (2005, p. 7, tradução da autora),3 a competência digital é compreendida como “conhecimentos, criatividade e atitudes necessárias para utilizar as mídias digitais para a aprendizagem e compreensão da sociedade do conhecimento”. Erstad (2005, p. 133, tradução da autora)4 corrobora esse conceito e acrescenta que as competências digitais são “habilidades, conhecimentos e atitudes através dos meios digitais para dominar a sociedade da aprendizagem”.
Já para Jorgi Adell (2005, 2007), as competências digitais podem ser sistematizadas em cinco pontos: 1. Competência Informacional; 2. Competência Tecnológica; 3. Competência da Alfabetização Múltipla; 4. Competência da Alfabetização Cognitiva; e 5. Competência da Cidadania Digital. O autor apresenta um mapa relacional entre as competências, apresentando a dependência e independência entre os elementos, conforme Figura 1.
Em 2008, Calvani, Cartelli, Fini e Ranieri (2009, p. 186) definem a competência digital como:
Ser capaz de explorar e enfrentar as novas situações tecnológicas de uma maneira flexível, para analisar, selecionar e avaliar criticamente os dados e informação, para aproveitar o potencial tecnológico com o fim de representar e resolver problemas e construir conhecimento compartilhado e colaborativo, enquanto se fomenta a consciência de suas próprias responsabilidades pessoais e o respeito recíproco dos direitos e obrigações.
Dois anos depois, em 2010, os autores apresentam a existência de três dimensões nas competências digitais, sendo elas a tecnológica, a cognitiva e a ética, conforme a Figura 2.
Fonte: Competência digital no K-12: modelos teóricos, ferramentas de avaliação e pesquisa empírica5 - Imagem traduzida.
Para cada dimensão, os autores apontam subdivisões, as quais podem ser vistas detalhadamente, de acordo com a Figura 3.
Fonte: Competência digital no K-12: modelos teóricos, ferramentas de avaliação e pesquisa empírica - Imagem traduzida.
Em 2010, a Comissão Europeia realizou o mapeamento das Competências Digitais em conhecimentos, habilidades e atitudes. Dentre os conhecimentos, estão: entender o funcionamento dos aplicativos do computador, os riscos da internet e da comunicação on-line, o papel da tecnologia como suporte para a criatividade e para a inovação, a veracidade e confiabilidade da informação on-line e princípios éticos e legais das ferramentas de colaboração. As habilidades são: o gerenciamento de informação, a capacidade de distinguir o virtual do mundo real e ver as conexões entre esses dois domínios, a habilidade para usar os serviços básicos da internet como suporte à criação e à inovação. Em termos de atitudes, tem-se: ser crítico e reflexivo com as informações.
Gutiérrez (2011), a partir da definição de diferentes autores, define a competência digital como:
O conjunto de valores, crenças, conhecimentos, capacidades e atitudes para utilizar adequadamente as tecnologias, incluindo tanto os computadores como os diferentes programas e Internet, que permitem e possibilitam a busca, o acesso, a organização e a utilização da informação a fim de construir conhecimento (2011, p.21, tradução da autora).6
Muito parecida com essa definição de Gutiérrez, está a de Gisbert e Esteve (2011, tradução da autora),7 em que a competência digital é a soma de habilidades, conhecimentos e atitudes quanto aos aspectos não apenas tecnológicos, mas também informacionais, multimídias e comunicativos. Com base em todas essas proposições, Ferrari (2012) define as competências digitais como:
[...] um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, estratégias e sensibilização de que se precisa quando se utilizam as TICs e os meios digitais para realizar tarefas, resolver problemas, se comunicar, gestar informação, colaborar, criar e compartilhar conteúdo, construir conhecimento de maneira efetiva, eficiente, adequada de maneira crítica, criativa, autônoma, flexível, ética, reflexiva para o trabalho, o lazer, a participação, a aprendizagem, a socialização, o consumo e o empoderamento (2012, p. 3-4, tradução da autora).8
Segundo Ferrari (2012), a construção das competências digitais pode ser representada da seguinte forma, de acordo com a Figura 4.
Conforme a Figura 4, primeiro, são listados os elementos principais da competência, os conhecimentos, as habilidades e as atitudes, em conjunto com os domínios, as estratégias, os valores e a conscientização. Em seguida, estão as ferramentas e, logo após, as áreas das competências, que preveem o uso e a execução de tarefas. Os modos podem ser interpretados como atitudes, que podem ou não ser utilizados.
Em 2013, no informe DIGCOMP (Ferrari, 2013), foram definidos os conhecimentos, habilidades e as atitudes necessárias para ser competente digitalmente, em doze áreas diferentes.
Seguindo a mesma linha de pensamento, Larraz (2013) compreende as Competências Digitais como a capacidade de mobilizar diferentes letramentos, para gestar a informação e comunicar o conhecimento, resolvendo situações em uma sociedade de constante evolução (LARRAZ, 2013, p. 118, tradução da autora).9
Para Larraz (2013), são necessários quatro letramentos, sendo eles: 1. Letramento Informacional, para gerenciar a informação digital; 2. Letramento Tecnológico, para o tratamento dos dados em diferentes formatos; 3. Letramento Multimídia, para a análise e criação de mensagens multimídias; e 4. Letramento comunicativo, para participar de maneira segura, ética e cívica por meio de uma identidade digital.
Dessa forma, organizou-se a Tabela 4, com todos os conceitos de competências digitais tratados nesta seção.
Ano, Autor | Conceito |
---|---|
(2005) ITU | Conhecimentos, criatividade e atitudes necessárias para utilizar as mídias digitais para a aprendizagem e compreensão da sociedade do conhecimento. |
(2005) Erstad | Habilidades, conhecimentos e atitudes, mediante os meios digitais, para dominar a sociedade da aprendizagem. |
(2006) União Europeia | Uso seguro e crítico das tecnologias de informação para o trabalho, para o lazer e para a comunicação. Sustenta-se mediante as competências básicas em matéria de TIC: o uso do computador para obter, avaliar, armazenar, produzir, dar e trocar informação, e se comunicar e participar em redes de colaboração pela internet. |
(2008) Calvani, Cartelli, Fini e Ranieri | Ser capaz de explorar e enfrentar as novas situações tecnológicas de uma maneira flexível, para analisar, selecionar e avaliar criticamente os dados e informação, para aproveitar o potencial tecnológico com o fim de representar e resolver problemas, e construir conhecimento compartilhado e colaborativo, enquanto se fomenta a consciência de suas próprias responsabilidades pessoais e o respeito recíproco dos direitos e obrigações. |
(2011) Gutiérrez | Conjunto de valores, crenças, conhecimentos, capacidades e atitudes para utilizar adequadamente as tecnologias, incluindo tanto os computadores como os diferentes programas e a Internet, que permitem e possibilitam a busca, o acesso, a organização e a utilização da informação a fim de construir conhecimento. |
(2011) Gisbert e Esteve | A competência digital como a soma de habilidades, conhecimentos e atitudes quanto aos aspectos não apenas tecnológicos, mas também informacionais, multimídias e comunicativos. |
(2012) Anusca, Ferrari | um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes, estratégias e sensibilização de que se precisa quando se utilizam as TICs e os meios digitais para realizar tarefas, resolver problemas, se comunicar, gestar informação, colaborar, criar e compartilhar conteúdo, construir conhecimento de maneira efetiva, eficiente, adequada de maneira crítica, criativa, autônoma, flexível, ética, reflexiva para o trabalho, o lazer, a participação, a aprendizagem, a socialização, o consumo e o empoderamento. |
(2013) Larraz | A capacidade de mobilizar diferentes alfabetizações, para gestar a informação e comunicar o conhecimento, resolvendo situações em uma sociedade em constante evolução. |
Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).
Em seguida, esses elementos foram selecionados e dispostos, juntamente com os autores, a fim de tabular e comparar os mais recorrentes. Ao final da tabela, foi realizada a soma de recorrência, que pode ser vista na Tabela 5.
Elementos/Autores | ITU (2005) | Erstad (2005) | Eshet-Alkalai (2004) | União Europeia (2006) | Calvai et al. (2008) | Gutiérrez (2011) | Gisbert e Esteve (2011) | Ferrari (2012) | Larraz (2013) | DIGICOMP | SOMA |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Conhecimentos | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 8 | ||
Atitudes | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 6 | ||||
Habilidades | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 5 | |||||
Meios digitais/tecnológicos | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 9 | |
Resolver situações novas/problemas | 1 | 1 | 1 | 1 | 1 | 5 | |||||
Criatividade | 1 | 1 | 1 | 3 | |||||||
Uso seguro | 1 | 1 | 2 | ||||||||
Criticidade | 1 | 1 | 1 | 1 | 4 | ||||||
Explorar | 1 | 1 | |||||||||
Avaliar | 1 | 1 | 1 | 3 | |||||||
Selecionar | 1 | 1 | 1 | 3 | |||||||
Colaborar | 1 | 1 | 1 | 1 | 4 | ||||||
Compartilhar | 1 | 1 | 1 | 3 | |||||||
Responsabilidade | 1 | 1 | 1 | 3 | |||||||
Respeito | 1 | 1 | |||||||||
Valores | 1 | 1 | |||||||||
Crenças | 1 | 1 | |||||||||
Capacidades | 1 | 1 | |||||||||
Estratégias | 1 | 1 | 2 | ||||||||
Alfabetizações | 1 | 1 | |||||||||
Socioemocional | 1 | 1 |
Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).
Em síntese, conforme pode ser visto nas Tabelas 4 e 5, a maior parte dos autores trata as competências digitais como um conjunto de elementos, Conhecimentos, Habilidades e Atitudes, Meios Digitais/Tecnológicos e resolução de problemas. No entanto, constatam-se três grupos de conceitos distintos. Para os autores ITU, 2005; Erstad, 2005; Gutiérrez, 2011; Gisbert e Esteves, 2001; Ferrari, 2012, a competência digital é composta pelos conhecimentos, habilidades e atitudes.
Já para a União Europeia (2006) e Calvani, Cartelli, Fini e Ranieri (2008), o conceito é a explicação de como o sujeito deve agir frente às TICs, diferentemente de Larraz (2013), que apresenta o conceito de competência digital como a soma de múltiplos Letramentos.
Segundo Ferrari, Punie e Redecker (2012), existem duas vertentes quando se trata do conceito de competências digitais. Na primeira, entende-se competência digital como a convergência de letramentos; na segunda, como um novo letramento, com novos componentes e uma maior complexidade. Seguindo esse pensamento, entende-se que o letramento digital se modifica com o surgimento de novas ferramentas tecnológicas e das necessidades da sociedade, o que faz com que cada vez mais surjam situações e exigências de competências. No entanto, tratar a competência digital como um novo letramento não é suficiente, já que se entende que o conceito de competência é complexo e envolve um conjunto de elementos que devem ser mobilizados frente a uma situação nova.
Diante das concepções apresentadas, entende-se que as Competências Digitais estão ligadas ao domínio tecnológico, mobilizando um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA) com o objetivo de solucionar ou resolver problemas em meios digitais. Cabe ressaltar a vinculação das competências digitais a um contexto específico e perfil de sujeitos, conforme pode ser visto no esquema sobre o conceito de competências digitais, na Figura 5.
No caso educacional, o contexto é a educação, sendo os sujeitos todos aqueles que nela estão envolvidos.
Além dos principais conceitos e autores, os dados também revelaram uma gama de termos utilizados como sinônimos, erroneamente, de competências digitais e que são apresentados por diferentes referenciais. Dessa forma, verificou-se a necessidade de esclarecer tais expressões, sendo necessário para isso traçar um histórico desses conceitos, que será apresentado na próxima seção.
DISCUSSÃO DOS TERMOS LIGADOS ÀS COMPETÊNCIAS DIGITAIS: DO LETRAMENTO COMPUTACIONAL (COMPUTER LITERACY) À FLUÊNCIA DIGITAL (DIGITAL FLUENCY)
O conceito de Competências Digitais comumente é ligado a diferentes termos e conceitos encontrados na literatura revisada; dentre eles estão: Computer Literacy, Information Literacy, Media Literacy, Digital Literacy, Digital Fluency.
Portanto, com o objetivo de esclarecer os diferentes termos e conceitos, traçou-se um histórico com base na revisão da literatura. Parte-se, desse modo, do termo cunhado como Computer Literacy (Letramento Computacional) nos anos 1980, e suas variações, ICT Literacy, IT Literacy, Technology Literacy, que tratavam do nível de experiência e de familiaridade com o computador, em especial com as aplicações informáticas, segundo Hawkins e Paris (1997). A ICT Literacy, mesmo utilizada na época como sinônimo de Computer Literacy, era, na verdade, compreendida como uma parte da Computer Literacy e centrava-se em competências da informação, conforme Katz (2005). Para o painel internacional de letramento das TICs10 (2002), a ICT Literacy é a utilização da tecnologia digital, das ferramentas de comunicação e redes para ter acesso, dirigir, integrar e avaliar informações
Em seguida, o termo Information Literacy (Letramento Informacional), nos anos 1990, surgiu com uma necessidade além apenas do uso do computador, conforme Bawden e Robinson (2002). O conceito enfatiza a identificação, localização e avaliação da informação e, segundo Alexandria (2005), a Information Literacy capacita as pessoas em todas as esferas da vida para buscar, avaliar, utilizar e criar por meio da informação, de forma eficaz. Muitos autores apontam o pensamento crítico como um dos principais componentes da Information Literacy, que se tornou ainda mais importante quando ligada aos meios digitais, com o grande número de informações disponíveis.
No Brasil, não havia uma tradução específica para a expressão Information Literacy. Hatschbach (2002) aponta que essa diversidade de usos de expressões torna mais difícil o firmamento da área no Brasil. Na época, Hatschbach (2002) apresentou alguns termos que traduziam a expressão, tais como alfabetização digital, alfabetização informacional e competência em informação. No entanto, havia muita polêmica com relação à tradução em si, vários pesquisadores não utilizavam a expressão em Português. Inicia-se, portanto, a discussão em torno da tradução de Literacy para o Português no Brasil, que será aprofundada com a expressão Digital Literacy, em 1997.
No entanto, na década de 1990, também se discutiam os termos relacionados a Media Education (Educação em Mídias) e Media Literacy (Letramento em Mídias). O termo Media Literacy foi compreendido como uma vertente da Information Literacy, focando a forma como as informações são acessadas, avaliadas, definidas, construídas e interpretadas. Já a Media Literacy centraliza-se na capacidade de lidar com diferentes formatos de informações como a mídia impressa e audiovisual (rádio e televisão).
Originalmente, a Media Literacy compõe um campo de pesquisa que busca avaliar os meios de comunicação da mídia de massa. Os autores Thoman e Jolls (2003) a definem como a capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar meios de comunicação em uma variedade de formas. Brandtweiner, Donat & Kerschbaun (2010) ainda acrescentam um pensamento crítico e reflexivo a partir de quatro dimensões: 1. Selecionar e utilizar os meios de comunicação e conteúdos apropriados (conhecimento sobre meios de comunicação, utilização e participação); 2. Compreender os conteúdos e avaliar a mídia (análise e avaliação); 3. Reconhecer e responder às influências do conteúdo de mídia; e 4. Identificar e avaliar as circunstâncias de produção (seriedade e credibilidade).
Já o conceito de Digital Literacy, cunhado por Gilster (1997), no livro de mesmo nome, define o termo como a capacidade de entender e usar a informação em múltiplos formatos, a partir de uma ampla gama de fontes por meio do computador. Portanto, os termos ligados a Literacy (Letramento), como Technology Literacy ou Technological Literacy (Letramento Tecnológico), New Literacies (Novos Letramentos), ICT Literacy (Letramento em TIC), Media Literacy (Letramento em Mídias), eLiteracy (eLetramentos), encontram-se nessa mesma linha.
Gilster (1997apudBawden, 2002, p. 395) acrescenta ainda que o “[...] Letramento Digital tem a ver com o domínio das ideias e não das teclas”, ou seja, o conceito busca uma maior aproximação com o pensamento crítico do uso das tecnologias digitais do que com os aspectos técnicos. Assim, absorve grande parte dos elementos da Computer Literacy, Information Literacy e da Media Literacy, conforme a Figura 6.
Mesmo que a Figura 6, acima, represente um modelo a fim de exemplificar as relações entre esses conceitos, com base nos autores, não quer dizer que a Digital Literacy é a soma desses Letramentos. Aquino (2004), a título de exemplo, trata a Digital Literacy como uma evolução da Information Literacy, já que a passagem da cultura impressa para a cultura digital afetou não só os ambientes do papel, exigindo-lhes adequação aos novos formatos, impondo a aquisição de novas competências e habilidades para o desenvolvimento dos serviços informacionais.
Já para Eshet-Alkalai (2004), tal conceito é mais do que a mera capacidade de utilizar software ou operar um dispositivo digital - são necessárias variedades de habilidades emocionais, motoras e cognitivas do usuário para lidar nos ambientes digitais. Já para Jones-Kavalier e Flannigan (2006), a Digital Literacy representa a capacidade de uma pessoa realizar tarefas com eficiência em um ambiente digital. Martin & Grudziecki (2006) acrescentam que são atitudes e habilidades individuais para usar adequadamente as ferramentas digitais: identificar, acessar, analisar e sintetizar recursos, construir novos conhecimentos, comunicar-se e outras situações em contextos digitais.
Por fim, a Comissão Europeia (2007) define Digital Literacy como habilidades similares às da leitura e escrita, porém na utilização das novas tecnologias. Gilster (1997) avançou na ideia de que as novas tecnologias exigiam novas competências. Isso demonstra habilidades não apenas para encontrar informações, mas também para adquirir capacidades para utilizá-las em sua vida. Abaixo, a Tabela 6 apresenta os principais conceitos tratados até o momento, suas definições, seus autores e as variações dos termos, de acordo com a análise dos artigos.
Ano | Letramento | Conceito | Referência | Variações |
---|---|---|---|---|
Anos 1980 | Letramento Computacional (Computer Literacy) | Nível de experiência e familiaridade com o computador. | Hawkins & Paris (1997) | ICT Literacy, IT Literacy, Technology Literacy |
Anos 1990 | Letramento Informacional (Information Literacy) | Capacita as pessoas para identificar, buscar, avaliar, utilizar, criar por meio da informação, o que vai além do uso do computador. | Alexandria (2005) | |
Anos 1990 | Letramento em Mídias (Media Literacy) | Capacidade de acessar, analisar, avaliar e criar meios de comunicação em uma variedade de meios. | Thoman e Jolls (2003) | Media Education |
1997 | Letramento Digital (Digital Literacy) | Capacidade de entender e usar a informação em múltiplos formatos, a partir de uma ampla gama de fontes do computador. | Gilster (1997) | Technology Literacy, Technological Literacy, New Literacies, eLiteracy |
Fonte: Elaborada pelas autoras (2018).
Com relação aos trabalhos publicados no Brasil com o conceito de Digital Literacy, percebem-se diferentes traduções como: Alfabetização Digital, Letramento Digital, Fluência Digital e até Competência Digital. O Letramento Digital foi a tradução escolhida por alguns autores como Educarede (2008), Xavier (2003) e Buzato (2003).
No entanto, esses termos são entendidos como processos diferentes; a tradução correta de Literacy do Inglês para a Língua Portuguesa, no Brasil, é Letramento. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, Soares (2004) ressalta que existem diferentes níveis de Alfabetização como Reading Instruction (Leitor Instrucional) e Beginning Literacy (Alfabetização Inicial), voltados para a Alfabetização tradicional de leitura e escrita. O conceito de Literate (Letrado) foi introduzido mais tarde, com pesquisas acerca da compreensão da aquisição da leitura e escrita e seu papel social. Logo, nesses países, para diferenciar aqueles que conseguiam utilizar a leitura e a escrita socialmente, estes eram chamados de letrados, também traduzido em Inglês como Functionally Literate, termo cunhado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A autora ainda ressalta que toda essa discussão foi realizada ainda nos anos 1980 nos Estados Unidos, embora a palavra Literacy já constasse nos dicionários desde o final do século XIX.
No Brasil, diferenciam-se esses níveis pelos conceitos de Alfabetização e de Letramento, ou Literacia, em Portugal. Para Soares (2003), a alfabetização, em seu sentido próprio e específico, seria o sistema de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita. Assim, o indivíduo alfabetizado é aquele que sabe ler e escrever. Já o letramento, para Buzato (2006, p. 5), é uma forma de agir, afirmar-se, construir e sustentar uma visão de mundo partilhada por um grupo e, portanto, carrega traços identitários e significativos compartilhados por esse grupo. O indivíduo letrado tem o conhecimento e a prática para falar, ler e escrever de diversas formas. De acordo com as situações ou atividades em que se envolve, esse indivíduo pode elevar seu grau de letramento. Ou seja, para Soares (2004), o letramento está além da alfabetização.
Portanto, com a incorporação das tecnologias, a alfabetização, ao longo do tempo, foi se modificando, integrando novas competências próprias das TDICs, com práticas de leitura e escrita que se transformam de acordo com a necessidade social. Segundo Teberosky (2004, p. 160), “a tecnologia pode influenciar a maneira com que se define a leitura e a escrita”. Ou seja, com as mudanças tecnológicas, já não se pode apresentar a alfabetização apenas como a compreensão da língua, escrita e falada sem o digital, mas, sim, deve-se tratá-las como processos complementares. Segundo Coll e Illera (2010, p. 290), falar em Letramento Digital equivale a postular que, assim como nas sociedades letradas é necessário ter um domínio funcional das tecnologias de leitura e escrita para ter acesso ao conhecimento, na Sociedade da Informação (SI), é imprescindível ter um domínio das tecnologias digitais da leitura e escrita. Em outras palavras, falar em “alfabetização digital” supõe aceitar, com todas as suas consequências, que as aprendizagens relacionadas com o domínio e manejo das TDICs são básicas na SI no mesmo sentido em que já o são as aprendizagens relacionadas ao domínio da leitura e escrita nas sociedades letradas.
Já para Soares (2002apud COUTO, 2012, p. 48), o termo Letramento Digital é um estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e escrita na tela, diferente do estado ou condição do letramento dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel. Assim, o letrado digitalmente interage com as tecnologias, realizando práticas como saber pesquisar, selecionar, avaliar a informação, realizar trocas entre pares, compartilhar, ser autor, sempre utilizando os recursos da Web, e utilizando diferentes ferramentas para isso (Silva, 2012). Silva (2012) propõe uma visão acerca da apropriação da alfabetização e letramento tradicional e digital, conforme a Figura 7.
Conforme a Figura 7, as linhas entrelaçadas correspondem a diferentes momentos de aprendizagem, iniciando-se pela alfabetização tradicional, em seguida a alfabetização digital, passando para o letramento tradicional e letramento digital. Percebe-se que, embora se afirme que ambas as alfabetizações são desenvolvidas em conjunto, de modo concreto, elas ainda acontecem em diferentes momentos. No entanto, a alfabetização é de caráter finito, percebe-se que as linhas das alfabetizações iniciam e têm um fim; já as do letramento são contínuas e não finalizam. Segundo Silva (2012), a alfabetização digital é um processo que não depende da alfabetização tradicional, mas, quando se trata do letramento digital, precisa-se da alfabetização, a qual se desenvolverá justamente no contexto das práticas sociais de leitura e escrita no ambiente virtual, com atividades focadas no letramento.
No entanto, ainda havia uma confusão com relação às traduções realizadas no Brasil, principalmente voltadas para a tecnologia. Ora a expressão Digital Literacy era traduzida como Alfabetização Digital, ora como Letramento Digital.
A fim de minimizar a dificuldade em diferenciar os conceitos de Digital Literacy, em 1999, o Comitê de Alfabetização em Tecnologias de Informação (Committee of Information Technology Literacy), criado pelo Conselho Nacional de Pesquisas dos EUA, propôs a noção de Digital Fluency (Fluência Digital) em contrapartida a Digital Literacy (Letramento Digital). Esse estudo, intitulado “Ser fluente com a tecnologia da Informação” (no original, Being fluente with information technology), define FITness ou Fluência Digital como a capacidade de reformular conhecimentos, expressar-se criativa e apropriadamente, bem como produzir e gerar informação (em vez de meramente compreendê-la), de acordo com o National Research Council (1999, p. VIII).
A fluência, segundo o Dicionário Michaelis on-line (2017), é definida como: “1 Qualidade ou natureza daquilo que flui; fluidez; 2 Característica daquilo que é espontâneo, natural; espontaneidade”. Na aprendizagem de uma língua, significa facilidade para uso do idioma e segundo Ager (2009, p. 5 apud NIESSEN, 2015, p. 4):
A comunicação envolve aspectos que fluem (saída) como a fala e a escrita, e aspectos de entrada como audição, leitura e visualização. Cada uma dessas habilidades envolve a compreensão e interpretação e um nível de fluência que envolve compreender humor e ironia, ou seja, tudo isso abrange não apenas falar a língua sem esforço e precisão, mas também estar familiarizado com diferentes registros do idioma (tradução nossa).11
Para Tarouco (2013, p. 285), tanto alunos quanto professores, embora “alfabetizados” no mundo digital, necessitam de algo mais para efetivamente funcionar na sociedade da informação. Isso implica a noção de fluência, que, segundo Tarouco (2013), é uma capacidade pessoal, na acepção de que os indivíduos fluentes em tecnologia da informação avaliam, selecionam, aprendem e usam novas tecnologias da informação conforme apropriado para suas atividades pessoais e profissionais (p. 297).
Em síntese, a alfabetização digital, o letramento digital e a fluência digital podem ser compreendidos, de acordo com a Figura 8, como diferentes processos interligados e que representam a experiência e prática dos sujeitos em relação ao uso das tecnologias digitais.
Dessa forma, a Tabela 7, a seguir, tem como objetivo resumir a relação entre esses três conceitos.
Alfabetização | Alfabetização digital |
---|---|
A alfabetização em seu sentido próprio e específico seria o sistema de aquisição do código escrito, das habilidades de leitura e escrita. Sendo assim, o indivíduo alfabetizado é aquele que sabe ler e escrever (Soares, 2013). | Teberosky (2004, p. 160): “a tecnologia pode influenciar a maneira com que se define a leitura e a escrita”. Ou seja, com as mudanças tecnológicas, já não se pode apresentar a alfabetização apenas como a compreensão da língua, escrita e falada sem o Digital, mas, sim, deve-se tratá-las como processos complementares. |
Letramento | Letramento digital |
O letramento é uma forma de agir, afirmar-se, construir e sustentar uma visão de mundo partilhada por um grupo e, portanto, carrega traços identitários e de significados compartilhados por esse grupo (Buzato, 2006). | Capacidade de entender e usar a informação em múltiplos formatos a partir de uma ampla gama de fontes através do computador (Gilser, 1997). Letramento Digital é um estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e escrita na tela, diferente do estado ou condição do letramento dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel (Soares, 2002 apud COUTO, 2012). |
Fluência | Fluência digital |
1 Qualidade ou natureza daquilo que flui; fluidez; 2 Característica daquilo que é espontâneo, natural; espontaneidade, fluidez: “Ela fala inglês com muita fluência.” (Michaelis on-line, 2017). | A Fluência Digital é uma capacidade pessoal, no sentido de que os indivíduos fluentes em tecnologia da informação avaliam, selecionam, aprendem e usam novas tecnologias da informação conforme apropriado para suas atividades pessoais e profissionais (Tarouco, 2013). |
Fonte: Elaborado pelas autoras (2018).
A partir desse levantamento acerca dos termos ligados ao conceito de competências digitais, percebe-se que um novo processo de socialização e cultura iniciou através das TDICs. Entende-se que isso influenciou as formas de aprender, comunicar e interagir, transformando a maneira como se interpreta e se responde ao mundo real e virtual. Por esses motivos, surge como resposta a essas transformações o conceito de competências digitais, que, conforme visto, é um conceito que vai além dos letramentos, já que se trata de um conceito complexo e envolve um conjunto de elementos, CHA, que devem ser mobilizados frente a uma situação nova.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluindo este artigo, buscou-se realizar uma discussão a partir dos dados da análise sistemática com experiências nacionais e internacionais consideradas relevantes para a compreensão do conceito de competências digitais na educação. Percebeu-se que, em nível internacional, são muitas as práticas que têm tratado de definir as competências digitais na educação. No entanto traduzem um perfil de sujeito e nível educacional que não condiz com a realidade brasileira. Com relação às experiências no Brasil, existe um número escasso de trabalhos publicados acerca da temática, o que torna os trabalhos internacionais a principal referência.
Identificou-se que o conceito de competências digitais foi se constituindo à medida que as TDICs provocaram transformação em todos os âmbitos da sociedade. Desde então, a complexidade tecnológica só fez emergir cada vez mais diferentes necessidades, já que possuir as ferramentas digitais não garante que o sujeito seja digitalmente competente. Dessa forma, entende-se que o conceito tem sentido no contexto atual, assim como diferentes termos tiveram sentido em diferentes épocas, conforme pode ser visto através da Figura 9, resumindo e destacando as expressões utilizadas até a discussão atual acerca do conceito de competências digitais.
Percebe-se, assim, que as mudanças com relação aos conceitos estão ligadas ao desenvolvimento tecnológico, emergindo novas necessidades e formas de lidar com as TDICs no cotidiano. Nos anos 1980, a necessidade era compreender como utilizar o computador; no início da década de 1990, o uso das informações e das diferentes mídias. A partir de 1997, fala-se do letramento digital necessário para lidar com as ferramentas digitais e com a internet.
A respeito do conceito de competências digitais, através do esquema acima, compreende-se por que alguns autores conceituam como uma soma de alfabetizações, pois adotam o percurso histórico como elemento constituinte do conceito. No entanto, como visto em Krumvisky (2011), a definição de competência digital é mais complexa e ampla, indo além das múltiplas alfabetizações de Larraz (2013). Portanto, não se deve ignorar o fato de que, em pouco tempo, seja necessário incorporar novos elementos e realizar uma readequação do conceito.
Portanto, as questões relacionadas ao conceito não são tão simples de serem elucidadas, uma vez que a revisão da literatura demonstra a extensa diversidade teórica em torno do termo criando, por vários motivos, um caos terminológico (LARRAZ, 2013). Entretanto, a partir da revisão realizada, foi possível elaborar uma definição das Competências Digitais. Percebeu-se que, mesmo com diferentes documentos e formas de abordar o conceito, existe uma tendência com relação aos elementos que a compõem. Esses elementos são compreendidos como conhecimentos, habilidades e atitudes, voltados para o uso das TDICs e consideradas básicas para esta sociedade que se encontra em plena exploração das tecnologias e de produção de conhecimento.
Por fim, a partir da discussão, o que se espera de um sujeito digitalmente competente é que este possa compreender os meios tecnológicos o suficiente para saber utilizar as informações, ser crítico e ser capaz de se comunicar utilizando uma variedade de ferramentas. Tem-se a expectativa de que este artigo possa auxiliar em uma melhor compreensão do conceito de competências digitais, destacando que a tecnologia evolui de forma constante gerando grandes transformações no campo educacional, social, entre outros. Isso significa que as competências digitais são dinâmicas e que devem ser atualizadas constantemente.