1 Introdução
Nos últimos 15 anos, o Brasil testemunhou avanços substantivos no âmbito da Educação Superior, sobretudo no que se refere à adoção de políticas afirmativas ( ANDRIOLA; SULIANO, 2015 ). À medida que as Instituições de Ensino Superior (IES) passaram a adotar tais políticas, discussões acadêmicas foram travadas, resultando em pesquisas para avaliar as repercussões dessas ações (ARAÚJO; ANDRIOLA; COELHO, 2018). Por exemplo, Ristoff (2014) estudou as alterações no perfil dos estudantes de graduação oriundas das políticas afirmativas, tais como o Programa Universidade para Todos (Prouni), o Plano Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) e o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). O autor constatou alterações significativas no perfil dos universitários, oriundas das novas oportunidades de mobilidade social direcionadas aos trabalhadores de baixa renda, pretos, pardos e indígenas, promovidas por essas políticas.
Waltenberg e Carvalho (2012) compararam o desempenho dos alunos beneficiados por ações afirmativas com os demais alunos, demonstrando haver diferenças substantivas entre esses grupos, nos cursos com alto prestígio social, de IES privadas. Nas IES públicas, o desempenho dos cotistas foi inferior ao dos não cotistas, em todos os tipos de cursos. Consoante os autores, esse foi o preço pago pela sociedade em prol da diversidade e da equalização das oportunidades nas universidades brasileiras.
Mendes Júnior (2014) constatou resultados mais eficientes na taxa de diplomação de alunos cotistas. Porém, no que tange à evasão, os não cotistas apresentaram taxas três vezes maiores. Quanto à qualidade do aprendizado, os cotistas tiveram valores inferiores aos dos não cotistas nos cursos analisados, embora agreguem valor à universidade, pois promovem melhorias significativas nos indicadores institucionais, mormente, no que se refere à diplomação e à evasão.
Pesquisas geradoras de novas informações acerca da qualidade das vivências do alunado usuário de ações afirmativas e suas repercussões sobre o desempenho individual e institucional são relevantes (MATTA; LEBRÃO; HELENO, 2017), sobretudo estudos que abordem a adaptação discente ao ambiente universitário, compreendendo a qualidade de suas vivências, pois estas são vitais para a permanência e para o sucesso acadêmico ( PASCARELLA; TERENZINI, 2005 ; REASON; TERENZINI; DOMINGO, 2006). Consoante Ambiel, Santos e Dalbosco (2016), Bisinoto et al. (2016), Cunha e Carrilho (2005) , estudantes universitários com melhor adaptação e integração, demonstram maiores chances de crescimento intelectual, individual e acadêmico. O próximo tópico discorre acerca da relevância dos estudos sobre a adaptação de alunos ao ambiente universitário.
2 Adaptação de alunos ao ambiente universitário: breve revisão temática
O aluno universitário é submetido a exigências intrínsecas a esse nível de Ensino, tais como ajustamento às regras institucionais, adequado convívio com pares e superiores, busca por elevados desempenhos acadêmicos (OLIVEIRA et al., 2014). Nesta fase, o universitário questiona vários aspectos de sua existência, resultando em novas vivências acadêmicas (ALMEIDA; SOARES; FERREIRA, 1999). O termo vivências acadêmicas é o conjunto de situações próprias da vida universitária, ao qual estão associados os desenvolvimentos pessoal, cognitivo e social (AMBIEL; SANTOS; DALBOSCO, 2016; GRANADO et al., 2005; GUERREIRO-CASANOVA; POLYDORO, 2011 ; IGUE; BARIANI; MILANESI, 2008; MATTA; LEBRÃO; HELENO, 2017).
Conforme destacaram Gökel e Dağli (2017) , calouros universitários podem vir a reagir de maneira heterogênea às vivências acadêmicas: alguns vão adaptar-se rápida e eficientemente; outros vão percorrer este caminho lentamente ( SUEHIRO; ANDRADE, 2018 ); outros não se adaptarão completamente, ocasionando evasões (CARDOSO; SCHEER, 2003; OLIVEIRA; SANTOS; DIAS, 2016). Conforme Silva Filho et al. (2007), a falta de recursos financeiros e as expectativas em relação à formação são fatores que podem dificultar e desestimular o discente a priorizar a conclusão do curso ( Araújo; Almeida, 2015 ). Relacionamentos interpessoais podem ser determinantes para a decisão de abandono do curso universitário ( CUNHA; CARRILHO, 2005 ; MATTA; LEBRÃO; HELENO, 2017), bem como inadaptação às estratégias de Ensino ( ARAÚJO, 2017 ; OLIVEIRA et al., 2014).
Lamas, Ambiel e Silva, (2014), Santos, Oliveira e Dias (2015) e Soares et al. (2014) enfatizam a importância da participação ativa das IES para garantir a adaptação do ingressante à vida acadêmica. Há autores que sugerem estudos para esclarecer se há diferenças na adaptação ao ambiente universitário entre os gêneros, entre os alunos de cursos noturnos e diurnos, entre os alunos que trabalham e os que não trabalham e entre as distintas áreas do conhecimento humano (BAUTH et al., 2019; SOARES et al., 2019; SOARES; MELLO, BALDEZ, 2011; SOARES; POUBE; MELLO, 2009).
Assim, com base no exposto, delineou-se investigação para comparar a adaptação ao ambiente universitário entre estudantes de cursos noturnos e diurnos; entre os que exercem atividades laborais e aqueles que não a exercem; entre cotistas e não cotistas; entre os gêneros masculino e feminino. Ademais, objetivou-se determinar a validade fatorial e a consistência interna do QVA-R.
3 Metodologia
Face à natureza da investigação, empregou-se o método ex-post facto ( BISQUERRA ALZINA, 2004 ), também conhecido como método estatístico ( GIL, 1999 ) ou correlacional ( KERLINGER; LEE, 2002 ).
3.1 Lócus de pesquisa
O estudo foi desenvolvido com alunos regularmente matriculados em cursos de graduação da Universidade Federal do Ceará (UFC), nos três campi de Fortaleza.
3.2 Universo e amostras de alunos e de cursos
Participaram 832 sujeitos que constituíram amostra de 3,2% dentre os alunos regularmente matriculados (N = 20.000) em 33 cursos de graduação (amostra de 38,4% considerando o universo de 86 cursos nos três campi da UFC em Fortaleza).
3.3 Instrumento
O Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA-R) foi usado para avaliar a percepção dos estudantes em relação às suas experiências acadêmicas (ALMEIDA; SOARES; FERREIRA, 2002). O referido instrumento é composto por cinco dimensões, a saber:
Pessoal e emocional: faz referência às percepções individuais de bem-estar pessoal (físico e psicológico), autoconfiança, otimismo, equilíbrio emocional;
Institucional: faz menção à percepção individual e a sentimentos em relação à qualidade do curso e da IES; da qualidade das estruturas de apoio à formação universitária; do interesse de prosseguir a formação naquele curso e concluí-la de forma exitosa;
Interpessoal: refere-se às percepções acerca das relações com pares e professores; dos vínculos pessoais (amizades) estabelecidos no âmbito do curso e da IES; do envolvimento em atividades extracurriculares (reuniões científicas, congressos, simpósios, encontros universitários etc.); da capacidade para buscar ajuda;
Curso ou carreira profissional: diz respeito às percepções sobre a adaptação ao curso; as repercussões no tocante à qualidade do aprendizado individual; as perspectivas de exercício profissional; a satisfação com a formação e com o curso e
Estudo: direciona-se às percepções das competências individuais; dos hábitos e das rotinas de estudo; do planejamento e da gestão de tempo; do uso de setores (por exemplo, biblioteca) e de recursos universitários (por exemplo, tecnologia da informação e da comunicação) para adensar o aprendizado; da preparação para exames, para estágios e para concursos.
O QVA-R é composto por 55 assertivas com escala de respostas do tipo Likert variando de 1 (totalmente em desacordo) a 4 (totalmente de acordo).
4 Principais resultados
4.1 Análise dos Parâmetros Métricos do QVA-R
Para identificar a estrutura fatorial, procedeu-se à verificação dos pressupostos básicos, dentre os quais, a adequação da matriz de dados originais, através do Teste de Esfericidade de Bartlett e do Teste Kayser-Meyer-Olkin (KMO), conforme a Tabela 1 .
Medida Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) = 0,913 | ||
---|---|---|
Teste de Esfericidade de Bartlett | χ2 | 21.162,863 |
gl | 1.485 | |
Sig | 0,000 |
Fonte: Pesquisa direta (2018)
Pode-se proceder à identificação da estrutura fatorial dos dados resultantes da aplicação da QVA-R, posto a significância do Teste KMO = 0,91 (valor muito próximo de 1,0) e do Teste de Bartlett (χ2 = 21.162,86; p < 0,01) para verificar a adequação da amostra. Em seguida, identificou-se a estrutura fatorial da QVA-R através da Extração dos Componentes Principais (Principal Components) , conforme a Figura 1 .
Conforme a composição teórica da QVA-R, há que serem extraídas cinco componentes associadas às vivências universitárias, quais sejam: pessoal e emocional; institucional; interpessoal; curso ou carreira profissional e estudo. Na Figura 1 , identifica-se que a estrutura fatorial compõe-se de cinco componentes, cujos autovalores (eigenvalues) são superiores a 2,0, corroborando a estrutura teorizada para o QVA-R. Para se averiguar a relevância desses cinco componentes, procedeu-se à análise da proporção de variância explicada por cada um deles, conforme a Tabela 2 .
Componentes Extraídos | |||
---|---|---|---|
| |||
Componente | Autovalor | % de variância | % acumulada |
01 | 9,957 | 18,103 | 18,103 |
02 | 4,724 | 8,588 | 26,692 |
03 | 3,903 | 7,096 | 33,788 |
04 | 2,653 | 4,824 | 38,611 |
05 | 2,009 | 3,653 | 42,265 |
Fonte: Pesquisa direta (2018)
As cinco componentes extraídas conseguiram explicar, conjuntamente, 42,3% da variância total, proporção bastante relevante e significativa para pesquisas educacionais. A fase seguinte consistiu em identificar a saturação de cada um dos 55 itens na componente específica da qual fazem parte, através das respectivas cargas fatoriais, adotando-se como critério delimitador o valor mínimo 0,30 ( GLASS; STANLEY, 1970 ). Assim, itens com Cargas Fatoriais inferiores a 0,30 foram automaticamente retirados do QVA-R, conforme as informações da Tabela 3 .
Item | Cargas Fatoriais dos Itens | ||||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
Componente 1 | Componente 2 | Componente 3 | Componente 4 | Componente 5 | |
1 | 0,408 | - | - | - | - |
2 | 0,474 | - | - | - | - |
3 | 0,613 | - | - | - | - |
4 | 0,618 | - | - | - | - |
5 | 0,501 | - | - | - | - |
6 | 0,547 | - | - | - | - |
7 | 0,318 | - | - | - | - |
8 | 0,429 | - | - | - | - |
9 | 0,471 | - | - | - | - |
10 | 0,486 | - | - | - | - |
11 | 0,550 | - | - | - | - |
12 | 0,417 | - | - | - | - |
13 | 0,450 | - | - | - | - |
14 | 0,439 | - | - | - | - |
15 | - | 0,325 | - | - | - |
16 | - | 0,394 | - | - | - |
17 | - | 0,225* | - | - | - |
18 | - | 0,369 | - | - | - |
19 | - | 0,327 | - | - | - |
20 | - | 0,149* | - | - | - |
21 | - | 0,179* | - | - | - |
22 | - | 0,137* | - | - | - |
23 | - | - | 0,488 | - | - |
24 | - | - | 0,306 | - | - |
25 | - | - | 0,352 | - | - |
26 | - | - | 0,421 | - | - |
27 | - | - | 0,279* | - | - |
28 | - | - | 0,362 | - | - |
29 | - | - | 0,383 | - | - |
30 | - | - | 0,394 | - | - |
31 | - | - | 0,297 | - | - |
32 | - | - | 0,205* | - | - |
33 | - | - | 0,341 | - | - |
34 | - | - | 0,437 | - | - |
35 | - | - | - | 0,561 | - |
36 | - | - | - | 0,506 | - |
37 | - | - | - | 0,621 | - |
38 | - | - | - | 0,576 | - |
39 | - | - | - | 0,651 | - |
40 | - | - | - | 0,641 | - |
41 | - | - | - | 0,556 | - |
42 | - | - | - | 0,334 | - |
43 | - | - | - | 0,489 | - |
44 | - | - | - | 0,340 | - |
45 | - | - | - | 0,349 | - |
46 | - | - | - | 0,377 | - |
47 | - | - | - | - | 0,448 |
48 | - | - | - | - | 0,271* |
49 | - | - | - | - | 0,422 |
50 | - | - | - | - | 0,460 |
51 | - | - | - | - | 0,272* |
52 | - | - | - | - | 0,480 |
53 | - | - | - | - | 0,365 |
54 | - | - | - | - | 0,396 |
55 | - | - | - | - | 0,105* |
Fonte: Pesquisa direta (2018)
* Itens retirados do QVA-R
As componentes 1 (Dimensão Pessoal e Emocional) e 4 (Dimensão Curso ou Carreira Profissional) possuem itens com saturações superiores a 0,30 implicando em adequação e aderência dos conteúdos mensurados por estes. Não obstante, a componente 2 (Dimensão Institucional) perdeu quatro itens; a componente 3 (Dimensão Interpessoal) perdeu dois itens; a componente 5 (Dimensão Estudo) perdeu três itens.
Posteriormente, cada uma das cinco componentes foi identificada e conceituada, a partir de análise semântica dos conteúdos dos itens, sendo determinada a consistência interna de cada uma delas, por meio do Alfa de Cronbach, conforme a Tabela 4 .
Componente 1 (Pessoal e Emocional) | Componente 2 (Institucional) | Componente 3 (Interpessoal) | Componente 4 (Curso ou Carreira Profissional) | Componente 5 (Estudo) |
---|---|---|---|---|
Nº de itens = 14 | Nº de itens = 5 | Nº de itens = 10 | Nº de itens = 12 | Nº de itens = 8 |
α = 0,89 | α = 0,70 | α = 0,86 | α = 0,87 | α = 0,79 |
Fonte: Pesquisa direta (2018)
A etapa seguinte consistiu na análise comparativa entre universitários de cursos noturnos e diurnos; entre os que exercem atividades laborais e aqueles que não exercem; entre cotistas e não cotistas e entre os gêneros masculino e feminino.
4.2 Análise comparativa dos alunos de cursos diurnos e noturnos
A maioria dos alunos vinculava-se a cursos diurnos (n = 671 ou 80,6%). No que tange ao gênero, a maioria dos alunos dos cursos diurnos foi formada por homens (n = 341 ou 50,8%), enquanto, entre os aprendizes dos cursos noturnos (n = 162), a maior parte foi composta por mulheres (n = 92 ou 56,8%). A maioria dos alunos de cursos diurnos não trabalham (n = 542 ou 80,8%), enquanto, entre os universitários dos cursos noturnos, a maioria trabalha (n = 101 ou 62,3%).
No que se refere à adaptação dos dois grupos de alunos, foram obtidos os resultados retratados na Tabela 5 .
Dimensões do QVA-R | Variâncias | Soma dos quadrados | gl | Quadrados médios | F | p |
---|---|---|---|---|---|---|
Pessoal e Emocional | Entre grupos | 742,309 | 1 | 742,309 | 10,940 | 0,001 |
Intra grupos | 56.318,844 | 830 | 67,854 | - | - | |
Total | 57.061,153 | 831 | - | - | ||
Institucional | Entre grupos | 156,733 | 1 | 156,733 | 12,655 | 0,000 |
Intra grupos | 10.254,531 | 828 | 12,385 | - | - | |
Total | 10.411,264 | 829 | - | - | ||
Interpessoal | Entre grupos | 2,816 | 1 | 2,816 | 0,062 | 0,803 |
Intra grupos | 37.581,423 | 830 | 45,279 | - | - | |
Total | 37.584,239 | 831 | - | - | ||
Curso ou Carreira Profissional | Entre grupos | 18,246 | 1 | 18,246 | 0,311 | 0,577 |
Intra grupos | 48.633,831 | 830 | 58,595 | - | - | |
Total | 48.652,077 | 831 | - | - | ||
Estudo | Entre grupos | 0,060 | 1 | 0,060 | 0,003 | 0,957 |
Intra grupos | 17.104,897 | 830 | 20,608 | - | - | |
Total | 17.104,957 | 831 | - | - |
Fonte: Pesquisa direta (2018)
O Teste ANOVA detectou diferenças significativas entre alunos dos cursos diurnos e noturnos, no que se refere às Dimensão Pessoal e Emocional (F[1, 831] = 10,9; p < 0,001) e à Dimensão Institucional (F[1, 829] = 12,7; p < 0,001). Nas demais dimensões, as diferenças não foram significativas (p > 0,01).
A pontuação média dos alunos dos cursos diurnos na Dimensão Pessoal e Emocional obteve valor 36,7 (dp = 8,1), enquanto a pontuação média dos alunos dos cursos noturnos resultou em 34,3 (dp = 8,7). A maior pontuação dos alunos dos cursos diurnos indica que estes têm percepções individuais negativas de bem-estar pessoal, social e emocional, especialmente no tocante aos aspectos físico e emocional. Esses aparentam estar mais estressados (física e emocionalmente) do que seus colegas dos cursos noturnos. Resultados similares foram encontrados por Cestari et al. (2017), Mota et al. (2016) e Rios (2006) , para os quais, ter o tempo preenchido por inúmeras atividades acadêmicas, como é o caso dos universitários de cursos diurnos, diminui as chances de estes conseguirem trabalhar e ter independência financeira, aspectos considerados como potenciais estressores.
No que se refere à pontuação média dos alunos na Dimensão Institucional, os aprendizes dos cursos diurnos obtiveram 23,9 (dp = 3,5), enquanto os alunos dos cursos noturnos obtiveram 25,0 (dp = 3,5). A maior pontuação dos alunos dos cursos noturnos indica percepção mais positiva em relação à qualidade do curso e da IES, à qualidade das estruturas de apoio à formação e ao interesse em prosseguir no curso para concluí-lo de com êxito.
Esses resultados corroboram os obtidos por Maranhão e Veras (2017) , além de reforçar as opiniões de Terribili Filho e Nery (2009), bem como as de Lamers, Santos e Toassi (2017), para quem as oportunidades concedidas aos alunos de cursos noturnos permitem-lhes enxergar o potencial da formação superior, maximizando aspectos positivos e minimizando dificuldades e obstáculos, comumente encontrados nesses cursos. Por outro lado, Soares et al. (2019) asseveraram que alunos de IES públicas apresentam vivências acadêmicas mais elaboradas, ocasionando melhor adaptação do que alunos de IES privadas.
4.3 Comparação entre status laboral
A maioria dos alunos não exerce atividade laboral (n = 603 ou 72,4%). Porém, enquanto a maioria dos alunos de cursos diurnos não trabalha (n = 542 ou 80,8%), a maioria dos cursos noturnos o faz (n = 101 ou 62,3%). No que se refere à adaptação desses alunos ao ambiente universitário, foram obtidos resultados presentes na Tabela 6 .
Dimensões do QVA-R | Variâncias | Soma dos quadrados | gl | Quadrados médios | F | p |
---|---|---|---|---|---|---|
Pessoal e Emocional | Entre grupos | 477,180 | 1 | 477,180 | 7,000 | 0,008 |
Intra grupos | 56.583,972 | 830 | 68,173 | - | - | |
Total | 57.061,153 | 831 | - | - | - | |
Institucional | Entre grupos | 294,446 | 1 | 294,446 | 24,099 | 0,000 |
Intra grupos | 10.116,818 | 828 | 12,218 | - | - | |
Total | 10.411,264 | 829 | - | - | - | |
Interpessoal | Entre grupos | 42,564 | 1 | 42,564 | 0,941 | 0,332 |
Intra grupos | 37.541,676 | 830 | 45,231 | - | - | |
Total | 37.584,239 | 831 | - | - | - | |
Curso ou Carreira Profissional | Entre grupos | 135,584 | 1 | 135,584 | 2,320 | 0,128 |
Intra grupos | 48.516,493 | 830 | 58,454 | - | - | |
Total | 48.652,077 | 831 | - | - | - | |
Estudo | Entre grupos | 9,299 | 1 | 9,299 | 0,451 | 0,502 |
Intra grupos | 17.095,657 | 830 | 20,597 | - | - | |
Total | 17.104,957 | 831 | - | - | - |
Fonte: Pesquisa direta (2018)
O Teste ANOVA detectou diferenças significativas entre alunos que trabalham e que não trabalham, no que se refere à Dimensão Pessoal e Emocional (F[1, 831] = 7,0; p < 0,01) e à Dimensão Institucional (F[1, 829] = 24,1; p < 0,001). Nas demais dimensões as diferenças não foram significativas (p > 0,01).
A pontuação média na Dimensão Pessoal e Emocional dentre os que trabalham foi 35,0 (dp = 8,9), enquanto a pontuação média dos alunos que não trabalham resultou em 36,7 (dp = 8,0). A maior pontuação dos alunos que não trabalham revela que esses têm percepções individuais negativas de bem-estar pessoal, social e emocional, em especial, no tocante aos aspectos físico e psicológico. Esses alunos aparentam estar mais estressados (física e emocionalmente) do que os seus colegas que trabalham. Sob a ótica de Mota et al. (2016), esse cenário explica as diminutas chances desses estudantes conseguir trabalho e obter independência financeira, aumentando a probabilidade de surgimento de potenciais estressores. Paradoxalmente, conforme Mondardo e Pedon (2005) , a maioria dos estudantes que não trabalham é composta por indivíduos solteiros e que não têm filhos, aspectos favoráveis ao rendimento acadêmico satisfatório, ampliando a probabilidade de permanência proveitosa no curso e na IES.
No que se refere à pontuação média na Dimensão Institucional, os aprendizes que trabalham obtiveram 25,1 (dp = 3,5), enquanto os que não trabalham, 23,7 (dp = 3,5). A maior pontuação dos que trabalham indica percepção individual mais positiva em relação à qualidade do curso, da IES, das estruturas de apoio à formação e ao interesse em concluir os estudos universitários. Estes resultados corroboram os estudos de Mondardo e Pedon (2005) , Schleich (2006) , Suheiro e Andrade (2018), que apontaram que a concomitância entre estudar e trabalhar não dificulta o envolvimento com as atividades acadêmicas exigidas durante a formação universitária.
4.4 Comparação entre o status acadêmico
No tocante ao status acadêmico, os grupos foram formados por alunos cotistas e alunos não cotistas. Dentre os cotistas, a maioria é do gênero masculino e (n = 200 ou 52,8%), não exerce atividade laboral (n = 269 ou 71%), estuda em cursos diurnos (n = 301 ou 79,4%) e tem idade média de 21,4 (dp = 5,4). Dentre os alunos não cotistas, a maioria é do gênero feminino e (n = 243 ou 53,5%), não exerce atividade laboral (n = 334 ou 73,6%), estuda em cursos diurnos (n = 370 ou 81,5%) e tem idade média de 21,6 (dp = 5,7). A Tabela 7 contém dados da adaptação universitária desses alunos.
Dimensões do QVA-R | Variâncias | Soma dos quadrados | gl | Quadrados médios | F | p |
---|---|---|---|---|---|---|
Pessoal e Emocional | Entre grupos | 13,734 | 1 | 13,734 | 0,200 | 0,655 |
Intra grupos | 57.047,419 | 830 | 68,732 | - | - | |
Total | 57.061,153 | 831 | - | - | - | |
Institucional | Entre grupos | 61,566 | 1 | 61,566 | 4,925 | 0,027 |
Intra grupos | 10.349,698 | 828 | 12,500 | - | - | |
Total | 10.411,264 | 829 | - | - | - | |
Interpessoal | Entre grupos | 67,063 | 1 | 67,063 | 1,484 | 0,224 |
Intra grupos | 37.517,176 | 830 | 45,201 | - | - | |
Total | 37.584,239 | 831 | - | - | - | |
Curso ou Carreira Profissional | Entre grupos | 91,225 | 1 | 91,225 | 1,559 | 0,212 |
Intra grupos | 48.560,852 | 830 | 58,507 | - | - | |
Total | 48.652,077 | 831 | - | - | - | |
Estudo | Entre grupos | 7,815 | 1 | 7,815 | 0,379 | 0,538 |
Intra grupos | 17.097,142 | 830 | 20,599 | - | - | |
Total | 17.104,957 | 831 | - | - | - |
Fonte: Pesquisa direta (2018)
Detectaram-se diferenças significativas entre cotistas e não cotistas, no que se refere à Dimensão Institucional (F[1, 831] = 4,9; p < 0,05), porém, nas demais dimensões não foram significativas (p > 0,01). Nesta Dimensão específica, os cotistas obtiveram valor médio 24,4 (dp = 3,5), enquanto os não cotistas, 23,8 (dp = 3,6). A maior pontuação dos cotistas indica percepção individual mais positiva em relação à qualidade do curso, da IES, das estruturas de apoio à formação universitária e ao interesse em concluí-la de forma exitosa. Tal resultado corrobora os achados de Lemos (2017) e de Santos (2013) , que apontaram que cotistas sentem-se mais satisfeitos com a formação quando se percebem integrados ao ambiente institucional e quando amparados pela IES. Não obstante, Piotto (2010) ponderou que a qualidade da interação entre alunos cotistas e não cotistas também depende de aspectos intrínsecos a esses (história de vida e expectativas sociais), além da dimensão institucional. Lemos (2017) observou que alunos de Medicina da Universidade Federal do Pará (UFPA) relataram ter havido clima tenso em sala de aula, especialmente, no início da formação acadêmica. Porém, à medida que cotistas passaram a ter o rendimento igual aos não cotistas, a aproximação entre ambos foi facilitada.
4.5 Comparação entre os gêneros
No que diz respeito aos gêneros, foram obtidos os resultados da Tabela 8 .
Dimensões do QVA-R | Variâncias | Soma dos quadrados | gl | Quadrados médios | F | p |
---|---|---|---|---|---|---|
Pessoal e Emocional | Entre grupos | 1.217,236 | 1 | 1217,236 | 18,092 | 0,000 |
Intra grupos | 55.843,917 | 830 | 67,282 | |||
Total | 57.061,153 | 831 | ||||
Institucional | Entre grupos | 5,573 | 1 | 5,573 | 0,443 | 0,506 |
Intra grupos | 10.405,691 | 828 | 12,567 | |||
Total | 10.411,264 | 829 | ||||
Interpessoal | Entre grupos | 11,891 | 1 | 11,891 | 0,263 | 0,608 |
Intra grupos | 37.572,348 | 830 | 45,268 | |||
Total | 37.584,239 | 831 | ||||
Curso ou Carreira Profissional | Entre grupos | 22,424 | 1 | 22,424 | 0,383 | 0,536 |
Intra grupos | 48.629,652 | 830 | 58,590 | |||
Total | 48.652,077 | 831 | ||||
Estudo | Entre grupos | 256,415 | 1 | 256,415 | 12,632 | 0,000 |
Intra grupos | 16.848,542 | 830 | 20,299 | |||
Total | 17.104,957 | 831 |
Fonte: Pesquisa direta (2018)
Detectaram-se diferenças significativas entre os gêneros masculino e feminino, em relação à Dimensão Pessoal e Emocional (F[1, 831] = 18,1; p < 0,001) e em relação à Dimensão Estudo (F[1, 831] = 12,6; p < 0,001). Nas demais dimensões, as diferenças não foram significativas (p > 0,01).
Na Dimensão Pessoal e Emocional, os alunos do gênero masculino obtiveram valor médio 35,0 (dp = 8,5), enquanto os do gênero feminino obtiveram 37,4 (dp = 7,9). A maior pontuação do gênero feminino indica percepção individual negativa em relação à qualidade do curso e da IES, à qualidade das estruturas de apoio à formação universitária e ao interesse em prosseguir a formação no curso para concluí-lo de forma exitosa. Estes resultados corroboram os achados de Cunha e Carrilho (2005) , que verificou que mulheres têm maior propensão à ansiedade e à depressão, além de experimentarem maior sofrimento psicológico. Cruz et al. (2018) ponderam que são esperados papéis sociais que interferem no desenvolvimento profissional das mulheres, tais como se casar e cuidar dos filhos. Esta sobrecarga de responsabilidades resulta em aumento da produção de hormônios, como cortisol e adrenalina, implicando altos níveis de exaustão emocional e aparecimento de quadros de ansiedade, de pânico e de depressão ( CABRAS; MONDO, 2018 ; CESTARI et al., 2017). De acordo com Pinto e Amorim (2015) , algumas percepções relacionadas à discriminação e aos assédios sexual e moral desmotivam as mulheres no início de carreira universitária, ocasionando estresse. Moraes (2016) e Porto e Soares (2017) arrematam asseverando que a formação universitária feminina apresenta-se permeada por valores e preconceitos, que reafirmam as desigualdades entre gêneros.
No que tange à Dimensão Estudo, os homens obtiveram valor médio 22,6 (dp = 4,7), enquanto as mulheres, 23,7 (dp = 4,3). A maior pontuação das mulheres indicou percepção mais positiva acerca das competências individuais; dos hábitos de estudo; da gestão de tempo acadêmico; do uso de setores universitários e de recursos com o fito de aquilatar o aprendizado. Esses resultados corroboram as opiniões de Anjos e Silva (2017) , Cunha (2004) , Noronha, Barros e Nunes (2009) e Wilson et al. (1996), para os quais as mulheres são mais competentes e sistemáticas com estudo; revelam-se mais organizadas no planejamento e no desenvolvimento dos trabalhos acadêmicos; desempenham com mais eficácia as tarefas que lhes são exigidas e revelam maior assiduidade às aulas.
5 Conclusões e encaminhamentos
Para muitos estudantes, a mudança do Ensino Médio para o Superior pode ser positiva e emocionante, pois implica na efetivação de projetos individuais e profissionais. Esta fase também proporciona maior liberdade parental, estabelecimento de novos vínculos e relacionamentos interpessoais além das responsabilidades acadêmicas, que acabam contribuindo para o desenvolvimento da identidade e da autonomia.
Por outro lado, a transição do Ensino Médio para o Superior também pode ocasionar períodos estressantes e ansiogênicos. Para minimizar possíveis problemas, é importante que as IES implementem programas de intervenção psicopedagógica, com o intuito de facilitar a adaptação dos estudantes recém ingressos e reduzir os transtornos desta fase. Assim, revela-se a relevância de estudos científicos que promovam novas informações acerca da qualidade das vivências dos universitários, sobretudo entre os segmentos usuários das ações afirmativas. Obter indícios científicos em relação às repercussões da adaptação ao ambiente universitário e dos seus impactos sobre o desempenho individual e institucional, são muito relevantes, desde a perspectiva psicopedagógica, acadêmica e de gestão. Portanto, o emprego do Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA-R), enquanto instrumento válido e confiável, permitirá diagnósticos da qualidade da adaptação dos alunos universitários em cinco dimensões: Pessoal e Emocional, Institucional, Interpessoal, Curso ou Carreira Profissional e Estudo.
No caso específico do presente estudo, os achados revelam aspectos muito relevantes e essenciais para uma gestão acadêmica responsável, assim como para a introdução ou para o adensamento de políticas internas de apoio pedagógico e assistencial voltada aos alunos universitários, em especial, para os calouros. Para efeito de ilustração, pode-se citar a percepção positiva dos alunos de cursos noturnos sobre a qualidade do curso e da IES, bem como sobre o interesse em prosseguir a formação até a conclusão. Esse padrão também foi observado entre os alunos que exercem funções laborais. Para estes dois substratos do alunado universitário, as políticas de assistência devem ser fortalecidas, de modo a garantirem a permanência e a conclusão exitosa dos respectivos cursos.
No que se refere aos universitários oriundos de políticas afirmativas, tais como a Lei de Cotas, detectou-se a elevada satisfação dos alunos cotistas com a sua formação acadêmica, sempre que se percebem integrados ao curso e amparados pela IES. Não obstante, a qualidade da interação entre universitários cotistas e não cotistas depende de políticas institucionais que devem estar presentes e acessíveis às demandas, como os programas voltados às ações de apoio psicológico, pedagógico, médico-odontológico e financeiro.
Finalmente, no que tange às alunas universitárias, estas lidam com uma formação eivada de obstáculos e de preconceitos, que podem vir a perpetuar desigualdades de gênero, ensejando, portanto, políticas institucionais de apoio psicológico, pedagógico e acadêmico a este segmento discente. Ainda assim, diante de tantas dificuldades, a pesquisa demonstrou que as mulheres revelam maior compromisso com a formação, com o curso, com o estudo e com o desempenho acadêmico.
Para concluir, pode-se asseverar que a pesquisa brindou importantes informações sobre a adaptação de alunos calouros ao ambiente universitário. De modo a realçar a relevância do conhecimento científico para a gestão universitária, cita-se frase atribuída ao célebre pesquisador e físico inglês, Stephen William Hawking, que asseverou: o grande inimigo da ciência não é a ignorância, mas a ilusão de se ter conhecimento.