1 INTRODUÇÃO
Este artigo se propõe a investigar a relação entre os resultados de desempenho dos estudantes de duas escolas públicas estaduais de ensino médio, situadas na capital do estado do Ceará e um conjunto de indicadores educacionais relacionados à organização escolar e aos docentes. As escolas foram selecionadas a partir da sua posição no ranking do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece) 2019, uma avaliação de larga escala, aplicada anualmente aos alunos da 3ª série do ensino médio de todas as escolas estaduais.
Pesquisas realizadas no cenário brasileiro revelam um conjunto de fatores que estão associados ao desempenho de estudantes em avaliações de larga escala, como o nível socioeconômico dos estudantes e infraestrutura das instituições de ensino (ALVES; SOARES, 2013; PALERMO; SILVA; NOVELLINO, 2014), horas extras de estudos (PEREIRA et al., 2014; MEDEIROS FILHO et al., 2020) e formação docente (CARVALHO, 2018).
No Brasil, as avaliações de larga escala surgem na década de 1990 sob influência das propostas neoliberais, da Nova Gestão Pública e do ideário do Estado-avaliador (BARROSO, 2005; TOSTA; NEY; SILVA, 2020). Em âmbito nacional, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) é criado em 1990 e, na sequência, os estados subnacionais iniciam processos similares com a criação de sistemas próprios de avaliações de larga escala, dentre eles, o Spaece, em 1992 (SOUSA; OLIVEIRA, 2010), um dos primeiros a ser implementado.
Nos últimos anos, o Ceará vem se destacando no cenário brasileiro no que se refere aos resultados de desempenho dos alunos nas avaliações de larga escala nos anos iniciais do ensino fundamental e avançando na melhoria dos resultados dos anos finais; no entanto, o aumento no desempenho dos alunos do ensino médio ainda é pouco perceptível. Nesta etapa da educação básica, o estado, nos últimos 10 anos tem fomentado a diversificação da oferta com ensino médio integrado à educação profissional, ensino médio integrado, ensino médio regular, e ainda a oferta de anexos ou extensões de matrículas nas localidades rurais (BASTOS, 2020). Essa diversidade de ofertas vem criando condições de atendimento distintas para os estudantes, o que tem posto em questão o direito à educação no que tange à garantia da permanência e sucesso dos alunos (VIEIRA; VIDAL, 2016).
Considerando o contexto de oferta do ensino médio nas escolas cearenses, justifica-se o interesse em investigar como se dá o atendimento e o tratamento dos alunos de duas escolas que ofertam ensino médio regular, mas que se situam em espaços territoriais distintos na capital, Fortaleza. O estudo partiu da seguinte pergunta norteadora: Que fatores podem estar associados às diferenças de desempenho dos alunos de duas escolas públicas de ensino médio em Fortaleza? Para tanto, procurou analisar um conjunto de indicadores educacionais das duas escolas, considerando uma série histórica de 2010 - 20192, e buscando relacioná-los com os resultados de desempenho dos alunos no Spaece.
O artigo possui, além desta introdução, três seções. Na primeira, é descrita a metodologia adotada para a seleção, coleta e análise dos dados; na segunda, é apresentado o contexto territorial e social das duas escolas; a terceira seção é dedicada a análise e discussão dos dados e finalmente as considerações finais.
2 METODOLOGIA
O artigo procura analisar um conjunto de indicadores educacionais que foram organizados em três dimensões: a) Indicadores de desempenho escolar, envolvendo as taxas de rendimento (aprovação, reprovação e abandono), a distorção idade-série e os resultados de desempenho obtidos no Spaece, observando a proficiência por estágio nas disciplinas Língua Portuguesa e Matemática; b) Indicadores de organização escolar, compreendendo matrículas por turno, alunos por turma, aulas diárias, complexidade da gestão escolar; c) Indicadores docentes, incluindo docente com nível superior, adequação da formação, esforço e regularidade do corpo docente. As escolas foram selecionadas a partir do ranking dos resultados do Spaece 2019, sendo uma situada entre as dez maiores médias e a outra, entre as dez menores médias.
Os dados relacionados aos indicadores educacionais e matrículas foram coletados no site do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no endereço <http://inep.gov.br/web/guest/dados>, e todas as informações sobre o Spaece foram obtidas na Secretaria da Educação do Ceará (Seduc). Os dois conjuntos de dados foram organizados em planilha do editor Microsoft Excel e utilizado o Software JASP 0.12.0.0 para comparação de médias e análise descritiva. Para as variáveis que seguem uma distribuição normal (consideramos o Teste de Shapiro-Wilk) foi realizado o Teste t de Student de amostras independentes. Já para as variáveis que não seguem uma distribuição normal, o Teste Mann-Whitney U. Para ambas as análises foram consideradas diferenças significativas p ≤ 0,05. Cabe destacar que as médias utilizadas nessas análises correspondem à média aritmética da série histórica considerada para cada variável.
Após a coleta e organização dos dados, à luz da produção científica atual, foi desenvolvida a análise considerando as realidades das duas escolas. Por questões éticas de preservação da identidade, as escolas serão denominadas de Escola A e Escola B.
Para dar suporte teórico e fundamentar a análise foram consultados diferentes sites eletrônicos tais como Scientific Electronic Library Online (Scielo), Education Resources Information Center (ERIC), Portal de periódicos da Capes, e os repositórios Google acadêmico e Biblioteca Digital de Teses e Dissertação (BDTD), onde foram encontradas dissertações, teses e artigos científicos que tematizam as variáveis de interesse abordadas neste artigo.
3 CONTEXTO TERRITORIAL E SOCIAL DAS ESCOLAS
A contextualização histórica das escolas é necessária porque cada vez mais estudos mostram que o território importa (LIMA, 2013; FRANCA, 2012; CENPEC, 2011). A Escola A está situada num bairro antigo de Fortaleza, que desde sua formação concentra um centro comercial e intermunicipal entre os municípios de Fortaleza e Caucaia (OLIVEIRA, 2015). Atualmente, é um importante bairro que interliga outros bairros, marcado pelo seu crescimento populacional desordenado (comunidades periféricas) e pela verticalização de imóveis. O bairro ocupa a 58ª posição no ranking de IDH-B (0,348) construído para os 120 bairros de Fortaleza, calculado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (SDE) baseado no Censo Demográfico realizado no ano de 2010 e tendo como referência a metodologia adotada pelo Programa das Nações Unidas (Pnud) para cálculo do IDH.
No início, a escola funcionava em um ginásio cedido em comodato pelo governo do estado e fornecia ensino profissionalizante, conhecimento da ordem e educação voltada para os filhos dos militares. Atuava também na formação e aperfeiçoamento do policial militar, como forma de capacitar o efetivo para atuação nos quartéis e nas ruas e ainda possibilitar uma educação de qualidade aos filhos de militares e da comunidade civil. Com a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB nº 9393/96, a escola passou a atuar somente na educação básica (fundamental e médio), guiando seus preceitos e objetivos na pluralidade educacional de acordo com as novas diretrizes nacionais (CEARÁ, 2008). A partir de 2004, a escola passar a ter suas vagas preenchidas por filhos de militares e por livre concorrência na razão de 50%; no entanto, o preenchimento se dá por processo seletivo e ordem de classificação.
A Escola B está localizada num bairro fundado em meados dos anos 1960, às margens do rio Maranguapinho, sem infraestrutura de serviços públicos, situação que perdura até os dias atuais como aponta Olimpio, Câmera e Zanella (2012). O bairro é constituído por construções irregulares e assentamentos informais destituídos dos principais serviços públicos como saúde e infraestrutura. Por sua posição geográfica, é marcado por enchentes e desastres naturais em período que incide a quadra chuvosa, expondo a população a diversos riscos, principalmente aqueles decorrentes dos eventos pluviais. Outro aspecto presente no bairro diz respeito à incidência da violência sobre a população, sendo um território marcado pelo comércio de drogas, com ocorrência de crimes e assaltos frequentes, principalmente nas ruas, na saída das escolas, nas praças, nos ônibus.
A Escola B é uma das principais referências em educação no bairro, que possui um IDH-B de 0,182, ocupando a posição 108º no ranking dos bairros da capital. Ela foi construída em 1993, no escopo do Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (Pronaica) que procurava “integrar e articular ações de apoio à criança e ao adolescente” (art. 1º). Atualmente, a escola atende ensino fundamental e médio.
No que se refere ao atendimento educacional nas duas escolas, procurou-se verificar o Indicador de Nível Socioeconômico (Inse), criado pelo Inep e que agrega renda familiar, posse de bens, contratação de serviços de empregados domésticos pela família e nível de escolaridade dos pais ou responsáveis (INEP, 2015a). O Inse é organizado em oito níveis, classificados pela predominância dos níveis em que os alunos se encontram e quanto maiores os níveis dos alunos, maior será o grupo de classificação da escola. Os alunos da Escola A encontra-se no grupo 4, enquanto os da Escola B foram classificados no grupo 3, significando com isso que os alunos da Escola B pertencem a famílias com situação socioeconômica mais baixa do que os alunos da Escola A.
Desde o Relatório Coleman et al. (1966) as condições socioeconômicas dos estudantes estão associadas diretamente ao desempenho escolar, assim como é possível perceber nos estudos da literatura científica atual (ALMEIDA; LOPES, 2020; CARMIGNOLLI et al. 2019). Carvalho (2018) realizou uma análise de regressão tendo como variável dependente a nota da prova Brasil de estudantes de 5º e 9º ano e os resultados apontam a variável independente nível socioeconômico da escola como a de maior efeito sobre a proficiência de estudantes, tanto em língua portuguesa como em matemática. Outra análise de regressão apontou que os piores desempenhos na prova Brasil de 2009 em escolas públicas estavam correlacionados positivamente àquelas escolas em que os alunos tinham os menores níveis socioeconômicos, relação já esperada por este fator ser uma variável representativa das desigualdades do Brasil (ALVES; SOARES, 2013).
Dantas (2015) identificou que em uma escola pública do Ceará classificada em nível médio baixo no Inse foi possível alcançar bons resultados no Spaece dos anos iniciais, mas não houve manutenção do bom desempenho nos anos finais.
Riani e Rios-Neto (2008) ponderam que o background familiar repercute na estratificação educacional, principalmente pela relevância da escolaridade da mãe sobre o sucesso escolar dos filhos. No entanto, escolas mais bem estruturadas em suas dependências físicas e equipamentos, com profissionais qualificados, tendem a minimizar os efeitos das condições socioeconômicas das famílias. Esse fenômeno tem relação com o que a literatura chama de escolas eficazes. Gauthier, Bissonnette e Richard (2014, p. 242) mencionam alguns fatores predominantes e comuns entre as escolas ditas eficazes: “a) uma forte liderança da direção da escola, b) altas expectativas com relação ao desempenho de todos os alunos, c) clima de organização e respeito, d) prioridade dada às matérias básicas e c) monitoramento dos progressos dos alunos”. O que se depreende dessas constatações é que políticas públicas direcionadas para a melhoria dos sistemas de ensino em seus insumos materiais e profissionais podem diminuir os efeitos da origem social do estudante e que destinar recursos para qualificar as escolas e equipes pode ser uma ação redutora das estratificações educacionais.
Os dados de contexto territorial das duas escolas apontam para diferenças relevantes no que se refere à planta urbana dos dois bairros em que estão localizadas e ao perfil da população que lá reside. Os dados do Inse dos alunos que frequentam as duas escolas evidenciam diferenças socioeconômicas das famílias.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para melhor compreensão dos dados, esta seção foi organizada em três partes: a primeira corresponde aos indicadores de desempenho escolar e distorção idade-série; a segunda apresenta os dados sobre indicadores de organização escolar; e a terceira é dedicada a analisar os indicadores docentes.
4.1 Indicadores de desempenho das duas escolas
As taxas de rendimento do ensino médio nas duas escolas no período 2010 - 2018 podem ser observadas na Tabela 1.
Série histórica | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | M | CV | |
Aprovação* | |||||||||||
Escola A | 89,1 | 91,7 | 89 | 99,1 | 98,6 | 92,7 | 93,1 | 95,9 | 94,4 | 93,7 | 3,9% |
Escola B | 63,2 | 67,7 | 74,6 | 75,8 | 72,2 | 78,9 | 76,2 | 84 | 82,1 | 74,9 | 8,5% |
Reprovação | |||||||||||
Escola A | 10,6 | 8,3 | 11 | 0,9 | 1,4 | 7,3 | 6,9 | 4,1 | 5,6 | 6,2 | 58% |
Escola B | 17,2 | 6 | 4,7 | 3,6 | 6,8 | 4,4 | 5,5 | 4,3 | 7,3 | 6,6 | 62,3% |
Abandono* | |||||||||||
Escola A | 0,3 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0,03 | 300% |
Escola B | 19,6 | 26,3 | 20,7 | 20,6 | 21 | 16,7 | 18,3 | 11,7 | 10,6 | 18,4 | 26,5% |
Fonte: Elaboração própria com dados do INEP, 2020
Legenda: * = Diferença significativa (p < 0,001); M = Média; CV = Coeficiente de variação.
A aprovação corresponde à permanência dos alunos durante o ano letivo, com a obtenção de média estabelecida pela escola para a promoção e sucesso escolar. Observa-se que a Escola A obteve taxa de aprovação maior que a Escola B em todos os anos da série histórica, sendo a maior taxa em 2013 (99,1%). É importante mencionar que a Escola A apresentou a taxa de aprovação menor de 90,0% apenas em 2010 e 2012, enquanto a Escola B atingiu sua maior taxa de aprovação em 2017 (84%). Considerando a média de taxa de aprovação correspondente a todos os anos nas duas escolas, observou-se diferença estatisticamente significativa (p < 0,001), em que a média da Escola A foi de 93,7% e da Escola B foi de 74,9%, uma diferença de 18,8 pontos. O coeficiente de variação mostra a variabilidade dos dados e é representado em valores percentuais; assim, a Escola A com um CV = 3,9% e a Escola B com CV = 8,5% registram baixa variabilidade dos dados.
A reprovação corresponde à situação escolar em que os alunos não alcançaram a frequência mínima estabelecida pela LDB para o ano letivo e/ou os resultados de aprendizagem não alcançaram os valores definidos pela escola. Ao comparar a taxa de reprovação, é possível perceber que ambas as escolas apresentam alta variabilidade, sendo a média e coeficiente da Escola B = 6,64 (CV = 62,3%) maior que a da Escola A = 6,23 (CV = 57,9%), mas a diferença não é estatisticamente significativa. Somado a isso, observa-se também que pertence a Escola B a maior taxa de reprovação em 2010 (17,2%), registrando a maior diferença nas taxas de reprovação entre as escolas (6,6 p. p).
O abandono ocorre quando o aluno, em algum momento do ano letivo, deixa de frequentar a escola. Os dados da Tabela 1 mostram que em todos os anos as maiores taxas são da Escola B, chegando a 26,3% em 2011, e a 18,4% em 2018. Quando considerada a série histórica, tem-se uma maior média e variabilidade por parte da Escola B = 18,39 (CV = 26,5%), sendo essa diferença estatisticamente significativa (p < 0,001). Observa-se também que em 2010 foi o único ano que se identificou abandono na Escola A (0,3%).
O relatório da OCDE (2014), ao discutir a influência dos fatores socioeconômicos no desempenho escolar, aponta que os alunos menos favorecidos socioeconomicamente se encontram mais propensos à reprovação escolar, sendo esta probabilidade estimada em 1,5 vezes maior em comparação aos alunos mais favorecidos. A reprovação, por sua vez, representa entrave ao fluxo escolar pois, uma vez reprovado, esse aluno precisa repetir o ano letivo para continuar sua escolaridade e há uma maior probabilidade de ele abandonar os estudos, como também de permanecer por mais tempo na escola, assim retardando seu ingresso no mercado de trabalho. De acordo com Ferrão, Costa e Matos (2017), os alunos que por algum motivo foram reprovados até o 5° ano possuem maior probabilidade de reprovar novamente.
Gonçalves, Rios-Neto e Cesar (2011) também afirmam que o aluno que reprovou alguma série/ano nos anos iniciais do ensino fundamental é provável que nos anos finais reprove novamente. As autoras mencionam outros fatores que podem estar relacionados à reprovação nessas etapas de ensino, como “alunos que exercem algum tipo de trabalho em horário extra-escolar”, “fatores de background familiar e escolares”. Por outro lado, revelam que se o aluno reprovado for incluído em uma turma com alunos de maiores rendimentos, pode haver redução nos índices de reprovação. Cabe destacar também que alunos que se encontram matriculados em escolas que têm melhores recursos físicos e humanos possuem uma menor probabilidade de repetência.
O Banco Mundial (2014), ao discutir estratégias para melhoria da aprendizagem dos estudantes na América Latina e no Caribe, afirma que um dos fatores que mais contribui para melhorar o desempenho dos estudantes é a atuação dos professores, principalmente quando estes conseguem manter os alunos engajados na aula.
No Brasil, a educação básica se organiza em três etapas e a elas estão associadas faixas etárias recomendadas como ideais para cursá-las. Quando o estudante se encontra cursando determinado ano escolar numa idade acima da esperada, ele está em distorção idade-série (INEP, 2017). Pode ser observada no Gráfico 1 que a média da taxa de distorção idade-série do Escola A = 14,4% (CV = 11,8%) é menor que a taxa do Escola B = 53,2% (CV = 9,6%).
Observa-se que na Escola B houve uma diminuição de 11,2 pontos percentuais de 2010 para 2019, ficando mais evidente essa diminuição nos últimos 3 anos; a maior distorção na Escola A foi em 2015 (16,9%). Na comparação entre as duas escolas, neste recorte temporal, observou-se que a taxa de distorção na Escola B foi significativamente (p < 0,001) maior que na Escola A.
Quanto à distorção idade-série, cabe mencionar o estudo de Laros, Marciano e Andrade (2012) que mostra que 55,4% dos alunos da 3° série do ensino médio estão com atraso escolar, sendo a região Nordeste a de maior índice. Algumas variáveis, como nível socioeconômico, infraestrutura escolar e indicadores docentes, elencados neste artigo, são tidos como fatores de impacto na relação idade-série (RIOS NETO; CÉSAR; RIANI, 2002; RIANI; RIOS-NETO, 2008).
No que se refere ao indicador de proficiência, obtido por meio do Spaece, foram levantados os dados referentes aos últimos dez anos (2010 - 2019) para as duas escolas, como mostra o Gráfico 2, na disciplina de Língua Portuguesa.
Em Língua Portuguesa, a Escola A inicia a década com um resultado 24,5% superior ao da Escola B e chega em 2019 com um valor 28,3% maior; em termos de valores absolutos, a maior e a menor diferença ocorrem, respectivamente em 2018 (78,4 pontos) e 2014 (51,6 pontos). As médias de proficiência e variabilidade em Língua Portuguesa em ambas as escolas no período de 2010 a 2019 são: Escola A = 323,1 e CV = 2,94% e Escola B = 254,2 e CV = 2,51%. Na comparação de proficiência, os dados mostraram-se normais e significativos (p = 0,001) para maior proficiência na Escola A.
No que se refere aos domínios cognitivos associados à matriz de referência do Spaece, os alunos da Escola A são capazes de “ler informações mais complexas, realizar inferências, levantamento de hipóteses” considerados leitores proficientes capazes de obter informações implícitas dentro dos diversos gêneros textuais; já os alunos da Escola B podem inferir informações explícitas, ou seja, informações mais nítidas no texto, além de ter maior proximidade com textos do seu cotidiano.
Em relação ao nível de proficiência em Matemática, o Gráfico 3 apresenta os resultados obtidos pelas duas escolas no período considerado.
Em 2010, a diferença entre as duas escolas era de 116 pontos, o que significa que a Escola A possuía um resultado 46,4% superior ao da Escola B. O ano de 2015 registra a menor diferença absoluta (76,8 pontos) e relativa (29,4%) entre as duas escolas, chegando a 2019 com uma diferença de 97,7 pontos entre elas. Observou-se também a média de proficiência e variabilidade em ambas as escolas no período: Escola A = 348,8 e CV = 3,21% e Escola B = 250,1 e CV = 2,96%. Na comparação de proficiência, os dados mostraram-se normais e significativos (p = 0,001) para maior proficiência na Escola A.
Quando se procura associar os resultados aos domínios cognitivos na matriz de referência do Spaece, observa-se que os alunos da Escola A são capazes de “resolver problemas de equações, calcular áreas de regiões poligonais, resolver problemas geométricos”, enquanto os estudantes da Escola B “apenas reconhecem a representação decimal de medida de comprimento (cm) e identificam sua localização na reta numérica; e reconhecem e aplicam, em situações simples, o conceito de porcentagem, como na geometria”, ou seja, conseguem mobilizar conceitos simples em relação à complexidade de cálculos mais abstratos.
4.2 Indicadores de organização escolar
Este subtópico discute matrículas, média de alunos por turma e média de horas aulas/dia, conforme dados apresentados na Tabela 2, e Indicador de Complexidade da Gestão (ICG).
Série histórica | ||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 | M | CV | |
Matrículas | ||||||||||||
Escola A | 601 | 608 | 584 | 541 | 571 | 527 | 554 | 470 | 516 | 504 | 547,6 | 8,12 |
Escola B | 344 | 333 | 305 | 341 | 365 | 304 | 348 | 369 | 401 | 439 | 354,9 | 11,6 |
Alunos por turma | ||||||||||||
Escola A | 33,4 | 35,8 | 36,5 | 33,8 | 35,7 | 29,3 | 32,6 | 27,6 | 30,3 | 29,6 | 32,4 | 9,8 |
Escola B | 34,4 | 33,3 | 33,9 | 34,1 | 36,5 | 30,4 | 31,6 | 30,8 | 30,8 | 29,3 | 32,4 | 6,95 |
Média de horas aulas/dia* | ||||||||||||
Escola A | 4,5 | 5 | 4,8 | 4,8 | 6,8 | 6,3 | 6,7 | 6,9 | 6,6 | 6,7 | 5,8 | 16,2 |
Escola B | 3,6 | 3,9 | 4,1 | 3,7 | 3,7 | 4 | 3,9 | 4,3 | 4,2 | 4,4 | 3,9 | 6,7 |
Fonte: Elaboração própria com dados do INEP, 2020
Legenda: * = Diferença significativa (p < 0,001); M = Média; CV = Coeficiente de variação/ - = categoria retirada.
Em todos os anos observados, a Escola A possui matrículas superiores a Escola B, no entanto, essa diferença vai diminuindo, chegando em 2019 a apenas 12,9%. Enquanto a Escola A teve uma redução de matrículas de 16,1% no período 2010 - 2019, na Escola B ocorre um aumento de 27,6%. Quanto à média e coeficiente de variação, na Escola A = 547,60 e CV = 8,12%, e Escola B = 354,90 e CV = 11,66%, e não mostraram diferença significativa.
Nesse mesmo período, a média de alunos por turma diminuiu em ambas as escolas (A = -11,4% e B = -14,8%). A maior média de alunos por turma na Escola A foi em 2012 (36,5), sendo a menor em 2015 (29,3). Já na Escola B, a maior e menor médias foram em 2014 (36,5) e 2019 (29,3), respectivamente. A maior diferença entre a média de alunos por turma nas duas escolas ocorreu no ano de 2017 e foi de 11,6%. Ao realizar a média e medidas de variabilidade, considerando todos os anos da série histórica, observou-se: Escola A = 32,4 e CV = 9,85%, e Escola B = 32,4 e CV = 6,95%. Não houve diferença significativa ao considerar os valores médios das duas instituições de ensino.
É oportuno mencionar que o tamanho da turma e seus possíveis efeitos no desempenho acadêmico também vêm sendo alvo de discussões de diferentes pesquisadores e gestores na área de educação (SOUSA; FERREIRA; MIRANDA, 2019; ANNEGUES; PORTO JÚNIOR; FIGUEREDO, 2020).
Utilizando testes estatísticos, Camargo (2012) não identificou efeito do tamanho da turma no desempenho dos alunos em Língua Portuguesa e Matemática em escolas públicas estaduais do Rio Grande do Sul. O autor aponta que o fato das turmas participantes do estudo não apresentarem um quantitativo elevado de alunos (entre 20 a 30 alunos), pode ter influenciado para que não fosse possível encontrar efeito do tamanho da turma, fundamentando-se no estudo de Oliveira (2010) que evidenciou efeitos em turmas a partir de 30 alunos. Ainda sobre o tamanho da turma, o autor, ao investigar sobre custo-efetividade deu ênfase à redução do tamanho da turma e ampliação da jornada escolar. Incialmente, ele menciona que a redução da turma influencia em outros indicadores como o tamanho da sala, consequentemente na quantidade de professores e em custos de bens e serviços (luz, limpeza, manutenção etc.). Após uma análise criteriosa, o autor mostra que a ampliação da jornada escolar possui maior custo-efetividade do que a redução do tamanho das turmas apenas quando estas possuem menos de 34 alunos.
A média de horas-aula por dia cresce em percentuais muitos distintos nas duas escolas (A = 48,9% e B = 22,2%). A maior média, em todos os anos, é da Escola A, em 2010 (4,5) e 2017 (6,9). Destaca-se que a maior média de horas aulas diárias da Escola B ocorreu em 2019 (4,4) e não alcança a menor média da Escola A em 2010 (4,5.) Observa-se ainda que em 5 anos da série histórica a Escola B apresentou menos de 4 horas de aula, o que fere a legislação federal que estabelece, no mínimo, 800 horas para 200 dias letivos, portanto, o cumprimento mínimo de 4 horas de aula por dia. A partir dos valores de coeficiente de variação observa-se uma maior variabilidade por parte da Escola A (CV = 16,29%), enquanto na Escola B o valor de CV = 6,78%. Ademais, considerando a média dos valores de toda a série histórica, a Escola A apresentou a maior (5,8), em comparação à da Escola B (3,9), sendo esses valores significativos (p < 0,001).
O número de horas dedicadas aos estudos também vem sendo destacado na literatura científica como uma das variáveis associadas ao desempenho acadêmico, bem como o maior tempo em atividades de aprendizagem no ambiente escolar, como exemplo, as escolas de tempo integral (FERNANDES, 2018). O estudo de Fritsch et al. (2019) buscou investigar a trajetória de estudantes no ensino médio e os fatores associados às desigualdades escolares, e constatou que além das vulnerabilidades sociais dos estudantes, o pouco tempo dedicado aos estudos pode resultar em reprovação ou abandono. Destaca-se ainda que os estudantes que tiveram horários de estudos além da sala de aula (estudo extrasala) foram os que nunca reprovaram de ano/série.
Além dos indicadores discutidos, é oportuno falar sobre o nível de complexidade de gestão das escolas brasileiras, um indicador construído pelo Inep a partir de quatro variáveis, a) porte da escola, b) número de turnos de funcionamento, c) complexidade das etapas ofertadas pela escola e d) número de etapas/modalidades oferecidas. As escolas são classificadas em 6 níveis, sendo que o primeiro é o desejável ou de menor IGC (INEP, 2014a). Nas duas escolas deste estudo, os resultados se repetem em todos os anos, sendo o nível 4 atribuído à Escola A e o nível 6, à Escola B. São classificadas no nível 4 as escolas que possuem “porte entre 150 e 1000 matrículas, contendo 2 ou 3 turnos (com 2 ou 3 etapas), apresentando Ensino Médio/profissional ou a EJA como etapa mais elevada”. Já as escolas com nível 6 apresentam um “porte superior a 500 matrículas, operando em 3 turnos, com 4 ou mais etapas, apresentando a EJA como etapa mais elevada”.
A análise do nível de complexidade da gestão é fundamental quando se discute os fatores associados ao desempenho escolar, além das variáveis socioeconômicas dos alunos, dependência administrativa e a localização da instituição e outras (DUTRA et al., 2019). Quanto maior o nível de complexidade de uma escola ou rede de ensino, mais complexo é o planejamento e ações da gestão e professores para que seja possível ofertar um ensino de qualidade. Estudos como o de Lee (2008), ao comparar alunos de escolas católicas, públicas e particulares de ensino médio, constataram que as escolas de menor porte apresentam maior desempenho nas avaliações. Corroborando, Alves e Soares (2013), ao analisarem as variáveis do contexto escolar com o Ideb, mostraram maior resultado das escolas que possuem alunos de maior nível socioeconômico, bem como as de menor extensão, matrículas e oferta de modalidades de ensino.
4.3 Indicadores docentes
Este subtópico é dedicado a analisar quatro indicadores relacionados aos docentes: formação, esforço, regularidade e adequação. Na Tabela 3 são apresentados os dados relativos ao período 2013 - 2019.
Série histórica | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 | M | CV | |
Docente com Nível Superior (%) | |||||||||
Escola A | 91,7 | 93,2 | 92 | 94,1 | 92,3 | 94 | 100 | 93,9 | 3,0 |
Escola B | 91,3 | 90,5 | 93,3 | 92,3 | 93,1 | 87,9 | 94,3 | 91,8 | 2,2 |
Adequação da Formação Docente_ Categoria 1 (%)* | |||||||||
Escola A | 80,1 | 83,2 | 74,4 | 80,6 | 79,6 | 80,5 | 85,3 | 80,5 | 4,2 |
Escola B | 54,9 | 49,6 | 63,7 | 52,3 | 61,5 | 60 | 68,3 | 58,6 | 11,3 |
Indicador de Esforço Docente_ Nível 5 (%) | |||||||||
Escola A | 16,7 | 23,8 | 18,5 | 5,9 | 11,5 | 10 | 8,2 | 13,5 | 47,4 |
Escola B | 13 | 13,6 | 16,7 | 15,4 | 27,6 | 15,2 | 25,7 | 18,2 | 32,4 |
Indicador de Regularidade Docente* | |||||||||
Escola A | 3,7 | 3,9 | 4,0 | 3,8 | 3,6 | 3,7 | 3,6 | 3,8 | 5,2 |
Escola B | 2,9 | 3,1 | 3,1 | 2,5 | 2,4 | 2,5 | 2,6 | 2,7 | 11,1 |
Fonte: Elaboração própria com dados do INEP, 2020
Legenda: * = Diferença significativa (p < 0,001); M = Média; CV = Coeficiente de Variação.
No que se refere a docentes com formação de nível superior, uma exigência legal segundo a LDB (art. 62), as duas escolas, desde 2010, possuem percentuais superiores a 90%, mas ainda persistem profissionais que atuam no ensino médio sem curso superior completo. As médias na Escola A = 93,9 e CV = 3,0% e na Escola B = 91,8 e CV = 2,2%, não mostram diferenças estatísticas (p = 0,001). Sobre essa questão da formação docente, um dos aspectos mais discutidos na atualidade se refere à atratividade da profissão, que está associada às baixas remunerações e a condições precárias de atuação (BAUER; CASSETTARI; OLIVEIRA, 2017). Além disso, locais de alta vulnerabilidade social, em que os estudantes vivem em condições econômicas desfavoráveis, como as periferias de grandes cidades, se tornam pouco atrativas para os professores. A tendência é ir para estes locais profissionais com menos qualificação e menos experiência (OCDE, 2007, 2018).
O indicador de Adequação da Formação Docente (AFD) foi elaborado pelo Inep a partir do que estabelece a legislação brasileira e está organizado em cincos grupos, a partir de perfis previamente estabelecidos (INEP, 2014b). Para este estudo, considerou-se apenas o grupo 1, que se refere àquele profissional que leciona na mesma área de sua formação (licenciatura ou bacharelado com complementação pedagógica), e que atende às exigências legais. Enquanto na Escola A ocorre um crescimento de 6,5% dos docentes no grupo 1, na Escola B, o aumento foi de 24,4%, o que fez diminuir a diferença entre as duas escolas que em 2013 era de 31,5% para 19,9% em 2019. Carvalho (2018) constatou que a formação adequada de professores ao componente curricular que ele ministra na escola tem correlação positiva com o desempenho de estudantes dos anos finais do ensino fundamental na Prova Brasil.
O Indicador de Esforço Docente (IED) trata de um índice calculado com base no número de alunos, quantidade de turnos, escolas e etapas de atuação do docente. A partir destas características, a escala de esforço está organizada em 6 níveis e quanto maior a sobrecarga no exercício da profissão, maior é o nível de classificação de esforço do docente (INEP, 2014c). Para este estudo, foram analisados os dados referentes ao nível 5 (docente que tem mais de 300 alunos e que atua nos três turnos, em duas ou três escolas e em duas ou três etapas). Constatou-se que enquanto a Escola A reduz em 50,9% o percentual de docentes no nível 5, a Escola B aumenta em 97,7% o percentual de docentes na mesma situação. Se em 2013 a diferença entre os percentuais de professores no nível 5 nas duas escolas era de 22,2%, em 2019 esse valor chega a 213,4%, o que evidencia uma maior precarização do trabalho docente na Escola B do que na Escola A, ao longo do período.
Pesquisa de Alves e Pinto (2011), com resultados do Censo Escolar de 2009, mostra dados relacionados a maior esforço docente no ensino médio, com professores que lecionavam em duas (32,1%), três (9,2%), quatro ou mais (3,1%) escolas e revela atenção com a sobrecarga no exercício da profissão, ao afirmar que “preocupa o fato de que 51,3% dos professores da educação básica possuam uma jornada de trabalho igual ou superior a 40 horas semanais” (p. 613).
O Indicador de Regularidade Docente surge como um parâmetro para investigar a permanência do professor em uma escola e utiliza uma escala de 0 a 5 a partir de cálculo específico2; assim, quanto mais próximo de 5 maior é a regularidade do professor na escola (INEP, 2015b).
Os dados da Tabela 3 mostram que há pouca variabilidade deste indicador ao longo dos anos nas duas escolas. Em escolas estaduais do Espírito Santo, o IRD juntamente com a taxa de distorção idade-série e a taxa de abandono se apresentam como variáveis independentes que explicam as diferenças de desempenho entre escolas com “melhores” e “piores” resultados na Prova Brasil (LACRUZ; AMÉRICO; CARNIEL, 2019). Estas constatações são evidenciadas neste estudo na medida em que a Escola B possui menor regularidade docente e maiores taxas de distorção idade-série e abandono e situa-se entre os dez menores resultados do Spaece 2019.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos dados das duas escolas permite identificar fatores externos e internos à escola que estão relacionados com o sucesso escolar mensurado pelos resultados do Spaece. O fato do Inse da Escola A ser maior do que o da Escola B já vislumbra essa possibilidade, uma vez que é vasta e antiga a literatura que confirma a relação entre nível socioeconômico e desempenho escolar; os bons resultados nas taxas de rendimento da Escola A, especialmente o abandono, têm relação com a existência de processo seletivo para admissão de alunos, numa disputa meritocrática em que o histórico de reprovação é levado em conta e, por isso mesmo, sua taxa de distorção de idade-série é três vezes inferior à da Escola B.
Por certo, os melhores resultados de desempenho escolar dos alunos da Escola A estão relacionados com as condições citadas, mas encontram guarita também no fato desses alunos serem atendidos com uma carga horária de aula diária maior do que os da Escola B, chegando em 2019 a mais de 30%. Os indicadores associados aos docentes - AFD, IED e IRD - representam variáveis intraescolares importantes para a melhoria do processo ensino-aprendizagem e o que se observa nas duas escolas mostra que os docentes da Escola B encontram-se em menores percentuais no que tange à adequação da formação, submetem-se a um maior esforço docente e apresentam menor regularidade na mesma escola.
Importante destacar que, embora existam algumas variáveis sobre as quais a gestão educacional pouco pode fazer como alterar o Inse dos alunos ou modificar o entorno no qual a escola se insere, as condições docentes encontram-se sob a governabilidade da Secretaria de Educação e cabe a ela estabelecer políticas mais equalizadoras como forma dessas escolas terem condições de assegurar melhorias na qualidade da educação oferecida.