Introdução
Diante da importância de se discutir sobre a relação intergeracional no campo da educação, ao considerar o adulto e a criança, torna-se fundamental destacar os/as profissionais nesse processo. Assim, aponta-se para a interação ou vínculo que ocorre entre o “objeto de trabalho” e o/a profissional da educação, pois conforme Tardif e Lessard, (2014, p. 35) a “docência é um trabalho cujo objeto não é constituído de matéria inerte ou de símbolos, mas de relações humanas com pessoas capazes de iniciativa e dotadas de uma certa capacidade de resistir ou de participar da ação dos professores”.
Esta relação ocorre com sujeitos ativos, que possuem o direito de se expressar, de interagir, portanto, indivíduos que têm direito a direitos. Ao se pensar em políticas públicas que estão ligadas a esta relação, pode-se considerar as que tratam dos direitos dos/as profissionais da educação, que embora não sejam formuladas para as crianças podem afetá-las, e dessa forma, influenciar na garantia de direitos delas.
É o que vem a ser discutido por Qvortrup (2010), que descreve sobre a importância de políticas focalizadas nas crianças, e destaca a existência de políticas que podem trazer consequências para elas, mesmo que não tenham sido pensadas para atingi-las. Conforme o autor, é necessário fazer um “diagnóstico” das políticas que afetam as crianças e a infância.
Nesse sentido, pode-se considerar as leis que tratam da valorização dos/as profissionais da educação, a qual é sinalizada no artigo 206 da Constituição Federal (CF) de 1988 como um princípio constitucional, sendo a “[...] valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas” (BRASIL, 1988).
Na legislação educacional também é apresentada a necessidade dos/as profissionais atuarem com uma formação específica, conforme cada etapa/modalidade da Educação Básica. Esta deve ser em nível superior, em curso de licenciatura, ou no caso da Educação Infantil (EI) e nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, é permitida a atuação com nível médio, na modalidade normal (BRASIL, 1996).
Torna-se necessário profissionais capacitados/as e valorizados/as nas relações educativo-pedagógicas desenvolvidas junto às crianças. Dessa forma, a EI, enquanto um direito das crianças, o que será destacado adiante, deve ser garantida com uma educação de qualidade para todos (BRASIL, 1988), conforme especificado no artigo 206 da CF. Nesse sentido, quando se discute os direitos dos/as profissionais da educação, é de suma importância apontar para os direitos das crianças.
Diante das políticas públicas, é necessário considerar os bebês2, pois é identificada uma invisibilidade pública desses sujeitos. Quanto menor a idade, maior o impacto na garantia de direitos, o que resulta em desigualdades, pois o mesmo direito não é garantido para todas as crianças (ROSEMBERG, 2014; SESIUK, 2019; SOCZEK, 2020).
Portanto, este trabalho busca analisar a garantia de direitos das crianças matriculadas na creche, diante de contextos da atuação dos/as profissionais da educação no município de Petrópolis em 2019. Assim, o propósito é verificar a quantidade de auxiliares e docentes nas creches e pré-escolas, no intuito de captar tendência de alocação dos/as profissionais conforme a categoria; verificar a formação de auxiliares e docentes nas creches e pré-escolas; verificar o tipo de vínculo empregatício dos/as docentes nas creches e pré-escolas.
Busca-se elencar possíveis desigualdades, considerando que se trata de um atendimento de crianças de diferentes idades. Embora exista distorção idade/subetapa. na creche predomina a faixa etária de 0 a 3 anos (3.322 crianças, o que equivale a 99,8% das matrículas da creche) e na pré-escola é de 4 a 5 anos de idade (4.651 crianças, o que equivale a 99,3% das matrículas da pré-escola).
Considera-se para esta análise os/as profissionais que atuam na creche pública municipal, e para efeitos de comparação, os dados relativos aos que atuam na pré-escola da mesma dependência administrativa. Os procedimentos metodológicos referem-se a uma pesquisa de natureza quantitativa, com o uso dos dados do Censo Escolar -levantamento realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) -. da Educação Básica de 2019. Os dados foram acessados pela plataforma digital do “Laboratório de Dados Educacionais” (dadoseducacionais.c3sl.ufpr.br),
Inicialmente, é feita uma breve revisão sobre as leis e estudos que descrevem sobre os direitos das crianças. Na sequência, uma breve apresentação sobre a valorização dos/as profissionais da educação, com destaque para autores/as que abordam sobre o tema. Após, os resultados e as respectivas discussões com base nos achados e demais estudos, e por último, comentários sobre o trabalho.
A garantia dos direitos das crianças
Com destaque aos direitos, um marco fundamental que visa diretamente as crianças é a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), promulgada com o Decreto 99.710/90, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), aprovado com a Lei 8.069/90, que também é uma lei específica, e ainda a CF de 1988 que amplia os direitos delas.
Na CDC é destacado o direito à participação das crianças, o que pode ser considerado como um significativo avanço na conquista de direitos, sendo muito relevante diante do status de sujeito (QVORTRUP, 2010). No entanto, são identificadas limitações na lei, como no caso de expressarem opiniões, o que é apresentado no artigo 12, pois refere-se somente aos assuntos relacionados a elas.
Isto configura “uma limitação grave, mas provavelmente sintomática da criança como sujeito político em nossas sociedades” (QVORTUP, 2010, p. 780). O direito à voz, de serem considerados pela sociedade como sujeitos socialmente ativos, torna-se limitado diante da visão que se tem sobre elas, tendo então uma invisibilidade social sobre as crianças.
A discriminação etária é outro ponto de destaque quando se considera o direito de liberdade, o que é apresentado na CDC no artigo 13 como de “expressão”, no artigo 14, sendo “de pensamento, de consciência e de crença”, no artigo 15 “à liberdade de associação e à liberdade de realizar reuniões pacíficas”, assim como no artigo 16 de “proteção” (BRASIL, 1990a).
Percebe-se que “(...) está se falando sobre as crianças maiores. Afinal, não se sabe o que é liberdade quando se fala de bebês” (ROSEMBERG, 2014). Passam a ser garantidos direitos distintos para diferentes crianças, pois “pouco ou nada tem-se operacionalizado na efetivação da condição de ator social para crianças e bem pequenas (por exemplo, os bebês)” (ROSEMBERG, 2006, p. 52).
No ECA são especificados os direitos “referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 1990b). Ademais, no artigo 4º é apresentado o Princípio da Prioridade Absoluta, o que significa que crianças e adolescentes devem ser tratados com absoluta preferência. Tem-se como propósito a defesa de todos os direitos da criança e do adolescente, sendo incluídos, portanto, os bebês.
No entanto, ao apontar para as populações excluídas e dominadas na sociedade, são identificadas as crianças, as quais não têm voz diante de uma hierarquia etária. São vistas como “seres que não são”, isto é, sujeitos que não produzem, que não atendem a lógica do capital.
Violência de uma sociedade ao estipular os limites de um e de outro, por meio de uma hierarquia etária, convencionada e ideologicamente produzida, que não vê o verdadeiro sentido de se ter uma idade, mais do que pertencer a uma idade (GUSMÃO, 2003, p. 27).
Percebe-se diante desta realidade que as crianças são ignoradas enquanto atores sociais, o que pode contribuir com a sua invisibilidade pública, e ainda, com a não efetivação de direitos, não sendo garantido, inclusive, o direito à participação. Passam a não ser prioridade das políticas públicas, o que tem relação com o processo de dominação.
É preciso olhar para elas no presente, pois conforme Qvortrup (2010, p. 787), passam a ser consideradas apenas como “um instrumento para outras propostas”, isto é, um futuro adulto, ainda relacionado a força de trabalho, sem que exista um interesse no que elas são enquanto crianças.
O direito ao atendimento gratuito em creche e pré-escola às crianças de 0 a 5 anos de idade é apresentado na CF de 1988 e no ECA, sendo dever do Estado a oferta. Porém, ao se considerar os dados de acesso à EI, também é identificada a discriminação de idade. “De 0 a 3 anos, a frequência é de 23,5%, enquanto é de 80,1% para a faixa entre 4 e 5 anos e de 95% para os 6 anos” (ROSEMBERG, 2014).
A autora apresenta dados do Censo Demográfico do IBGE, de 2010, e afirma que a etapa mais desvalorizada é a creche. Embora identifique outras diferenças de acesso relacionadas às regiões do país, e questões econômicas, ela destaca que “nenhuma diferença é tão grande quanto a que se observa entre as taxas de frequência por faixas etárias.” (ROSEMBERG, 2014).
Demais estudos sinalizam a falta de oportunidades no acesso à educação pública dos bebês (SESIUK, 2019; SOCZEK, 2020). Ao analisarem os dados do Censo Escolar do município de Curitiba, as autoras constataram que houve um impacto oriundo da obrigatoriedade da Educação Básica a partir dos 4 anos de idade, o que foi determinado pela Emenda Constitucional nº. 59∕2009. Conforme Sesiuk (2019, p. 143) “o grupo etário de 0 a 3 anos passou de sujeitos de direitos a objeto de manobra na universalização da Pré-escola”.
Percebe-se que quanto menor a criança, menos direitos são garantidos, o que configura a invisibilidade dos bebês. O que ganha destaque quando se fala sobre o direito à EI. Nesse sentido, precisa haver uma participação efetiva dos governos locais3 diante da oferta da EI, os quais possuem autonomia para formular e implementar políticas, uma vez que “o interesse público brasileiro se dirige mais a crianças maiores, adolescentes e jovens” (ROSEMBERG, 2006, p. 53).
Convém considerar que, embora não seja obrigatória a matrícula de crianças de 0 a 3 anos de idade, tornam-se necessárias políticas públicas com o propósito de garantir uma educação em condições de qualidade para toda a Educação Básica. Ademais, um primeiro critério de qualidade é o acesso, e que pela demanda explícita já é possível identificar a não garantia desse direito em determinados municípios.
Ainda, ao apontar para as condições de atendimento educacional na EI, deve-se sinalizar a importância da valorização dos/as profissionais da educação, o que pode interferir na garantia da qualidade da educação. Portanto, a seguir, é apresentada uma breve descrição sobre as condições que se referem ao trabalho e status profissional.
Os/as profissionais da Educação Infantil
Na análise das relações geracionais, trazendo o/a profissional da educação e as crianças, há que se destacar os lugares dos bebês na sociedade, e nesse sentido, os impactos no status profissional e nas condições de trabalho.
No caso da EI, a relação entre criança e professor/a se estabelece com profissionais que possuem a função de cuidar e de educar as crianças. No entanto, um vínculo que caracteriza a desvalorização social do trabalho docente, marcada por uma hierarquização entre as carreiras do magistério. Isto acontece pelo fato de que a função dos/as profissionais é vista como algo mais próximo “aos afazeres domésticos do que propriamente a um trabalho pedagógico” (NASCIMENTO, 2019, p. 123), ou então, como um trabalho que não precise necessariamente ser realizado por um profissional docente. Observa-se um impacto relacionado a posição geracional que o grupo de crianças ocupa na sociedade.
Diante da demarcação que se tem sobre as crianças pequenas, sendo elas diferenciadas das demais, é importante considerar que assim como são criados produtos, surgem também novas profissões no mercado de trabalho para atendê-las (ROSEMBERG, 2006, p. 53). Nesse caso, há que se destacar a existência de cargos com denominações distintas na EI, como o de auxiliar, sendo sujeitos que realizam o mesmo trabalho docente, porém, não estão enquadrados na carreira do magistério. Não sendo, portanto, garantidos os mesmos direitos, assim como nem sempre é exigido o mesmo nível de formação (SILLER; CÔCO, 2009; NASCIMENTO, 2019).
A utilização de nomenclaturas diversas diante do/a profissional que exerce a função docente são marcas da precarização, o que se caracteriza “como subterfúgio ao não reconhecimento de seus direitos e adequada valorização da docência” (HECK, 2014, p. 189). Portanto, identifica-se que, diante das crianças, a idade é marcada por uma posição social, o que também atinge os/as profissionais.
É necessário pensar o quanto os adultos, nesse caso, os/as profissionais da educação, são importantes para garantirem uma condição favorável para as crianças. Porém, percebe-se que o fato de trabalharem com bebês interfere no status profissional, o que também resulta num impacto na vida destas crianças. Existe uma hierarquia de cargos e funções, o que gera desigualdades entre os/as profissionais, assim como entre as crianças, pois interfere no atendimento das instituições de ensino, não sendo garantidos/as profissionais valorizados/as e com uma formação adequada para todas.
Estas desigualdades podem impactar na garantia de uma educação de qualidade, e nesse sentido, há que se destacar a importância de se garantir igualdade de condições para todas, inclusive entre a creche e a pré-escola. “Essa questão precisa ser considerada na formulação das políticas públicas tanto em relação às questões de ordem estrutural como na prática das instituições e profissionais que atuam na EI” (HECK, 2014, p. 190).
Outra questão é a expansão da EI, pois ela “vem sendo custeada, principalmente, pelas famílias e pelas educadoras (graças ao seu baixo salário) com consequências sobre a qualidade da oferta. Em decorrência, a EI brasileira vem sendo custeada pela própria criança pequena” (ROSEMBERG, 2006, p. 74).
O fato de os municípios apresentarem alta cobertura nesta etapa não é garantia de um atendimento de qualidade, pois conforme complementa a autora, ao destacar o caso do Nordeste, pode-se identificar os maiores índices de profissionais sem uma formação adequada, com os menores salários, entre outros pontos que indicam uma situação precária. Trata-se de uma política de ampliação da oferta que afeta os/as profissionais e as próprias crianças, e novamente, percebe-se o impacto diante dos bebês.
A seguir, são apresentados os dados quantitativos sobre os/as profissionais da Educação Infantil.
Contexto de atuação dos/as profissionais do município de Petrópolis
Parte-se dos gráficos 1 e 2, que trazem os dados do estado do Rio de Janeiro, sendo o que deu origem a análise referente ao município de Petrópolis. É perceptível que existe a tendência de um maior número de auxiliares do que docentes de 2008 a 2019 na creche, embora exista um aumento significativo de docentes de 2011 a 2014 (gráfico 1). O que não é identificado na pré-escola, pois existe a tendência de o número de docentes ser superior ao de auxiliares no mesmo período (gráfico 2).
Fonte: Elaborado pela autora (2021) a partir dos dados do Laboratório de Dados Educacionais 2008 a 2019.
Nota: Um(a) docente e auxiliar pode ser contado(a) mais de uma vez, se atuar em mais de uma unidade de agregação: regiões, unidades da federação, municípios, área de localidade, dependência administrativa e etapa/modalidade. Portanto, o total representa o número de auxiliares docentes em unidades de agregação diferentes.
Fonte: Elaborado pela autora (2021) a partir dos dados do Laboratório de Dados Educacionais 2008 a 2019.
Nota: Um(a) docente e auxiliar pode ser contado(a) mais de uma vez, se atuar em mais de uma unidade de agregação: regiões, unidades da federação, municípios, área de localidade, dependência administrativa e etapa/modalidade. Portanto, o total representa o número de auxiliares docentes em unidades de agregação diferentes.
Já no município de Petrópolis, diante do montante de 579 profissionais na creche, e 380 na pré-escola, é possível identificar que na creche o percentual de auxiliares (91,7%) é significativamente superior ao de docentes (8,3%), ou seja, a cada 10 profissionais, nove são auxiliares (gráfico 3). Na pré-escola, os dados revelam que é maior o percentual de docentes (66,3%) do que auxiliares (33,7%), embora representem que a contratação de auxiliares ultrapassa 1/3 dos/as profissionais da respectiva etapa.
Fonte: Elaborado pela autora (2021) a partir dos dados do Laboratório de Dados Educacionais 2019.
Nota: Um(a) docente e auxiliar pode ser contado(a) mais de uma vez, se atuar em mais de uma unidade de agregação: regiões, unidades da federação, municípios, área de localidade, dependência administrativa e etapa/modalidade. Portanto, o total representa o número de auxiliares docentes em unidades de agregação diferentes.
Portanto, é na creche que existe a tendência de se contratar mais auxiliares do que docentes, o que já é possível identificar quando se apresenta os dados do estado (gráficos 1 e 2), o que se repete de 2008 a 2019. No município de Petrópolis a desigualdade entre creche e pré-escola é gritante em 2019.
Trata-se de duas funções distintas, o que implica nas condições de trabalho e valorização desiguais entre os/as profissionais (PAULINO; CÔCO, 2016). Além disso, quando criadas carreiras distintas das que são da categoria do magistério, configura-se a não valorização do/a profissional da EI (HECK, 2014).
Ainda, Paulino e Côco (2016) sinalizam que a contratação de auxiliares é utilizada em determinadas redes de ensino como uma estratégia política nos casos de expansão do atendimento na EI. Busca-se atender o número de adulto por crianças4, no entanto, quando aumenta a quantidade de matrículas, ao invés de serem contratados mais professores/as, são admitidos/as auxiliares.
Em seguida, o gráfico 4 apresenta a formação dos/as profissionais (docentes e auxiliares). O maior percentual é identificado na creche (63,7%) o que significa que a cada 10 profissionais, seis não possuem nem o magistério. O segundo maior percentual na creche é referente à formação no magistério (16,2%), enquanto a formação em nível superior com licenciatura ou complementação pedagógica aparece como terceiro (10,2%).
Fonte: Elaborado pela autora (2021) a partir dos dados do Laboratório de Dados Educacionais 2019.
Nota: Um(a) docente e auxiliar pode ser contado(a) mais de uma vez, se atuar em mais de uma unidade de agregação: regiões, unidades da federação, municípios, área de localidade, dependência administrativa e etapa/modalidade. Portanto, o total representa o número de auxiliares docentes em unidades de agregação diferentes.
Já na pré-escola, a maior concentração é de profissionais formados/as em nível superior com licenciatura ou complementação pedagógica (32,4%). O segundo maior é de profissionais sem magistério (25,0%), sendo um percentual muito próximo do montante que possui especialização (21,3%). Mais de 50% dos profissionais que atuam na pré-escola possuem como formação mínima o nível superior.
Percebe-se que não é exigido nem o Ensino Médio Normal nas contratações de auxiliares no município, o que vai contra a legislação nacional, pois há um montante de profissionais que atuam na creche e não possuem o magistério (63,7%). Como destacado, na pré-escola esse percentual é inferior (25%), onde mais da metade possui formação mínima em nível superior. Considera-se um dado de extrema relevância, pois o magistério é uma formação admitida por lei, e não a ideal.
Portanto, a formação inicial é mais um elemento que caracteriza a hierarquização entre os/as profissionais de grupos distintos. Ademais, no caso de Petrópolis, esta distinção acaba por impactar com maior intensidade no atendimento da creche, devido ao maior número de auxiliares nesta etapa.
Ainda há casos em que o curso de berçarista é a única formação que é igualmente exigida para professores/as e auxiliares. O que é identificado por Paulino e Côco (2016) ao analisarem uma instituição pública da EI do estado do Espírito Santo.
Além da exigência deste curso, as autoras destacam as distinções para o ingresso entre as duas funções na rede. Identifica-se que os/as professores/as devem possuir graduação em pedagogia e ou normal superior, e os/as auxiliares podem assumir o cargo com o Ensino Fundamental completo. Observa-se, portanto, que o caso da rede municipal de Petrópolis não se distancia da realidade de outros municípios.
Diante do vínculo empregatício docente, é possível perceber no gráfico 5 que é maior o percentual de concursados/as tanto na creche (72,9%) quanto na pré-escola (79,1%), embora tenha uma maior concentração nesta última etapa. Em seguida, aparece o percentual de temporários (27,1% na creche e 19,4% na pré-escola), tendo só na pré-escola docentes admitidos com contrato CLT (1,2%) e terceirizado (0,4%).
Fonte: Elaborado pela autora (2021) a partir dos dados do Laboratório de Dados Educacionais 2019.
Nota: Um(a) docente e auxiliar pode ser contado(a) mais de uma vez, se atuar em mais de uma unidade de agregação: regiões, unidades da federação, municípios, área de localidade, dependência administrativa e etapa/modalidade. Portanto, o total representa o número de auxiliares docentes em unidades de agregação diferentes.
Embora não seja identificada uma desigualdade tão significativa quando se considera os percentuais entre as etapas, é importante destacar que se trata apenas dos/as docentes. Portanto, convém cotejar os gráficos 3 e 5, o que significa que na creche existia apenas 8,3%, sendo 48 docentes, assim, 72,9 % de concursados equivale a 35 docentes, enquanto na pré-escola, 79,1% resultam em 200 docentes.
Mesmo que não esteja sendo apresentado o tipo de vínculo dos/as auxiliares, sendo uma limitação encontrada nos dados, confirma-se diante deste estudo que na creche o número de profissionais com vínculo empregatício que garante estabilidade é significativamente inferior ao da pré-escola. O que novamente confirma haver na creche profissionais com as piores condições de trabalho.
Pode-se inferir que o tipo de vínculo de trabalho pode impactar na “articulação” entre os/as profissionais e afetar em suas práticas com as crianças. Toma-se como referência a pesquisa de Paulino e Côco (2016, p. 707) que, embora o tipo de vínculo não tenha sido o foco do trabalho, sinalizam as “assimetrias no reconhecimento e valorização” das distintas funções, o que interfere na “produção de condições para a qualificação do trabalho coletivo”.
Elas ainda identificaram que os/as auxiliares assumem a função e a apontam como um “lugar de passagem” (p. 711), enquanto isto não é observado entre os/as professores/as. Assim, diante do número significativo de auxiliares encontrados na creche em Petrópolis, e da quantidade não expressiva de docentes efetivos, deduz-se que pode haver na respectiva etapa uma maior concentração de profissionais sem atratividade em termos de carreira. O que também se caracteriza como a não valorização dos/as profissionais.
Conclusão
Diante da apresentação dos dados, é possível perceber que a condição de atendimento na creche é inferior ao da pré-escola, no que se refere à valorização dos/as profissionais da educação. Nesse caso, aponta-se para os/as professore/as e auxiliares da rede pública municipal de Petrópolis.
Percebe-se que para os bebês, é garantido um atendimento desigual quando comparado às crianças maiores, de 4 a 5 anos de idade, o que sugere haver uma discriminação das crianças de 0 a 3 anos de idade diante das políticas públicas. Não é garantido o direito a um atendimento de qualidade para todas as crianças da EI, tendo uma marca de precariedade nas condições de trabalho dos/as profissionais que educam e cuidam dos bebês no município.
Diante da constatação das disparidades que existem entre a garantia de direitos das crianças de diferentes idades, é necessário formular políticas com efeitos positivos para o momento em que estas vivem. Nesse sentido, é preciso pensar nesses sujeitos que são tidos como detentores de direitos, mas que na prática não são reconhecidos.
Para eles são garantidos/as profissionais que, em sua maioria, atuam como auxiliares (91,7%), sem terem nem a formação mínima (63,7%), admitida por lei, e, apesar de haver docentes concursados, o montante de profissionais com esta função na creche (8,3%) não indica haver uma valorização da carreira na respectiva etapa.
Os bebês devem ser sujeitos de prioridade, para que não se caracterize uma posição geracional excluída nas políticas (MANNHEIM, 1993). Portanto, é imprescindível avaliar as políticas locais, inclusive as que não são formuladas para eles, mas que impactam em suas vidas, e podem interferir no desenvolvimento delas.
É de suma importância garantir profissionais da educação valorizados/as, com uma formação adequada, preparados/as e seguros/as diante da função de educar e cuidar. Dessa forma, busca-se oferecer uma educação em condições de qualidade para todos/as, afinal, no arcabouço legal nacional, são sinalizados os elementos que devem ser considerados diante da contratação dos profissionais da Educação Básica no país.
Com esse estudo, destaca-se o quanto é pertinente continuar com a análise sobre a garantia de direitos dos bebês a uma educação de qualidade. Pode-se apresentar demais dados sobre os/as profissionais, como a remuneração, a jornada de trabalho, a hora-atividade, e outros elementos que constituem a valorização. Assim como informações sobre a própria infraestrutura das creches, o que também impacta nas condições de atendimento da respectiva etapa. Dessa forma, ter os bebês no centro das lutas e discussões.