Introdução
Sob a influência das tecnologias da informação e da comunicação, as bases tecnopedagógicas do ensino entraram em pauta nos discursos e ideários políticos com a intensão de favorecer, no contexto educacional, práticas imersivas mediadas pelo uso de computadores e dispositivos móveis em várias interfaces.
A concretude dessa pretensão é constatada na formulação de diversas políticas educacionais que visam, sobretudo, a imersão de artefatos tecnológicos em instituições escolares. Grimm e Mendes (2017) observam que tais perspectivas vislumbraram modificações na materialidade da escola quanto à arquitetura de edifícios, mobiliários e quadro-negro, além dos artefatos e petrechos utilizados no espaço escolar (lápis, caderno e livros), por exemplo. E também, mudanças no conjunto de metodologias de ensino e gestão da escola (métodos pedagógicos, instrumentos de avaliação, etc.). Dentre as políticas idealizadas e formuladas para atender tal demanda, logo, em 1997, a proposta do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (PROINFO) é apresentada e inaugurada nas escolas com o discurso marcado pela disseminação do uso das tecnologias digitais em práticas de ensino de professores.
Este artigo é parte de um trabalho dissertativo desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Ensino (POSENSINO), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), tem como objetivo compreender a atuação e a ressignificação do PROINFO no contexto da prática docente. Com Ball, Marguire e Braun (2016) concordamos que as políticas nas escolas são "personalizadas" e estão ativas na construção e na reconstrução das identidades profissionais de vários atores de políticas. Assim, as políticas são atuadas e não implementadas. Em outros termos, os sujeitos são interpretadores ativos do mundo, criadores de significados e de outros/diferentes/diversos fazeres e, com isso, um texto político não é colocado em ação de forma linear.
Nesse movimento, chegamos aos meandros metodológicos que nos distanciam de quantificações, mas nos provocam a buscarmos percepções do PROINFO como política interpretada e encenada de diferentes formas e contextos. Cientes de que políticas não são reduzidas a textos, tratamos de dar voz a quatro atores/professores que atuam o PROINFO de maneira ativa em duas escolas da rede estadual de ensino do Rio Grande do Norte. Para isso, foram realizadas entrevistas semiestruturadas mediadas pelo eixo discursivo “a atuação da política do PROINFO no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”. Nesse momento, os professores participantes foram incitados, por meio de questões abertas, a relatarem como se dão as atuações dessa proposta no contexto da prática escolar, revelando as suas interpretações, seus enfrentamentos e o que é feito a partir daquilo que a política propõe.
Ditas essas palavras, o restante do texto está organizado em mais quatro seções. Na primeira seção, discutiremos, a partir da visão descentrada sobre políticas do sociólogo Stephen J. Ball, como ocorre o processo de produção, tradução e interpretação de políticas educacionais. Faremos ainda uma apresentação da política em estudo, o PROINFO, buscando entender aquilo que está nos seus textos oficiais. Em seguida, na segunda seção, trataremos sobre a metodologia utilizada para a construção dos dados da pesquisa. Nesse instante, revelaremos quem são os professores participantes e escolas onde realizamos a investigação sobre o PROINFO.
No centro da terceira seção estará a relação do professor com esse programa que distribuiu os laboratórios de informática nas escolas públicas. Para isso, nos concentraremos na análise das falas dos depoentes, atentando-nos no modo como o PROINFO é interpretado, ressignificado e atuado por professores que não são espectadores ou implementadores, mas, sim, sujeitos criativos que criam e recriam políticas a todo tempo.
Por último, nas considerações finais, arrolaremos uma breve síntese dos aspectos revelados nesse estudo quanto à materialidade do PROINFO no processo de ensino-aprendizagem, ou seja, na prática docente.
A política do PROINFO em vias de decodificação e recodificação
Entender políticas4 não é uma tarefa fácil. Muitos estudos têm sido desenvolvidos com o intuito de trazer um conceito fechado ao termo políticas, a clássica construção analítica as enquadra em formulação, implementação e avaliação (FREY, 2000; SERAFIM; DIAS, 2012 apudSOUSA, 2019). Nessa perspectiva estrutural, as políticas são reduzidas a normas legais elaboradas pelo Estado e, consequentemente, implantadas e executadas em segmentos como a escola. Diante da necessidade de compreender o PROINFO para além de tal interpretação, tendo em vista que políticas são construções onde perpassam diversos atores e contextos, adotamos como apoio a abordagem formulada pelo sociólogo inglês Stephen Ball e seus colaboradores (BOWE; BALL; GOLD, 1992; BALL, 1994).
Desse modo, leituras de políticas codificadas em textos oficiais não abarcam a dimensão de sua complexidade. É preciso romper com a crença limitante de políticas como normas prescritas e prontas a serem executadas. Nesse processo, consideramos que os sujeitos são leitores ativos que decodificam e recodificam as políticas, e isso “sugere que a ‘formulação’ da política é um processo de compreensão e tradução - que obviamente é” (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 14).
Esse entendimento é fundamentado na teoria da atuação (theory of policy enactment), idealizada por Ball e colaboradores (2016). Ao debruçar-se sobre tal teoria, Mainardes (2018, p. 4) concluiu que os autores utilizam o termo atuação “no sentido teatral, referindo-se à noção de que o ator possui um texto que pode ser apresentado/representado de diferentes formas”. Em nosso estudo, nos apropriamos do termo atuação quando nos referimos ao modo em que os nossos atores/professores interpretam e encenam a política do PROINFO.
Dando continuidade à essa explanação teórica, Ball e seus colaboradores (BOWE; BALL; GOLD, 1992; BALL, 1994) apresentam o ciclo contínuo de políticas a partir de três contextos principais: contexto da influência, contexto da produção de texto e contexto da prática. Indagamos: o que pressupõe cada um desses contextos?
Logo, é necessário esclarecermos que não há uma sobreposição entre estes, eles se apresentam interligados e não existe um grau de maior ou menor importância. Em cada contexto nos deparamos com diferentes lutas, disputas e embates deflagrados por lugares e grupos de interesses. A política no contexto da influência se constitui naquele instante inicial, onde os discursos políticos são construídos. Já o contexto da produção de texto caracteriza-se pela representação da política em textos oficiais redigidos com base nos interesses do público e, por fim, o contexto da prática é onde a política é interpretada, ressignificada e atuada (GOMES; SANTOS; MEDEIROS, 2021).
No contexto da produção de texto, o PROINFO, objeto desse estudo, apresenta-se como política intencionada em “disseminar o uso pedagógico das tecnologias de informática e telecomunicações nas escolas públicas de ensino fundamental e médio pertencentes às redes estadual e municipal” (BRASIL, 1997 s/p).
O governo federal, por intermédio do Ministério da Educação – MEC, em abril de 1997, cria, por meio da Portaria nº 522, a sua proposta com a finalidade de constituir ambientes educacionais utilizando artefatos tecnológicos como recurso potencializador no processo educativo. Para isso, foram necessárias a aquisição e a instalação de laboratórios de informática nas escolas, bem como investir na formação de professores e gestores para a sua utilização de modo que tais artefatos colaborassem com o desenvolvimento de práticas educativas.
Os objetivos iniciais do programa se voltaram para a melhoria da qualidade do processo de ensino-aprendizagem mediante a incorporação dos recursos tecnológicos, tencionando criar uma nova ecologia cognitiva e no ambiente escolar, oportunizando, a professores e estudantes, o acesso ao conhecimento cientifico e tecnológico e o desenvolvimento de habilidades fundamentais para atuarem no contexto da sociedade em rede, com intuição, criatividade, raciocínio apurado, familiaridade com as tecnologias e conhecimento técnico.
Atualizado e ampliado após dez anos de sua criação, em 12 de dezembro de 2007, por meio do Decreto nº 6.300/2007, o programa destaca como “novo” foco, principalmente, a utilização pedagógica dos recursos tecnológicos na Educação Básica. Levando em consideração esse escopo, um dos objetivos traçados é a imersão dos dispositivos tecnológicos nas escolas, com o intuito de promover a inclusão digital dos seus atores, ou seja, professores, alunos, gestores e comunidade em geral; bem como dinamizar o processo de ensino-aprendizagem em busca de melhorar a qualidade da educação pública do país.
Em meio ao seu campo de reformulações, o PROINFO passa, também, a ter como enfoque a formação de professores e gestores da Educação Básica. Desse modo, o Programa de Formação Continuada em Tecnologia Educacional (ProInfo Integrado) é criado para oferecer cursos de qualificação, dentre os quais citamos “Introdução a Educação Digital”, “Tecnologias na Educação: ensinando e aprendendo com as TIC” e “Elaboração de Projetos”.
Entendemos que essa política de tecnologia educacional surge a partir de demandas advindas do cenário da era digital, pois o processo político envolve negociação, contestação ou luta entre os diferentes grupos (ONZA, 2000, p. 113 apudBALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 13). Ou seja, para além da implementação, a sua trajetória é marcada por diversos sujeitos sociais e não apenas pelo Estado ao elaborar o seu texto oficial. Sob essa perspectiva, procuramos entender a política do programa em estudo, logo, é pertinente indagarmos: como os atores/professores da escola pública ressignificam o PROINFO? É o que trataremos ao logo deste artigo.
O percurso metodológico do estudo
Para o desenvolvimento do estudo, o primeiro aspecto definido na metodologia correspondeu à abordagem da pesquisa. Nessa investigação, nos reportamos à abordagem qualitativa. De acordo com Minayo (2011, p. 21-22), a pesquisa qualitativa “trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes”. Nesta pesquisa, a intenção foi de trazer à cena um conjunto de interpretações tecidas mediante a política do PROINFO no contexto da prática.
Para direcionar a construção desse estudo sobre a política educacional PROINFO, consideramos aquilo que Mainardes (2009), fundamentado em Ozga (2000, p. 20), fala a respeito da análise que pretendíamos realizar:
[...] deve ser entendida como sendo parte do debate sobre políticas ‘oficiais’ e não como algo que lhe é exterior, algo meramente ‘técnico’, pois a ‘maneira como um pesquisador encara a política educacional influencia o tipo de investigação que se propõe a realizar’ (MAINARDES, 2009, p. 5).
Sendo assim, logo procuramos distanciar o nosso estudo da posição reducionista que, normalmente, coloca as políticas como textos meramente descritivos a serem implementados. Nessa direção, Ball (2016) orienta estudos sobre políticas atentando-se a aspectos contextuais (escolas, salas de aulas), bem como a posição do ator político em tais contextos como “[...] o sujeito no centro do significado como um ator interpretativo [...]” (BALL, 2016, p. 6). Considerando as sugestões do autor, definimos a perspectiva teórica pós-estruturalista como guia do estudo.
Para a construção dos dados nos apropriamos de uma técnica de produção de dados principal: a entrevista semiestruturada. Além disso, realizamos a leitura de documentos legais que fundamentam o PROINFO, como procedimento relevante para ajudar na interpretação da referida política. No que toca às entrevistas semiestruturadas, entendemos que permitem apreender questões da atuação da proposta do PROINFO para apreender a sua ressignificação no contexto da prática. Em nosso estudo, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com docentes que atuam tal política.
Devido ao fato de que esta pesquisa foi desenvolvida no contexto da pandemia causada pela Covid-195, a qual teve como medida preventiva a suspensão de atividades presenciais em diversos espaços sociais, incluindo as atividades escolares, a metodologia de pesquisa se adequou à referida realidade, com o intuito de garantir a segurança dos sujeitos pesquisados. Desse modo, as entrevistas foram realizadas por meio de videochamadas no aplicativo Zoom, um serviço de comunicação através de chamadas de vídeo que permite aos usuários participarem de reuniões on-line. Visando captar com maior clareza as falas dos participantes, as entrevistas foram gravadas em som e imagem, sendo transcritas posteriormente.
Participaram das entrevistas quatro professores6 vinculados a duas instituições públicas de ensino do Município de Apodi, Rio Grande do Norte, Brasil. Dois atuam na Escola Net7 e os outros dois na Escola Web8. A seleção dos entrevistados para compor o estudo foi realizada partindo dos seguintes critérios: 1) desenvolver continuamente em suas aulas atividades pedagógicas, projetos e planos de ação utilizando o laboratório de informática da escola; 2) ter participado de algum curso de formação, vinculado ao PROINFO, para uso das TIC no processo de ensino-aprendizagem; 3) estar disposto a colaborar com a pesquisa.
As entrevistas, realizadas entre agosto e outubro de 2020, foram mediadas pelo eixo discursivo “a atuação da política do PROINFO no desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem”. A partir disso, provocamos os professores a relatarem suas práticas de ensino utilizando o laboratório de informática e demais recursos oferecidos pelo programa e ainda compreender como esse programa tem contribuído para o processo de ensino-aprendizagem.
Apresentamos brevemente os atores/professores da pesquisa. O professor F19 possui graduação em Engenharia Civil e especialização em Engenharia de Instalações Prediais. Possui experiência como docente no Ensino Superior e há um ano e meio leciona disciplinas no curso Técnico em Edificações10 na Escola Net. O professor F2 possui graduação em Engenharia Civil e especialização em Estrutura de Concreto Armado. Há um ano e meio ministra aulas de disciplinas do curso Técnico em Edificações na Escola Net. Já o professor F3 possui formação no curso de Tecnólogo em Desenvolvimento de Sistemas para Web. Há dois anos leciona disciplinas no Curso Técnico de Informática11 na Escola Web. Por fim, o professor F4 possui licenciatura em Letras - Língua Portuguesa e especialização em Educação e Contemporaneidade. Ministra aulas da disciplina de língua portuguesa no Ensino Médio há 5 anos.
Sabemos que os professores não são atores ingênuos. Eles interpretam e atuam a política (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016). A próxima seção sobrelevará as atuações docentes na política do PROINFO, considerando os processos de ensino-aprendizagem. Desse modo, abordaremos a política do PROINFO encenada e recontextualizada pelos professores a partir de seus interesses, experiências e convicções, bem como das dinâmicas das duas escolas pesquisadas. No bojo da análise, buscaremos contemplar a discussão sobre os processos de ensino-aprendizagem, para assim entendermos como os professores significam tais processos atuando o PROINFO no contexto da prática.
O professor ressignifica e atua: práticas docentes no PROINFO
Temos afirmado ao longo dessa discussão que “a política não é ‘feita’ em um ponto no tempo; em nossas escolas é sempre um processo de ‘tornar-se’, mudando de fora para dentro e de dentro para fora” (BALL; MAGUIRE; BRAUN, 2016, p. 15). Essa construção da política é marcada por demandas contextuais, isso envolve o compromisso e posições das instituições escolares frente ao ensino-aprendizagem, ao currículo, as avaliações internas e externas e a política em si. O processo de tornar o PROINFO política é deflagrado por interpretações e encenações de professores que criam e modificam a política de maneira espontânea e original. Com base nessa concepção, sentimos a necessidade de incitar os professores entrevistados a descreverem como tem ocorrido a atuação deste programa, focalizando no desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem nas escolas.
A Escola Net aderiu à proposta do PROINFO em 2008 e somente dois anos mais tarde, em 2010, o laboratório de informática é implantado na instituição. Naquele momento, 12 computadores foram recebidos e instalados para serem utilizados nas atividades educativas. Já a Escola Web aderiu à política do PROINFO em 2007 e um ano depois a estrutura física é montada para receber 16 computadores.
De antemão, procuramos conhecer os recursos tecnológicos que os professores têm se apropriado em suas atividades pedagógicas. Todos citaram o uso do celular, o computador, o notebook e o datashow. Além disso, o professor F1 destaca a necessidade de programas nos computadores para ministrar aulas das disciplinas do curso técnico em edificações:
Eu utilizo o computador e o datashow. No computador, preciso de alguns programas instalados como o Autocad. A gente não consegue baixar um programa mais atualizado, porque a máquina não suporta. Com isso, instalamos em uma versão bem antiga, tipo 2007, 2005 (Professor F1, Apodi – RN, 2020).
O discurso denota demandas contextuais que acabam surgindo e influenciando na atuação da política no contexto da prática. Nesse caso, o software AutoCAD12 pode ser interpretado como uma nova demanda do PROINFO em meio à modalidade do Novo Ensino Médio. Contudo, Ball e seus colaboradores (2016, p. 198) nos alertaram que “as políticas serão abertas a mudanças situadas; elas podem integrar-se em formas mais antigas de trabalho - a história de discursos anteriores - e tornar-se invisíveis ou afirmadas dentro de novas tecnologias e novas formas de fazer escola”. Partindo dessa afirmação, compreendemos que a recontextualização da política ocorre de acordo com o contexto e com as interpretações ativas dos sujeitos. Consideramos que o Novo Ensino Médio, criado em 2017, se constitui como parte de um pacote de novas modalidades de ensino no país e, com isso, o PROINFO não está isento às demandas que o acompanham.
Encorajamos os professores a discursarem sobre o planejamento de suas aulas, quando se propõem à utilização dos recursos tecnológicos do PROINFO:
O planejamento, sempre é projeto em grupo, exceto a disciplina de informática que é muito particular. No início da aula de informática eu faço um ‘teste’ de nivelamento, pois a informática básica é autodidática, muitos alunos já têm uma bagagem que aprenderam sozinhos e busco saber o que eles já conhecem. A partir disso, sei o nível de conhecimento e escolho alguns monitores para auxiliar aqueles que estão iniciando (Professor F1, Apodi - RN, 2020).
São atividades em grupos. Eu tento usar o laboratório para aulas práticas e a sala de aula para as teorias. Eu tento ensinar na sala de aula o caminho que ele tem que usar na máquina, peço sempre para ele anotar e no laboratório o aluno coloca em prática (Professor F2, Apodi – RN, 2020).
É interessante observar nas falas, o modo como cada professor propõe desenvolver seu planejamento de aula com aquilo que o PROINFO oferece. São atividades em grupo, trabalhos com projetos, avaliação dos níveis de aprendizagem, aulas teóricas e práticas com o uso das TIC. Pelo fato de os computadores da escola não atenderem todos os alunos, ambos os professores apostam na estratégia do trabalho em grupo. De acordo com Alberti et al. (2014, p. 351), essa dinâmica, se bem articulada, “promove a construção do saber em conjunto, estimula a capacidade criadora, mexe com a desenvoltura dos participantes, melhora sua produtividade, mostra a possibilidade de transformações”.
Informamos que a décima competência geral descrita na Base Nacional Comum Curricular – BNCC, almeja alcançar aquilo que as experiências em grupo poderão possibilitar: “agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” (BRASIL, 2017, p. 10). O planejamento do trabalho em grupo requer pensar estratégias que primem por espaços de diálogo, interação e pela construção do conhecimento com o outro.
Outro ponto relevante diz respeito ao fato do professor F1 se apropriar de projetos para abordar os conteúdos das disciplinas. Além disso, é feita uma avaliação inicial para compreender o nível de conhecimento dos alunos, especialmente na disciplina de informática, considerando que as práticas imersivas nas redes digitais é uma realidade de muitos. Assim, fica evidente que o professor atribui importância à compreensão dos conhecimentos prévios desses sujeitos, pois a avaliação daquilo que o aluno sabe para traçar aquilo que ele ainda precisa alcançar antecede suas ações em sala de aula.
No tocante a essa prática, Demo (2000) nos mostra a fundamentalidade da valorização dos conhecimentos adquiridos pelas experiências pessoais dos estudantes, pois o aluno traz consigo conhecimentos, deduções, teorias, respostas e perguntas do próprio cotidiano que, naturalmente, fazem parte da sua construção enquanto sujeito social. Quando o professor entende isso, passa a utilizar a bagagem formativa a favor da descoberta de outros/novos conhecimentos.
Dando ênfase ao que diz o professor F2, percebemos que é muito latente questões sobre a dissociabilidade entre teoria e prática. Essa dicotomização gera recorrentes debates que se iniciam desde a formação inicial do professor e perduram durante toda a sua trajetória profissional. Entendemos que a teoria pedagógica direciona a atuação docente, conduz e transforma a prática. Nesse sentido, a teoria é a força intencional que abre espaço para o saber docente consolidar-se no fazer, pois é assim que os conceitos apropriados em sua formação são materializados e direcionam reflexões capazes de ressignificar a prática docente (PACHECO; BARBOSA; FERNANDES, 2017).
Quando o professor F2 cita que faz uso da sala de aula como espaço de aulas teóricas e o laboratório de informática para aulas práticas, é reforçado o binômio teoria-prática. Souza (2001) nos mostra que qualquer produção intelectual que tenha por objetivo levar a uma ação concreta de produção é uma prática, seja ela pedagógica ou não. Mesmo o laboratório de informática sendo utilizado para qualquer aula, seja de criação, recriação, produção e reprodução, ela se configurará como aula teórico-prática ao mesmo tempo. Isso ocorre, pois, toda ação pensada e concretiza é antecedida e mediada por teorias já elaboradas que, naturalmente, são incorporadas na ação docente.
Nesse viés interpretativo, buscamos compreender como os professores percebem o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem no currículo escolar ao utilizar o laboratório de informática e os artefatos tecnológicos disponibilizados pelo PROINFO. Assim é explicitado:
Pelo estado em que esse espaço está, ele limita o trabalho do professor e a aprendizagem do aluno. Penso que para desenvolver o ensino-aprendizagem é primeiro pensar em estratégias facilitadoras, dar uma boa aula orientando os alunos como usar as ferramentas das máquinas. Se o programa fosse melhor assistido seria possível fazer assim. Os nossos alunos poderiam sair com mais aprendizados e instigados a procurarem mais o conhecimento (Professor F3, Apodi – RN, 2020).
É destacado pelo professor seu entendimento sobre as contribuições do PROINFO para práticas pedagógicas, sobretudo, se os artefatos digitais estivessem em melhores condições de uso pelas escolas. Além disso, as percepções sobre o processo de ensino-aprendizagem são acentuadas quando, na fala, o professor é colocado na posição de orientador/mediador, os alunos instigados a aprendizagem contínua e tudo isso antecedido por estratégias bem articuladas que visem facilitar o processo de ensino-aprendizagem.
Durante muito tempo a educação e mais especificamente o ensino, foi propagado como ato de transmitir, informar, habilitar, dar consciência sobre o conhecimento. Paulo Freire (1974) ultrapassa esse entendimento, ao nos apresentar que tais expressões limitadoras se aproximam daquilo que ele denuncia como “educação bancária” a qual trata-se de uma “atitude autoritária e opressiva sobre alunos que se encontrariam passivos e apenas receptivos dos conteúdos e informações que o professor neles depositaria” (LINS, 2011, p. 02). Paralelo a fala anterior, percebemos um afastamento desse modelo de educação, pois a inquietação do professor F3 com o PROINFO volta-se às lacunas existentes na política que acabam repercutindo no andamento de um processo de ensino-aprendizagem que vise alcançar maior autonomia, autoria, protagonismo, curiosidade e entusiasmo nos estudantes.
Sabendo que o PROINFO busca inserir as TIC no processo educativo, procuramos entender em que medida a política do programa fortalece pedagogicamente a atuação dos professores. Atentemos ao que diz o professor F4:
Na questão do entendimento do que os alunos estão fazendo, de seus interesses. A gente cresceu com a internet, mas os nossos alunos já nasceram nesse mundo. Eles enxergam muito esse meio como entretenimento. Por exemplo, o celular e a pesquisa eles consideram como forma de entretenimento. Então, o laboratório, a própria pesquisa no celular acaba nos ajudando a desenvolver o sentimento crítico, de receberem a informação e não apenas aceitarem, de questionarem aquilo (Professor F4, Apodi – RN, 2020).
A cultura digital é fortemente traduzida na fala do professor F4. As suas percepções sobre alunos, professores e o processo de ensino-aprendizagem, nesse contexto, dialogam com a interpretação de Maximino (2018) quando retrata o professor como “imigrante digital” que convive com o desafio de refletir e incorporar novas formas de ensinar para contribuir com diferentes maneiras de aprendizagem e que visem a construção de oportunidades significativas de conhecimentos e valores na era do digital em rede. Observamos que o professor considera o processo de ensino-aprendizagem com o uso das TIC como uma possibilidade de despertar entusiasmo, criatividade, criticidade e responsabilidades nos estudantes.
Nesse sentido, o próximo discurso demonstra de que modo as demandas do currículo dos cursos técnicos, bem como o contexto em que os estudantes estão inseridos recaem sobre a política do PROINFO:
Então, é um ponto de início, mas não atende. Como a gente ia falar de informática e AutoCAD? Como eles teriam acesso ao nível básico de programa sem esse programa? Precisa melhorar, mas triste se não tivéssemos. Temos alunos da zona rural e muitos não possuem computadores em casa. Tem aluno que nunca pegou em uma máquina. (Professor F1, Apodi – RN, 2020).
Ainda que o professor perceba a necessidade da proposta do PROINFO ser revista e melhorada, ele considera que os recursos digitais ofertados pelo programa se constituem como um apoio a sua prática, um dos motivos para isso diz respeito à possibilidade de mediar o contato dos alunos com as TIC.
O professor cita a problemática da exclusão digital dos estudantes que residem na zona rural. Tal discussão é recorrente e já foi inserida em pautas de algumas políticas educacionais, inclusive na agenda do PROINFO quando propôs inserir as tecnologias digitais em escolas desta localidade.
Face a realidade da pandemia causada pela Covid-19, em que as atividades escolares foram paralisadas e, com isso, gestores, professores, alunos e suas famílias tiveram que, repentinamente, aderir ao ensino remoto, buscamos compreender quais os suportes técnicos e pedagógicos o PROINFO ofereceu às escolas públicas para continuidade das atividades escolares no ambiente on-line:
Não teve, mas poderia ter sido ofertada uma formação para os professores sobre a utilização das tecnologias digitais. Muitos professores não sabem gravar vídeo no computador. Então, como eu já sabia mexer nas tecnologias, eu ensinei a eles qual o programa para gravar, como anexar o arquivo, como enviar para o youtube. A gente sente falta desse suporte técnico (Professor F2, Apodi – RN, 2020).
Discutindo sobre as circunstâncias impostas pela pandemia, em uma aula magna de abertura da Formação Continuada Territorial a Distância transmitida ao vivo, proferida aos professores da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, Nóvoa (2020) ressalta que o processo de ensino-aprendizagem não pode estacionar. É preciso reinventar a profissão docente, os métodos de trabalho e o contato com os nossos alunos mesmo que, muitas vezes, nos sintamos incapazes de fazer algo diferente. Como explicado na fala do professor F1, Nóvoa (2020) reconhece a importância de investir em formação continuada, “se existe um momento em que a formação continuada dos educadores se fez essencial, este momento é agora. Precisamos discutir e compartilhar uns com os outros e reconstruir nossas aprendizagens”. Portanto, para o autor, é preciso garantir a continuidade das aprendizagens de professores e estudantes que se veem obrigados a transição das práticas pedagógicas presenciais para o digital.
Conforme dito anteriormente, a necessidade de formação docente é ainda mais latente para os professores que possuem poucas vivências e experiências nas redes digitais, estamos falando dos imigrantes digitais retratados por Prensky (2001) como aqueles que não nasceram com a tecnologia imposta, mas os que precisam realizar a transição e se adaptarem ao uso das mesmas. O que não é definido por idade, mas sim a diferença cultural, atrelada à tradição (SANTOS; DOMINGUES, 2015). Diante dessa realidade, o que foi possível ser feito no contexto do ensino remoto foi o compartilhamento de saberes/fazeres entre os professores, como Nóvoa (2020) destaca. Num cenário totalmente desconhecido por todos, precisamos reconhecer que não há solução ideal ou pronta.
Esta seção oportunizou realizarmos leituras do PROINFO sob a ótica docente, os quais não hesitaram e nos revelaram de que modo o programa tem sido interpretado, recontextualizado e atuado nas escolas Web e Net. Assim, finalizamos demarcando que a efetivação do PROINFO no contexto da prática tem sido permeada de acordo com as dinâmicas das escolas, com as convicções e saberes de cada docente e, ainda, pelas circunstâncias impostas pelo PROINFO.
Destacamos também que a imersão das TIC nas escolas com a intenção de promover um processo de ensino-aprendizagem significativo, contextualizado e em diálogo com as demandas da cultura digital, tem sido entendida pelos professores pesquisados como enfrentamento constante de problemas com o acesso a computadores, à rede de internet e a oportunidades de formação para ensinar com as redes digitais. Todavia, vale reforçar que os professores atuam o PROINFO, ainda que muitos experimentem na prática a ausência de suportes de outras instâncias para desenvolverem ações nessa política. Os discursos produzidos revelam práticas bem intencionadas por parte dos docentes, com o objetivo, sobretudo, de contribuir com o processo educativo dos estudantes.
Considerações finais
Neste artigo, nos filiando à concepção de Ball e seus seguidores, buscamos não reduzir a política do PROINFO ao seu texto, ou seja, a materialidade, o objeto concreto disponibilizado pelo MEC. Consideramos o seu discurso - efeitos produzidos e sentidos por quem a coloca em ação. É daí que derivou a nossa preocupação em ouvir as vozes dos protagonistas do PROINFO, os professores, que interpretam, traduzem e ressignificam políticas conforme seus interesses, suas convicções e experiências. Frente a isso, o objetivo desse estudo voltou-se a compreender a atuação e a ressignificação do PROINFO no contexto da prática docente.
Conforme explicitado pelos professores, a atuação no PROINFO é marcada por momentos de tensão sentidos como efeitos produzidos pela desassistência e descontinuidade das ações do programa no contexto das duas escolas pesquisadas. Vale ressaltar alguns entraves que têm comprometido a atuação dessa política no contexto da prática. O primeiro a ser considerado refere-se ao número insuficiente de computadores em funcionamento nos laboratórios de informática para atender os alunos, além da desatualização dos artefatos que compõem esse espaço. Mesmo em meio a esse cenário, o PROINFO não foi extinto, descredibilizado ou desconsiderado enquanto política que oferece apoio em práticas pedagógicas. Conforme outras demandas surgem, o PROINFO foi sendo inserido e ressignificado para contribuir com o processo de ensino-aprendizagem, os cursos de formação técnica do Ensino Médio é um exemplo disso.
Diante da realidade investigada (as duas escolas), pudemos perceber que os objetivos do PROINFO foram ambiciosos e pelo andamento da proposta estão longe de serem alcançados. Ainda que existam lacunas, a contribuição do programa para os processos de ensino-aprendizagem nas escolas públicas volta-se à disponibilização das tecnologias digitais a serem empregadas em atividades de ensino. Interpretamos isso como uma possibilidade de diálogo entre a educação e as tecnologias. Contudo, o programa precisa ser revisto e melhorado para que sua continuidade seja possível.