1 Introdução
Diante do cenário contemporâneo marcado por constantes transformações, o contexto educacional é afetado diretamente, portanto é crescente a necessidade de renovar o processo de formação dos profissionais da educação, especialmente dos docentes, de modo a possibilitar a reflexão de suas práticas pedagógicas. Nessa essa ótica, a Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), com o apoio do Programa do Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (FUMDES), ofertou para o corpo docente da rede pública de ensino do estado de Santa Catarina o curso de formação continuada “Inovação em Educação” com o objetivo de problematizar e refletir criticamente sobre o tema da inovação educacional.
Para Tavares (2019, p. 15), o conceito de inovação educacional possui múltiplas compreensões, entre elas “detém uma ampla rede de significados que estão vinculados às diferentes concepções epistemológicas e ideológicas acerca do processo educativo”. Sendo assim, o autor defende a necessidade de compreender o termo inovação a partir dos contextos social, cultural, histórico, econômico e político que (trans)formam a educação. Mais que difundir e modernizar experiências, inovação educacional é compreender a “complexidade e integralidade no âmbito dos atores, processos, relações, dinâmicas, resistências, dilemas, conflitos e contradições” (TAVARES, 2019, p. 15) presentes nos processos educativos.
A inovação pode ser definida como a introdução de algo novo que acarrete modificações na maneira de realizar as atividades em determinados contextos. Saviani (1989, p. 23-24) afirma que “inovador é o que se opõe ao tradicional” e, ainda, para o autor, nem toda mudança que ocorre no contexto educacional expressa inovação, porque, para haver inovação, faz-se necessária a ocorrência de (re)formulação “na própria finalidade da educação”.
Essa concepção é reafirmada em Carbonell (2002, p. 25), para quem “as inovações se centram mais no processo que no produto; mais no caminho que no ponto de chegada”. Por isso compreendemos que a inovação educacional “tem sua própria dinâmica e autonomia e acontece à margem e/ou apesar das reformas” (CARBONELL, 2002, p. 22). Nesse sentido, consideramos que inovação educacional implica (re)pensar continuamente as práticas pedagógicas, as quais não se referem apenas ao uso de tecnologias em sala de aula, mas em (re)criar novos métodos visando a (trans)formar o ensino e a aprendizagem em um processo mais dinâmico, capaz de suscitar discussões pertinentes à emancipação dos estudantes inseridos na sociedade contemporânea, o que dá origem a discussões acerca de temas intra e extracurriculares, como, por exemplo, a questão da convivência escolar (BRASIL, 2018).
Dessa forma, compreendemos que a inovação educacional significa (trans)formar a escola por meio de novos métodos de ensinar e aprender, objetivando a formação integral do aluno de acordo com suas reais necessidades. Por essa razão, é necessária a valorização da unidade dialética teoria e prática, a qual poderá potencializar reflexões, diálogos, (re)interpretações e resolução de problemas que fazem parte da escola. Na percepção de Sarti (2008), necessário é preciso valorizar a maneira pela qual os docentes concebem seu quefazer pedagógico e como (re)inventam o cotidiano escolar, ou seja, a inovação educacional requer a valorização do saber docente, portanto o processo de inovação educacional deve emergir do cotidiano da escola, recusando os “pacotes que sabichões e sabichonas produzem em seus gabinetes numa demonstração inequívoca [...] de [...] descrença na possibilidade que têm as professoras de saber e de criar” (FREIRE, 1997, p. 12).
Em linha com essas observações, Saviani (1989), Carbonell (2002) e Tavares (2019) nos indicam que, apesar das mudanças e dos avanços no contexto educacional, os profissionais da educação ainda convivem com diversos desafios. A título de ilustração, destacamos um desafio permanente: “tomar decisões em torno da [...] resolução de conflitos [...]. Um dos grandes desafios é educar em e para o conflito de uma forma criativa, solidária e positiva, e não em esquema de vencedores e vencidos” (CARBONELL, 2002, p. 85).
Com base nesse desafio contemporâneo, neste artigo discutimos estratégias de enfrentamento do bullying escolar como uma possibilidade inovadora na área educacional, visto que estudos têm nos indicado um aumento significativo nos casos de bullying envolvendo escolares. Essas situações-problema vêm despertando preocupação nos profissionais da educação da saúde, dos pesquisadores e dos idealizadores das políticas públicas. Por essa razão, pesquisadores de todo mundo, inclusive do Brasil, têm reunido esforços para buscar estratégias de enfrentamento e prevenção dos conflitos escolares, principalmente do bullying, uma vez que esse fenômeno está presente no cotidiano escolar, ameaçando a integridade física, emocional e psíquica de incontáveis crianças e adolescentes (PEREIRA, 2007; OLWEUS, LIMBER, 2010; MALTA et al., 2014; SILVA, VINHA, 2017; TOGNETTA et al., 2020; TESSARO, 2022).
Nesses termos, no presente relato de experiência, buscando avançar nos estudos que envolvem a temática do bullying, destacamos estratégias que consideramos inovadoras no contexto educacional, as quais valorizam a ação-reflexão docente que atuam na educação básica. Diante disso, problematizamos: que estratégias pedagógicas podem auxiliar na diminuição do bullying escolar entre os alunos do ensino fundamental I?
2 Bullying escolar: algumas reflexões
O bullying entre crianças/adolescentes em idade escolar é um fenômeno antigo, entretanto pesquisas acerca dessa problemática são recentes. De acordo com Olweus (1994), pioneiro nessas investigações, foi a partir dos anos 1970 que o fenômeno bullying se tornou objeto de pesquisas mais sistemáticas. Inicialmente as pesquisas sobre essa questão estavam concentradas no norte do continente europeu, nos países escandinavos (Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia). Mais tarde, entre a década de 1980 e início dos anos 1990, o problema do bullying entre crianças em idade escolar atraiu a atenção de outros países, entre eles Japão, Reino Unido, Holanda, Austrália, Canadá e EUA. Atualmente, há um crescente interesse por parte de praticamente todos os países em relação aos problemas de intimidação/bullying (OLWEUS, 1994; OLWEUS; LIMBER, 2010).
A partir da década de 1990, seguindo os resultados das pesquisas, Olweus (2013) definiu o bullying como uma agressão interpessoal que ocorre, prioritariamente, entre pares ou entre iguais. Um sujeito é intimidado quando é exposto, repetidamente e ao longo do tempo, a ações negativas de um ou mais colegas. Essas ações podem ser realizadas por meio do contato físico, verbal, por mímicas ou gestos obscenos, ou, ainda, excluindo de forma intencional a vítima de um grupo. O termo bullying, portanto, associa-se a três critérios: intencionalidade, repetição e desequilíbrio de força e poder entre a vítima e seu agressor. É uma forma de violência cometida por um ou vários estudantes sobre seus pares sem aparente provocação por parte da pessoa que está sendo alvo.
Ao se trabalhar com questões relacionadas ao bullying, torna-se necessário garantir a precisão dos critérios que o definem, bem como identificar os diferentes papéis assumidos pelos envolvidos nos casos. De acordo com Solberg, Olweus e Endresen (2007), a maioria das pesquisas sobre bullying se dedicou a duas grandes categorias de estudantes, as vítimas e os agressores; no entanto, desde o final dos anos 1990, com o aumento acentuado de pesquisas, os estudantes que não ocupam o papel de vítimas e/ou agressores também passaram a chamar a atenção dos pesquisadores. E, desde então, as investigações vêm nos indicando que a maioria dos incidentes de bullying envolve direta ou indiretamente outras crianças e jovens, que não apenas a vítima e seus agressores (PEREIRA, 2007; OLWEUS; LIMBER, 2010).
Partindo dessas indicações, compreendemos a importância de a escola abordar preventivamente essa temática com os estudantes, caracterizando-se, assim, uma estratégia pedagógica inovadora. Pesquisadores brasileiros (TOGNETTA, VINHA, 2007; FRICK et al., 2019; TOGNETTA et al., 2020) têm divulgado estudos que nos demonstram algumas estratégias que estão sendo utilizadas para prevenir essa problemática, entre elas destacando-se as intervenções envolvendo discentes e docentes visando à promoção da convivência. Sob esse prisma, a escola é considerada um lócus de socialização, portanto conflitos são inevitáveis por se tratarem de situações inerentes ao ser humano. Dessa forma, os docentes e demais profissionais que integram a escola têm como desafio gerir a convivência entre os estudantes, promovendo espaço-tempo de discussões e reflexões que os levem a desenvolver suas habilidades sociais (MAIA, LOBO, 2013).
Na investigação produzida por Frick et al. (2019), as autoras localizaram diferentes estratégias antibullying que vêm sendo desenvolvidas no contexto brasileiro, entre as quais destacamos: ações de sensibilização e conscientização sobre os impactos do bullying; ações de diagnóstico da realidade escolar; ações de formação docente; ações preventivas que incidem no desenvolvimento da empatia e do cuidado com o próximo, ações que visam à elaboração e ao cumprimento de regras escolares e ações de construção dos valores sociomorais.
As ações que incidem nas relações interpessoais envolvendo os estudantes têm como foco o cuidado com o outro e, consequentemente, a melhora da convivência. Essa estratégia permite o uso de metodologias interativas, visando à promoção de relações colaborativas e cooperativas entre os estudantes (FRICK et al., 2019). Para Pigozi (2018), as ações pedagógicas de prevenção ao bullying, para serem efetivas, precisam garantir o envolvimento de todos os estudantes, estimulando o protagonismo, o cuidado e o respeito às diferenças. Por se tratar de um fenômeno complexo e multifatorial, o bullying exige dos profissionais da educação atenção constante, portanto ações pontuais não são efetivas.
A indicação de Tognetta et al. (2020) é a de que as ações de prevenção ao bullying sejam sistematizadas e contínuas, integradas ao currículo escolar. Dessa forma, para Tognetta e Vinha (2007, p. 59), “são essenciais tanto a prática quanto a reflexão de temas referenciados no princípio da dignidade do ser humano, como a justiça, o respeito, o diálogo, a igualdade, a solidariedade”. Não é por acaso que a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação (BRASIL, 1996) prevê que a temática bullying seja trabalhada no âmbito das escolas; nosso desafio é: como colocar em prática essas indicações?
Ao investigarem as principais causas de conflito envolvendo os estudantes do ensino fundamental I, Silva e Vinha (2017) identificaram que provocar o colega, reagir de forma agressiva a um comportamento provocador e disputa física são as principais causas de conflito entre esses sujeitos. Diante desses resultados, as autoras recomendam a implementação de estratégias pedagógicas que invistam na valorização da convivência ética entre os estudantes e o desenvolvimento de ações colaborativas que priorizem o diálogo, o respeito e a empatia.
Em consonância com essas observações, considerando os dados dos estudos apresentados que nos indicam a necessidade de trabalhar continuadamente o tema do bullying escolar com os estudantes, é que planejamos essa intervenção. Nosso foco foi inserir no contexto das aulas de Português a temática bullying.
3 Aspectos metodológicos
Trata-se de um estudo realizado no ambiente escolar em que atuam as pesquisadoras, logo contempla as características de um relato de experiência que se utilizou dos recursos da pesquisa participante. Consideramos que a pesquisa participante foi o método mais adequado a ser utilizado, pois possibilitou que as professoras – autoras desde estudo, enquanto pesquisadoras de suas práticas pedagógicas – tivessem a oportunidade de construir, junto com os estudantes, os conhecimentos. Significa, assim, um método que “educa enquanto constrói e, portanto, falo de um método como um processo [...] como uma história coletiva de criar e fazer” (BRANDÃO, 2006, p. 15).
3.1 Participantes
Os participantes deste relato de experiência estavam matriculados no ensino fundamental I de uma escola pública localizada em um município da região oeste do estado de Santa Catarina cuja turma possuía 12 estudantes, dos quais oito eram meninas e quatro, meninos. A classe foi escolhida por conveniência, ou seja, ambas as professoras, autoras deste artigo, já vinham desenvolvendo um trabalho de promoção da convivência com esses estudantes.
3.2 Procedimentos
O ponto de partida para a construção desta intervenção surgiu da unidade dialética teoria e prática; para Freire (1987), a práxis ação-reflexão. Compreendemos que a valorização do elemento práxis é uma metodologia de conteúdo inovador, pois permite a “colaboração e a cooperação, a investigação do meio e o trabalho de campo, a investigação-ação [...], o diálogo, a formulação e resolução de problemas relevantes” (CARBONELL, 2002, p. 72).
A partir dessas contribuições teórico-práticas, a intervenção foi planejada considerando-se o desafio de promover espaços-tempo de reflexão, escuta e diálogo com os estudantes sobre a problemática do bullying escolar. A coleta de dados ocorreu no segundo semestre de 2020, portanto foi executada em um período de aulas remotas, em consequência da pandemia provocada pela Covid-19. Sabe-se que o tema da convivência é conteúdo de responsabilidade das intuições de ensino (BRASIL, 2018), assim, resolver os conflitos sem agressão torna-se imprescindíveis no atual contexto social de escolas sem paredes. Segundo Tognetta e Lahr (2021, p. 73), a pandemia potencializou os problemas de violência que já existiam na sociedade e destacam “[...] que um problema tão complexo como o bullying, por exemplo, e aqueles que enfrentaremos na volta da pandemia relacionados aos sofrimentos emocionais não são questões simples de resolver.” Nesse sentido, os problemas de convivência, como é o caso do bullying, são complexos e exigem dos profissionais da educação seu reconhecimento e formas de manejo e prevenção. Por isso justifica-se a importância deste trabalho.
4 Resultados
A intervenção foi realizada em duas etapas. Na primeira, foram enviadas atividades assíncronas para os estudantes utilizando-se alguns recursos didáticos tecnológicos, entre eles podcast e o aplicativo WhatsApp. A primeira atividade enviada foi um texto sobre A lição dos Gansos (MEDEIROS, 2017). Trata-se de um texto que promove reflexões sobre a importância da empatia, solidariedade e cooperação. A partir dessa atividade, os estudantes foram orientados a elaborar um mapa mental1 referente ao conteúdo lido.
Passada uma semana, reunimo-nos com os estudantes de modo síncrono, por meio da plataforma do Google Meet, em que cada um teve a oportunidade de compartilhar o mapa mental construído em casa, apresentando suas compreensões acerca da leitura do texto. Na Figura 1 apresentamos um mapa mental desenvolvido pelos estudantes a partir dessa atividade.
Para os sujeitos que estão em processo de alfabetização, a leitura e a interpretação são atividades muito importantes, portanto os textos, quando partem da experiência de mundo dos estudantes, possibilitam a criação de sentidos e significados, do mesmo modo como, para Freire (1987, p. 31), o ato de ler “implica sempre uma percepção crítica, interpretação e re-escrita do lido”. Assim, com a elaboração do mapa mental, os participantes deste estudo, construíram conhecimentos e atribuíram significados ao termo empatia.
Além de promover o desenvolvimento de habilidades cognitivas, essa atividade teve por objetivo desenvolver atitudes afetivas e respeitosas. Esse tipo de atividade, para Silva e Vinha (2017, p. 1912), é primordial, especialmente com estudantes dessa idade (entre 8 e 9 anos), período no qual “as crianças começam a experimentar os sentimentos de simpatias e antipatias”, portanto a discussão de valores morais na escola é fundamental dada sua importância para a formação dos indivíduos, a começar pela discussão do conceito de empatia (FANTE, 2005).
Depois da apresentação dos mapas mentais produzidos pelos estudantes, na sequência desse encontro on-line síncrono, exibimos um vídeo que apresenta uma situação de bullying escolar (SAMSUNG, 2018), após o qual realizamos alguns questionamentos: O que aconteceu no filme? Quem são os personagens? Qual era o sonho do menino? O que ele enfrentou para realizar esse sonho? Como ele se sentia? Como os colegas agiam? O que você acha que faltou nessa situação? Assim, conduzimos as reflexões críticas para a construção de valores como o respeito e a empatia.
A partir do vídeo, estimulamos os estudantes a compartilharem experiências que possuem em suas famílias com instrumentos musicais. Nesse sentido, buscamos desconstruir estereótipos, direcionando a discussão para a construção dos valores morais. Salientamos que, ao utilizar instrumentos de mediação para o processo de ensino e aprendizagem, é necessário um olhar crítico-reflexivo do docente.
A partir desse aquecimento, por meio da visualização e da reflexão a respeito do vídeo, apresentamos a seguinte situação-problema:
Todos os dias, nos últimos meses, quando Hudson entra no ônibus escolar, os outros estudantes mais velhos o empurram no assento. Hoje, ele entrou atrasado na escola e um dos garotos o fez tropeçar, cair no corredor e bater seu rosto no chão. Os garotos começaram a rir dele e ele ficou muito triste. O que você faria nesta situação para ajudá-lo?
Fonte: Cartilha Proerd (2013).
A partir das discussões e problematizações realizadas, os estudantes foram convidados a criarem uma estratégia para ajudar Hudson a enfrentar as situações de bullying que estava vivenciando. Depois de refletirem sobre como ajudar Hudson, os participantes dessa investigação construíram, em conjunto com as professoras, um texto expondo estratégias que poderiam ser utilizadas diante dessa situação-problema. Na Figura 2, apresentamos o texto produzido coletivamente.
Por meio da integralização da temática do bullying no conteúdo disciplinar programado foi possível desenvolver um texto de construção coletiva – de autoria dos estudantes sob o acompanhamento e correção das professoras. Essa estratégia pedagógica propiciou a sintetização e a organização de conceitos, possibilitando o desenvolvimento de habilidades cognitivas, afetivas e sociais entre os estudantes e as professoras. Em razão da complexidade da temática bullying, preferimos a adoção de ações que privilegiassem o diálogo; a intenção foi demonstrar a importância do trabalho coletivo. A indicação dos autores (FRICK et al., 2019) é que essas práticas promovem a participação democrática dos estudantes nas aulas, visando à promoção e ao desenvolvimento do sentimento de pertencimento e corresponsabilidade em relação à escola e ao outro.
Para Fante (2005), criar estratégias de prevenção do bullying de forma coletiva faz-se necessário, uma vez que incentiva crianças e adolescentes a buscarem a ajuda dos adultos sempre que se sentirem intimidados, rompendo com a cultura do silêncio em torno das práticas violentas. E, ainda, proporciona o desenvolvimento de valores como a solidariedade e o respeito. Outro fator positivo que esse tipo de estratégia cria é a resolução de conflitos de modo pacífico e assertivo, enfatizando o uso da escuta atenta e do diálogo democrático.
A segunda etapa ocorreu após uma semana, quando nos reunimos novamente com os estudantes na plataforma do Google Meet. Na abertura da aula, com o auxílio do violão, cantamos a música Valeu, Amigo (CIFRA CLUB, 2020), abordando a importância da amizade, com o objetivo de tornar o espaço on-line mais acolhedor. Continuamos a aula com reflexões sobre bullying, e dessa vez utilizamos duas maçãs como forma de sensibilizar as crianças sobre os impactos causados pelo bullying.
A atividade da seguinte forma: apresentamos duas maçãs, aparentemente iguais, entretanto, antes da aula, com o uso de uma seringa, injetamos iodo em uma delas para que se tornasse manchada internamente. Após os estudantes visualizarem a semelhança entre as maçãs, escolhemos uma delas (aquela em que injetamos o iodo) para receber algumas críticas e xingamentos, enquanto para a outra foram tecidos elogios. Após isso, convidamos os estudantes a analisarem as maçãs: elas continuavam iguais? Todos afirmaram que sim. Mesmo com questionamentos e problematizações a respeito do que falamos para cada uma das maçãs, os estudantes continuavam acreditando que ambas permaneciam iguais, mas, quando cortadas, aquela que foi xingada estava com partes escuras, ou seja, a maçã estava machucada (MEDINA, 2016). Na Figura 3 apresentamos o resultado dessa atividade.
A partir dessa atividade, os estudantes puderam compreender as consequências que o bullying pode provocar internamente, ou seja, psiquicamente, sem que isso fique aparente, isto é, essa dor pode não ser expressa. Nessa mesma linha, é preciso enfatizar que, diferente do fruto, os seres humanos possuem potencial para recomeçar, seguir em frente, buscar formas de combate às dificuldades vividas. Por isso destacamos a necessidade da denúncia, ou seja, os estudantes precisam ser instruídos e encorajados a contar para um adulto as situações de violência que presenciaram ou sofreram, entre outras estratégias: amparo psicológico, empatia por parte dos colegas que não concordam com esse tipo de situação.
Conforme Maia e Lobo (2013), elaborar um repertório de habilidades sociais contribui para o desenvolvimento saudável, aumentando a capacidade de as crianças e os adolescentes lidarem com situações estressoras. Apesar, contudo, da complexidade e das consequências negativas, o bullying tem sido socialmente negligenciado. Segundo Tognetta et al. (2020), muitos adultos consideram os comportamentos agressivos entre crianças e adolescentes, especialmente os estudantes do ensino fundamental, normais e típicos da idade.
Diante desse cenário, Silva e Bazon (2017, p. 617) alertam sobre a importância do preparo docente para agir preventivamente diante das situações de bullying, afinal, os “professores estão mais próximos dos estudantes e, assim, se encontram em posição privilegiada para observarem as interações, identificarem as diferentes formas de socialização entre as crianças e os adolescentes e intervirem em situações de violência.”
Dessa forma, é importante que a escola e seus profissionais estejam preparados para agir diante dessas situações, de modo que ofereçam possibilidades para que os estudantes criem senso de comunidade e responsabilidade uns para com os outros. Além disso, os estudos nos indicam que as intervenções que visam à alteração de comportamento dos alunos e alunas, para que sejam efetivas, devem vir acompanhadas de uma mudança nas relações e na cultura de toda a escola. Nas palavras de Vinha, Nunes e Moro (2019, p. 123), “construção de uma escola onde a convivência possa ser qualificada como democrática [...] implica em ações coordenadas: institucionais, curriculares e pessoais.” Ou seja, promover a convivência ética é um trabalho que exige projetos sistematizados e contínuos.
A partir das reflexões realizadas com o auxílio da atividade das maçãs, elaboramos, por meio do aplicativo Poll Everywhere, um cartaz com palavras que cada aluno considerava importante para solucionar a problemática do bullying escolar. Na Figura 4 apresentamos o resultado dessa atividade. As palavras em destaque são as que mais se repetiram durante a elaboração do cartaz.
Nessa atividade utilizamos os pressupostos do método freiriano (BRANDÃO, 2006) que se utiliza das palavras geradoras. Após a construção da nuvem de palavras discutimos com os estudantes o significado de cada uma delas e como podemos traçar estratégias de enfrentamento e prevenção do bullying utilizando esses conceitos. Desse modo, essa atividade propiciou o desenvolvimento do pensamento crítico que, na perspectiva de Campos e Paro (2019), tece estratégias pedagógicas inspiradas no método freiriano, as quais, além de se caracterizarem inovadoras, promovem a participação de todos os sujeitos que compõem os processos educativos, bem como a emancipação e a humanização. Por meio das reflexões a partir da realidade concreta, das situações de bullying discutidas, as quais fazem parte do cotidiano escolar, objetivamos “provocar nos sujeitos uma atitude crítica e reflexiva da realidade, que os comprometa com a ação, com a transformação da realidade injusta e desumanizante” (CAMPOS; PARO, 2019, p. 265).
Além do caráter inovador da intervenção pedagógica envolvendo a temática do bullying durante as aulas de Português, salientamos que as tecnologias digitais, quando utilizadas com determinada finalidade, aliadas à realidade dos estudantes, tornam-se ferramentas que propiciam o processo de ensino-aprendizagem. Para Carbonell (2002), a criação de espaços cooperativos e colaborativos durante as aulas é uma metodologia inovadora, primeiro porque rechaça as fórmulas tradicionais de ensino, ou seja, a aula magistral em que o docente fala e o aluno escuta; segundo porque seu objetivo está em saber qual a finalidade do uso dessas estratégias, ou seja, o foco está no processo do ensino-aprendizagem, o qual está comprometido com a transformação social.
É válido, entretanto, ressaltar que a adoção dessa prática pedagógica deve ser contínua, bem como a promoção de ações de enfrentamento e prevenção do bullying. Para Frick (2016, p. 214), é de suma importância a institucionalização de diferentes estratégias e possibilidades “de sistematização e continuidade das ações, [...] momentos de investigação da realidade, planejamento e avaliação das ações de modo contínuo. Fatores importantes para que não se tornem ações febris e pontuais”. Consideramos, por isso, que as estratégias desenvolvidas nessa intervenção são consideradas inovadoras e podem contribuir para a prática pedagógica de outros docentes, pois partem da realidade concreta dos sujeitos, estimulam a autonomia e a cooperação dos estudantes e, ainda, incorporam ao conteúdo curricular programado um tema emergente, porém pouco discutido no ambiente escolar, uma vez que “os profissionais de educação se sentem inseguros frente aos conflitos interpessoais, tendendo a evitá-los e não a vislumbrá-los enquanto possibilidade de aprendizado e desenvolvimento” (RAAB, DIAS, 2015, p. 357).
Diante desses dados, consideramos que inovar no ambiente educacional constitui-se um desafio concreto e permanente, contudo, quando os docentes ocupam o seu lugar na (re)invenção cotidiana de suas práticas pedagógicas, quando valorizam o saber discente, quando estão atentos aos temas transversais do currículo escolar, é possível a promoção de práticas pedagógicas inovadoras.
5 Considerações finais
A partir das reflexões tecidas neste artigo, compreendemos que as práticas pedagógicas inovadoras são as que propõem a ruptura do paradigma tradicional de conceber a educação. Sendo assim, são pautadas na pedagogia progressista, propondo a construção do conhecimento e a formação integral do aluno.
A utilização das situações-problema que fazem parte do contexto educacional e da convivência entre os estudantes proporcionou, neste estudo, a participação e a aprendizagem ativas, relacionando a teoria e a prática dos conteúdos programáticos do currículo escolar, desenvolvendo habilidades e competências socioemocionais na resolução de problemas.
Dessa forma, diante da nossa questão-problema: que estratégias pedagógicas podem auxiliar na diminuição do bullying escolar entre os alunos do ensino fundamental I? Compreendemos que a adoção de estratégias pedagógicas que partem da realidade e do cotidiano escolar são as mais indicadas para serem utilizadas pelos docentes, ou seja, esse tipo de ação possibilita a reflexão de temas que fazem parte da convivência dos estudantes. Diante do exposto, essa intervenção foi relevante para a vida dos educandos e nos possibilitou analisar os conhecimentos que estudantes já possuíam sobre o bullying e, a partir disso, mediar e intervir sobre as melhores soluções para o enfrentamento e a diminuição dessa problemática.
Por fim, consideramos que o presente trabalho contribui para a ampliação do conhecimento na área educacional, especialmente no que se refere à construção de novas abordagens de ensino e aprendizagem. Reconhecemos, contudo, o caráter embrionário deste estudo, uma vez que a temática bullying foi incorporada aos poucos ao conteúdo das aulas de Português. Dessa forma, sugerimos que esse tema seja explorado de forma contínua, envolvendo toda a comunidade escolar.