Os estudos sobre saúde mental em docentes de Ensino Superior, quando comparados aos docentes do Ensino Básico, apresentam-se,atualmente, com menor frequência. Servilha e Arbach (2011) sugerem que tal questão possa estar relacionada ao fato de esses profissionais serem considerados com melhores condições de trabalho em relação aos demais níveis docentes.
Nos estudos que focalizam o trabalho do professor, foram encontrados diferentes temas, tais como assédio moral (Baibich, 2013); readaptação ao trabalho (Arbex, Souza & Mendonça, 2013),satisfação no trabalho (Zareshahabadi, Torkan & Hidari, 2013); ambiente e saúde mental (Tang, Leka & MacLennan, 2013); Síndrome de Burnout (Costa, Gil-Monte, Possobon & Ambrosano, 2013); perfil epidemiológico do adoecimento docente (Sousa, 2013); sofrimento psíquico (Rozendo & Dias, 2014);produtivismo e precariedade (Bernardo, 2014);engajamento e estresse no trabalho (Araújo & Esteves, 2016; Mérida-López, Extremera & Rey, 2017);organização do trabalho (Souza, Mendonça, Rodrigues, Felix et. al., 2017);autoeficácia e treinamento (Chesnut,2017). Verifica-se, pois, que muitos dos estudos focalizam a saúde do professor.
A literatura científica, ao investigar a saúde mental de docentes de Ensino Superior, prioriza a temática do estresse (Costa, Gil-Monte, Possobon & Ambrosano, 2013; Mérida-López, Extremera & Rey, 2017), apontando a prevalência desse risco de adoecimento. As condições de trabalho podem impactar na saúde mental, e as mudanças na profissão docente potencializaram dificuldades, que devem ser investigadas (Droogenbroeck & Spruyt, 2015).
Ressalte-se que o comprometimento da saúde mental do professor é um problema que afeta a área educacional, pois independentemente do nível de ensino e instituição (pública ou privada) vai impactar diretamente na falta de motivação para o trabalho, nas relações estabelecidas no trabalho (entre professores, professor-aluno e professor-gestor da instituição) e na qualidade do ensino prestado.
A partir de 2007, políticas educacionais para as universidades públicas federais implantadas por meio do programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI). O programa REUNI teve por objetivo estruturar as Universidades, oferecendo condições de ampliação, permanência e possibilidades de acesso à Educação Superior (Brasil, 2007). Não obstante, este Programa Federal de expansão universitária também originou outras demandas, como infraestrutura, qualidade de ensino, e demais necessidades de uma comunidade acadêmica, tendo recebido diferentes críticas, tais como: constituir-se em reestruturação organizacional baseada no gerenciamento do setor privado e não público; estar condicionado à capacidade orçamentária e operacional do Ministério da Educação (MEC), sendo levado a incertezas até mesmo de novas nomeações de servidores (Ribeiro, 2011), entre outras.
Após a instituição do REUNI, surgiram estudos que investigavam o impacto dessas políticas no trabalho docente (Guimarães, 2014; Medeiros, 2012; Ribeiro, 2013).Todavia em estudo de revisão da produção científica (Ávila, Ribeiro & Leda, 2011), ressalta-se que ainda há escassez de pesquisas relacionadas ao trabalho docente no Ensino Superior.
A relação entre o trabalho docente e seus indicadores críticos pode ser analisada tendo por base os pressupostos teóricos da Clínica do Trabalho que, baseada na Psicodinâmica do Trabalho (PDT), busca compreender a relação dinâmica entre a organização do trabalho e o processo de subjetivação das vivências de prazer e sofrimento, por meio da mediação de contradições da organização do trabalho, que podem resultar na saúde ou no adoecimento (Mendes, 2007a).
Mendes e Ferreira (2007) criaram o Inventário sobre Trabalho e Risco de Adoecimento (ITRA), composto por diferentes escalas que avaliam as dimensões da inter-relação trabalho e riscos de adoecimento. O ITRA é um instrumento auxiliar no diagnóstico de indicadores críticos no trabalho e foi utilizado em estudos com vários grupos ocupacionais, destacando-se alguns com professores (Leroy, 2009; Martins, 2009; Vitor & Santos, 2014) e, particularmente, docentes de Ensino Superior Público (Vilela, Garcia & Vieira, 2013; Mattos, Vidal, Endringer, Costa & Corradi, 2015). É, pois, um instrumento que pode auxiliar pesquisas que focalizam a relação trabalho-saúde.
Considerando-se que na última década foram implantadas políticas públicas de expansão do Ensino Superior e que ainda há necessidade de ampliar a quantidade de estudos sobre o adoecimento do docente, no presente estudo investigaram-se possíveis fatores do contexto de trabalho relacionados à saúde mental de professores de uma universidade pública federal. Assim questionou-se: Quais os indicadores críticos, no contexto laboral de docentes de Ensino Superior Público, que podem estar associados a riscos à saúde mental? Para tanto, considerou-se relevante avaliar como os docentes de uma universidade pública percebem o contexto do trabalho, as vivências de prazer-sofrimento e os danos à sua saúde.
MÉTODO
A presente pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (CAEE 47719315.0.0000.5344).
Participantes
O campus analisado localiza-se na região amazônica, com98 docentes, 34 dos quais se encontravam (na época da pesquisa)afastados por licenças diversas.
Os participantes da pesquisa foram 52 docentes (81,2% taxa de retorno), sendo 12 substitutos (23,1%) e 40 (76,9%) efetivos. Os docentes substitutos tinham contrato temporário de até dois anos e salário diferenciado; alguns docentes lecionavam disciplinas em diversos cursos. Utilizaram-se como critérios de inclusão: ser docente em exercício de suas atividades e possuir mais de seis meses de trabalho na Universidade.
Os docentes foram identificados pelo setor de recursos humanos, através de uma listagem fornecida à pesquisadora. Foram enviados convites por e-mail apresentando brevemente o projeto, seus objetivos, procedimentos e questões éticas da pesquisa aos docentes em exercício.
Foram informados de que, caso sentissem algum possível desconforto com a pesquisa, poderiam, se desejassem, ser encaminhados a um serviço de Psicologia para acompanhamento na rede de apoio da cidade.
Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Materiais
Como instrumentos utilizaram-se: um questionário sociodemográfico e laboral e três escalas do Inventário sobre Trabalho e Risco de Adoecimento - ITRA.
O questionário sociodemográfico e laboral continha questões fechadas sobre sexo, idade, região de origem, escolaridade, tempo de profissão, tempo de trabalho na Universidade, estado civil, configuração familiar e questões relacionadas aos afastamentos por motivo de saúde.
Do Inventário sobre Trabalho e Risco de Adoecimento (ITRA), no presente estudo foram utilizadas escalas referentes ao contexto de trabalho, vivências de prazer-sofrimento e danos à saúde.
A Escala de Avaliação do Contexto do Trabalho (EACT) é composta pela organização do trabalho, condições de trabalho e relações socioprofissionais. A Organização do Trabalho é constituída pelos elementos que expressam as concepções e as práticas de gestão de pessoas e do trabalho. Compõe-se de fatores relativos à divisão do trabalho, produtividade esperada, regras formais, tempo, ritmos, controles, características das tarefas. As Condições de Trabalho compõem-se do ambiente físico, instrumentos, equipamentos, matéria-prima, suporte organizacional, práticas de remuneração, desenvolvimento do pessoal e benefícios. Por fim, a dimensão Relações Socioprofissionais refere-se aos elementos interacionais presentes no trabalho: interações hierárquicas, coletivas e externas. A Escala de indicadores de prazer e sofrimento no trabalho (EIPST) avalia, nos últimos seis meses, a ocorrência das vivências de indicadores de prazer-sofrimento no trabalho. É composta de quatro fatores, sendo eles: fatores do prazer (Fator 1- realização profissional e Fator 2- liberdade de expressão). E fatores do sofrimento (Fator 3 - esgotamento profissional e Fator 4 - falta de reconhecimento). Para os fatores de sofrimento, considerando que os itens são negativos, a análise deve ser feita por fator e classificada em três níveis.
A última escala é a Escala de Avaliação dos Danos Relacionados ao Trabalho (EADRT), subdividida em três fatores: danos físicos, psicológicos e sociais. É uma escala que tem por objetivo avaliar, nos últimos três meses, a ocorrência dos indicadores de danos provocados pelo trabalho.
Procedimento
Foram entregues os instrumentos pessoalmente com suas devidas explanações. Após seu preenchimento, a devolução era realizada pelo próprio docente em caixas específicas localizadas no setor de saúde do campus, separando-se o TCLE de modo a resguardar o anonimato do participante.
Procedimento de análise de dados. Para efeitos de análise, a Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT)apresenta classificação de cada um de seus fatores, que envolve os níveis grave (escore fatorial acima de 3,7), moderado ou crítico (escores entre 2,3 e 3,69), positivo ou satisfatório (escore abaixo de 2,3).
A Escala de indicadores de prazer e sofrimento no trabalho (EIPST) para os fatores de sofrimento (esgotamento profissional e falta de reconhecimento), considerando que os itens são negativos, a análise deve ser feita por fator e classificada em três níveis: avaliação mais negativa, grave (escores acima de 4); avaliação moderada, crítica (escores entre 3,9 e 2,1); avaliação menos negativa, satisfatória (escores abaixo de 2,0). Para os indicadores de prazer (realização profissional e liberdade de expressão), essa classificação envolve os níveis de positivo, satisfatório (escore acima de 4,0), moderado ou crítico (escores entre 2,1 e 3,9) e avaliação para raramente, grave (escore abaixo de 2,0).
A Escala de Avaliação dos Danos Relacionados ao Trabalho (EADRT) para os indicadores de danos, essa classificação envolve os níveis de avaliação mais negativa, avaliação mais grave (entre 3,1 e 4,0), moderado ou crítico (escores entre 2,0 e 3,0) e avaliação mais positiva, suportável (escore abaixo de 1,9).
Utilizou-se de estatística descritiva para a análise dos dados. Na comparação das variáveis contínuas entre dois grupos foram utilizados os testes t-Student e, na comparação entre três ou mais grupos independentes, foi utilizada a Análise de Variância (One Way) - Post Hoc Tukey. A relação de linearidade do ITRA com idade e os tempos de trabalho ocorreram pelos coeficientes de correlação de Pearson, variáveis com distribuição simétrica, ou Spearmam, e variáveis com distribuição não normal. Todos os dados foram levantados e tabulados por meio do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS) versão 20.0 para Windows (IBM Corp. Released, 2011) e como critérios de decisão estatística adotou-se o nível de significância de 5%.
RESULTADOS
Dos 52 participantes, 51,9% (n=27) eram do sexo masculino e 48,1% do feminino (n=25). A região de nascimento que prevaleceu foi a Região Norte, com 51,9% (n=27) dos docentes, seguida das demais: Centro-Oeste, Sudeste e Sul, com 32,7% (n=17) e Nordeste, com 15,4% (n=8). Os níveis de escolaridade foram Mestrado, apresentado por 55,8% (n=29) dos docentes, Doutorado, por23,1% (n=12) e Graduação/Especialização por 21,2% (n=11). Quanto ao estado civil, 48,1% (n=25) declaram-se casados/união estável e 40,4% (n=21) declararam-se solteiros e apresentaram idade entre 23 a 58 anos (M= 37,2; DP = 8,3). Quanto ao tempo de trabalho como docente, esse variou entre sete meses no mínimo e 33 anos no máximo (M= 9,4; DP= 8,3); em relação ao tempo de trabalho na universidade-alvo, variou entre 6 meses a 23 anos (M= 3,9; DP= 3,7).
Dos docentes, 51,9% (n=27) têm filhos, e desses a maioria (61,5% ou n=16) reside com os filhos. No que se refere à presença de outros familiares residentes no município, 44,2% (n=23) confirmaram essa informação. Dos que residem distante da família, 55,7% (n=29), quando questionados sobre estratégias utilizadas para amenizar tal situação, 62% utilizam as ligações telefônicas, 58,6% a internet (redes sociais), 31% viajam sempre que possível, sendo 27,6% somente nas férias e apenas 17,2% procuram relacionar-se com amigos pelo município considerando a distância da família. No que tange às licenças médicas por motivos de saúde nos últimos 12 meses, 17,3% confirmaram esse tipo de afastamento, que variou de 7 a 70 dias.
A Escala de Avaliação do Contexto de Trabalho (EACT) apresentou médias mais expressivas (indicando maior insatisfação) relacionadas às condições de trabalho (M = 3,11; DP = 0,79) e às relações socioprofissionais (M=3,12; DP=0,82).
Na Escala de indicadores de prazer e sofrimento no trabalho (EIPST), os fatores relacionados ao prazer foram satisfatórios para a realização profissional (M=4,02; DP=1,30), e nos fatores relacionados ao sofrimento, pontuou como mais crítico o item relacionado ao esgotamento profissional (M=3,04; DP=1,69).
E na escala Escala de Avaliação dos Danos Relacionados ao Trabalho (EADRT), os danos físicos apresentaram-se com maiores médias em relação aos demais (M=2,46; DP=1,46). A comparação das médias dos fatores caracterizou-se pela classificação crítica. No Fator 1 (Organização do trabalho) da Escala EACT predominou o nível crítico (67,3%).Em relação aos itens do Fator 2 (Condições de trabalho), a maioria dos itens concentrou-se na classificação crítica (65,4%) e no Fator 3 (relações socioprofissionais) a predominância crítica foi de 53,8%. Exemplos de classificação crítica do fator (condições de trabalho) foram os itens: "As condições de trabalho são precárias" e "Os instrumentos de trabalho são insuficientes para realizar as tarefas", e nas relações socioprofissionais, os itens: "A autonomia é inexistente" e "Falta integração no ambiente de trabalho". Contudo, a classificação grave de destaque, neste Fator 3 da EACT, ocorreu no item referente à questão "existem disputas profissionais no local de trabalho".
Em relação à Escala de Indicadores de Prazer e Sofrimento no Trabalho (EIPST) na realização profissional (Fator 1), que é um fator relacionado ao prazer, a pontuação média foi satisfatória (61,5%), destacando-se os itens: "orgulho pelo que faço", "gratificação pessoal com as minhas atividades" e "identificação com minhas tarefas". O fator 2 do prazer, liberdade de expressão, apresentou classificação crítica (M=3,96; DP=1,40). Quanto aos itens deste fator, a classificação satisfatória ocorreu apenas em: "liberdade para falar sobre o meu trabalho com os colegas" e "liberdade para usar a minha criatividade". Por outro lado, os itens mais críticos nesse fator foram: "liberdade com a chefia para negociar o que precisa", "solidariedade entre os colegas" e"confiança entre os colegas". Em relação ao sofrimento na Escala EIPST, verificou-se que para o Fator 3 (esgotamento profissional) a classificação foi crítica (M=3,04; DP=1,69). No Fator 4 (falta de reconhecimento), a média geral dos itens obteve classificação crítica (M=2,56; DP=1,76). Observou-se que a classificação (crítica) destacou-se nos itens: "falta de reconhecimento do meu esforço", "desvalorização", "indignação", "injustiça".
Com relação à Escala de Avaliação dos Danos Relacionados ao Trabalho (EADRT), os resultados apresentados foram: Fator 1 (danos físicos) e 2 (danos psicológicos) incluindo-se nas classificações de nível crítico, e Fator 3 (danos sociais), classificado pelos docentes como suportável. Em relação às pontuações dos itens dos danos físicos a classificação grave ocorreu nos itens: "dores no corpo", "dor de cabeça", "dores nas costas" e "alterações no sono".Exemplos de danos psicológicos críticos foram nos itens: "mau-humor"; "tristeza"; "irritação com tudo" e "sensação de abandono". Em relação aos danos sociais, destacaram-se como níveis críticos os itens: "vontade de ficar sozinho" e "impaciência com as pessoas em geral".
Na comparação entre as escalas utilizadas e o gênero (Teste t-Student para grupos independentes), apesar de não terem sido encontrada diferenças significativas, destacaram-se algumas variações expressivas no fator EADRT - Danos físicos (Masculino: M=2,11 e DP=0,29; Feminino: M=2,8 e DP=0,27; p=0,073) e EACT - Condições de trabalho (Masculino: M=2,94 e DP=0,11; Feminino: M=3,29 e DP=0,19; p=0,106) em que as médias no sexo feminino mostraram-se mais elevadas.
Ao avaliar a relação entre escolaridade e escores ITRA (Teste de Análise de Variância (One Way) - Post hoc Tukey), foi detectada diferença significativa no fator EACT - Relações socioprofissionais (p=0,018), em que a média nos níveis de Doutorado (M=3,35; DP=0,21) e Mestrado (M=3,25; DP=0,15) mostraram-se significativamente mais elevadas do que o grupo com escolaridade em nível de graduação/especialização (M=2,51; DP=0,20). E, assim, significando uma avaliação mais negativa neste fator.
Em comparação aos escores ITRA, de cada fator, em relação à presença/ausências de filhos (Teste t-Student para grupos independentes), foi detectada diferença significativa no fator EACT - Organização do trabalho (p=0,041) indicando que o grupo com filhos (M=3,27; DP=0,14) apresentou média mais elevada que os profissionais sem filhos (M=2,86; DP=0,13).
Na análise de comparação entre docentes efetivos e docentes substitutos (Teste t-Student para grupos independentes), os resultados apontaram média significativamente maior com relação aos docentes efetivos (M=3,30) no que diz respeito às relações socioprofissionais. No fator Realização Profissional (p=0,05) da Escala EIPST, os docentes substitutos (M=4,79) apresentaram média maior que os docentes efetivos (M=3,79). E, na Escala EADRT, nos fatores danos psicológicos, nos efetivos (M=2,26), as médias foram mais elevadas que nos substitutos (M=1,23), assim como, nos danos sociais, em que os docentes efetivos obtiveram M=2,29 e os docentes substitutos M=0,98.
Em resumo, foram identificados os seguintes aspectos: a) no contexto de trabalho observou-se maior insatisfação com as condições de trabalho e as relações socioprofissionais; b) nas vivências de prazer-sofrimento, destacaram-se como prazer a realização profissional e como sofrimento o esgotamento profissional; c) nos danos à saúde, foram avaliados como críticos os danos físicos e psicológicos.
DISCUSSÃO
No presente estudo, investigaram-se possíveis fatores, do contexto de trabalho que podem estar associados a riscos à saúde mental de docentes do ensino superior, tendo como participantes docentes de uma universidade pública da região amazônica. Os resultados indicaram que os docentes identificaram um contexto de trabalho, de modo geral, crítico. Deve-se considerar que a pesquisa se realizou em um momento delicado, entre o final de uma greve geral das universidades federais, e o retorno para a conclusão de um período letivo. A greve de 2015 foi a mais longa da história das IFES com duração de 139 dias (ANDES-SN, 2015).
As condições de trabalho foram analisadas como precárias e insuficientes. A precariedade das condições de trabalho em docentes de universidade federal também foi identificada por Cupertino & Garcia (2012). Outro estudo (Lima & Lima-Filho, 2009) apontou a falta de equipamentos para o desenvolvimento do trabalho como um dos maiores problemas enfrentados nas instituições públicas, inclusive necessitando que os docentes, muitas vezes, tenham que recorrer a recursos próprios para poder adquirir materiais necessários para a realização do seu trabalho.
O campus investigado localiza-se na região amazônica e, apesar de a maioria dos profissionais ser da própria região, muitos são oriundos de regiões longínquas como Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Apontam-se alguns motivos pelos quais a mudança regional é efetivada pelos docentes oriundos de outras regiões brasileiras: "(...) alguns movidos pela ânsia de exercer a profissão docente no Ensino Superior pela primeira vez, e, outros, felizes em conseguirem o primeiro emprego, após a conclusão da pós-graduação stricto sensu (...)" (Rodrigues, Batista & Silva, 2012, p. 2).
Essas relações sociais, marcadas por diferentes culturas, ficaram evidentes nos resultados das relações socioprofissionais, classificadas neste estudo como críticas, recebendo destaque as "disputas profissionais" e a "falta de integração no ambiente de trabalho". O fato de os professores virem de outros locais, muitas vezes,pode ser impactante sobre as formas de lidar com situações de conflitos; ao estarem longe de familiares e amigos, eles têm menos mecanismos protetivos para lidar com vivências negativas, como relações conflituosas, no trabalho (Silva, 2016). No presente estudo, destacou-se ainda que os professores substitutos avaliaram como mais satisfatórias as suas relações socioprofissionais do que os professores efetivos. Martins (2009), ao investigar 129 docentes de uma IES, também identificou relações desgastadas entre colegas, com a ocorrência de disputas profissionais, falta de integração entre as chefias e dificuldades na comunicação. Essa relação socioprofissional, marcada por isolamento pessoal, também foi verificada por Cupertino e Garcia (2012) como potencializadora de sofrimento no trabalho entre docentes.
A realização profissional-relacionada ao orgulho, identificação e gratificação pessoal com as atividades docentes - foi destacada como fator de prazer. Esses resultados também corroboram os achados de Cupertino, Garcia e Honório (2014), que encontraram os mesmos fatores como fontes de prazer em docentes de uma IFES mineira.
As condições de trabalho (analisadas como precárias e insuficientes) e o esgotamento profissional, ao serem avaliados como críticos pelos docentes investigados apresentaram-se como indicadores de desgaste à saúde mental. Os trabalhadores lidam tanto com vivências de prazer quanto de sofrimento. Quando há o predomínio do sofrimento e a não ressignificação em prazer, eles acabam tendo que se utilizar de estratégias defensivas para conseguir se manter no trabalho que, com o tempo, podem mostrar-se ineficazes e levar ao adoecimento mental (Freitas & Facas, 2013; Mendes, 2007b). No grupo estudado,foi observado um prejuízo na saúde, constatado através dos danos físicos e psicológicos, entre os quais se destacaram: dores de cabeça e nas costas, bem como sentimentos de tristeza, irritação e abandono. Alguns estudos já apontaram prejuízos semelhantes na saúde dos docentes universitários (Lago, Cunha,& Borges, 2015; Lima & Lima-Filho, 2009), originados por dificuldades nas condições de trabalho e pela sobrecarga de atividades.
Uma maneira de se potencializar a saúde, tanto organizacional quanto dos trabalhadores, seria se na organização do trabalho houvesse mais cooperação e divisão das sobrecargas (Mendes, 2008). Porém, percebe-se que a situação da divisão de tarefas tem-se agravado com o aumento das demandas e a diminuição no número de docentes- seja por aposentadorias, remoções, exonerações ou afastamento para pós-graduação-sem substituição suficiente de professores efetivos, o que tem resultado em déficit de pessoal para a execução das atividades. As licenças de afastamento são garantidas pela Lei 8.112 (Brasil, 1990) ese constituem em um direito do servidor, mas faz-se necessária uma melhor gestão na condução desse processo.
Os resultados indicaram que as mulheres avaliaram como mais insatisfatórios as condições de trabalho e os danos físicos. Estudos com docentes, como os de Lima e Lima-Filho (2009), encontraram que, quando há comparação entre o sexo feminino e masculino, apontam-se resultados mais críticos em mulheres, evidenciados em maiores médias de desenvolvimento de doenças relacionadas ao trabalho, provavelmente pela dupla função que muitas exercem entre trabalhar como docente e cuidar da família.
A precariedade nas condições de trabalho, dificuldades de relacionamento socioprofissionais e o esgotamento emocional dos docentes investigados podem ser entendidos como possíveis riscos à saúde mental na medida em que se considera que o nível crítico potencializa o sofrimento no trabalho, necessitando de ações imediatas a curto e médio prazo (Mendes & Ferreira, 2007). Além disso, considera-se que a diversidade e a intensidade de atividades no mundo acadêmico têm levado docentes do Ensino Público Superior ao adoecimento (Borsoi e Pereira, 2013).
Os docentes se encontram em um contexto de trabalho crítico, com vivências de prazer/sofrimento tanto positiva (realização profissional) quanto negativa (esgotamento profissional), mas que na busca de um equilíbrio psicodinâmico têm resultado em danos à saúde física e psicológica. A expansão das universidades federais e suas demandas de interiorização proporcionaram acesso à educação, mas não foram acompanhadas as exigências das comunidades acadêmicas, principalmente, dos docentes que nelas atuam. A sobrecarga de trabalho tem sido aumentada pelas diversas demandas e pela quantidade de liberações de afastamento para pós-graduação, exonerações e remoções, sem substituição suficiente de professores efetivos. As condições de trabalho precárias, os instrumentos insuficientes e as disputas profissionais também são preocupantes por representarem riscos à saúde mental destes docentes, bem como o fato de docentes mulheres estarem com maiores danos físicos e condições de trabalho mais críticas em relação aos docentes homens. Os danos à saúde do professor também trazem impactos negativos na qualidade da educação prestada e nas relações estabelecidas no trabalho, com destaque para a relação professor-aluno.
Uma limitação do presente estudo refere-se ao fato de que os participantes pertencem a um único campus da universidade-alvo. Assim, há necessidade de se conhecer a percepção de professores que atuam em outros campi, sejam pertencentes à universidade-alvo, seja de outras universidades, para que se amplie o conhecimento sobre situações de adoecimento dos professores universitários.
Ainda, sugere-se que os docentes possam ser escutados e atendidos em demandas individuais e coletivas e que ocorra um diálogo mais aberto entre a gestão e o corpo docente, a fim de propor melhores alternativas para esse contexto de trabalho, promovendo a prevenção de fatores de riscos de adoecimento mental e condições mais favoráveis de trabalho. Recomenda-se a necessidade de novos estudos, que considerem outras variáveis, tais como o sentido do trabalho e a relação aluno-docente, visando à compreensão mais aprofundada das relações entre trabalho e adoecimento mental docente e do seu impacto na sua atividade cotidiana do ensino.