Ao longo do desenvolvimento, a criança passa por diversas etapas em que necessita de suporte emocional do meio. Na faixa etária dos 6 aos 12 anos, que integra o início do período escolar, a criança experimenta e interage em seu meio, estabelecendo seu autoconceito e autoeficácia em relação ao seu desempenho acadêmico e relações com colegas. (Marturano & Loureiro, 2014). De forma mútua, o seu desempenho afeta suas concepções acerca de si mesma e suas concepções afetam o seu desempenho acadêmico, seja de forma positiva ou negativa, assim gerando problemas escolares relacionados a comportamentos inadequados e autoconceito negativo (Marturano & Loureiro, 2014). Esses problemas são classificados como internalizantes e externalizantes, sendo o primeiro exemplificado por sintomas depressivos, ansiosos e somáticos, enquanto o segundo, por sintomas de impulsividade, conduta disruptiva e uso de substâncias (Achenbach, 1991; American Psychological Association [APA], 2014).
O autoconceito e a autoeficácia são construtos importantes para a compreensão do desenvolvimento infantil escolar. O primeiro se refere às percepções que o sujeito possui sobre si, principalmente em relação a suas capacidades; o segundo ao que ele percebe que é capaz de realizar (Neves & Faria, 2009). Considerando que o autoconceito e a autoeficácia influenciam e são influenciadas pelas experiências na escola, se torna fundamental um planejamento para que esse período seja positivo na história da criança. A aquisição de bem-estar psíquico e de competências socioemocionais sempre foi atribuído às famílias; entretanto, devido a mudanças no funcionamento familiar, a escola começa a assumir esse papel (Del Prette & Del Prette, 2014). Muitas críticas surgem ao fato dessa educação socioemocional e cultural ser feita de forma informal, não planejada e episódica, tornando-se ineficaz e geradora de conflitos e resistências, principalmente acerca da divisão da responsabilidade entre os pais e a escola (Del Prette & Del Prette, 2014). Neste contexto, intervenções baseadas em educação socioemocional, focadas em problemas específicos como bullying, dificuldades de aprendizagem e fracasso escolar, têm apresentado bons resultados na promoção de saúde mental, principalmente na redução do estresse e de sintomas depressivos, melhora no autoconceito e autorregulação, desempenho acadêmico, competências sociais e emocionais (Durlak, Weissberg, Dymnicki, Taylor, Schellinger, 2011; Majolo, 2014; Mendes, 2016; Waldemar, Rigatti, Menezes, Guimarães, Falceto, Heldt, 2016).
A educação socioemocional (ESE) é o processo de adquirir habilidades necessárias para reconhecer e gerenciar emoções, desenvolver cuidado e preocupação com outros, estabelecer relações positivas, tomar decisões responsáveis e manejar situações desafiadoras de forma eficaz (Weissberg, Goren, Domitrovich & Dusenbury, 2013). Baseado nesses pressupostos, a Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning (CASEL) elaborou programas para escolas, com o objetivo de promover cinco conjuntos de competências cognitivas, afetivas e comportamentais: autoconsciência; autocontrole; consciência social; habilidades sociais e tomada de decisão responsável (Weissberg et al., 2013). O uso de intervenções de ESE em escolas tem sido associado a resultados positivos, tais como a melhora do desempenho acadêmico, de habilidades emocionais, redução dos níveis de estresse e de problemas de conduta (Waldemar et al., 2016; Durlak et al., 2011).
As cinco competências almejadas pela ESE em sua implementação dos conteúdos em escolas (Weissberg et al., 2013), serão descritas a seguir:
A autoconsciência se refere à habilidade para reconhecer precisamente seus pensamentos e emoções, como eles influenciam o comportamento, perceber o seu potencial e suas limitações, adquirindo um bom senso de confiança e otimismo.
O autocontrole é a habilidade de regular as emoções, pensamentos e comportamentos de forma efetiva em diversas situações, engloba o manejo do estresse, de impulsos, motivação e o trabalho em prol de objetivos pessoais e acadêmicos.
consciência social implica a capacidade de ser empático com pessoas de diversas culturas e contextos, entender normas éticas e sociais de comportamentos, bem como reconhecer os recursos e o suporte da família, escola e comunidade.
As habilidades sociais, por sua vez, são a capacidade de estabelecer relações saudáveis e gratificantes com diversos grupos de indivíduos; referem-se à comunicação clara, escuta ativa, cooperação, resistência à pressão social inapropriada, negociação construtiva em conflitos e ajuda àqueles que precisam.
Quanto à tomada de decisão responsável, esta é relacionada ao bom senso na escolha e construção do próprio comportamento e das interações sociais, baseada em padrões éticos, preocupações de segurança, normas sociais, avaliação realista das consequências, o bem-estar próprio e dos outros.
Com este trabalho de revisão sistemática de literatura, objetiva-se encontrar, descrever e analisar publicações que relatem intervenções de educação socioemocional em escolas. Deseja-se entender e discutir como a estrutura e os aspectos dessas intervenções se relacionam com seus resultados.
MÉTODO
Foi realizada uma busca por artigos científicos publicados entre 2011 e 2016, nas bases de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e da PsycNet, utilizando os descritores "educação socioemocional", "aprendizagem socioemocional", "social emotional learning", "intervenção" e "intervention". A partir dessas buscas foram encontradas na BVS 495 publicações e na PsycNet, 32. Como critério de inclusão, foram selecionados artigos empíricos que apresentassem alguma intervenção baseada em protocolos de educação socioemocional, que tenham sido executadas e avaliadas e que possuíssem como público alvo crianças e adolescentes em contexto escolar (pré-escolares até conclusão do ensino médio). Artigos repetidos ou que apresentaram resultados de uma mesma intervenção na mesma população, foram avaliados e selecionados representantes para compor a análise, considerando os objetivos do estudo. Para análise das publicações, foram consideradas as características das amostras, ano e país de realização da pesquisa, intervenção, avaliação e resultados. Junto a isso, foram utilizadas outras literaturas sobre o tema para fundamentar as discussões e apontamentos. São 17 os artigos incluídos no estudo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados encontrados nos 17 artigos serão apresentados e discutidos de acordo com os objetivos desta pesquisa, da seguinte forma: características das publicações e das amostras; intervenções, avaliações e resultados.
Características das Publicações e Amostras
Os artigos encontrados e utilizados neste trabalho foram publicados no intervalo de 2011 a 2016, não constando nenhuma publicação de 2012. A concentração maior de publicações localiza-se nos anos de 2013 (3 trabalhos), 2015 (5) e 2016 (6). Em relação à origem das pesquisas publicadas, a maioria expressiva (8 artigos) originou-se dos Estados Unidos. Portugal e Reino Unido seguem a lista com 3 e 2 artigos, respectivamente. Outros países que também apareceram foram Brasil, Canadá, Croácia e Austrália, cada um apresentando uma publicação. A centralização das intervenções nos Estados Unidos pode ser explicada pelo fato de o movimento de educação socioemocional da CASEL ter se originado nesse país, sendo depois estendido a outras localidades (Weissberg et al., 2013). Apesar do número de publicações não ter sido tão expressivo nos anos apontados, não significa que o tema não foi abordado na literatura desse período, apenas que não houve pesquisas de intervenção que se enquadrassem nos critérios aqui definidos.
Considerando que um dos critérios de inclusão foi a presença de uma intervenção e avaliação da mesma, todas as publicações encontradas são de estudos longitudinais. A única diferença no delineamento dos estudos reside no caráter experimental ou quase-experimental, em que o último deixa de fora uma característica da pesquisa experimental, usualmente a não randomização das turmas ou dos alunos que foram alvos da intervenção (Gil, 2002). Dos 17 artigos presentes neste trabalho, 12 são experimentais, com grupos randomizados. Cinco são classificados como quase-experimentais, ou seja, sem randomização dos grupos controle, e a escolha da turma alvo de intervenção determinada a partir de demanda da escola (Coelho, Marchante & Sousa, 2015; Coelho & Sousa, 2016; Coelho; Sousa; Figueira, 2016; Cook, Frye, Slemrod, Lyon, Renshaw & Zhang, 2015; Waldemar, et al., 2016).
A amostra foi composta por crianças e adolescentes com idades entre 2 e 16 anos. A idade mais representada pelas publicações corresponde à faixa etária de 7 a 11 anos, com 10 publicações. Esse período compreende o início da primeira até a quinta série, o ensino elementar ou fundamental. Em seguida, destacam-se as publicações que englobam alunos de 4 a 7 anos (6 publicações), período de transição da pré-escola até a primeira série do ensino fundamental. Houve apenas uma publicação cujo público alvo foram adolescentes com idade entre 11 e 16 anos, correspondentes às 7ª, 8° e 9ª séries de ensino. Em termos de ciclo vital, a adolescência é o momento mais perigoso da vida do sujeito, devido a comportamentos de risco, suicídio, flutuações de humor, experiências emocionais extremas e rápida reação fisiológica a estímulos emocionais; são fatores que se correlacionam à manifestação de psicopatologias (Gilbert, 2012). Atuando de forma preventiva, na promoção de saúde mental, essas intervenções socioemocionais compõem um conjunto de ferramentas que a criança pode utilizar, minimizando o impacto dos fatores de risco na adolescência e na fase adulta.
Intervenções, Avaliações e Resultados
As intervenções encontradas na pesquisa possuem uma estrutura que varia em tempo, quantidade de encontros e conteúdo (lições). As publicações que descrevem o andamento da intervenção pela estrutura de encontros semanais relatam de 10 a 15 encontros, com média de 40 a 60 minutos de duração. As que descrevem a partir de conteúdo estruturado em lições (13 a 89 lições, agrupadas em módulos) relatam de um a quatro encontros semanais, de 15 a 40 minutos.
Dos trabalhos encontrados, onze apresentam intervenções que são ministradas pelos professores e inserem os conteúdos no currículo escolar. Seis artigos trazem intervenções administradas por psicólogos ou auxiliares da escola em todos os programas com professores, eles receberam treinamento para a aplicação dos conteúdos, contendo alguns casos de acompanhamento ou supervisão ao longo da intervenção, como encontros e aconselhamento telefônico (Knowler & Frederickson, 2013), relatórios semanais de implementação (Low, Cook, Smolkowski & Buntain-Ricklefs, 2015; Schonert-Reichl, Oberle, Lawlor, Abbott, Thomson, Oberlander & Diamond, 2015), coaching semanal ou mensal para desenvolver os conteúdos com os professores (Nix, Bierman, Domitrovich & Gill, 2013; Jones, Brown & Aber, 2011; Bierman, Heinrichs, Welsh, Nix & Gest, 2016; Novak, Mihi, Baši & Nix, 2016), treinamentos mensais de duas horas (Upshur, Wenz-Gross & Reed, 2013), treinamento no currículo do programa (O'Connor, Cappella, McCormick & McClowry, 2014). Diversas práticas de violência psicológica estão presentes na atitude de muitos professores, que mesmo de forma sutil, têm efeitos sobre o autoconceito e a autoestima da criança; dentre estas práticas, destaca-se a humilhação, a indiferença e a rejeição (Ferraz & Ristum, 2012). Além disso, estratégias de enfrentamento voltadas para a expressão de emoções negativas e a evitação de situações problemáticas, acarretam a longo prazo exaustão, desgaste emocional, afastamento e desrealização com a profissão (Carlotto & Câmara, 2008). Assim, o treinamento de professores se faz importante não apenas para que eles possam transmitir esses conteúdos, mas para que os próprios consigam desenvolver as competências estabelecidas pelos programas e evitar assim práticas inadequadas no ensino.
O treinamento com os pais foi pouco observado na pesquisa, constando em apenas dois artigos (O'Connor et al., 2014; Bierman et al., 2016). Com os professores, esse trabalho auxiliou na prática em conjunto dessas habilidades desenvolvidas pelo currículo de ESE, junto ao trabalho realizado com os pais; por conseguinte, incluiu mais ambientes para a criança adquirir e aprimorar as competências socioemocionais (Bierman et al., 2016).
As competências trabalhadas nos programas analisados foram: autoconsciência emocional, que inclui o reconhecimento e nomeação das emoções; regulação emocional e autocontrole; empatia e tomada de perspectiva, englobando escuta, percepção da emoção e perspectiva do outro; comportamentos pró-sociais, cooperação e bondade, servindo de exemplo o engajamento em práticas comunitárias; resolução de problemas sociais, incluindo a aceitação das diferenças e da responsabilidade para com o outro, bem como a tomada de atitudes e decisões; habilidades sociais, entre elas, assertividade, relacionamento interpessoal, mediação e negociação; o desenvolvimento da resiliência, desempenho acadêmico, humor positivo, redução de estresse e, ainda, psicoeducação para os pais e professores acerca do temperamento das crianças. Para desenvolver essas competências, foram utilizadas ferramentas como jogos de tabuleiro, discussões em grupo, roleplays (encenação), tarefas de casa, atividades de literatura e música, sessões de prática de habilidades, modelagem por exemplos e economia de fichas.
Sobre as formas de avaliação utilizadas, todas se serviram de instrumentos psicométricos de autorrelatos (do aluno) ou preenchidos pelo professor, para apresentar as mudanças nas características e competências analisadas. As características avaliadas mais presentes nos artigos foram: empatia, sintomas emocionais, sintomas de hiperatividade ou desatenção, regulação emocional, autoestima, autocontrole, consciência e comportamento social e problemas de conduta. O instrumento mais utilizado para averiguar essas características foi o Strengths and Difficulties Questionnaire (SDQ), que foi aplicado como um dos instrumentos de investigação em 6 publicações (Humphrey, Barlow, Wigelsworth, Lendrum, Pert, Joyce, Stephens, Wo, Squires, Woods, Calam & Turner., 2016; Knowler & Frederickson, 2013; Low et al., 2015; Myles-Pallister, Hassan, Rooneyand & Kane, 2014; Novak et al., 2016; Waldemar et al., 2016). Este instrumento reflete as competências desenvolvidas pelo modelo de educação socioemocional promovido pela CASEL: autoconsciência; autocontrole; consciência social; habilidades sociais e tomada de decisão responsável (Weissberg et al., 2013). O SDQ é um questionário que investiga a saúde mental de crianças e adolescentes, entre 4 e 16 anos, avaliando sintomas emocionais, problemas com os pares, hiperatividade/desatenção, comportamento pró-social e comportamentos problema. Ele também é dividido entre três formas de aplicação: preenchimento pelos pais, professores e na forma de autorrelato pela criança ou adolescente (Saur & Loureiro, 2012). Utilizar-se de múltiplas fontes de informação promove uma percepção mais apurada, principalmente quando há concordância entre as mesmas (Coelho, Marchante & Sousa, 2015).
Como resultados de melhora, destacam-se as diferenças encontradas entre grupos experimental e controle, que favoreceram a intervenção, ou seja, os efeitos da mesma. As competências socioemocionais avaliadas, citadas na Tabela 3, que tiveram mudanças significativas nessa comparação, no pós-teste e follow up, foram: consciência e comportamento social (7 ocorrências), sintomas emocionais (7 ocorrências), problemas de conduta (5 ocorrências), autoestima (4 ocorrências), regulação emocional (3 ocorrências), sintomas de desatenção e hiperatividade (3 ocorrências), autocontrole (2 ocorrências) e empatia (1 ocorrência). Esses resultados denotam uma eficácia dessas intervenções no aprimoramento de competências socioemocionais nos alunos, principalmente na consciência e comportamentos pró-sociais e no manejo e melhora de sintomas emocionais. Entretanto, os resultados não compreendem a maioria das competências e diferenças esperadas pela intervenção, mostrando que frente aos objetivos dos programas encontrados na pesquisa, os resultados não foram tão satisfatórios quanto o almejado. Também foi percebida uma diferença maior entre pré e pós-teste, naqueles indivíduos que tinham baixos níveis de competências socioemocionais, em que estes sujeitos obtinham ganhos significativamente maiores das intervenções.
Esse caráter de promoção de saúde mental, caracterizado como atenção primária, tem impactos importantes no desenvolvimento das crianças atingidas pelas intervenções, principalmente por ter como maior público alvo a faixa etária de 5 a 12 anos, que compreende uma fase de intensas mudanças na vida da criança em aspectos de saúde mental, mudanças biológicas e sociais (Marturano & Loureiro, 2014). A atenção primária em saúde é um conjunto de ações individuais e coletivas que visam à promoção, prevenção, tratamento e reabilitação em saúde (Giovanella, Mendonça, Almeida, Escorei, Senna, Fausto, Delgado, Andrade, Cunha, Martins & Teixeira, 2009). No Brasil, há uma política pública de saúde voltada para as escolas: o Programa Saúde nas Escolas (PSE). Este programa consiste em ações que objetivam promover saúde e cultura de paz, auxiliando na superação de vulnerabilidades e no pleno desenvolvimento escolar do sujeito; ampliando o alcance e impacto das suas ações através da parceria entre rede pública de saúde e de educação (Brasil, 2009). Ao otimizar os recursos disponíveis e promover uma maior participação comunitária nas políticas públicas e educação e saúde, essa política tem repercussões significativas na cultura, no meio social, na educação e na saúde da população estudada.
CONCLUSÃO
Dentre o que foi visto nas publicações analisadas, os programas de ESE ocorrem quase que exclusivamente nos Estados Unidos, sendo aos poucos absorvidos em outros países. A estrutura das intervenções, principalmente quanto ao tempo total e duração de cada encontro, mostra diferentes modelos de aplicação dos conteúdos, sendo a maioria ministrada pelos professores após serem capacitados para implementar os recursos no cotidiano escolar. Quanto aos desfechos das intervenções, foram positivos, apesar de algumas publicações expressarem a necessidade de melhorias nesses programas, bem como na forma de avaliação dos mesmos, sugerindo mais estudos com follow-up, a fim de acompanhar, ao longo do tempo, os efeitos que não surgem de imediato. Outra evidência detectada foi o benefício trazido pelas intervenções para as crianças em situação de vulnerabilidade social e com baixo desenvolvimento socioemocional. Este é um dado importante a ser levado em conta para justificar mais pesquisas e aprimoramento dos programas.
Esta pesquisa encontrou algumas limitações pela escassez de artigos em português. As prováveis explicações seriam a escolha dos descritores utilizados nas buscas, ou a existência de uma lacuna de intervenções visando desenvolver habilidades emocionais, interpessoais e pró-sociais em crianças no ambiente escolar. Sugere-se a ampliação de pesquisas sobre o tema proposto, além de estudos empíricos brasileiros que possam servir de base para a implementação de projetos nas políticas públicas do país.