1 INTRODUÇÃO
O federalismo tem estado no centro da agenda política brasileira nas últimas décadas. Ele tem sido referência constante nos meios políticos, jurídicos, acadêmicos e jornalísticos, sobretudo nos momentos em que o Estado brasileiro é desafiado a agir de forma imediata e coordenada, envolvendo todos os entes da federação. As discussões sobre o modelo federativo voltam à baila toda vez o país se depara com problemas de âmbito nacional, como a emergência de doenças e epidemias de larga escala, o colapso das contas públicas, as crises na segurança pública, a emergência de problemas ambientais, a ocorrência de desastres naturais, etc. Nesses momentos, em particular, a Constituição (CF) de 1988 é acusada de ter estabelecido no Brasil um modelo demasiadamente centralizador e assimétrico de federalismo.
Independentemente das posições expressas no debate público acerca do federalismo, o fato é que a CF de 1988 introduziu mudanças fundamentais no sistema federativo brasileiro. Ela colocou fim, em primeiro lugar, aos modelos centrífugo3 e o centrípeto4 de federalismo. Em segundo lugar, procurou superar os desiquilíbrios de poder entre os entes federados, propondo um modelo mais matricial, horizontal e cooperativo, com repartição mais horizontal de competências e atribuições legislativas entre os entes (ABRUCIO, 2005). A terceira importante inovação foi a admissão dos municípios como entes federados e autônomos. Os poderes de governo foram compartilhados entre as instâncias governamentais por meio de campos de competências legalmente definidas. Como destaca Cury (2010, p. 158), a CF de 1988 introduziu “[...] um regime normativo e político, plural e descentralizado onde se cruzam novos mecanismos de participação social com um modelo institucional cooperativo que amplia o número de sujeitos políticos capazes de tomar decisões.”
O federalismo de cooperação implementado no Brasil a partir de 1988 estabeleceu uma organização política e administrativa muito específica. Como destacam Abrucio (2005), Almeida (2005) e Cury (2010), trata-se de um pacto que se alicerça no princípio da soberania compartilhada, na autonomia e interdependência entre os membros, na divisão de poderes e no reconhecimento mútuo da integridade de cada um. A cooperação exige entendimento mútuo entre os entes federados, equilíbrio de poder, planejamento articulado, descentralização e laços de colaboração recíproca na distribuição das múltiplas competências. O federalismo de cooperação abrange um regime de colaboração entre os entes, no âmbito do qual a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal são corresponsáveis pela arrecadação tributária, pela transferência de recursos entre si e pela promoção de políticas públicas. Segundo Abrucio (2005, p. 41), o federalismo brasileiro é “[...] um dos casos mais ricos e complexos entre os sistemas federais existentes” no mundo. A opção brasileira é a única entre os países do mundo que adotam o federalismo a tornar os governos locais em entes federativos (ABRUCIO; SEGATTO, 2014).
O federalismo de cooperação, entre os seus tantos desdobramentos, ensejou um conjunto amplo de políticas de municipalização no Brasil. A CF ofereceu os fundamentos para responsabilizar os municípios pela implementação e gestão de importantes políticas públicas, sobretudo nas áreas de educação e de saúde. É notória a responsabilização dos municípios na área de educação ao longo dos anos. As matrículas de educação básica nas redes municipais, por exemplo, passaram de 28%, em 1988, para 50% em 2019, sendo 65% das matrículas das creches; 76%, da pré-escola; 57% do ensino fundamental (EF); 18%, da educação especial exclusiva (EEE), 58% da educação de jovens e adultos (EJA) e, 1%, do ensino médio (EM) (INEP, 2005, 2018, 2019a).
O aniversário de trinta anos da CF em 2018 estimulou a realização de diversos estudos sobre o federalismo de cooperação e as políticas de municipalização. O presente artigo apresenta os resultados de uma dessas pesquisas, realizada entre 2017 e 2019, cujo propósito principal foi analisar os desdobramentos e os impactos das políticas de municipalização da educação básica nos últimos trinta anos. Além de investigar as políticas em âmbito nacional e estadual, consideramos fundamental desenvolver um estudo empírico sobre uma unidade específica da federação. O espaço-tempo local (o município) opera como uma espécie de espelho, onde as vicissitudes e os limites das políticas públicas se vêm refletidas. Os dados do município escolhido refletem, em linhas gerais, o que ocorreu com a grande maioria dos municípios brasileiros nas últimas décadas. Eles ajudam a compreender as dinâmicas e os impactos que as políticas de municipalização assumiram ao longo das décadas.
A pesquisa empírica foi realizada no município de Xaxim, localizado na região Oeste de Santa Catarina, com população estimada em 28.424 habitantes (IBGE, 2018). O estudo de campo exigiu, além de uma extensa revisão bibliográfica, um levantamento detalhado de documentos (Leis, Decretos, Portarias, Atas, fotos, etc.) e dados quantitativos (primários e secundários) sobre o município e a educação básica municipal. As bases de dados do Instituto Nacional de Estudos Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), da Secretaria de Estado da Educação (SED) e da Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SMEC) foram amplamente utilizadas para a coleta dos dados quantitativos.
2 AS POLÍTICAS NACIONAIS DE MUNICIPALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA
A CF de 1988, conforme destacado acima, estabeleceu as diretrizes gerais para as políticas de municipalização da educação. Além de instituir os municípios como entes federados e autônomos, a CF atribuiu aos diferentes entes a responsabilidade pela universalização do direito à educação. A Carta Magna estabeleceu, pela primeira vez, a educação como um bem individual do cidadão, ou seja, um “direito público subjetivo” (Art. 207, § 1º). O ensino obrigatório e gratuito passou a ser obrigação estatal; os cidadãos passaram a ter o direito de exercer o controle social da atuação do poder estatal e, quando necessário, constrangê-lo judicialmente a fim de requerer o cumprimento do direito estabelecido (DUARTE, 2004).
A CF assegurou autonomia aos entes para criarem impostos, organizarem os seus próprios sistemas de ensino e realizarem transferências constitucionais de recursos entre si. Além disso vinculou os percentuais mínimos de recursos que cada ente deve investir em educação (Art. 212) e estabeleceu, entre outros aspectos, que “os municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil” (Art. 211, § 2º).
A partir da segunda metade dos anos 90, com base nos preceitos constitucionais, uma série de políticas foram implementadas com o propósito de envolver e responsabilizar os municípios pela gestão da educação básica.
Pode-se afirmar que a Emenda Constitucional 14/1996 foi a primeira política pública de municipalização da educação do período pós-Constituição de 1988. Ela instituiu no país o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF). Ela introduziu, pela primeira vez, mecanismos indutores da descentralização do financiamento do Ensino Fundamental (EF). A base do cálculo para os recursos a serem repassados aos municípios passou a ser o número de matrículas no EF (DAVIES, 2006; SECCHIN, 2014). A EC 14 ampliou a responsabilidade dos municípios com toda a educação infantil ao mudar o termo na CF de 1988, de “pré-escola” para “educação infantil” (incluindo creche e pré-escola) e delimitou as prioridades dos municípios com a educação infantil e o EF (esse compartilhado com os Estados que receberam também a atribuição do Ensino Médio (EM). Ela ampliou de 50% para 60% a vinculação dos recursos do Art. 212 da CF de Estados e municípios ao EF e reduziu a obrigação da União de 50% para 30%, dando-lhe a função “redistributiva” na complementação do FUNDEF para garantir um valor anual mínimo por aluno definido nacionalmente e completar esse mínimo nos Estados cujo valor fosse inferior (BRASIL, 1988, 1996a, 1996b).
A Lei 9.394/96 instituiu a terceira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN). Ela regulamentou aspectos importantes da CF, definiu o conceito de educação básica e assegurou a autonomia administrativa dos entes federados na organização dos seus sistemas de ensino mediante o regime de colaboração. Foi a primeira LDB a dar autonomia à criação dos sistemas municipais de ensino (BRASIL, 1996a). O artigo 11 (inciso V), por sua vez, estabeleceu que cabe aos municípios:
Oferecer educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela constituição Federal a manutenção e desenvolvimento do ensino. (BRASIL, 1996a).
A Emenda Constitucional 53/06, por sua vez, transformou o FUNDEF em FUNDEB, passando a se chamar Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação. A EC 53/06 ampliou de 60% (do FUNDEF) para 80% a retenção da receita de impostos que trata o Art. 212 da CF (dos Estados e das transferidas aos Municípios) e instituiu a complementação mínima da União de 10% sobre a soma dos recursos do FUNDEB de todos os Estados (BRASIL, 2006). Como destaca Callegari (2010, p. 16), o FUNDEB repetiu “[...] a experiência do FUNDEF, que também operava segundo o princípio ‘mais matrícula, mais dinheiro.” O aluno é uma espécie de “unidade monetária” na medida em que funciona como base de cálculo para a definição dos valores a serem repassados aos diferentes sistemas de ensino (MILITÃO, 2012). Na prática, o fundo passou a operar como um mecanismo indutor da municipalização da educação básica. O FUNDEB foi instituído em 19 de dezembro de 2006, com prazo de vigência até o final de 2020.
Em 2009, os municípios foram diretamente afetados pelas mudanças instituídas pela Emenda Constitucional 59/2009. A EC ampliou o tempo do EF obrigatório de oito para nove anos e tornou obrigatória a matrícula a partir dos seis anos de idade. A EC deu nova redação aos incisos I e VII, do Art. 208 da CF de 1988, tornando a educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria (Art. 1º, EC 59/2009). O aumento do período de tempo do ensino obrigatório incidiu diretamente sobre as responsabilidades dos municípios (BRASIL, 2009).
No rol das políticas de municipalização devem ser inseridos os Planos Nacionais de Educação (PNE), particularmente o PNE vigente, promulgado em 25 de junho de 2014 (Lei 13.005/2014). Ele estabeleceu um conjunto de desafios que reforça o papel dos municípios na oferta da educação básica, cabendo destaque para as metas 1, 4 e 6:
Meta 1- Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.
Meta 4- Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados.
Meta 6- Oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica. (BRASIL, 2014).
As políticas descritas acima (entre outras) consolidaram os municípios como os principais entes responsáveis pela oferta das matrículas da educação básica. Como é possível observar no gráfico abaixo, ao longo das décadas ocorreu uma progressiva responsabilização pela oferta do ensino obrigatório e gratuito, passando de 28% das matrículas de educação básica em 1988 para 50%, em 2019.
Fonte: elaborado pelos autores a partir dos dados do IBGE (2006a, 2006b, 2006c, 2006d, 2006e, 2006f) e do INEP (2005, 2018, 2019b)
Em 2019, os municípios respondiam no Brasil por 65% das matrículas das creches; 76%, da pré-escola; 57% do ensino fundamental (EF); 18%, da educação especial exclusiva (EEE), 58% da educação de jovens e adultos (EJA) e, 1%, do ensino médio (EM). Das matrículas públicas, as redes municipais respondiam em 2018 por 60% do total, sendo 98% das creches; 97% da pré-escola; 77% do EF; 70% da EEE; 62% da EJA e 0% do EM (INEP, 2019a, 2019b). A expansão ocorreu principalmente nas regiões e bairros mais pobres das cidades, assim como nos locais mais longínquos do interior do país. Coube aos municípios a tarefa de assegurar aos mais pobres o acesso à educação pública e gratuita.
Os municípios também respondiam pela maioria das escolas da educação básica (60%). Do total de educandários em 2018 (180.610 estabelecimentos), 108.318 pertenciam aos municípios, sendo 59.051 urbanas (55% do total de escolas) e 49.267 rurais (45% do total) (INEP, 2018).
3 AS POLÍTICAS DE MUNICIPALIZAÇÃO EM ÂMBITO ESTADUAL: O CASO DE SANTA CATARINA
Como descrito acima, a municipalização é uma dinâmica recente. As matrículas da educação básica ficaram sob a responsabilidade dos Estados até recentemente. Em Santa Catarina (SC), objeto deste estudo, a rede estadual manteve-se hegemônica na oferta de matrículas até o ano 2006. Em 1973, a título de ilustração, a rede estadual de ensino respondia pela quase totalidade das escolas catarinenses e por 97,4% de todas as matrículas ofertadas (SANTA CATARINA, 1980; FIORI, 1991; BRINHOSA, 1996). Em 1974, o governo de SC decidiu proibir a abertura de novas escolas estaduais na zona rural, estimulando uma progressiva expansão das matrículas nas redes municipais. Entre 1973 e 1978, as matrículas na rede estadual decresceram 22,5%, de 97,4% para 74,9% (SANTA CATARINA, 1980).
No início dos anos 80, no bojo do Plano Estadual de Educação 1980/1983, o governo estadual propôs políticas de descentralização como forma de democratizar as oportunidades educacionais. O Plano mencionou, na época, que o percentual de matrículas de Iº Grau nas redes municipais era baixo, correspondente a 18,4% do total (SANTA CATARINA, 1980). A despeito disso, a municipalização da educação básica se intensificou a partir do início dos anos 90, no bojo das políticas neoliberais emanadas da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtein, na Tailândia (OLIVEIRA, 1998; OLIVEIRA, 2005).
Em 1991, a Secretaria Estadual de Educação incentivou os convênios entre o governo estadual e os municípios com o propósito de expandir a municipalização das matrículas do ensino de 1º Grau. Nesse ano, o Decreto Estadual N° 276 (de 8 de julho de 1991) estabeleceu as diretrizes para a “[...] a transferência de serviços ou municipalização de atividades governamentais [...]” (SANTA CATARINA, 1991). No ano seguinte, em 1992, 189 municípios (de um total de 260, na época) firmaram convênios gerais, envolvendo “[...] 2.507 escolas isoladas, 246 escolas reunidas e 49 grupos escolares” (SANTA CATARINA, 1994, p. 158). Ao término de 1994, 231 municípios (88,8% do total) haviam firmado convênios com o governo estadual para a implementação de políticas de municipalização (SANTA CATARINA, 1994).
A partir de 1997, a partir do FUNDEF, o processo de municipalização se acentuou. O número de alunos na rede de ensino passou a ser a referência para o cálculo dos recursos do fundo a serem repassados aos municípios. Nesse mesmo ano, o Decreto Estadual n° 2.344 (de 21 de outubro de 1997) (SANTA CATARINA, 1997) estabeleceu as diretrizes para a nucleação escolar. As escolas isoladas do campo, a maioria de natureza multiseriada,5 foram fechadas mediante a transferência dos alunos para as unidades escolares maiores. No âmbito dessa política, como destacam Pierozan (2006) e Pierozan e Vizzotto (2013), o Estado de SC também repassou aos municípios as escolas estaduais situadas na área rural. De acordo com dados da ACAFE (2000, p. 7):
[...] foram transferidas da rede estadual de ensino para as redes municipais, através de Decretos (n° 2.344 de 21/10/97; n°2.470, de 12/12/97; n° 2.690 de 09/03/98; n°2.790, de 1998, n°3.023 de 30/06/98 e n° 183, de 30/04/94) o total de 2.733 escolas, abrangendo Escolas Isoladas, Reunidas, Grupos Escolares e Escolas Básicas, totalizando 77.249 alunos, em 267 municípios. Na implantação do programa, em 1997, 17 municípios não aderiram, segundo relatório da SED/SC, mas destes, 3 solicitaram a implantação do programa posteriormente, em 2000 [...]
As políticas estaduais de municipalização foram intensificadas no século XXI, tendo como foco prioritário as séries iniciais do EF. Em 2010 as escolas da rede estadual deixaram de aceitar matrículas para o 1º ano do EF (MUNICIPALIZAÇÃO..., 2009). No ano seguinte, em 2010, o então governador de SC, Luiz Henrique da Silveira, por meio da Lei Complementar Nº 487, de 19 de janeiro de 2010, estabeleceu critérios para municipalizar a Educação Infantil e movimentar servidores (SANTA CATARINA, 2010). Em 2011, a Secretaria de Estado da Educação (SED) estabeleceu o programa de “parceria” com os municípios com o objetivo de municipalizar todo o EF. O Programa foi instituído por meio do Decreto nº 502, de 16 de setembro de 2011(SANTA CATARINA, 2011a) e do Decreto nº 671, de 17 de novembro de 2011 (SANTA CATARINA, 2011b).6
A adesão ao Programa de Parceria se deu por meio de convênios entre os municípios e a SED. Os municípios conveniados passaram a administrar os recursos do FUNDEB, Salário Educação, PNAE (Plano Nacional de Alimentação Escolar) e PNATE (Plano Nacional de Transporte Escolar). De acordo com os dados da SED/SC, no período entre 2012 e 2017, o Programa alcançou 90 municípios (cerca de 30,5% do total dos municípios catarinenses), resultando na transferência (do sistema estadual para as redes municipais) de 16.124 estudantes do Ensino Fundamental (SANTA CATARINA, 2018).
Ano | N° de municípios | N° de escolas | Nº de matrículas anos iniciais | Nº de matrículas anos finais |
---|---|---|---|---|
2012 | 63 | 96 | 7.917 | 5.047 |
2013 | 3 | 3 | 125 | 79 |
2014 | 3 | 3 | 38 | 280 |
2015 | 7 | 8 | 324 | 144 |
2016 | 2 | 2 | 332 | 231 |
2017 | 12 | 13 | 422 | 1.184 |
TOTAL | 90 | 125 | 9.159 | 6.965 |
Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos dados fornecidos pela SED/SC (SANTA CATARINA, 2018).
O processo de municipalização da educação básica fica mais evidente quando tomamos como referência uma linha de tempo mais ampliada, conforme gráfico abaixo.
Fonte: elaborado pelos autores a partir dos dados fornecidos pela INEP (1991, 2003, 2005, 2015, 2019a)
A despeito de ter ocorrido em todos os níveis da Educação Básica, as políticas de municipalização incidiram, majoritariamente, sobre o EF. A tabela abaixo é ilustrativa a esse respeito, pois apresenta a evolução das matrículas apenas do EF em Santa Catarina. Os dados dizem respeito aos entes federativos onde a mobilidade foi mais expressiva (Estado e municípios). As instituições federais e particulares não integram a tabela em virtude do fato de que, nesses entes, a variação do número de matrículas foi inexpressiva.
Rede estadual | Rede estadual | Rede estadual | Redes Municipais | Redes Municipais | Redes Municipais |
Ano | Nº Alunos | X | Ano | Nº Alunos | X |
1999 | 538.634 | 59,5 | 366.754 | 40,5 | 905.388 |
2000 | 526.150 | 58,0 | 381.402 | 42,0 | 907.552 |
2001 | 499.160 | 56,0 | 390.659 | 44,0 | 889.819 |
2002 | 480.093 | 54,1 | 407.207 | 45,9 | 887.300 |
2003 | 463.988 | 52,7 | 416.825 | 47,3 | 880.813 |
2004 | 451.088 | 51,4 | 426.603 | 48,6 | 877.691 |
2005 | 438.869 | 50,6 | 428.331 | 49,4 | 867.200 |
2006 | 437.682 | 49,9 | 438.543 | 50,1 | 876.225 |
2007 | 324.561 | 42,68 | 435.840 | 57,32 | 760.401 |
2008 | 292.453 | 40,28 | 433.572 | 59,72 | 726.025 |
2009 | 276.253 | 39,26 | 427.428 | 60,74 | 703.681 |
2010 | 300.392 | 40,72 | 437.300 | 59,28 | 737.692 |
2011 | 297.235 | 40,45 | 437.613 | 59,55 | 734.848 |
2012 | 294.152 | 39,92 | 442.750 | 60,08 | 736.902 |
2013 | 324.561 | 42,68 | 435.840 | 57,32 | 760.401 |
2014 | 292.453 | 40,28 | 433.572 | 59,72 | 726.025 |
2015 | 276.253 | 39,26 | 427.428 | 60,74 | 703.681 |
2016 | 300.392 | 40,72 | 437.300 | 59,28 | 737.692 |
2017 | 297.235 | 40,45 | 437.613 | 59,55 | 734.848 |
2018 | 291.248 | 47,17 | 450.158 | 52,83 | 851.993 |
2019 | 291.450 | 46,12 | 459.110 | 53,88 | 865.262 |
Fonte: MEC/INEP. Sinopses Estatísticas (INEP, 2015, 2018, 2019a).
A Tabela 2 evidencia vários aspectos importantes, a começar pela redução do número de matrículas do EF em Santa Catarina no referido período. O processo de municipalização se deu num contexto de progressiva retração de matrículas do Ensino Fundamental.7 Nos últimos 20 anos (1999-2019), houve uma redução de 40.076 de matrículas no Estado, uma retração média de cerca de 2.000 matrículas/ano. Cabe observar, além disso, que a retração é claramente perceptível na rede estadual. Houve uma redução de 247.184 matrículas do EF na rede estadual, o que corresponde a uma média de 12.359 matrículas/ano. Parte dessa retração foi assumida pelos municípios, que passaram de 366.754 em 1999, para 459.110, em 2019.
Os dados revelam ainda que a municipalização das matrículas foi se dando de forma progressiva e ininterrupta. Em 2006, pela primeira vez, o número de matrículas nas redes municipais foi superior à rede estadual. Além disso, conforme demonstra a tabela abaixo, a municipalização das matrículas foi mais expressiva nos anos iniciais do EF.
Matrículas do ensino fundamental em SC | |||||
---|---|---|---|---|---|
ANO | Escolas Estaduais | Escolas Municipais | |||
Anos Iniciais | Anos Finais | Anos Iniciais | Anos Finais | ||
2012 | 133.037 | 191.524 | 276.078 | 159.762 | |
2013 | 125.474 | 166.979 | 278.429 | 155.143 | |
2014 | 123.386 | 152.867 | 281.353 | 146.075 | |
2015 | 119.748 | 180.644 | 284.157 | 153.143 | |
2016 | 114.391 | 182.844 | 281.528 | 156.085 | |
2017 | 112.833 | 181.319 | 282.891 | 159.859 | |
2018 | 111.232 | 180.016 | 286.610 | 163.548 | |
2019 | 111.972 | 179.478 | 293.297 | 165.813 |
Fonte: Elaborada pelos autores com base nos dados do Censo Escolar do INEP (2018, 2019a).
A redução do número de matrículas do EF reflete-se, também, na infraestrutura física disponível. Nos últimos anos tem havido também um progressivo fechamento de escolas de educação básica, tanto na rede estadual, quanto nas redes municipais.
Ano | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 | 2019 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Escolas Estaduais | 980 | 968 | 959 | 955 | 945 | 927 | 922 | 921 |
Escolas Municipais | 2.031 | 1.986 | 1.935 | 1.911 | 1.860 | 1.824 | 1.779 | 1.749 |
Total | 3.011 | 2.954 | 2.894 | 2.866 | 2.805 | 2.751 | 2.701 | 2.670 |
Fonte: elaborada pelos autores com base nos dados do Censo escolar do INEP (2019a).
De acordo com os dados acima, a redução tem sido progressiva, correspondendo a cerca de 42 escolas ano. No período entre 2012 e 2019 foram fechadas 341 escolas.
4 AS POLÍTICAS DE MUNICIPALIZAÇÃO EM ÂMBITO MUNICIPAL: O CASO DE XAXIM
Conforme destacado acima, a CF de 1988 facultou aos municípios a criação de seus sistemas de ensino e assegurou o direito de emitirem normas e estabelecer políticas educacionais específicas, especialmente para a Educação Infantil (EI) e o EF. No exercício desse direito os municípios ampliaram as suas responsabilidades com a oferta do ensino obrigatório e gratuito.
De acordo com a pesquisa, o ano de 1997 marca o início das políticas de municipalização em Xaxim. Logo após a criação do FUNDEF (EC 53/96) e a aprovação da LDBEN (Lei 9.394/96), o município instituiu o Conselho Municipal de Educação (Lei 2043/1997), dando início ao processo de criação de vários conselhos municipais responsáveis pelo controle social, acompanhamento, fiscalização e avaliação das políticas.8 No mesmo ano, o município decidiu aderir ao Decreto Estadual 2.344/97, que determinou o fechamento de escolas isoladas rurais e a transferência dos estudantes e docentes para unidades escolares nucleadas. Nesse contexto o município assumiu 20 escolas isoladas que funcionavam no meio rural em Xaxim e que pertenciam ao Estado de SC.9
A tabela abaixo dimensiona o processo de municipalização das matrículas da educação básica nas últimas duas décadas no município.
Ano | Estadual | Municipal | Privada | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Nº | % | Nº | % | Nº | % | ||
1998 | 2.949 | 66% | 1.502 | 34% | - | 0% | |
1999 | 4.508 | 67% | 1.973 | 29% | 228 | 3% | |
2000 | 4.580 | 68% | 1.992 | 29% | 211 | 3% | |
2001 | 4.427 | 64% | 2.266 | 33% | 229 | 3% | |
2002 | 4.438 | 64% | 2.311 | 33% | 235 | 3% | |
2003 | 4.245 | 62% | 2.360 | 34% | 236 | 3% | |
2004 | 3.608 | 56% | 2.501 | 39% | 278 | 4% | |
2005 | 3.952 | 59% | 2.451 | 36% | 330 | 5% | |
2006 | 3.869 | 57% | 2.631 | 39% | 322 | 5% | |
2007 | 3.603 | 52% | 3.068 | 44% | 248 | 4% | |
2008 | 3.412 | 51% | 3.055 | 45% | 252 | 4% | |
2009 | 3.070 | 48% | 3.222 | 50% | 125 | 2% | |
2010 | 3.090 | 48% | 3.188 | 50% | 124 | 2% | |
2011 | 2.843 | 45% | 3.302 | 52% | 222 | 3% | |
2012 | 2.058 | 33% | 4.023 | 64% | 232 | 4% | |
2013 | 1.884 | 31% | 4.004 | 65% | 249 | 4% | |
2014 | 1.963 | 31% | 4.201 | 66% | 228 | 4% | |
2015 | 1.682 | 27% | 4.356 | 70% | 215 | 3% | |
2016 | 1.540 | 25% | 4.451 | 72% | 209 | 3% | |
2017 | 1.438 | 24% | 4.374 | 73% | 221 | 4% | |
2018 | 1.660 | 26% | 4.604 | 71% | 216 | 3% |
Fonte: elaborada pelos autores a partir dos dados do Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP), Sistema de Estatísticas Educacionais (Edudata), Censo Escolar e Secretaria de Educação de Santa Catarina (SANTA CATARINA, 2018).
É notória a expansão das matrículas municipais ao longo dos anos, decorrente sobretudo da incorporação de toda a Pré-Escola, do Ensino Fundamental e, em 2007, da Educação de Jovens e Adultos. Em 2009, a rede municipal passou a responder por mais de 50% do total das matrículas da educação básica no município. Em 2012 ocorreu um novo e expressivo aumento (correspondente a 21%), decorrente da adesão ao Programa de Parceria Estado/Município para o atendimento ao Ensino Fundamental. Cerca de 785 estudantes do Ensino Fundamental da rede estadual foram repassados ao município.11
As políticas de municipalização implementadas alteraram significativamente a distribuição das matrículas da educação básica no município. Em 2018, trinta anos após a aprovação da CF, o município já respondia por 71% do total das matrículas da Educação Básica.
Nos últimos anos houve, conforme demonstra o gráfico abaixo, uma inversão entre os sistemas de ensino (estadual e municipal) quanto à distribuição de matrículas da educação básica.
A despeito de envolver toda a Educação Básica, o processo de municipalização incidiu especialmente sobre o Ensino Fundamental. Em 2018, a rede municipal de Xaxim era responsável pela maioria das matrículas em todos os níveis da Educação Básica. A rede privada conservou praticamente o mesmo percentual de matrículas ao longo do período.
Fonte: elaborado pelos autores a partir dos dados do MEC, INEP, Censo Escolar e SED/SC (SANTA CATARINA, 2018).
O processo de municipalização em Xaxim fica mais evidente quanto os dados municipais são comparados aos de âmbito estadual e nacional.
ENTES | FEDERAL | ESTADUAL | MUNICIPAL | PRIVADA |
---|---|---|---|---|
Brasil | 1% | 32% | 50% | 17% |
Estado de Santa Catarina | 1% | 36% | 51% | 12% |
Município de Xaxim | 0% | 25% | 72% | 3% |
Fonte: elaborada pelos autores a partir dos dados do MEC, INEP, Censo Escolar e SED/SC (SANTA CATARINA, 2018).
Em 2018, conforme dados da tabela abaixo, a rede municipal respondia por 98% das matrículas das creches; 97%, da pré-escola (PE); 77%, do ensino fundamental (EF); 70%, da educação especial exclusiva (EEE), 62%, da educação de jovens e adultos (EJA) e 0% do ensino médio (EM), perfazendo 72% do total das matrículas da educação básica. Das matrículas públicas, a rede municipal respondia, em 2018, por 74,6% do total, sendo 100%, das creches; 100%, da pré-escola; 79,4%, do EF; 72%, da EEE; 76,5%, da EJA e 0%, do EM (INEP, 2019a).
ESCOLAS | CRECHE | PE | EF | EEE | EJA | EM | TOTAL |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Privadas | 24 | 26 | 98 | 4 | 64 | 0 | 216 |
Públicas municipais | 1.035 | 663 | 2.619 | 72 | 215 | 0 | 4.604 |
Públicas estaduais | 0 | 0 | 681 | 28 | 66 | 796 | 1.571 |
Participação das escolas municipais no segmento público | 100% | 100% | 79,4% | 72% | 76,5% | 0% | 74,6% |
Participação das escolas estaduais no segmento público | 0% | 0% | 20,6% | 28% | 23,5% | 100% | 25,4% |
Fonte: elaborada pelos autores com base em dados do Censo Escolar DEED/INEP/MEC (SANTA CATARINA, 2018).
Como é possível observar na tabela abaixo, a municipalização das matrículas em Xaxim atingiu patamares muito acima dos verificados a nível nacional e em SC.
ENTES | CRECHE | PE | EF | EEE | EJA | EM |
---|---|---|---|---|---|---|
Brasil | 65% | 76% | 57% | 18% | 58% | 1% |
Estado de Santa Catarina | 80% | 83% | 52% | 55% | 20% | 0% |
Município de Xaxim | 98% | 97% | 77% | 70% | 62% | 0% |
Fonte: elaborada pelo autor com base em dados do Censo Escolar DEED/INEP/MEC (SANTA CATARINA, 2018).
A expansão da rede municipal foi exigindo, ao longo dos anos, a contratação de centenas de profissionais, a ampliação da infraestrutura física e o aumento dos recursos orçamentários. Em 2018, a rede municipal contava com 593 profissionais, sendo 409 docentes12 e 184 funcionários.13
O financiamento da educação em Xaxim, assim como em todos os municípios brasileiros, foi viabilizado, na sua grande maioria, por meio dos recursos provenientes do FUNDEB.
Fontes | Valores em (R$) |
---|---|
FUNDEB | 19.242.657,15 |
SALÁRIO EDUCAÇÃO | 2.083.921,40 |
PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) | 435.591,00 |
PNATE (Programa Nacional de Transporte Escolar) | 93.063,06 |
PDDE (Programa Dinheiro Direto na Escola) | 139.547,49 |
TOTAL | 21.994.780,10 |
Fonte: elaborada pelos autores a partir dos Micro Dados do Censo Escolar (SANTA CATARINA, 2018) e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (2019).
O FUNDEF/FUNDEB tem sido a principal fonte de financiamento em Xaxim. Como é possível observar no gráfico abaixo, os recursos repassados ao município têm sido crescentes ao longo dos anos. O FUNDEB respondia por 87% do total dos recursos investidos em educação no município de Xaxim em 2018 conforme demonstrado na tabela 7. Em 2018, o FUNDEB respondia por 68,3% dos recursos investidos em Educação Básica em Santa Catarina (UNIÃO NACIONAL DOS DIRIGENTES MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO, 2016).
De acordo com a pesquisa realizada, o custo médio aluno/ano da Educação Básica em Xaxim, em 2018, foi de R$ 3.140,28, sendo R$ 3.055,14 para os estudantes da Educação Infantil e, R$ 3.272.73, para os estudantes do Ensino Fundamental (FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO, 2018a, 2018b, 2019).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em vista a dimensão territorial e o elevado número de crianças e jovens em idade escolar no Brasil, as políticas de municipalização da Educação Básica assumiram grandes proporções no país após a aprovação da CF em 1988. Os municípios foram, progressivamente, assumindo a responsabilidade de assegurar o direito à educação a milhões de estudantes. Nos últimos 30 anos (1988-2018), a participação dos municípios na oferta da educação básica saltou de 28% para 50%.
No bojo dessas políticas, os municípios foram responsabilizados pelos níveis iniciais do processo formativo, sendo incumbidos, na prática, da tarefa de assegurar o direito à educação pública e gratuita aos brasileiros mais pobres e residentes nas regiões mais distantes e empobrecidas do país. Além de assumirem as escolas do campo, eles ampliaram a rede de creches e escolas, principalmente nos bairros e nas periferias das cidades. A municipalização, neste sentido, operou como uma política de promoção dos direitos à educação.
A despeito disso, cabe observar que a municipalização foi concebida e implementada no bojo de um sistema federativo hierárquico, assimétrico e centralizado. É preciso ter presente que a admissão dos municípios como entes da federação em 1988 não suplantou séculos de cultura política patrimonialista e de dependência em relação ao poder central (FAORO, 2012). A municipalização, como propõe Silva Junior (2004), foi marcada mais pela desconcentração do que pela descentralização, ou seja, o federalismo de cooperação não rompeu com a forte tradição patrimonialista centrada na tese de que as entidades locais e regionais são instâncias executoras dos entes superiores outorgantes. As competências e as responsabilidades foram atribuídas e exercidas pelos entes locais no marco de uma concepção gerencialista do aparato estatal, ou seja, o próprio Estado promove as suas reformas e mudanças em nome da racionalidade administrativa, da redução dos gastos públicos, da eficiência e da equidade (AZANHA, 1991; ARELARO, 1999; COSTA, 2009).
As motivações administrativas, de cunho claramente neoliberais, estão na origem das políticas de municipalização no Brasil e de inúmeros países da América Latina e de outros continentes (ROSAR, 1997; OLIVEIRA; ROSAR, 2002). Sobretudo a partir da Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada em Jomtein em 1990, diversos organismos internacionais, especialmente o Banco Mundial, passaram a orientar os países em desenvolvimento a reduzir o tamanho do Estado, priorizar investimentos no Ensino Fundamental e descentralizarem os processos de gestão para as instâncias mais próximas do cidadão. Os níveis iniciais do processo formativo (EF) foram repassados aos entes que estão na base do hierarquizado e assimétrico sistema federativo brasileiro. Aos níveis iniciais também são repassados menos recursos. O Brasil investe na Educação Básica atualmente cerca de 3,5% a menos do que aloca na Educação Superior (OCDE, 2018; NASCIMENTO; VERHINE, 2017). Em 2018, o custo médio/ano de um aluno do EF no Brasil foi de cerca de R$ 2.929,56. No município de Xaxim foi de R$ 3.272.73 (FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO, 2019).
A racionalidade administrativa e gerencialista é claramente perceptível no estudo ora apresentado. A municipalização em âmbito local está estreitamente ligada às políticas e às determinações vindas dos entes superiores. Ela foi se constituindo a partir das iniciativas e orientações dos governos do Estado e da União. A autonomia do município tem estado, deste modo, condicionada ao cumprimento da legislação e dos marcos regulatórios definidos pelos entes superiores. A transferência de competências e atribuições se deu no interior de um modelo federativo em que o poder se mantém centralizado.
Os dilemas do processo de municipalização no Brasil ficam mais evidentes quando introduzimos na análise o quesito financiamento. A despeito dos inegáveis avanços introduzidos pelo FUNDEF e, principalmente, pelo FUNDEB, o país ampliou a delegação de competências sem assegurar o devido orçamento. Os municípios são responsáveis pela quase totalidade das matrículas do EF mas lidam, cotidianamente, com a falta de recursos para manter os sistemas de ensino, melhorar a qualidade da educação e remunerar adequadamente os professores. Esse último aspecto é particularmente desafiador. Enquanto no sistema federal há planos unificados (regime único) de carreira docente, no âmbito municipal cada ente remunera os seus docentes a partir de seus planos de carreiras e das condições locais.
O financiamento, a despeito de não ser o único fator determinante para a melhoria da qualidade da educação, é imprescindível para um país continental e com enormes desigualdades sociais como o Brasil. Esse contexto de severas restrições fiscais também limitou o escopo e a abrangência do novo FUNDEB, aprovado em caráter permanente pelo Congresso Nacional em agosto de 2020. A agenda privatista e neoliberal do atual governo federal pressionou até onde pode para que o novo FUNDEB ficasse mais restrito do ponto de vista orçamentário e aberto às instituições privadas de educação básica. Prevaleceu, por fim, o entendimento de que o fundo é uma política voltada ao financiamento do sistema público de educação. Após embates e longas disputas foi aprovado um importante aumento no percentual da participação União no financiamento da educação. Os 23% aprovados serão implementados anualmente, sendo 12% em 2021, 15% em 2022, 17% em 2023, 19% em 2024, 21% em 2025 e 23% em 2026 (BRASIL, 2020).
A renovação do FUNDEB, a ampliação da complementação da União e a implementação do CAQ (Custo Aluno Qualidade) são fundamentais nesse momento. Os Projetos de Emenda Constitucional (PEC) que propõem a desvinculação das receitas estabelecidas pela Constituição Federal, se aprovados, comprometerão seriamente o financiamento, o regime de colaboração entre os entes federados e as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação.
Agradecimento
O presente artigo resulta de uma dissertação de mestrado em educação financiada (bolsa de estudos) pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e pela Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC).