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Conjectura: Filosofia e Educação

Print version ISSN 0103-1457On-line version ISSN 2178-4612

Conjectura: filos. e Educ. vol.25  Caxias do Sul  2020

https://doi.org/10.18226/21784612.v25.e020046 

DOSSIÊ: EDUCAR NA(S) INFÂNCIA(S): POSSIBILIDADES DE BRINCAR E APRENDER

Monumental prédio do Jardim da Infância anexo à Escola Normal de São Paulo: demolição de um emblema da República (São Paulo, 1896-1939)

The monumental Building of the Kindergarten annex to the Normal School of São Paulo: demolition of an Republic emblem (São Paulo, 1896-1939)

Mirian Jorge Warde* 
http://orcid.org/0000-0002-1119-6729

Sandra Aparecida Melro Salim** 
http://orcid.org/0000-0002-6395-4595

*Graduada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1972). Mestra em Educação: Filosofia da Educação pela PUC-SP (1976). Doutora em Educação: Filosofia da Educação pela mesma Instituição (1984). Realizou estágio pós-doutoral na Columbia University (2001-2002). Pesquisador sênior no CNPq. Professora visitante da Unifesp-Campus de Guarulhos. E-mail: claudiapanizzolo@uol.com.br

**Possui graduação em licenciatura em Educação Física pela Faculdade de Educação Física de Santo André (1980), graduação em Pedagogia pela Universidade Camilo Castelo Branco (1992), graduação em Licenciatura em Letras pela Universidade Camilo Castelo Branco (1986), possui Especialização em Docência do Ensino Superior (2012) pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo e Especialização em Gestão da Formação em Educação Infantil (2014) no Instituto Vera Cruz - São Paulo. Atualmente é aluna de Mestrado pela UNIFESP. Atuou como Formadora de Professores, Diretores e Supervisores da Secretaria Municipal de Educação - Diretoria Regional da Penha - Diretoria Pedagógica -segmento da Educação Infantil e permanece como Coordenadora Pedagógica no CEI Santa Bárbara. E-mail: sandra.ap.melro@gmail.com


Resumo

Este artigo analisa a trajetória do Jardim da Infância da Escola Normal de São Paulo, idealizada por republicanos paulistas que tinha como projeto a organização e modernização da instrução pública no estado, em fins do século XIX. Mesmo fazendo parte do complexo construído para atender à educação do povo, o prédio idealizado para o Jardim da Infância não resistiu às pressões políticas e econômicas, e foi demolido em 1939. As razões da demolição deste prédio, que pôs por terra a estrutura física e administrativa da instituição, que teria perdido relevância na história de sua constituição, serão apontadas bem como os valores defendidos e praticados que indicavam a suntuosa arquitetura pensada para esta instituição. Razões que levaram ao desmonte dessa escola na década de 30 (século XX), com as possíveis consonâncias e dissonâncias entre as autoridades políticas, estão indicadas e analisadas. As transformações urbanas e sociais, a partir da Proclamação da República, aceleraram o crescimento econômico, que se traduziu em mais capacidade de investimento para a cidade e ajudou a consolidar o desejo da nova elite de produzir um novo espaço urbano para viver. A modernização da cidade acompanhou essa visão. O palco da nova vida devia ser moderno, confortável e bonito. Seduzido pela propaganda oficial estadonovista e fascinado pelas mensagens de progresso, o povo – sem perceber – aplaudiu a “agonia” da República e saiu às ruas para venerar Getúlio, pai dos pobres. As constantes reformulações do ensino, as transformações urbanísticas e a verticalização da cidade possibilitaram a Prestes Maia dar prosseguimento ao seu Plano de Avenidas e ruir com o prédio original e monumental dessa instituição escolar pública de atendimento à primeira infância.

Palavras-chaves Jardim da Infância; Escola Normal de São Paulo; Prestes Maia; Plano de Avenidas

Abstract

This article analyzes the trajectory of the Kindergarten of the Normal School of São Paulo conceived by republicans from São Paulo whose project was to organize and modernize the state’s public education at the end of the 19th century. Even as part of the complex built to serve the education of the people, the building designed for the kindergarten did not resist political and economic pressures, and it was demolished in 1939. The reasons for the demolition of this building that destroyed the physical and administrative structure of the institution, which would have lost relevance in the history of its constitution, will be pointed out, as well as the values defended and practiced that indicated the sumptuous architecture designed for this institution. Reasons that led to the dismantling of that school in the 1930s, with the possible consonances and dissonances between the political authorities are indicated and analyzed. The urban and social transformations since the beginning of the Republic accelerated economic growth, which translated into more investment capacity for the city and helped to consolidate the desire of the new elite to produce a new urban space to live. The modernization of the city accompanied this vision. The stage for new life should be modern, comfortable and beautiful. Seduced by the state’s official propaganda and fascinated by messages of progress, the people – without realizing it – applauded the Republic’s agony and took to the streets to venerate Getúlio, father of the poor. The constant reformulations of the school, the urban transformations and the verticalization of the city made it possible for Prestes Maia to continue with its Avenues Plan and collapse with the original and monumental building of this public school institution for early childhood care.

Keywords Kindergarten; São Paulo Normal School; Prestes Maia; Avenues Plan

Introdução

Em São Paulo, a Escola Americana3 criou um Jardim da Infância em 1878. Essa escola, de orientação presbisteriana, e tendo Horace Lane à testa, serviu de referência para a instalação da primeira instituição similar pelo Poder Público do Estado de São Paulo. Mais do que referência, Lane colaborou diretamente com indicação de nomes, com orientação pedagógica e com o equipamento escolar. A régua e o compasso tinham de ser froebelianos.

No imaginário de republicanos paulistas, a Escola operava como emblema de uma nova ordem, que, podendo ampliar direitos aos cidadãos, sustentava, ao mesmo tempo, a opção dos cafeicultores paulistas pela imigração, o branqueamento da população trabalhadora, segmentando os direitos e deveres do mundo do trabalho (PANIZOLLO, 2006).

O Partido Republicano Paulista, fundado em 1873, tinha em seus planos de governo estabelecer a reforma da instrução pública paulista, levando em consideração a precária estrutura física, organizacional e pedagógica vigente. O atendimento era precário e crescentemente reduzido dado o aumento populacional.

O contingente de trabalhadores urbanos se ampliou enormemente, alimentado pelos migrantes saídos do campo e pelas levas de imigrantes que chegavam ao estado, fixando-se em grande parte na capital. Foi um crescimento demográfico importante, em uma cidade que, além de carecer de uma estrutura educacional, também não contava com um sistema urbanístico adequado, que contemplasse as necessidades básicas da população, em áreas como saúde, saneamento básico, mobilidade e habitação, entre outras.

Dentre os que estavam empenhados em modernizar a estrutura da instrução pública paulista e fazê-la republicana, alguns nomes se destacaram: Bernardino de Campos, Caetano de Campos, Cesário Motta, Prudente de Moraes e Rangel Pestana.4

Esses republicanos viam na Educação “uma estratégia de luta, um campo de ação política, um instrumento de interpretação da sociedade brasileira e o enunciado de um projeto social” (SOUZA, 1998, p. 36) Por isso, depositavam suas maiores esperanças e energias na educação, supondo-a suficientemente potente para combater o atraso e impulsionar o progresso, a democratização e a universalização do conhecimento e da cultura.

Com a República proclamada, eles buscaram estabelecer um projeto civilizador no qual a educação popular emergiria como uma necessidade política e social. A participação política da população era imprescindível e, para isso, fazia-se necessária uma ampla ação na difusão da instrução primária. Nessa perspectiva, é possível compreender a direção que tomou a educação pública para a consolidação do novo regime.

Naquele projeto civilizador, incluíram intervenções urbanísticas na capital, pautados na ampliação dos poderes e nas atribuições conferidas aos estados pela Constituição de 1891. As unidades da Federação ganharam autonomia política, econômica e fiscal, e as obras urbanas foram incluídas entre as prerrogativas dos estados.

As condições urbanísticas, arquitetônicas, sanitárias já estavam incluídas pelos republicanos mais diretamente envolvidos com a educação escolar paulista. Caetano de Campos, Prudente de Morais, Rangel Pestana, entre outros republicanos, mesmo antes da República já se debruçavam sobre o problema das condições dos prédios até então utilizados, mal-iluminados e com instalações físicas precárias. Circulava em suas conversas a construção de um edifício para a Escola Normal de São Paulo, que marcaria a primeira edificação escolar do período republicano.

Contando com uma legislação favorável e com o apoio de Prudente de Moraes Barros, primeiro presidente do Estado de São Paulo, que criara a Superintendência de Obras Públicas,5 os responsáveis por pensar e administrar a escola dos novos tempos puderam somar, nos projetos de embelezamento da cidade, por meio da monumentalização dos prédios escolares. A construção do prédio da nova Escola Normal teve início em 1892, e a inauguração se deu em 2 de agosto de 1894.

Nos fundos do terreno da Escola Normal, foram construídos os pavilhões para a Escola Complementar,6 o salão de ginástica com galpões anexos e o prédio para abrigar o Jardim da Infância.

Essa disposição para as grandes edificações, visando a estabelecer definitivamente o novo regime, direcionou as intervenções urbanísticas na capital (CORRÊA, 1991).

Este artigo tem como objetivo apresentar a trajetória do Jardim da Infância anexo à Escola Normal de São Paulo – preservada na memória como Escola Normal Caetano de Campos –, com ênfase no seu momento inicial, quando lhe é destinado um prédio de arquitetura pujante, e no ensejo da sua destruição, ele que nascera para ser um emblema da República.

A implantação do Jardim da Infância: a construção de um prédio monumental para a primeira etapa da instrução pública

Desde a metade do século XIX, as instituições pré-escolares ganharam força internacional, como parte de um conjunto de medidas adotadas para mitigar as aflitivas condições físicas e sociais dos trabalhadores e dos segmentos mais pobres da população, decorrentes dos avanços industriais capitalistas.

No caso dos Estados Unidos, a introdução do kindergarten se deu por força dos

[...] alemães que para lá havia imigrado na segunda metade do século XIX, dentre os quais Adolf Douai, William Nicholas Hailmann e John Kraus. Esses alemães chegaram aos Estados Unidos foragidos da derrota dos movimentos revolucionários de 1848, e seus kindergartens tencionavam preservar a cultura e a língua alemã, inicialmente entre os filhos de alemães nascidos na América, promovendo, tão fielmente quanto possível, a pedagogia de Froebel. De fato, dos dez kindergartens abertos nos EUA antes de 1870, nove eram para crianças de língua alemã

(ABBUD, 2007, p. 24-25).

Os padrões estadunidenses de Educação Infantil foram acionados como modelo pelos dirigentes da educação paulista. Com a crescente adesão às teses do liberalismo político-econômico, e com as crenças sedimentadas em relação aos benefícios da República, e, principalmente, o gradativo deslumbramento com os benefícios materiais das modernidades industriais, difundiu-se entre as elites paulistas a tendência para o deslocamento do polo de referência exclusivo da Europa – França em especial –, para inclusão dos Estados Unidos. Não em todos os assuntos; destacadamente em alguns âmbitos como a educação das crianças, nos kindergartens e nas escolas primárias (WARDE, 2000).

Foi essa aproximação cultural com os Estados Unidos, mais do que com a Europa, que colocou os dirigentes republicanos em contato com a pedagogia de Froebel.

Caetano de Campos nela encontrou suporte para seus planos de qualificação e ampliação da instrução pública para crianças, a partir dos quatro anos de idade. Ele, efetivamente, “acreditava que os americanos do norte haviam encontrado uma educação que atendia prontamente às exigências do regime democrático” (REIS FILHO, 1995, p. 64).

Campos entregou sua proposta, em março de 1891, ao então presidente do estado, Américo Brasiliense de Almeida Melo, em uma Memória na qual expôs seu projeto de educação popular, que tinha como princípio pedagógico a educação pública, universal, obrigatória e laica.

À época, o secretário de estado dos Negócios do Interior, Alfredo Pujol, ciente das possibilidades que o Jardim da Infância tinha na instrução pública paulista, no seu Relatório de 1896 para o então governador do Estado de São Paulo, Campos Sales, enfatizou a importância da implantação do Jardim da Infância anexo à Escola Normal:

O kindergarten, a que era ligado o nome imortal de Froebel, é o fundamento profundamente racional de todo o ensino intuitivo. A instrução, disse um professor, foi como a semente lançada à terra. Escolher a semente, moldar o viveiro, regar o alfobre, amparar a planta, é a função do jardineiro e do mestre. Antes, porém, de semear, havia um trabalho prévio e indispensável: preparar o solo. Na cultura da inteligência, este primeiro trabalho consistia em habituar o aluno a refletir, em ensinar a pensar. E’ a função da admirável instituição que o gênio de Froebel criou e que a experiência dos modernos pedagogistas desenvolveu e consolidou. Deliberando o Governo, de acordo com o diretor da Escola Normal, a criação de um kindergarten, filiado á Escola Modelo Caetano de Campos, não fez mais do que completar pela base o nosso sistema de ensino

(KUHLMANN JUNIOR, 1994, p. 17).

O Jardim da Infância do Estado de São Paulo foi criado em 1896, anexo à Escola Normal à cuja direção ficou subordinado. Como instituição pública, era a única em seu gênero no Brasil.7 Foi criada para educar os sentidos de crianças com idade entre quatro 4 a 7 anos e para “despertar o divino que existe no interior da alma humana” (MONARCHA, 2016, p. 122), com nítida inspiração na pedagogia de Friedrich Wilhem August Froebel.

Monarcha se refere ao funcionamento pedagógico do Jardim da Infância:

A partir da criação do Jardim da Infância, expressão que assemelha a infância às plantas que crescem mediante cuidadoso cultivo – os professores normalistas republicanos empenharam-se na especificação das características da primeira infância, determinando “particularidades”, prescrevendo um regime didático especial e, sobretudo, estimulando comportamentos considerados adequados a essa fase da vida. Mais além, as crianças matriculadas na instituição foram inseridas simultaneamente na esfera pública e em um tempo rigidamente demarcado pelo relógio. Em outras palavras, o tempo já não pertencia à infância, mas às jardineiras imbuídas de propósitos formativos. Como decorrências instituíram-se horários destinados às inúmeras atividades formativas – lições, cantos, marchas, preparação para o lunch, fato que não escapou às críticas de João Köpke

(MONARCHA, 2001, p. 89).

A arquitetura do prédio do Jardim da Infância foi planejada e executada pelo engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo. Ocupava uma área de 940 metros quadrados, amplamente iluminado, distribuído em quatro salas de aula e um grande salão central, destinado a reuniões gerais e solenidades infantis. Esse salão media 15x16m, com pé-direito duplo e coberto por uma cúpula octogonal metálica completada por vidro fosco encaixado em ferros trabalhados. No lado externo da cúpula, existiam quatro terraços triangulares, com vistas para diferentes pontos da cidade de São Paulo e, no lado interno, uma galeria destinada a alojar pessoas em festas e solenidades.

Abaixo da galeria do salão central, estavam pintados a óleo os retratos de Rousseau, Froebel, Pestalozzi, e Mm. Carpentier, pedagogistas que pensaram a educação para a modernidade. Havia quatro compartimentos destinados aos banheiros, sala de visitas, depósito de materiais e gabinetes de trabalho, além de dois pavilhões cobertos para recreação das crianças (MONARCHA, 1999; KUHLMANN JUNIOR, 1994).

Havia ainda locais destinados aos jogos, e um grande jardim cercava todo o edifício.

Fonte: Acervo Mario Covas – Instituto Moreira Sales.

Figura 1 Prédio do Jardim da Infância, inaugurado em 16/2/1897 

Nesse suntuoso prédio começaram a ser oferecidas vagas para crianças de 4 a 7 anos, para que se lhes educassem os sentidos, e fosse nelas despertado o divino da alma humana, por meio de dons e ocupações. Essas orientações pedagógicas e todos os quesitos para o funcionamento da Instituição eram registrados na Revista do Jardim da Infância, pautados no livro Paradise of Childhood, de Edwar Wiebe ali traduzido.

Na sua trajetória, 1896-1939, o Jardim da Infância manteve a condição de escola- modelo, mas, ao longo do tempo, perdeu o status matricial, e sua estrutura original não sobreviveu às mudanças do traçado urbano e arquitetônico da cidade de São Paulo, que entrava no ciclo perpétuo de construções e destruições para que nela coubessem mais gente e carros. Sofreu também a corrosão dos valores republicanos daqueles intelectuais e dirigentes, que estiveram na origem da nova Escola Normal, dos seus anexos modelares e, portanto, do seu Jardim da Infância.

Subordinada ao diretor da Escola Normal de São Paulo, dele dependia a escolha do diretor do Jardim da Infância; como superior hierárquico, ao diretor da Escola Normal também cabia observar o cumprimento das obrigações regulamentares e a supervisão das práticas pedagógicas e administrativas.

No interregno de 1896 a 1946 foram 13 diretores homens da Escola Normal. No mesmo período, foram quatro as diretoras do Jardim da infância: Maria Ernestina Varella (1896-1909), Joana Grassi Fagundes (1909-1925), Irene Branco da Silva (1925-1930) e Hortência Pereira Barreto (1931-1946).

Maria Ernestina Varella, também conhecida como Mimi Varella, foi grande entusiasta do método Froebel e dedicou-se a estudá-lo a pedido do diretor, à época, da Escola Normal de São Paulo, Gabriel Prestes. Esteve presente no planejamento e na inauguração do Jardim da Infância. Permaneceu no cargo de diretora até 1909, ano de sua morte, e publicou artigos na Revista de Ensino, órgão da Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo.

Joana Grassi formou-se na Escola Normal de São Paulo em 1895 e, a pedido do diretor Gabriel Prestes, iniciou sua carreira de jardineira no Jardim da Infância, sob a orientação de Maria Ernestina Varella. Dedicou-se a estudar e traduzir livros em alemão, que traziam os pressupostos froebelianos e eram utilizados nas práticas com as crianças; jogos importados dos Estados Unidos também faziam parte da rotina pedagógica da Instituição. Foi indicada a ocupar o cargo de diretora do Jardim da Infância, por Oscar Thompson em 1909, diretor da Escola Normal, para substituir Ernestina Varella que havia falecido.

Irene Branco da Silva foi a terceira diretora do Jardim da Infância. Aberta às novas tendências que apontavam para uma renovação pedagógica, apoiou Alice Meireles, professora da Instituição, a promover estudos sobre as premissas do movimento escolanovista, incluindo as propostas pedagógicas de Decroly, Montessori e Kilpatrick e das irmãs Agazzi (MELRO SALIM, 2019).

Hortência Pereira Barreto, membro da Sociedade de Educação de São Paulo, assumiu a direção do Jardim da Infância, indicada por Antônio Firmino de Proença, também recém-empossado na direção da Escola Normal de São Paulo. Nos primeiros meses em que esteve na direção do Jardim da Infância, Lourenço Filho (1931) era o diretor-geral da instrução pública, no Estado de São Paulo, que teve, durante sua administração, um foco central: reformar o aparelho central de fiscalização e coordenação do ensino. Foi a última diretora antes da demolição do prédio do Jardim da Infância.

Com base nos pressupostos pedagógicos de Froebel, a Escola Normal de São Paulo destinava suas alunas ao Jardim da Infância para atuarem como Jardineiras nas diferentes turmas; o diretor da Escola Normal convidava as alunas que mais se destacam para a função; o mesmo se dava com as alunas da Escola Complementar, que, por sua vez, eram indicadas para serem as auxiliares das Jardineiras (ALMEIDA, 2013).

A mulher (jardineira) como educadora principal (e quase natural), igualava-se à figura materna, situação esta corriqueiramente encontrada nas histórias e contos apresentados na Revista do Jardim da Infância. Percebia-se a figura física e provavelmente intelectualmente frágil feminina, que necessitava de controle e proteção. Esta visão sexista da mulher angelical, sofredora e zeladora devia aprender desde cedo as suas obrigações. Também esta visão era reafirmada em histórias nos volumes dos guias utilizados no Jardim da Infância. Assim, esta edição, além da disseminação do método froebeliano estava determinada a valorizar o trabalho masculino como base econômica e o da mulher como disciplinadora de valores nobres (SALIM, 2019).

Contudo, a partir da educação de crianças na esfera pública, primordialmente nos Jardins de Infância, acompanhada essencialmente pela docência feminina, estabeleceu-se o vínculo profissional do magistério feminino. As mulheres, mães e educadoras por natureza, passaram a estender sua função para as escolas na profissão de professoras (SCHAFFRATH, 1992).

Para que o programa pedagógico do Jardim propiciasse o desenvolvimento integral da criança, o papel das professoras jardineiras era essencial, pois as mulheres eram consideradas aptas para tal tarefa: elas seriam Jardineiras e deveriam cultivar e cuidar das crianças desde a mais tenra idade como um “brotinho”, fornecendo tudo o que lhes fosse preciso; precisavam tornar o conhecimento atraente e vivaz, de modo que a atenção fosse centrada na atividade, na ação e não na fala da professora apenas. Dessa maneira, Prestes orienta como devia ser o trabalho das Jardineiras:

É claro que todos estes exercícios devem ser acompanhados pela lição viva da professora, porque só assim as ideias recebidas pela percepção se tornarão conscientes, e se aproveitarão as oportunidades. de aperfeiçoá-las e de ampliá-las. A professora deve, entretanto, ter cuidado em não falar demais pois deve apenas manter a atenção das crianças sobre os objetos que lhes são apresentados, tornando mais vividas as suas impressões

(PRESTES, 1896, p. 125. REVISTA JI).

O trabalho dessas Jardineiras era o de seguir o método já consolidado, legitimando a educação dos sentidos de base froebeliana, bem como garantir a essas crianças boas bases para os cursos seriados posteriores. Um diferencial a ser destacado e afirmado pela legislação era a educação mista, sendo esta a única escola do complexo a ofertar um ensino para meninos e meninas, no mesmo espaço e ao mesmo tempo.

Embora Gabriel Prestes considerasse a educação republicana como laica e o ensino moderno como nascido da decadência da autoridade régia e da autoridade clerical, a religião não ficou fora do Jardim da Infância. Não mais, é claro, o ensino religioso dos tempos do Império, que nas escolas primárias dominava o conjunto das atividades (KUHMANN JUNIOR, 2011).

Quanto às crianças matriculadas, embora nascida sob o influxo de uma tendência internacional de atendimento às crianças das classes trabalhadoras, o jardim de infância de São Paulo – como suas congêneres particulares –, destinou-se dominantemente aos filhos da burguesia e das camadas médias mais altas.

Em 1896, o jardim da infância matriculou 95 crianças distribuídas em classes de aproximadamente 45 alunos. Dois anos depois, elevou a matrícula para 123 crianças, até chegar a 189 em 1908. Nas duas décadas seguintes, esses índices elevaram-se, chegando a atingir a casa de 527, em 1923, que declinou para 276 em 1936 (SALIM, 2019).

O crescimento das matrículas e os anos em que elas ocorreram sugerem que seus dirigentes foram crescentemente convencidos a responder de modo mais positivo às carências de outros segmentos da população, especialmente aquelas associadas aos cuidados e à educação das crianças menores; mas sugere também um esforço de atestar sua relevância quer pedagógica, quer social, em face da intensificação dos discursos críticos às práticas pouco republicanas que grassavam por todo o País e por todos os estados, em todas as instâncias governamentais, e a expansão das vozes em favor da democratização do ensino e universalização da escola pública. Não casualmente, os maiores aumentos nas matrículas ocorreram nos anos de 1910 e 1920.

Esses e outros fatores de ordem política exerceram pressão para mudanças para toda a estrutura do ensino público paulista, não só para o Jardim da Infância. Entre redução de orçamento, ampliação da procura, os planos de implementação de novos caminhos para a educação pública esbarravam em interesses diferentes, ora voltados à manutenção da saúde pública com epidemias que assolavam a população, como febre amarela, varíola, dentre outras, ora pela manutenção de interesses políticos que, no início dos anos 1900, estavam concentradas na modernização da capital paulista, através da construção de pontes, aterramento de várzeas, redefinição do zoneamento da cidade, alargamento de ruas do centro velho e outras que iam sendo assimiladas aos fazeres políticos.

Na primeira década de 1900, havia a escassez de recursos para custear as reivindicações dos inspetores, que acompanhavam os estabelecimentos de ensino. Esta falta de recursos apontava a fragilidade crescente na manutenção do Jardim da Infância. Se para os demais segmentos da instrução pública, mais prestigiados, havia escassez de recursos, para o Jardim da Infância apenas se cumpria o que estava relacionado à manutenção da sua administração de pessoal.

O déficit, gerado pelo conflito mundial de 1914-1918, ao governo do estado paulista em seus grandes estoques de café, desprezados pelos tradicionais compradores, afastou os investimentos na instrução pública, que passava a acreditar na escolarização, como um instrumento para a formação do povo. Esse novo modo de perceber a educação escolar chegou após a guerra e revelou a necessidade de se rever o ensino, em seus princípios e instituições, a fim de que se constituísse o mais sólido alicerce para a manutenção da paz e compreensão entre os homens naquele período, como a pandemia conhecida como gripe espanhola, a geada que devastou os campos de café, os quais prejudicaram os investimentos pretendidos à instrução pública.

Com a criação da Associação Brasileira de Educação (ABE) em 1924, muitas propostas circularam nas conferências organizadas por esta Instituição. Naquela mesma década, a propagação das ideias da Escola Nova atingiu e enfraqueceu os valores e as concepções educacionais presentes desde a República – a supremacia do método intuitivo como marco da renovação e modernização do ensino e a consideração do sistema escolar paulista como referência modelar.

Monarcha acrescenta:

É lícito afirmar que o tema Escola Nova procurou mobilizar política e ideologicamente as classes sociais em torno de uma mesma questão: a superação do atraso nacional e o ingresso no moderno. [...] o movimento da Escola Nova expressa um amplo programa cultural de largo alcance pedagógico, com a finalidade de construir a identidade naciona

(MONARCHA, 1990, p. 19).

Outra indicação apontada no Inquérito sobre a Instrução Pública, elaborado em 1926 por Fernando de Azevedo, promovido pelo jornal O Estado de São Paulo, tratou da reconstrução educacional assentada na ordem social. Lourenço Filho deu seu parecer assinalando o desvio funcional profundo da escola, ou seja, a ausência de um claro espírito de finalidade social, “fundamentalmente nacionalizadora, integrando não só o estrangeiro, mas o próprio sertanejo, tanto ou mais desviado, do que o imigrante, em relação à vida contemporânea política e social” (MONARCHA, 2009, p. 173).

Esta população era percebida, afastada e não atendida pela estrutura da instrução pública até então posta, também não se aproximava dos que estavam dentro do Jardim da Infância.

O movimento da Escola Nova trouxe modificações, através do Decreto n. 3858, de 11 de junho de 1925, inclusive para o Jardim da Infância, nos seus arts. de 57 a 60, que determinaram idade, duração do curso, cargos, vencimentos.

Mesmo que a Reforma da Instrução Pública tentasse trazer à tona a essência que caracterizava os primeiros governos republicados, na exaltação da escola pública, outros feitos foram percebidos...

Além das contribuições ao ideário da Escola Nova, o movimento reformista provou considerável disseminação dos jardins de infância. Devido ao aparecimento tardio dessas instituições nos sistemas escolares, elas foram, desde o início, estruturadas de acordo com o modelo escolanovista; dessa forma, a difusão desse nível de escolarização constituía, por si mesmo, expressivo exemplo de penetração dos princípios das novas ideias, sejam elas froebelianas, montessorianas e decrolianas

(NAGLE, 2009, p. 271).

A década de 30 (século XX) trouxe outras e intensas inquietações para o cenário político e educacional. Kishimoto (1988) aponta para a necessidade de adaptações e inovações que culminariam com as novas formulações metodológicas no modelo original. Não bastava dar maior ou menor liberdade para as jardineiras, mas sim a falta de um trabalho de pesquisa contínuo que ampliasse a experiência da equipe do Jardim da Infância. As informações acumuladas eram passadas de geração a geração, por intermédio de aulas práticas, sem nada ter sido acrescentado ou modificado. O programa elaborado por Maria Ernestina Varella foi reproduzido por vinte e quatro anos, como um modelo de si próprio. Sua primazia só começou a ser quebrada com a introdução de novas orientações pedagógicas pautadas no escolanovismo de Lourenço Filho, tendo a professora Alice Meireles a incumbência de efetivá-las.

Mudanças políticas, educacionais, descontentamento da população e a Revolução de 1932 explodem e trazem consigo a proposta de mais uma reforma conhecida como o Manifesto dos Pioneiros da Educação, que propunha a reconstrução educacional. Tal proposta tinha Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Heitor Lira, Carneiro Leão, Cecília Meireles entre tantos outros que propunham princípios e bases para a reforma, que indicava a reconstrução do sistema educacional em bases que pudessem contribuir para a interpenetração das classes sociais e a formação de uma sociedade humana mais justa desde o Jardim da Infância à Universidade.

Em 1933, o Código de Educação, elaborado por Fernando de Azevedo, organizou e deu ao Jardim da Infância maior amplitude, estabelecendo, em seus arts. 213 a 224, normativas sobre seus fins, organização, programa, ano letivo, regime de aulas, admissão das crianças, corpo docente e, finalmente, sobre sua administração e, ainda, vinculou o Jardim da Infância a uma escola normal, como escola anexa, mas não excetuou esta condição à instalação de novas unidades independentes.

Assim, o Jardim continuou a desenvolver suas funções dentro do permitido e previsto pela legislação e dentro dos planos políticos a ele destinados, até a intervenção urbanística de 1939, que pôs fim à existência do monumental prédio para ele construído.

O plano urbanístico de Prestes Maia e a destruição de um emblema republicano: o monumento foi por terra

O Estado Novo estava completando um ano, quando Prestes Maia assumiu a Prefeitura de São Paulo. Instaurado em 1937, duraria até 1945, quando Getúlio Vargas seria apeado da presidência da República após 15 anos no cargo.

O vetor ditatorial do novo estado invadiu horizontal e verticalmente todas as esferas da vida pública brasileira. Como em todas as ditaduras, tingiu com suas cores as relações sociais e políticas.

As medidas de centralização e concentração do poder federal, iniciadas nos anos anteriores, começaram a ser levadas ao extremo já a partir 1935, tendo como um dos pilares a subtração da autonomia dos estados sustentada pelo sistema de interventoria (PANDOLFI, 1999).

Um dos principais mecanismos de centralização político-administrativa utilizados pelo Estado Novo foi o sistema de interventorias. Dentro desse sistema os Executivos estaduais passaram a ser chefiados por interventores diretamente subordinados a Vargas. No lugar das assembléias legislativas foram criados departamentos administrativos, cujos membros eram nomeados também pelo presidente da República e, em alguma medida, exerciam um controle sobre os atos dos interventores. Aos departamentos administrativos cabiam a aprovação dos decretos-leis dos interventores, a aprovação e a fiscalização dos orçamentos estaduais, a avaliação do desempenho e da eficácia dos órgãos estaduais, e a apresentação de sugestões de mudança, entre outras tarefas.

[...] o sistema de interventorias contribuiu, juntamente com uma série de outras medidas, para neutralizar o poder dos grupos locais que até então controlavam os governos estaduais com base no sistema de representação tradicional. Mais do que isso, ao submeter os poderes locais ao poder central, o sistema permitiu um deslocamento dos esquemas de aliança e lealdade da esfera regional para a nacional. Ainda assim, os grupos locais continuaram bastante poderosos. (CPDOC).8

Nesse ordenamento, São Paulo foi alvo de especial controle político, não só por sua maior concentração de riqueza econômica e financeira, como também, e por isso mesmo, com vezo autonomista patenteado na chamada Revolução Constitucionalista de 32.

Em 1938, Ademar Pereira de Barros foi empossado como interventor federal, por indicação de Vargas. No mesmo ano, Ademar de Barros indicou Francisco Prestes Maia para interventor da capital do estado que, em sendo aprovado pelo governo federal, foi empossado no mesmo ano.

Prestes Maia, formado na Escola Politécnica de São Paulo, atuou na Secretaria de Viação e Obras Públicas do governo estadual, foi professor na mesma escola que o formou, e participou de planos de urbanização em Recife e cidades paulistas como Campos do Jordão, Santos, Campinas e São Paulo. Ocupou a prefeitura paulista em dois mandatos: 1938-1945 e 1961-1965. Foi em parceria com o engenheiro João Florence de Ulhôa Cintra o autor do Plano de Avenidas de São Paulo, considerado um dos documentos cruciais do urbanismo brasileiro (CPDOC).9

A capital paulista era alardeada como a cidade que não pode parar. O Plano de Avenidas de Prestes Maia foi uma proposta de remodelação de seu sistema viário, no intuito de responder ao novo ritmo de crescimento da cidade industrial e à necessidade de articulação dos bairros entre si e com o centro da cidade (LEME, 1999).

Prestes Maia era patrocinado por Ulhôa Cintra, de quem cultivava grande apreço, na época chefe da Comissão do Tietê, órgão da Diretoria de Obras, dirigida por Artur Sabóia, o qual não se apresentava totalmente a favor do desenvolvimento daquele Plano. Dentro da administração municipal, Sabóia não era o único a contestar as propostas de Prestes Maia, portanto, implantá-las não seria tarefa fácil.

O Plano de Avenidas foi apresentado em 1930 e se sustentava em três princípios: o livre crescimento horizontal e vertical da cidade; a importância da circulação de caráter rodoviário, com destaque para o automóvel; e o estabelecimento de uma estrutura urbana que suportasse esse crescimento e circulação automotiva.

Em 1938, Prestes Maia assumiu a prefeitura de São Paulo, em substituição a Fábio Prado, e uma série de acontecimentos, que inviabilizaram a continuidade dos elementos integradores e democráticos, antes presentes no governo, se acentuou com o intervencionismo estatal a serviço dos interesses econômicos dominantes. Sendo indispensável o apoio de São Paulo, antes do golpe, Vargas promoveu uma negociação secreta com o governador paulista Cardoso de Melo Neto, que havia substituído Armando Sales, quando este se desincompatibilizou do governo paulista para disputar a presidência. Junto com a maioria conservadora do Partido Constitucionalista, o governador apoiou o novo regime, traindo Sales e, em troca, foi mantido no cargo. Integrante de seu secretariado, Fábio Prado também continuou à frente da prefeitura.

Para a prefeitura de São Paulo, a opção existente em 1938 era clara: de um lado a visão reguladora e social de Anhaia Melo; de outro, o autor das concepções viárias expansionistas do Plano de Avenidas. Em 7 de maio de 1938, Prestes Maia tomava posse no cargo, no qual permaneceria por mais de sete anos, até o final de 1945.

A primeira providência de Prestes Maia na prefeitura foi colocar Ulhôa Cintra, seu mentor à época do Plano de Avenidas, à frente do Departamento de Obras. Ao assumir a prefeitura, Maia se deparou com uma série de obras em andamento, iniciadas por Fábio Prado: Biblioteca Municipal, Estádio do Pacaembu, túneis da Avenida Nove de Julho, além de parques infantis e outras realizações do Departamento de Cultura. Verbas e integrantes desse departamento foram atingidos pela mudança de gestão, com a demissão de Mário de Andrade, provocando hostilidades da intelectualidade modernista a Prestes Maia, embora a maioria de suas atividades tenha sido mantida, como, por exemplo, a conclusão dos parques infantis no Ipiranga e na Vila Romana e a realização de novas unidades. Para desenvolver a cultura física, moral e cívica da juventude, Maia implantou “clubes de menores operários” e uma estação de férias junto à Represa Guarapiranga.

Os pontos mais prestigiosos do Plano de Avenidas de Prestes Maia foram aqueles situados no Centro Novo, principal área de expansão para o centro comercial e de negócios: as Avenidas Ipiranga e São Luiz, prolongadas além do circuito do perímetro. A Avenida Ipiranga seria estendida até a Rua da Consolação; a diretriz da Avenida (antes rua) São Luiz foi prolongada por trás da Escola Normal, derrubando-se o pavilhão do Jardim da Infância de Ramos de Azevedo.

O prédio do Jardim da Infância podia ser assistido nos seus últimos dias de existência por entre árvore, fios e carros que iam e vinham na então estreita rua São Luiz. A antiga exuberância, agora entre outros artefatos à sua frente, foi desaparecendo, e o prédio foi sendo descaracterizado, aparecendo como mais um prédio no meio de tantos outros.

Em 1939, o até então monumental prédio do Jardim da Infância da Escola Normal de São Paulo foi demolido. Com a demolição, as crianças e equipes do Jardim da Infância foram alocadas em salas que, à época, não estavam sendo utilizadas pela Escola Normal. Eram espaços improvisados, inadequados devido às instalações, mas não havia alternativa naquele momento.

Fonte: Lefèvre, 2006, p. 177.

Figura 2 O prédio do Jardim da Infância em demolição (1939) 

Considerações finais

Após a demolição do prédio original, as crianças e os adultos foram removidos de suas instalações e, sem escolha, enfrentaram uma realidade oposta à que tinham até então. Sem os pais e professoras terem sido ao menos consultados, foram deslocados de um espaço planejado para serem instalados em salas que não ofereciam sequer segurança às crianças. Nada mais foi ponderado e considerado, somente o Projeto de Melhoramentos Urbanos.

O grau de referência que a instrução pública havia alcançado permitiu-lhe inovações e ousadias, como a construção e a instalação de um prédio monumental para o atendimento de crianças de 4 a 6 anos, no Jardim da Infância. Não foi inédito no Brasil, mas foi o primeiro público na capital e com uma estrutura suntuosa e arquitetura monumental. A instituição acomodou em suas práticas padrões estadunidenses, alemãs, suecas e de tantos outros cantos do mundo, mas o kindergarten se fez presente e é dele o foco deste texto.

O Jardim da Infância se efetivou como uma instituição educativa com elevada qualidade, mas seu alcance não acompanhou as necessidades da população paulistana. Com o passar do tempo, a demanda cresceu vertiginosamente, porém as matrículas permaneceram limitadas, a considerar sua grandeza física e o número pequeno de crianças que daquele complexo se beneficiava. Vale ressaltar que as crianças que por ali transitavam faziam parte das camadas mais privilegiadas da população, o que afastou a Instituição da sua inspiração original: atender a crianças que necessitavam de acolhimento enquanto mães e pais trabalhavam.

O prédio do Jardim da Infância foi instalado atrás da Escola Normal de São Paulo, como seu anexo. Uma das tarefas determinadas por lei ao Jardim da Infância era a de absorver a mão de obra das alunas normalistas da Escola Normal, em estágios no corpo docente, desde que apresentassem aptidão para tal. Eram selecionadas pelo diretor da Escola Normal, e indicadas para estarem com as crianças e professoras. Contudo, analisado o número de normalistas e a quantidade das que eram destinadas ao estágio do Jardim da Infância, verifica-se uma diferença importante, já que o curso infantil dispunha de poucas salas, em relação ao número de normalistas anualmente formadas. Ou seja, esse acesso era concedido, normalmente, para alunas que, além de mostrarem aptidão, também tivessem apadrinhamento econômico e político. Com certeza, esses quesitos eram determinantes, no processo de seleção a que elas eram submetidas, hipótese que não se deve rejeitar considerando-se os sobrenomes que compõem o corpo docente do Jardim da Infância.

Pode-se dizer que foi, especificamente, o Plano de Avenidas que levou o prédio original do Jardim da Infância a ser demolido. Não há como negar que essa demolição patrocinou a destruição da arquitetura de um prédio monumental, que ruiu em favor do alargamento de uma rua, que havia desaparecido com sua instalação, para que um fluxo maior de automóveis pudesse por lá trafegar.

Desapareceu, assim, aquela instituição republicana que, nascida em nome do progresso, foi demolida em nome do progresso; o que a criou também a abateu e a apequenou. Mas, ao contrário dos seus mentores, os novos senhores da República certamente não lhe tinham qualquer apreço. Talvez nem mesmo a educação fizesse parte das noções de progresso e modernidade daqueles novos mandatários.

3ESCOLA AMERICANA: A Escola Americana de São Paulo, cujas atividades iniciaram em 1870, com a norte-americana Mary Ann Annesley Chamberlain, missionária presbiteriana, com o apoio de seu esposo, o missionário George Whitehill Chamberlain. Mary Ann recebia em sua residência, localizada à rua Visconde de Congonhas do Campo, n. 1, durante uma hora por dia, um grupo de crianças que não frequentavam as escolas públicas por motivos de intolerância religiosa (KISHIMOTO, 1988; MATOS, 2004; GARCEZ, 1970; RIBEIRO, 1981). Em 1871, a escola mudou-se para a Rua Nova de São José, com apoio da Junta de Missões Estrangeiras de Nova York. Em 1878, foi organizado o Jardim da Infância da Escola Americana. Em 1885 Horace M. Lane assumiu a direção da Instituição. Em 1886, foi inaugurado o internato para meninos da Escola Americana, na rua Maria Antônia, em área doada pelo casal Chamberlain. Acredita-se que o Jardim da Infância tenha encerrado suas atividades entre os anos de 1885 e 1888. Kishimoto (1988) defende a possibilidade de esta pausa estar relacionada, inclusive, a inibir a concorrência com o Jardim da Infância da Escola Normal de São Paulo. Também há indícios de que Lane, diretor da Escola Americana, escolheu encerrar as atividades do Jardim da Infância da Escola Americana, em decorrência de sua amizade com os republicanos, como Gabriel Prestes, a fim de evitar concorrer com o Estado pela educação dos pequenos, dentre outras considerações citadas pela autora (SILVA, 2014). Ver em Hilsdorf (1977; 1986) fartas informações e análises sobre as escolas americanas e o papel de Lane, nas primeiras reformas educacionais republicanas no estado.

4BERNARDINO JOSÉ DE CAMPOS JÚNIOR (1841-1915): um dos fundadores do Partido Republicano Paulista. Foi presidente do Estado de São Paulo de 1892 a 1896. ANTÔNIO CAETANO DE CAMPOS (1844-1891): Foi diretor da Escola Normal no início da República. Foi sob seu comando que a Escola Normal foi reformada e as escolas preliminares anexas foram transformadas em escolas-modelo. CESÁRIO MOTTA JÚNIOR (1847-1897): No governo de Bernardino de Campos, em 1892, ocupou a pasta dos Negócios do Interior, dedicando-se especialmente à Educação e à Saúde. PRUDENTE JOSÉ DE MORAIS BARROS (1841-1902): Foi nomeado presidente do Estado de São Paulo em fins de 1889. Durante esse período determinou que a quantia de 200 contos de réis, destinados por lei para a construção da catedral, fosse usada na construção da Escola Normal. Em 1894, foi eleito primeiro presidente do Brasil pelo voto popular. FRANCISCO RANGEL PESTANA (1839-1903): Um dos criadores do jornal A Província de São Paulo, renomeado O Estado de S. Paulo, quando da Proclamação da República; trabalhou nesse, e em outros jornais, como redator. Com a chegada da República, Francisco tomou parte do triunvirato que assumiu o governo da província, juntamente com Prudente de Morais e ao Coronel Souza Mursa (HILSDORF, 1986).

5A Superintendência Obras Públicas era herdeira da Repartição de Obras do regime imperial. Para dirigi-la, Prudente de Moraes chamou o engenheiro Antônio Francisco de Paula Sousa, formado na Escola Técnica Superior de Zurique, na Suíça, e na Politécnica de Karlsruhe, na Alemanha.

6ESCOLAS COMPLEMENTARES eram instituições destinadas a atender aos alunos habilitados no ensino preliminar (7-12 anos), preenchendo a lacuna entre esta etapa e o secundário. As escolas complementares podiam atender a crianças de 11 a 17 anos. A matrícula nas escolas complementares, conforme a Lei n. 861, de 12 de dezembro de 1902, exigia que os candidatos tivessem cursado as escolas preliminares e fossem admitidos na ordem das médias das notas obtidas. O Decreto n. 400, de 6 de novembro de 1896, fixou a estrutura curricular das escolas complementares, que teriam quatro anos de duração. Posteriormente, essas escolas foram convertidas em Institutos Pedagógicos (SÃO PAULO, 1986). Tanuri (1979) entende que as escolas complementares conferiam uma feição profissional reduzida e conteúdo de cultura geral. Para a autora, tal dualidade foi novamente sancionada em 1911, quando as complementares foram convertidas em normais primárias e outras em normais secundárias.

7Antes desse primeiro Jardim da Infância público paulista, foram implantadas algumas pré-escolas privadas. No Rio de Janeiro, o Colégio Menezes Vieira introduziu o seu Jardim da Infância em 1875, além do kindergarten da Escola Americana já mencionado na Introdução.

Referências

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Recebido: 28 de Dezembro de 2020; Aceito: 05 de Janeiro de 2021

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