CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Em uma sociedade em que cada vez mais o indivíduo é instigado a tomar decisões ante os acontecimentos que ocupam a pauta de nosso cotidiano – ainda mais diante da crise ética por que passa – faz-se necessário e fundamental que a docência, sobretudo a de ensino médio, não se limite a tão somente reproduzir conceitos e conteúdos.
O senso comum relaciona o ensino científico a um conjunto de formulações herméticas e cartesianas, abordado, muitas vezes equivocadamente, de maneira dogmática e imutável, apartando-o da realidade social, falseando a ciência como se esta pudesse ser restrita a um conjunto de teorias, postulações e equações.
Nesse sentido, é preciso que o ensino de ciências esteja compromissado com a forja de um sujeito crítico capaz de se posicionar ante os grandes temas. Desse modo, a investigação das práticas de ensino na nossa comunidade pode fornecer elementos importantes numa linha propositiva, inclusive na abordagem dos conceitos químicos. Destaca-se que temas como meio ambiente, produção de energia, química de alimentos e tratamento de resíduos representam alguns bons exemplos que podem muito bem dialogar com a formação da cidadania, numa perspectiva ética e compromissada.
Paulo Freire (2007), um dos – senão o – maiores pensadores sobre educação em nosso país, debruçou-se profundamente ao longo de suas pesquisas a desenvolver e dar significado acerca do atuar do professor numa linha humanista e de preocupação com a emancipação dos sujeitos. Freire tem o ser humano como centro do processo. Ainda, outros estudos percebem essa necessidade por meio da perspectiva CTSA, em que o ensino deve ser trabalhado como uma interface da ciência, da tecnologia, da sociedade e do ambiente, caracterizado pela exploração de situações corriqueiras em situações de ensino, proporcionando, assim, uma perspectiva de movimento social e de aproximação com a realidade. Assim, Paulo Freire (2007) percebe que o ensino deve partir de situações significativas para os estudantes e se articular em temas e conceitos (MUENCHEN et al, 2005; WARTHA, 2005).
Portanto, não podemos pensar na prática educacional sem uma base ética e sociológica, do contrário, corre-se o risco de criarmos uma geração debilitada de humanismo pela ênfase conteudista e tecnicista. Neste sentido, é exatamente na municipalidade, dentro das salas de aula, em uma faixa etária pródiga para o alicerce do cidadão – como a atendida pelo ensino médio, sobretudo no 3º ano, limite para a passagem para a fase adulta – que a construção proporcionada pelo professor deve ser profícua na formação do indivíduo. Tem-se, portanto, a fixação dos limites do objeto de estudo aqui discutido.
Ressaltamos que obviamente o tema incide em várias camadas e níveis escolares e, por certo, demandaria estudo de maior lastro e envergadura. No entanto, fugiria ao escopo de trabalho de pós-graduação lato sensu, pela natural necessidade de maior prazo para varredura de universo mais amplo de análise, não restrito apenas aos terceiros anos do ensino médio. Assim assumimos aqui as possíveis limitações do estudo. A ideia nesse cenário é investigar a abordagem hoje praticada no ambiente escolar no último ano antes do ensino superior como amostragem e atesto da presença ou ausência de contextualização social do ensino científico de química.
A educação brasileira tem sido alvo de constantes reconstruções e, especialmente no momento atual, aponta para a possibilidade de uma verdadeira transformação, uma vez que rediscute seu papel de formar indivíduos críticos e comprometidos com seu contexto social. É uma fase de transição dos paradigmas de domínio das verdades científicas e da transmissão conteudística para um posicionamento crítico-reflexivo que pretende repensar a relação do ser humano com o mundo (MARIN, 2004).
Nesse cenário, uma preocupação que deve ser considerada na atuação do docente, sem dúvida, é sua capacidade de relacionar-se com o ambiente social em que vive. O homem é um ser relacional e, dentro desta premissa, é preciso dimensionar a atuação do professor em função da necessidade de intercâmbio entre o ambiente de ensino e o contexto social em que está inserido.
No Brasil já há uma salutar inquietação com o assunto, entretanto, numa sociedade que valoriza o currículo formal para atendimento de demandas do mercado de trabalho, uma mudança dessa envergadura não ocorre do dia para a noite.
Essa mudança joga luz sobre o fundamental papel a ser desenvolvido pelo professor na transição paradigmática de que fala Marin (2014). Não é possível conceber a ressignificação da educação sem um olhar pormenorizado sobre a atuação do professor. Desta forma, ganha relevante importância a presente investigação para se apurar se esse olhar já alcança o ambiente escolar das salas de aula uruguaianenses, sendo esse, portanto, o cerne do trabalho ora proposto.
O sustentáculo teórico da abordagem pretendida neste trabalho é farto, podendo facilmente subsidiar as observações no processo ensino-aprendizagem no ambiente das salas de Uruguaiana. Já no século XVI Michel de Montaigne (1533-1592) tecia fortes críticas a uma visão conteudista apartada de um construto ético vital à formação do indivíduo.
Restringindo-se ao nosso universo mais contemporâneo, Oliveira (2010) mostra ser factível a criação de interfaces entre ética e ensino de ciência, apontando elementos, inclusive com foco nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Segundo o autor, estes evidenciam a necessidade de se superar o tecnicismo conteudista para a assunção de um compromisso social com o ensinar da ciência. As disciplinas relativas às ciências da natureza, assim compreendidas pela Química, Física, Matemática e Biologia, têm como meta “contribuir para a compreensão do significado da ciência e da tecnologia na vida humana. Assim e de modo geral, devem visar à formação cidadã e gerar protagonismo diante das inúmeras questões políticas e sociais para cujo entendimento e solução as Ciências da Natureza são referência relevante” (BRASIL, 2000, p. 9311 apud OLIVEIRA, 2010, p. 230).
Chassot (1995) explicita princípios que podem nortear essa caminhada ao levantar alternativas para um ensino de Química crítico e conectado a questões que, a priori, pareciam não ser possíveis quando visualizadas na superfície. Essas contribuições serão demonstradas como fomento, reflexão e análise para a atuação do professor.
Já Santos (2010) alerta para a necessidade do compromisso com a cidadania e destaca que por meio do ensino de química isso é plenamente possível, fatores que reforçam a motivação desta investigação. Ainda, segundo Rondon (2001), “somente uma sociedade democrática, que se proponha a emancipar seus cidadãos, pode construir um mundo amparado em valores éticos, ou seja, o respeito pela integridade, pela liberdade e pela autonomia de seus membros” (RONDON 2001; p. 2197, apud MARIN, 2004).
Notadamente que, no decurso da execução da pesquisa, outros autores serão necessários e serão somados para consubstanciar a proposta apresentada. Entretanto, os acima elencados nos fornecem traços da visão que norteou o estudo.
Portanto o presente trabalho tem como intuito analisar as práticas e estratégias de ensino de química no último ano do Ensino Médio e avaliar a percepção dos educadores e estudantes sobre influência destas, na formação cidadã.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
O trabalho trata de uma investigação exploratória quantitativa e qualitativa a partir da aplicação de questionários aos professores e estudantes público-alvo da pesquisa, os quais se encontram no Anexo I e Anexo II desta produção.
A pesquisa teve início no segundo semestre de 2016 e término no primeiro semestre de 2017. Foram o público-alvo da investigação os professores de química e os estudantes matriculados no último ano (3º ano) do Ensino Médio de oito escolas públicas da rede Estadual de Ensino, indicadas pela 10ª Coordenadoria Regional de Educação. Todos os participantes foram informados do caráter anônimo e voluntário de participação, fator que favoreceu a obtenção de dados por 20 professores e 140 estudantes, conforme pode ser observado nos resultados da pesquisa.
Entre os objetivos de investigação aos quais se propuseram os questionários aplicados, destacam-se:
Avaliar as estratégias de ensino de química das oito escolas de Ensino Médio da Rede Estadual no município de Uruguaiana;
Investigar a percepção de docentes de química sobre a influência dos processos de ensino na formação cidadã dos estudantes;
Verificar a percepção dos estudantes sobre a sua formação enquanto cidadãos, a partir dos conhecimentos construídos pela prática escolar no ensino de química.
Conforme exposto acima e observado nos questionários em anexo, estes não apresentaram questões de caráter particular e não exigem a identificação dos investigados. Assim, as questões tratavam única e exclusivamente sobre as concepções e estratégias desenvolvidas para o ensino de química.
Para a análise dos dados, as respostas de todos os questionários foram transcritas individualmente. A metodologia de categorização das respostas foi realizada de acordo com o método de Análise de Conteúdo (BARDIN, 1977), a qual se deu após a leitura flutuante das respostas. Esse procedimento foi realizado para melhor entender as concepções dos educadores e estudantes, sendo a unidade de registro utilizada para a construção das categorias a ideia central de cada resposta. Para as demais análises foram utilizados apenas os elementos básicos matemáticos na quantificação dos dados, com o intuito de obtenção dos percentuais e comparação entre as respostas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O trabalho teve início no segundo semestre de 2016 e término no primeiro semestre de 2017. Foram investigados 20 professores e 140 estudantes de 8 escolas de Ensino Médio da rede Estadual de Educação no município de Uruguaiana, RS.
Para execução do trabalho, constatou-se inicialmente a 10ª Coordenadoria Estadual de Educação do Rio Grande do Sul, onde a partir de um breve inventário do universo das escolas, docentes e estudantes delineou-se a coleta das informações. A Coordenadoria de Educação local forneceu um espelho de quais colégios da rede estadual possuíam Ensino Médio regular e quais eram os profissionais que lecionam química nos terceiros anos.
Chegou-se assim ao totum de oito escolas no município de Uruguaiana, quais sejam:
Escola Estadual Marechal Cândido Rondon
Escola Estadual Lilian Guimarães
Instituto Elisa Iris Valls
Instituto Paulo Freire
Escola Estadual Leda Maria
Escola Estadual Uruguaiana
Escola Estadual Romaguera Correa
Escola Estadual João Fagundes
Destacamos que geograficamente essas escolas se distribuem quase que pela totalidade dos bairros da cidade, não chegando a alcançar a área rural do município, a qual não dispõe de ensino médio regular. Ainda assim, situam-se em realidades bem adversas em termos de localização, desde o centro da cidade até bairros mais pobres da periferia. Desta forma, o conjunto da diversidade de zoneamento a partir da diferente distribuição dos estabelecimentos de ensino fornece a possibilidade de um panorama significativo e interessante na tradução do perfil mediano do egresso escolar da rede pública estadual uruguaianense.
Entre os colégios acima identificados foram encontrados, segundo as informações prestadas pela Coordenadoria Regional de Educação, vinte professoras que ministram aulas de química para alunos dos terceiros anos, tendo-se desta forma o público-alvo de docentes avaliados pela pesquisa.
A investigação concentrou seu levantamento nas primeiras semanas letivas de 2017 e encontrou um cenário com notas de organização. Entre as razões para esse apontamento, destaca-se a ocorrência de ajustes de quantidades de turmas, movimentação de alunos entre turnos e escolas, incidência de profissionais da educação em greve e a busca de adequação aos parâmetros do novo ensino médio, este recente e açodadamente instituído pelo governo federal.
Os fatores evidenciados anteriormente, a partir da arquitetura organizacional e pedagógica de cada uma das escolas, foram elementos presentes no curso da investigação, e em razão disso não foi possível agregar ao trabalho um censo do quantitativo global de estudantes e turmas em andamento. Contudo de acordo com o Censo Escolar (http://matricula.educacenso.inep.gov.br) existe um total de 5.148 estudantes matriculados para a totalidade do Ensino Médio, com a expectativa, para o terceiro ano, de 1.256 matriculados. Assim, nossa amostra (140 alunos) equivale a aproximadamente 11,14% do total esperado, podendo ser considerada significativa para a população, com base em erro amostral de 5% e com confiança de 90% (RUNSEY, 2009).
Ainda no âmbito da Coordenadoria, foi requerido documento que facilitasse o acesso aos estabelecimentos de ensino com o feito de aplicar os instrumentos conforme anexos I e II.
Em relação aos discentes, aplicou-se o instrumento, Anexo II, num universo de 140 estudantes distribuídos nos três turnos nas oito escolas acima elencadas.
A aplicação in loco foi antecedida por breve relato do porquê da pesquisa, elucidando tratar-se de questionário não identificado, de adesão espontânea, a ser respondido de forma imediata e recolhido naquele mesmo momento pelo próprio aplicador responsável pela pesquisa. Ao se adotar essa rotina, buscou-se conferir segurança aos respondentes de que sua avaliação não seria submetida a nenhum agente da respectiva unidade de ensino e que o sigilo seria plenamente resguardado, buscando, dessa forma, obter resultados mais fiéis e espontâneos.
Em relação aos docentes investigados, tivemos a oportunidade de alcançar 60% da população estimada, desta forma contamos com a participação de 12 professores de química, do universo total de 20, entre as escolas avaliadas. Nas tabelas 1, 2 e 3 a seguir podemos visualizar a faixa etária dos professores, público-alvo da pesquisa, tempo de atuação na profissão e qual a carga horária semanal de trabalho, respectivamente.
TEMPO DE DOCÊNCIA | ||
---|---|---|
0 - 5 anos | 0% | |
6 - 10 anos | 33,33% | |
11 - 15 anos | 33,33% | |
16 - 20 anos | 33,33% |
Fonte: Dados da pesquisa
FAIXA ETÁRIA | |
---|---|
Até 30 anos | 8,33% |
Entre 31 e 40 anos | 50,00% |
Entre 41 e 50 anos | 25,00% |
Acima de 50 anos | 16,67% |
Fonte: Dados da pesquisa
As tabelas anteriormente descritas nos permite uma qualificação do perfil docente. Trata-se medianamente de profissional com idade de 41 anos, 13 anos de docência e com carga horária de 40h semanais. Embora não questionado formalmente no instrumento de pesquisa, foi observado que a totalidade é do sexo feminino.
Pelo conjunto destas três informações é possível conjecturar que tratar-se de educadoras com experiência profissional, dois terços das quais possuem mais de 10 anos de carreira, não necessariamente podendo ser definidas como professoras jovens, e bastante envolvidas com a docência em função da predominância de carga horária de 40h. Portanto, de um conjunto não atípico, razão pela qual se crê que o resultado proveniente da investigação seja razoavelmente homogêneo e possa ser encontrado noutras praças educacionais exatamente pela ordinariedade do grupo apurado.
Com o objetivo de também avaliar o perfil etário dos estudantes, foi também investigada a idade dos avaliados, cujos dados podem ser visualizados na tabela 4 abaixo.
FAIXA ETÁRIA | |
---|---|
Idade | Percentual |
15 | 1,43% |
16 | 33,57% |
17 | 50,71% |
18 | 10% |
19 | 2,14% |
20 | 1,43% |
24 | 0,71% |
Média | 16 anos e 10 meses |
Fonte: Dados da Pequisa
A tabela 4 aponta que o grupo etário dos estudantes está majoritariamente na faixa esperada para os egressos do Ensino Médio, conferindo ao grupo de respondentes, no tocante à idade, igualmente um padrão ordinário.
Em relação à área de formação dos professores investigados, lhes foi questionado com o intuito de avaliar a adequação da área de atuação com a área de formação e as respostas podem ser observadas na tabela 5 abaixo. Destaca-se que dos 12 professores invertigados, 3 afirmaram ter mais de uma formação.
Área de Formação | Número de Professores | Percentual |
---|---|---|
Biologia | 6 | 50,00 |
Ciências Naturais e Exatas | 1 | 8,33 |
Medicina Veterinária | 1 | 8,33 |
Matemática | 3 | 25,00 |
Engenharia Agronômica | 1 | 8,33 |
Química | 1 | 8,33 |
Farmácia | 1 | 8,33 |
Ciências da Natureza | 1 | 8,33 |
Fonte: Dados da pesquisa
A referida questão, a qual concerne à área de formação, é bastante elucidativa. Do universo pesquisado, vê-se apenas um docente graduado em química. Esse dado chama atenção e exige que façamos uma discussão prévia sobre o papel da química na formação do indivíduo. Estabelecida essa premissa, teremos um norte do que se precisa do docente como requisito prévio para capacitar os jovens em termos de cidadania. Fazendo uso da química não numa perspectiva conteudista, e sim como forja de um indivíduo que seja capaz de tomar decisões ante as questões em sua comunidade que lhe exijam um patamar mínimo de alfabetização científica.
Falar em ensino de química como vetor da formação da cidadania envolve compreender sua importância e relacionar o conhecimento químico com questões que tenham relevância na comunidade em que vive o egresso. Passa pela deglutição da linguagem química para torná-la concreta como suporte na tomada de decisões.
Atualmente a química é a chave para a maior parte das grandes preocupações quanto ao futuro da humanidade: energia, recursos naturais, saúde e poluição. De fato, a química tornou-se um dos componentes do destino do gênero humano. Entretanto, quantas pessoas, entre o público em geral, sabem um pouco que seja a respeito da relevância da química para o bem-estar humano? Infelizmente, muito poucas, conforme parece... Certamente, é essencial que se faça que cada cidadão ao menos tome consciência de algumas das enormes contribuições da química à vida moderna. Deveria ser fascinante perceber que todos os processos da vida, do nascimento à morte, estão intimamente associados às transformações químicas. A qualidade de vida de que desfrutamos depende em larga escala dos benefícios advindos de descobertas químicas, e nós, como cidadãos, somos continuamente requisitados para tomar decisões em assuntos relacionados à química (NEWBOLD, 1987, p. 15614, apud SANTOS, 2010, p. 47).
Fica evidente que para assunção de tamanha missão necessária é a formação docente compatível com esse desafio. Não que se queira disseminar a ideia que o estudo da química seja algo para “iniciados”. Longe disso. Nossa reflexão segue no caminho oposto a isso e busca trazer o conhecimento químico para um contexto mais cotidiano e material, capacitando o egresso de instrumentos que lhes permitam influir nos temas frequentemente postos à sociedade. Não obstante, exatamente para que o docente consiga bem exercer esse papel de facilitador, é preciso que o professor tenha em sua formação conhecimento adequado para estabelecer as conexões entre química e cidadania.
Nesse sentido, merece destaque que entre os profissionais que ministram aulas de química na rede estadual local em Uruguaiana, existam, em quantitativo nada desprezível, matemáticos e biólogos, representando 3/4 do total encontrado. Não raro, por exemplo, na formação do matemático não haver um único componente curricular de química, e quando há, se restrinja à química geral. No caso da formação do biólogo há uma proximidade maior, mas que também não chega a ser representativa em termos de aprofundamento do conhecimento químico.
A contribuição da química na formação da cidadania, por si, já é um conceito que exige grande dispêndio quando se trabalha com o próprio professor graduado em química. É de se supor, então, que o percurso a se trilhar com profissionais de áreas distintas seja ainda maior e exigirá desse docente grande abnegação. Desse modo, a tabela 5 já aponta uma debilidade na perspectiva de contribuição na formação da cidadania a partir do conhecimento químico.
Dando continuidade aos objetivos desta pesquisa, foi questionado aos professores e estudantes quais os principais recursos pedagógicos utilizados durante as aulas. Os dados podem ser visualizados na Tabela 6 e demonstram certas diferenças entre os grupos.
Recursos | Estudantes | Professoras |
---|---|---|
Livro | 56,42% | 91,67% |
Laboratório | 44,29% | 75,00% |
Vídeos | 7,86% | 41,67% |
Sala de informática | 3,57% | 33,33% |
Projetor | 14,29% | 41,67% |
Jornais/Revistas | 2,86% | 16,67% |
Caderno | 92,14% | 66,67% |
Seminários | 7,14% | 25,00% |
Atividades externas | 5,71% | 0,00% |
Outros | 10% | 16,67% |
Fonte: Dados da pesquisa
A tabela 6 nos fornece as respostas obtidas de professoras e estudantes ante o questionamento: “Durante as aulas, quais os principais recursos pedagógicos utilizados pelo professor de química?”.
Evidente, ainda que considerados eventuais desvios derivados dos percentuais, que há uma notável divergência de percepção entre docentes e discentes quanto ao uso de ferramentas pedagógicas no decurso das aulas de química.
Preliminarmente cabe enfatizar que foi orientado a ambos os grupos de respondentes que a essa questão sinalizassem os três principais recursos usados. Porém, percebeu-se pela análise de respostas que o grupo dos estudantes foi mais disciplinado a esse comando da questão e quase que totalmente se restringiu a enumerar tão somente três opções. Diferentemente, as professoras não se limitaram à orientação e encontraram-se inclusive respondentes que marcaram todas as alternativas.
Era de se esperar um grande uso de recursos convencionais, como, por exemplo, livro didático, contudo os estudantes foram enfáticos em apontar o uso massivo do caderno. O que sugere transcrição de conteúdo a partir do quadro. Ademais, o instrumento permitia – uma vez que o respondente usasse a alternativa “Outros” – a declinação de qual seria o recurso distinto também usado, o que, por seu turno, fez que muito estudantes apontassem “quadro-negro”. Isso endossa a suspeição de uso frequente de transcrição de conteúdo.
As educadoras têm percepção muito distinta sobre a habitualidade com que fazem uso de recursos pedagógicos alternativos. Em especial recursos de multimídia, como vídeos, projeções e os presentes em salas de informática. Poucos estudantes compartilham dessa visão e foram comedidos em asseverar que tais ferramentas sejam corriqueiras. Na era da internet, de uma geração altamente sensível ao imagético e de informações a alguns meros toques de um smartphone, a função do educador também passa a ser de gestor que medeia as relações entre o aluno e a farta disponibilidade de dados de fácil acesso. Nesse sentido surpreende que, pelo menos na percepção dos alunos, as aulas de química ainda sejam geridas por caderno e livro didático. Sobre este último, há inclusive a constatação expressa por mais de 90% das respostas das educadoras, que se trata do principal recurso pedagógico em uso na sala de aula.
Outro dado que também chama atenção é o pouco, ou quase nulo, uso de revistas ou jornais, segundo a percepção dos estudantes. As respostas ficaram abaixo de 3%. Para docentes, esse recurso aparece com pouco mais de 15% entre as principais ferramentas pedagógicas. Como estamos debatendo o ensino de química como contribuidor para formação da cidadania, era de se esperar que veículos de imprensa, jornais e revistas em geral, pudessem constituir parte importante do compêndio pedagógico. Temas como energia, gestão do lixo, combustíveis, questões ambientais, constituem pautas frequentes sobre as quais a sociedade é instada a se manifestar.
Uruguaiana se situa numa região de densa produção de arroz, abriga uma usina termoelétrica, possui comunidades em áreas ribeirinhas ao Rio Uruguai e está situada numa região de potencial eólico. Logo o uso de defensivos agrícolas, a gestão da água em decorrência da produção de arroz, saneamento básico e produção de energia são temas que ocupam espaço nas publicações locais e estão presentes nos debates de políticas públicas do município. Como olvidar de periódicos de imprensa como recurso pedagógico? Como dotar o egresso do ensino médio de capacidade para tomada de decisões ante as questões regionais que lhe são postas no dia a dia da comunidade sem envolver o que advém do noticiário local?
Outro aspecto observado é a constatação do uso do laboratório. Por certo que há diversas maneiras de uso de práticas químicas em laboratório. Os experimentos seriam feitos de forma individual, em grupo ou demonstrativos? Eram realizados de forma precedente à teoria, como provocação de um debate ou apenas após a aula expositiva sobre o tema? Tinham propósito relacional com a realidade cotidiana ou eram simplesmente pirotécnicos e imagéticos? Todas essas são questões que forneceriam de forma mais acurada, o papel do laboratório como recurso pedagógico. Entretanto o presente estudo não se propôs a esmiuçar qual tipo de aplicação cabe ao laboratório e, por conseguinte, o experimento, na cadeia escolar local. Ainda assim é extremamente salutar a constatação encontrada do uso de laboratório na percepção de docente e estudantes.
Nesse contexto e visando a responder os objetivos desta investigação, na figura 1 abaixo seguem os resultados obtidos quanto ao perfil esperado de formação dos estudantes ao fim do ensino médio, sempre na perspectiva, repito, do ensino de química, na visão de professores e estudantes.
Para melhor refletirmos sobre os resultados vale enfatizar o que foi exatamente dirigido no comando da questão constante do instrumento. Para discentes a questão foi: “Das opções abaixo, qual você acredita ser a mais importante para a sua formação?” Para as professoras a redação foi: “Durante as suas aulas você se preocupa que o estudante apresente uma formação:” e em seguida foram declinadas as alternativas presentes nos resultados. Destaco que não foi orientado que se restringisse a uma única opção, sendo detectadas respostas múltiplas em ambos os grupos.
Nota-se que há evidente dissonância entre o que as educadoras julgam ser importante e o que os egressos creem ser vital. As docentes se manifestaram, em mais de 80% das ocorrências, asseverando como maior preocupação “a formação cidadã a partir da realidade a qual está inserido”. Noutro giro, a expectativa percebida dos estudantes é bem distinta e essa mesma resposta foi encontrada tão somente em menos de 10% dos avaliados. Os discentes defendem como mais relevantes a formação voltada ao Exame Nacional do Ensino Médio e sua entrada na universidade.
Vale ponderar que, confrontando o comando da redação posta no instrumento dirigido a ambos os grupos em relação a esse ponto, não é possível inferir se os estudantes percebem o esforço docente na direção da formação cidadã, que foi relacionado às respostas dos professores, que tão somente divergem da percepção dos estudantes por julgarem mais importante que se destaque o Enem. Ou, noutra compreensão, se majoritariamente depreendem da ação propedêutica a ênfase no ingresso da universidade, trazendo percepção diversa da que as educadoras possuem de suas próprias aulas.
Outra situação que merece olhar destacado diz respeito a respostas encontradas sobre a formação pretendida aos estudantes pelas educadoras. Notadamente, o instrumento trouxe alternativas que, se não de todo excludentes, efetivamente não dialogam entre si, ainda que em dados momentos possam se interseccionar. Uma formação baseada no domínio de conteúdo caminha, em termos pedagógicos, de maneira adversa à que busca alicerçar a cidadania e a ética a partir da realidade social, econômica e ambiental. Do mesmo modo, uma formação baseada em habilidades e competências não necessariamente poderá ter grande valia em exames de seleção de acesso ao ensino superior. Posto isso, merece atenção que tenha havido instrumentos em que respondentes tenham sinalado todos os itens, sugestionando a hipótese de haver um déficit conceitual das diferentes abordagens pedagógicas que podem ser dirigidas aos estudantes.
Nesse sentido e visualizando obter outras informações que colaborassem para com o entendimento situacional que concerne ao ensino de maneira geral, questionamos os dois grupos em relação às principais limitações existentes atualmente nos processos de ensino. Desta forma, os dados coletados possibilitaram a análise disposta na tabela 7 a seguir.
Limitações | Estudantes | Professoras |
---|---|---|
Indisciplina dos estudantes | 62,14% | 25,00% |
Desmotivação dos estudantes | 77,86% | 66,67% |
Infraestrutura inadequada | 54,29% | 50,00% |
Falta de capacidade docente | 3,57% | 33,33% |
Desmotivação docente | 25,71% | 66,67% |
Conteúdos vazios de significado para a vida dos estudantes | 23,57% | 16,67% |
Fonte: Dados da pesquisa
Quanto às principais limitações e/ou problemas do ensino atualmente, a Tabela 7 apresenta as respostas fornecidas por estudantes e professores. Mais uma vez os grupos apresentam discordâncias, no entanto em pelo menos dois aspectos professoras e alunos parecem convergir: desmotivação dos estudantes e infraestrutura inadequada das escolas.
Sem dúvida, são debilidades complexas de serem sanadas. A questão de infraestrutura depende fortemente da gestão de recursos do poder público, com alocações adequadas para fazer frente às lacunas presentes no ensino médio, e, nesse sentido, o envolvimento da comunidade, exercendo a plenitude de sua cidadania, é vital para exigir os meios necessários visando a educação de qualidade. No entanto, não há como falar em exercício pleno da cidadania sem educação como vetor e catalisador da forja de sujeitos sociais cônscios e capazes de interferir nesse processo. É um sistema que deveria se retroalimentar virtuosamente. A escola contribuindo na formação ética da cidadania e esse cidadão, na plenitude de sua autodeterminação, exigindo a valoração da educação. Contudo, a realidade atual impõe uma retroalimentação noutro sentido, de um círculo vicioso, em que sujeitos despreparados egressam do sistema público de ensino e desprovidos de ferramentas para exigir a melhora desse mesmo sistema para seus sucessores, que, por seu turno, também não serão capacitados para o desempenho de seu papel social.
Com relação à desmotivação dos estudantes identificadas nas respostas dos dois grupos, destacamos que as possíveis causas e soluções são multifatoriais. Assim, muitas delas possivelmente podem extrapolar o universo da educação escolar e possuir fatores intrínsecos à própria compleição da adolescência e também extrínsecos, de base sociológica, típicos do momento social pelo qual passa nosso país. Estudos mais detidos certamente podem fornecer elementos sobre o que poderia ser feito no âmbito da intervenção pedagógica. Acima falamos de falta de infraestrutura. Certamente uma infraestrutura mais robusta já seria um elemento profícuo para o enfrentamento da desmotivação que parece ser um problema crônico da experiência educacional brasileira.
Ainda no debate sobre a falta de motivação vemos que 2/3 das respostas do grupo docente percebe o profissional professor desmotivado para o exercício do magistério. Curiosamente essa conclusão não é plenamente compartilhada pelos estudantes e somente cerca de 25% dos alunos respondentes concordam com as professoras.
De maneira geral, a falta de motivação é tema recorrente no processo ensino-aprendizagem, tem natureza polissêmica e requer investigação profunda de sua gênese para que se tenham estratégias para seu enfrentamento.
Dando continuidade à avaliação sobre os processos educacionais, questionamos aos professores sobre acesso e execução de ações de formação continuada. Neste sentido, os dados coletados podem ser observados nas Tabelas 8, 9 e 10.
Última capacitação | Percentual |
---|---|
2017 | 16,67% |
2016 | 41,67% |
2015 | 8,33% |
2013 | 8,33% |
Não se recorda | 8,33% |
Não respondeu | 16,67% |
Fonte: Dados da pesquisa
A Mantenedora ou Escola oferecem capacitação continuada? | Percentual |
---|---|
Sim | 33,33% |
Não | 58,33% |
Não respondeu | 8,33% |
Fonte: Dados da pesquisa
Dos que responderam SIM à questão anterior: Qual a frequência? | Percentual |
---|---|
A cada seis meses | 75% |
Uma vez por ano | 0% |
A cada dois anos ou mais | 25% |
Fonte: Dados da pesquisa
A avaliação das Tabelas 8, 9 e 10, quanto à formação continuada, mostra de modo geral, uma situação que pode ser definida como positiva, apesar de existir espaços para melhoras. Próximo a 60% das entrevistadas afirmam ter feito atividades de capacitação entre 2016 e 2017. Percentual também próximo a esse patamar afirmou que a escola ou mantenedora oferecem capacitação continuada, e que a oferta se dá de forma semestral, para 75% dos que responderam “sim” a essa indagação. Por fim, 100% das educadoras reconhecem a importância da formação continuada.
O instrumento de investigação trouxe também questões abertas para o grupo docente sobre a Alfabetização Científica. Nesse aspecto, é pertinente que façamos uma breve discussão sobre do que se trata esse conceito. Conforme Chassot (2000) “poderíamos considerar a Alfabetização Científica como o conjunto de conhecimentos que facilitariam aos homens e mulheres fazer uma leitura do mundo”.
Portanto, trata-se de capacitar o indivíduo para que possa tomar decisões quanto a temas correlatos à ciência e que estão postos na pauta do dia na comunidade e no mundo de forma geral, exatamente a premissa inicial de nossa investigação. Assim, partindo de um acúmulo e da construção de conhecimentos científicos – e entendamos isso não como um profundo saber de códigos e linguagens oriundos da clausura estereotipada do pesquisador e sim como a leitura palatável de conceitos à sociedade – seria possível se posicionar diante de questões como, por exemplo, transgênicos ou matriz energética.
Nesse sentido, preocupar-se com uma formação voltada a Alfabetização Científica é colocar o ensino de ciência à disposição da cidadania numa perspectiva ética de subsistência do ser humano e do meio ambiente. Para isso é preciso romper mais uma vez com o conteudismo e com a noção inclemente de que saber ciência é dominar linguagens restritas que parecem apartadas da vida prática e do meio social.
Formar o cidadão não consiste em ensinar a Química dos polímeros, das poliamidas, dos policarbonatos, dos neoprenos, dos hidrocarbonetos, das sulfamidas, dos organoclorados, dos sais de ácidos benzenossulfônicos substituídos, como pretendem alguns livros maquiados com o cotidiano. A Química que precisamos ensinar implica também o desenvolvimento de valores éticos com já afirmado por Santos (2010, p. 107-108).
E complementa Chassot (1995):
[...] qual a alfabetização científica que tem um aluno da periferia de uma grande cidade que sabe números quânticos, mas não conhece a química dos processos de galvanoplastia, que ele opera durante o dia na indústria que o emprega? Ou quanto sabe ler o seu mundo, um aluno do meio rural que conhece o que são isótonos, mas que não sabe usar uma adubação alternativa ou corrigir a acidez do solo com cinza? (CHASSOT, 1995, p. 130).
Ao solicitar nesta investigação que o respondente docente aponte o que compreende como Alfabetização Científica, busca-se identificar qual sua familiaridade com a formação cidadã. Não há como se falar em formação numa perspectiva cidadã se não for estabelecida a conexão com Alfabetização Científica.
As respostas encontradas foram categorizadas conforme Bardin (1977) e podem ser visualizadas na Tabela 11.
Qual significado de alfabetização científica? | Percentual |
---|---|
Conhecimento da linguagem e/ou método científico | 25,00% |
Aprofundamento do conhecimento científico | 33,33% |
Conhecimento da ciência para promoção de mudanças no cotidiano/sociedade | 16,67% |
Não houve resposta | 25,00% |
Fonte: Dados da pesquisa
Pela análise do conteúdo, fica evidenciado que o único conjunto de respostas relacionado com o que é compreendido como Alfabetização Científica seria o que aponta “Conhecimento da ciência para promoção de mudanças no cotidiano/sociedade”. Vê-se nesse grupo uma tentativa, embora ainda carecendo de maior desenvolvimento, de vincular o conhecimento científico como vetor de mudanças no meio social. Essa abordagem se aproxima da ideia de que Alfabetização Científica seja um passo fundamental na direção da formação da cidadania.
Depreende-se dessa indagação, em razão das demais respostas encontradas, que pode não haver no grupo avaliado um construto da formação numa perspectiva cidadã, já que um conceito basilar para esse objetivo – Alfabetização Científica – parece não ser bem compreendido. Se relacionarmos com as respostas obtidas sobre qual tipo de formação o docente busca alcançar ao discente – em que 83,33% das educadoras assinalaram como principal a formação cidadã a partir da realidade social, econômica e ambiental a qual o aluno está inserido – é possível que estejamos diante de uma nada desprezível inconsistência. Ao propósito do presente trabalho, em que o escopo está restrito à percepção do ensino de química como contribuinte da formação da cidadania, seria necessária uma investigação ainda profunda, ampliando o espectro para além dos terceiros anos para a certificação dessa hipótese.
A investigação, para finalizar, contou com a indagação a ambos os grupos, quanto a se os egressos do ensino médio estarão preparados para a vida em sociedade, tendo vista aspectos relacionados ao mercado de trabalho, a cidadania e ao ingresso na universidade. O questionamento apresentou as alternativas “sim” e “não” e pediu para que o respondente justificasse seu posicionamento.
Os resultados da parte objetiva desse questionamento são apresentados na tabela 12.
Você acredita que ao final do Ensino Médio, estará preparado para a vida em sociedade, tendo em vista os aspectos relacionados ao mercado de trabalho, a cidadania e ao ingresso na universidade? | Professores | Estudantes |
---|---|---|
Sim | 55,71% | 16,67% |
Não | 43,57% | 75,00% |
Não responderam | 0,71% | 8,33% |
Fonte: Dados da pesquisa
Confrontando os resultados apurados entre docentes e discentes, novamente fica evidente uma diferença de percepção entre os grupos sobre um mesmo tema. Nas respostas provenientes das educadoras, três em cada quatro respondentes asseveram não acreditar na preparação do egresso. Com visão mais otimista, ou mais inexperiente, mais da metade dos estudantes afirmam que estarão preparados ao terminar o ensino médio. Na tentativa de desenvolver mais e aprofundar essa percepção, o instrumento investigativo propõe que os dois grupos justifiquem suas respostas. Para as justificativas, a resposta teve caráter aberto, permitindo ao respondente elaborar e refletir melhor com respeito ao que lhe foi questionado. A partir, mais uma vez, da análise de conteúdo, Bardin (1977), obtivemos as categorizações constantes das Tabelas 13 e 14 para as justificativas apresentadas pelos estudantes à pergunta constante da Tabela 12.
Dos que responderam “SIM” à questão anterior, obtivemos as seguintes justificativas | Percentual |
---|---|
O EM é apenas o começo. A formação depende muito mais do indivíduo | 32,05% |
O EM cumpriu seu papel | 38,46% |
Sinto-me preparado apenas para trabalhar | 3,85% |
Sinto-me preparado, mas não para o mercado de trabalho | 8,97% |
Outras respostas | 11,55% |
Não justificaram | 5,12% |
Fonte: Dados da pesquisa
Dos que responderam “NÃO” à questão anterior, obtivemos as seguintes justificativas | Percentual |
---|---|
O EM apresentou aprendizagem insuficiente | 32,79% |
Falta recursos físicos e/ou humanos e/ou pedagógicos | 21,31% |
Não é papel do EM preparar para vida | 18,03% |
Outras respostas | 11,48% |
Não justificaram | 16,39% |
Fonte: Dados da pesquisa
Quanto às justificativas ofertadas pelas professoras à questão constante na Tabela 12, não foi possível tabulá-las fazendo a devida análise de conteúdo. Entre as razões, aproximadamente a metade das respondentes da parte objetiva da indagação não embasou sua posição, deixando em branco as razões de sua resposta. Como o quantitativo de professores que compõe o grupo docente investigado é reduzido, as poucas respostas por escrito obtidas são dispersas, não consolidando a robustez devida para uma categorização, que, por sua vez, teria um número “n” muito achatado para possibilitar análises adequadas.
Ainda, declinamos de forma ilustrativa, uma das justificativas apresentadas para a incredulidade na preparação de egressos do ensino médio: “A desestruturação escolar, e a ausência da família, a falta de capacitação profissional e de tempo para construir aulas adaptadas à realidade dos alunos faz com que muitos saiam do ensino médio sem preparo para a vida em sociedade, universidade e trabalho”.
Analisando a Tabela 13, entre os respondentes estudantes que acreditam que sairão preparados do Ensino Médio, há um grupo, que representa pouco mais de 32% do total, que acredita que o êxito da formação está centrado no indivíduo. Obviamente que não há como dissociar o componente que é intrínseco ao indivíduo, como ser uno, que traz consigo suas bagagens e suas idiossincrasias, do eventual sucesso ou fracasso em termos pedagógicos.
No entanto, centrar o desempenho como algo cuja gênese de uma boa formação pareça residir no indivíduo, flertando com a noção de que a materialidade do ambiente e sua influência possam ser minoradas, é dialogar com a ideia de meritocracia, afinal, grosseiramente falando nessa hipótese, de que importariam as condições se o sucesso é regulado por autodeterminação? É uma conclusão hipotética, mas não desprovida de senso, imaginar que estudantes possam, em nome de uma pretensa autodeterminação, subestimar a força do ambiente, que no caso do sistema público de ensino é adverso. Escolas precárias produzirão egressos precários, em que pese a abnegação daqueles que conseguem furar o bloqueio. E egressos precários continuarão a ter sua cidadania sequestrada e certamente serão reprodutores do status quo perverso que vige me nosso país.
Freire (1998, p. 61) é enfático ao que afirmar que não possível duvidar que “como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no mundo. Intervenção que além do conhecimento dos conteúdos bem ou mal ensinados e/ou aprendidos implica tanto o esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu esforço de reprodução da ideologia dominante quanto o seu desmascaramento”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo, com base nos dados coletados e análises efetuadas, permite indicar que há indícios que o ensino de química atualmente ofertado aos estudantes do ensino médio da cidade de Uruguaiana não vai ao encontro do que os educadores e pesquisadores vêm conceituando como Alfabetização Científica, (CHASSOT, 2000). Nesse sentido não há como se falar em “tomada de decisões a partir do conhecimento químico” (SANTOS, 2010). A investigação mostra que a docência em química no município não é exercida por profissionais com formação adequada. Alguns docentes, inclusive, se queixam de ter de exercer regência de aula numa área adversa à sua formação originária.
O ensino de ciências como vetor da cidadania exige uma mudança de paradigma que, para o docente químico oriundo de matrizes pedagógicas convencionais, já exige esforço e capacitação, mesmo para este sujeito que já é plenamente familiarizado com os códigos e as linguagens próprias do magistério químico. É de se concluir, portanto, que há uma inadequação quando propedeutas de outras frentes, que não tiveram em sua formação o aprofundamento necessário, se veem na função de ministrar aulas de algo adverso, ainda que sejam profissionais de áreas tangentes, como a física ou a biologia.
Outro aspecto não mensurado de maneira objetiva, mas que sugestiona a necessidade imperiosa que a presente abordagem seja aprofundada, alargando seu escopo, foi a constatação que vários docentes não são dos quadros permanentes da estrutura de educação do estado. São docentes com contratos temporários. Essa relação precária de vínculo fragiliza projetos de longo prazo, traz insegurança jurídica e cria limitações para o pleno desempenho da docência.
Chamou também atenção o quão diferente é a percepção entre docentes e discentes quanto ao uso de recursos pedagógicos e a constatação de que livro e caderno ainda são as principais ferramentas no processo ensino-aprendizagem, muito embora as unidades possuam estruturas que permitam ir além do dueto caderno-livro, já que se observou a presença de laboratórios e sala de informática. Na era da informação disponível na palma da mão, ainda não conseguimos romper com a predominância de formato de aula do século passado.
Do ponto de vista conceitual, ficou evidenciado nas respostas dos docentes que não há um domínio muito claro do que seja o ensino de ciência voltado para a formação da cidadania. Essa constatação transmite a ideia que esse conceito possa ser algo apenas retórico, como se não houvesse todo um lastro teórico, que não é de hoje, que busca ressignificar o ensino de química e de outros saberes das ciências da natureza, para preparar o egresso não para o domínio de conteúdo e sim para a autonomia cidadã. Miscelâneas conceituais e respostas excludentes, quando se discutem abordagens pedagógicas, mostram a necessidade de capacitação do professor. Vale lembrar a formação da cidadania com a contribuição da alfabetização científica já possuía respaldo nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), que há muito apontam a necessidade de rompimento do conteudismo, do tecnicismo e direcionam o olhar para a interface entre ética, cidadania e ciência.
Tivemos no ano de 2017 o advento do chamado “novo ensino médio”, e há um cenário de incerteza sobre a linha pedagógica que vinha sendo amadurecida dentro dos PCN. Sobretudo em razão da celeridade com que as mudanças havidas foram introduzidas e que sacrificaram o debate e o tempo de latência para amadurecimento das inovações ora trazidas.
A pesquisa aponta também um problema crônico da educação brasileira em Uruguaiana: a falta de motivação entre estudantes. Não é uma questão trivial, tampouco é restrita ao ensino de química ou mesmo ao ensino médio. A motivação, ou falta dela, exige intervenção multidisciplinar em razão de sua gênese polissêmica. Aspectos de estruturalismo biológico da adolescência, sociológicos, de debilidades pedagógicas e déficits de infraestrutura do sistema educacional fazem parte dessa complexa equação, aliados a alunos do século XXI que não raro são confrontados com aulas com formato ainda do século XIX.
Ainda assim surpreende o fato de que mais da metade dos estudantes confiem em estar preparados ao fim do ensino médio.
Por fim, o presente trabalho sugere a necessidade de novas intervenções, com abrangência maior, introduzindo observações de aulas, inventário pormenorizado dos recursos físicos, atividades alternativas e apontamentos de parceria entre a presença acadêmica da Unipampa e a estrutura educacional local, que pareceu extremamente aberta a propostas e inovações. O parque educacional local não é muito extenso e é possível, com boas parcerias, promover ações de cooperação que impulsionem a educação pública local.