Introdução
Conforme assinalado por Diniz (2012, 2017), com o fim do governo ditatorial de Getúlio Vargas e o início do período da redemocratização em nível nacional, a expansão da rede de estabelecimentos de ensino secundário1 em território paulista foi fortemente impulsionada pela ação dos deputados estaduais e do Poder Executivo estadual que, por sua vez, viam na demanda crescente por esse nível de ensino uma grande oportunidade política.
Entre os anos de 1930 e 1947 foram criados 58 ginásios (vide Figura 1) em diversos municípios do interior paulista. O mapa apresentado a seguir mostra claramente a rapidez com que o processo de expansão do ensino secundário tomava parte da geopolítica do Estado de São Paulo e que se acentuaria incisivamente no período da redemocratização, se considerarmos o fato que até 1930 havia apenas três ginásios públicos (o da capital, o de Campinas e o de Ribeirão Preto):
De igual maneira, o fim do Estado Novo e o início do período de redemocratização do país contribuíram para canalizar as reivindicações dos municípios interessados na aquisição de um ginásio público para tais localidades, onde os deputados estaduais passaram a ter papel fundamental a partir de então. Diniz (2017) mapeou a criação de outros 474 ginásios públicos em diversos municípios paulistas (vide Figura 2) entre 15 de março de 1947 e 31 de janeiro de 1963, ou seja, no período que abrangeu os governos de Adhemar Pereira de Barros (de 14/03/1947 a 31/01/1951), Lucas Nogueira Garcez (de 31/01/1951 a 31/01/1955), Jânio da Silva Quadros (31/01/1955 a 31/01/1959) e de Carlos Alberto Alves de Carvalho Pinto (de 31/01/1959 a 31/01/1963):
Sob um prisma quantitativo, esse processo de expansão iniciado na década de 1930 era algo impressionante e inédito até então na história da educação brasileira. Há que se destacar que existem estudos2 que abarcam questões relacionadas ao ensino secundário no Estado de São Paulo das décadas de 1940 a 1970. Contudo, a partir desse repositório, é possível notar, no âmbito da historiografia da educação paulista, uma lacuna a ser preenchida referente à atuação dos deputados estaduais e dos governadores paulistas entre os anos de 1963 a 1971 na expansão da rede de estabelecimentos de ensino secundário.
Logo, este artigo aborda o papel dos atores políticos dos Poderes Legislativo e Executivo estaduais na expansão de ginásios e colégios públicos no Estado de São Paulo, ocorrida entre 31 de março de 1963 a 15 de março de 1971, período em que foram criadas cerca de 1.106 escolas públicas estaduais de ensino médio, desse montante, 502 ginásios e 320 colégios, e, de igual maneira, procura identificar a sistemática de criação dessas escolas adotada nesse recorte histórico.
Este texto está dividido em três partes: a primeira discorre brevemente sobre os procedimentos metodológicos adotados neste estudo; já a segunda e a terceira estão organizadas sob um critério cronológico: a segunda parte abrange o período de 31 de janeiro de 1963 (início do governo de Adhemar Pereira de Barros) até 13 de dezembro de 1968 (edição do Ato Institucional n. 5), período em que houve atividade legislativa pluripartidária e bipartidária; e a terceira parte, que se inicia com o AI-5 e se estende até o término do governo Roberto Costa de Abreu Sodré, ocorrido em 15 de março de 1971.
Com efeito, no entendimento deste artigo tal divisão possibilita compreender melhor a atuação dos agentes políticos envolvidos, sobretudo o Poder Executivo, uma vez que, com a promulgação do Ato Institucional n. 5, assumiu toda a política educacional de expansão do ensino secundário - até então disputada com os deputados estaduais que viam na demanda crescente por esse nível de ensino uma grande oportunidade política de se manter no poder -, utilizando-se do Conselho Estadual de Educação, recém-criado, e da Secretaria Estadual de Educação para definirem os critérios adotados na criação de escolas nos municípios paulistas nesse período.
Procedimentos metodológicos
Para se desenvolver esta pesquisa, -recorreu-se ao aporte teórico da Nova História Política, além do trabalho de Pierre Bourdieu sobre a noção de campo, que nortearam a análise do corpus documental da legislação educacional do Estado de São Paulo desse período, bem como dos projetos de lei que tramitaram na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) durante o período analisado e que culminaram na efetiva criação e implantação de ginásios e colégios em vários municípios paulistas.
Vale sempre destacar que a escola, especialmente no recorte histórico adotado nesta reflexão, ocupa um lugar privilegiado, dada a sua representação enquanto símbolo de modernidade, cultura e, ainda, ascensão social. Por esse viés, a obtenção de um ginásio e/ou colégio público significava prestígio para os municípios, sobretudo os do interior, sendo vista como elemento imprescindível de desenvolvimento sociocultural e de modernização daquelas localidades. Logo, no entendimento deste artigo, o campo da história política é de extrema relevância, uma vez que este articula todo o social, que, no limite deste trabalho, pode ser vislumbrado a partir da crescente demanda das camadas médias e populares pelo ensino secundário no Estado de São Paulo (vide Tabela 1), que viam nessa escolarização uma possibilidade de ascensão social, um caminho para acessarem carreiras prestigiadas e empregos bem remunerados no futuro.
Ano | Estado de São Paulo | ||
---|---|---|---|
Ginasial (1º Ciclo) | Colegial (2º Ciclo) | Total | |
1955 | 156.443 | 22.801 | 179.244 |
1963 | 302.301 | 40.514 | 342.815 |
1964 | 413.154 | 127.358 | 540.512 |
1965 | 472.927 | 152.856 | 625.783 |
1966 | 532.042 | 174.722 | 706.764 |
1967 | 578.856 | 198.178 | 777.034 |
1968 | 690.846 | 230.675 | 921.521 |
1969 | 696.941 | 124.358 | 821.299 |
1970 | 830.565 | 161.252 | 991.817 |
1971 | 959.231 | 202.144 | 1.161.375 |
Fonte: Brasil (1955) e IBGE (1965, 1966, 1969, 1972). (fragmento).
A dimensão dessa articulação pode ser entendida a partir da ampliação do domínio da ação política gerada pelo aumento das atribuições do Estado, na perspectiva das políticas públicas que podem, por sua vez, influenciar diretamente setores como, por exemplo, a economia, tanto positiva quanto negativamente. Nesse ponto, ao que tange à história política, Rémond (2003, p. 24) afirma que,
À medida que os poderes públicos eram levados a legislar, regulamentar, subvencionar, controlar a produção, a construção de moradias, a assistência social, a saúde pública, a difusão da cultura, esses setores passaram, uns após os outros, para os domínios da história política. Com isso desabou a principal objeção a esse tipo de história: como sustentar ainda que o político não se refere às verdadeiras realidades, quando ele tem por objetivo geri-las? A prova disso está na atração cada vez maior que a política e as relações com o poder exercem sobre agrupamentos cuja finalidade primeira não era, contudo, política: associações de todos os tipos, organizações socioprofissionais, sindicatos e igrejas, que não podem ignorar a política.
No Estado de São Paulo, a ação dos deputados na criação de ginásios e colégios dava-se, por um lado, no sistema de criação de escolas instituído no final da década de 1940, o qual passava pela promulgação de lei aprovada na Alesp. Por outro lado, havia os interesses eleitorais dos deputados. Para os políticos locais, as instituições de ensino secundário, normal e superior representavam prestígio para o município, revelando o grau de cultura da localidade. Nesse sentido, a conquista do ginásio, colégio, escola normal ou instituto de educação era um empreendimento altamente lucrativo do ponto de vista simbólico (Souza & Diniz, 2014).
Utilizando-se desse contexto e agregando-o ao objeto deste estudo e às suas fontes, é pertinente se constatar que a história política dispõe de grandes massas documentais passíveis de quantificação tais como projetos de lei, que permitem compreender os fenômenos políticos, detectando-se as continuidades ao longo do tempo (Rémond, 2003)3.
Ademais, renovada a partir do contato com outras ciências sociais e pelas trocas com outras disciplinas como, por exemplo, o direito público, a psicologia social, a linguística, a informática, entre outras, pode-se dizer que a história política assumiu uma natureza pluridisciplinar, o que não lhe permite privilegiar qualquer tipo de relação exclusiva com outro campo de estudo, uma vez que a política está inserida na maioria das realidades de nossa sociedade. Não seria diferente com a área da educação, sobretudo quando se trata de políticas educacionais, que é uma das temáticas nas quais este trabalho se insere.
Nesse contexto, o conceito de campo político de Pierre Bourdieu (Bourdieu, 1996, 2011)4 contribui na análise da participação dos Poderes Executivo e Legislativo na expansão do ensino secundário no Estado de São Paulo, ocorrida no período já mencionado. Para esse autor, o campo político
[...] é um microcosmo, isto é, um pequeno mundo social relativamente autônomo no interior do grande mundo social. Nele se encontrará um grande número de propriedades, relações, ações e processos que se encontram no mundo global, mas esses processos, esses fenômenos se revestem aí de uma forma particular. É isso o que está contido na noção de autonomia: um campo é um microcosmo autônomo no interior do macrocosmo social. [...] significa que tem sua própria lei, seu próprio nomos, que tem em si próprio o princípio e a regra de seu funcionamento (Bourdieu, 2011, p. 195).
Com regras próprias de funcionamento - inerentes a um campo -, o campo político que se configurava em território paulista, desde o fim da ditadura de Getúlio Vargas e o início do período da redemocratização, propiciava a interlocução tanto dos deputados estaduais quanto os governadores paulistas que procuravam manter e/ou ampliar sua posição nesse campo, a exemplo das comissões permanentes da ALESP, cujas vagas eram disputadas pelos deputados haja vista a sua função deliberativa no que concernia à aprovação - que poderia ser célere ou morosa, decorrente do vai-e-vem que marcava o processo legislativo e, por conseguinte, a tramitação de projetos de lei - ou à não aprovação dos projetos de lei submetidos à ALESP, ou ainda do veto parcial ou total do Poder Executivo a projetos de lei outrora aprovados pelo Poder Legislativo, ou ainda a derrubada do veto do governador pela própria Assembleia Legislativa que possibilitava a aprovação da propositura ora rejeitada pelo Executivo. Nessa conjuntura, as disputas que evidentemente existiam definiam a estrutura desse campo enquanto estado de relação de forças entre os agentes envolvidos nele, cujo resultado incidia diretamente na expansão de ginásios e colégios e, consequentemente, no atendimento das reivindicações que emanavam dos municípios, considerados redutos eleitorais pelos deputados e governadores.
Portanto, mapear a criação de ginásios e colégios públicos no Estado de São Paulo, verificando-se a participação desses agentes políticos, revela-se um bom indicador para melhor entendimento do cenário configurado entre os anos de 1963 e 1971 e, por conseguinte, para responder às questões discutidas neste texto.
Isso posto, este estudo se norteou pelas seguintes interrogações: qual a política educacional do governo do Estado de São Paulo de expansão da rede de ginásios e colégios adotada entre os anos de 1963 e 1971? Como os Poderes Legislativo e Executivo participaram desse processo?
Nessa direção, mediante consulta à legislação disponibilizada no site5 da Alesp, mapeou-se a criação de 1.1066 escolas de ensino médio (dos ramos do secundário e do ensino técnico profissional) entre os anos de 1963 e 1971, conforme a Tabela 2. Diante do montante, identificaram-se 502 ginásios e 320 colégios criados entre 31 de março de 1963 a 15 de março de 1971.
Outra fonte de pesquisa documental relevante para este estudo foram os projetos de lei de criação de escolas submetidos ao plenário da Alesp que possibilitam, entre outros aspectos, identificar os atores políticos, sociais e educacionais implicados na criação de escolas, bem como as disputas no campo político pela educação escolar, especialmente no que se refere aos municípios beneficiados ou não com a criação de escolas públicas e a distribuição geográfica da expansão desses estabelecimentos de ensino.
Dentre os vários projetos de lei que tratam dessa temática, selecionaram-se os projetos de lei (PLs)7 apresentados na Alesp pelos deputados estaduais8 que mais tiveram projetos9 aprovados, totalizando 37 proposituras, que foram fotografados integralmente, com anuência da Alesp.
Também foram utilizados como fontes 28 decretos de criação de ginásios e colégios promulgados pelo Poder Executivo durante o recesso parlamentar decorrente da edição do AI-5 que promoveu o fechamento da atividade legislativa em âmbitos federal, estadual e municipal.
Outrossim, foram analisadas ainda três mensagens de governadores: a do governador Adhemar de Barros, apresentada à Alesp em 14 de março de 1966; a do governador Roberto Costa de Abreu Sodré, remetida na abertura da sessão legislativa de 1967; e a do governador Laudo Natel, apresentada em 31 de março de 1971.
À medida que os PLs, as mensagens dos governadores e os decretos em questão foram sendo analisados, verificou-se a necessidade de se consultar outras legislações e documentos como, por exemplo, resoluções internas da ALESP, legislações que tratam da criação, organização e funcionamento do Conselho Estadual de Educação, bem como os dois volumes do Plano Estadual de Educação do biênio 1970-1971.
Com efeito, o entrecruzamento desse conjunto de fontes possibilitou melhor compreensão do processo de expansão dos ginásios e colégios em âmbito paulista no período em questão e, concomitantemente, a identificação dos dois momentos distintos nesse breve período, cujos resultados da análise realizada serão abordados adiante.
Ano | Ginásios | Colégios | Escolas Normais | Total por Ano | ||||||||||
Ginásios | Ginásios Vocacionais | Ginásios de Economia Doméstica e Artes Aplicadas | Grupos Escolares-Ginásios | Ginásios Industriais | Ginásios Agrícolas | Colégios | Colégios Comerciais | Colégios Industriais / Colégios Técnicos Industriais | Colégios Técnicos | Colégios Agrícolas - Colégios Técnicos Agrícolas | Colégio Vocacionais | |||
1963 | 10 | 9 | 1 | 14 | 34 | |||||||||
1964 | 26 | 4 | 1 | 13 | 3 | 13 | 60 | |||||||
1965 | 51 | 4 | 2 | 2 | 24 | 3 | 1 | 24 | 111 | |||||
1966 | 9 | 2 | 1 | 14 | 10 | 1 | 1 | 9 | 47 | |||||
1967 | 35 | 2 | 4 | 8 | 3 | 10 | 1 | 2 | 1 | 24 | 90 | |||
1968 | 0 | |||||||||||||
1969 | 1 | 1 | ||||||||||||
1970 | 315 | 90 | 219 | 23 | 13 | 660 | ||||||||
1971 | 55 | 2 | 43 | 1 | 2 | 103 | ||||||||
Total por Tipo de Escola | 502 | 21 | 4 | 92 | 12 | 19 | 320 | 8 | 26 | 2 | 15 | 1 | 84 | 1.106 |
Fonte: O autor.
1º Momento (de 31 de janeiro de 1963 até a edição do Ato Institucional n. 5)
O ensino secundário e normal vem, freqüentemente, ampliando a sua rêde, de tal forma que, hoje, já se pode aceitar como um dos objetivos educacionais do Estado ‘o ensino médio para todos’ (São Paulo, 1966b, grifo do autor).
Em sua mensagem dirigida em 14 de março de 1966 aos parlamentares da Alesp, o então governador Adhemar de Barros reafirmou o lugar de destaque que o ensino secundário possuía na agenda do Pladi - Plano de Desenvolvimento Integrado10, elaborado para o triênio 1964-1966, e, por conseguinte, no campo político paulista.
A política educacional adhemarista para o período em questão envolvia um percentual considerável dos recursos orçamentários necessários para a execução do Pladi (Tabela 3):
Setores | Total | % |
---|---|---|
1 - Saúde | 70.746 | 9,31% |
2 - Educação | 103.640 | 13,64% |
3 - Ensino superior e pesquisa | 56.745 | 7,47% |
4 - Difusão cultural | 9.936 | 1,31% |
5 - Habitação | 103,5 | 0,01% |
6 - Justiça | 17.146 | 2,26% |
7 - Fazenda | 12.042 | 1,58% |
8 - Agricultura | 105.028 | 13,82% |
9 - Trabalho | 2.342 | 0,31% |
10 - Fundos especiais | 66.482 | 8,75% |
11 - Transportes | 228.317 | 30,04% |
12 - Energia elétrica | 34.067 | 4,48% |
13 - Saneamento urbano | 5.491 | 0,72% |
14 - Segurança | 45.849 | 6,03% |
15 - Administração geral | 2.065,5 | 0,27% |
TOTAL | 760.000 | 100,00% |
Fonte: São Paulo (1964a, p. 492) (fragmento).
Com 13,64% do montante do orçamento previsto para o triênio 1964-1966, os recursos para o setor educacional seriam aplicados nas seguintes proporções (Tabela 4):
Setores | Total | % |
---|---|---|
Ensino primário | 35.532 | 34,28% |
Ensino médio | 13.290 | 12,82% |
Ensino normal | 85 | 0,08% |
Ensino industrial | 13.717 | 13,24% |
Ensino vocacional | 6.500 | 6,27% |
Ensino agrícola | 7.073 | 6,82% |
Serviços administrativos e setores complementares | 5.360 | 5,17% |
Reaparelhamento e melhoria de serviços | 22.083 | 21,31% |
TOTAL | 103.640 | 100,00% |
Fonte: São Paulo (1964a, p. 503) (fragmento).
Entre os objetivos para a aplicação dos recursos no que tangia ao ensino secundário, estavam
[...]
5 - Aumento de cêrca de 35.000 vagas nos ginásios e 7.000 nos cursos clássico ou científico, mediante expansão e melhor aproveitamento da rêde;
6 - Instalação de 81 novos ginásios, equipados com aparelhamento de recursos áudio-visuais, laboratórios, bibliotecas e instrumental pedagógico;
7 - Construção de 640 instalações esportivas nas maiores unidades de ensino ginasial e colegial (quadras, piscinas e ginásios cobertos);
[...] (São Paulo, 1964a).
Além disso, tendo em vista a soma de recursos destinados ao setor educacional, fosse no ensino primário ou em todas as modalidades do ensino secundário, os deputados estaduais apresentaram continuadamente projetos de lei de criação de ginásios e colégios no plenário da Alesp.
As justificativas apresentadas nas proposições de criação de ginásios nos municípios do litoral e do interior paulistas se centravam, especialmente, na ausência e/ou na insuficiência de oferta do ensino ginasial, decorrente de um contingente crescente de alunos egressos do ensino primário, e na dificuldade desses adolescentes em se deslocarem a municípios vizinhos para estudar. Outros municípios, a exemplo de Ribeirão Branco, alegavam o crescimento populacional e o desenvolvimento socioeconômico como fatores preponderantes à criação do ginásio nessas localidades:
Ribeirão Branco, em que pese seu elevado grau de desenvolvimento, não foi ainda justiçado pelo Poder Público com a merecida criação de um ginásio. [...] Num município que possui desenvolvimento econômico satisfatório, não pode persistir a ausência do ensino secundário, com pena de facilitar o êxodo de inúmeras famílias para outras localidades a fim de que os jovens possam receber instrução adequada. [...] (Projeto de Lei nº 798, 1961).
Nesse cenário, vale destacar PLs de criação de ginásios em municípios recém-criados, antigos distritos de municípios maiores:
Alvinlândia, município criado em 1958, graças ao esfôrço e operosidade de suas autoridades e de seu povo, vem registrando um desenvolvimento promissor. Hoje ocupa, mesmo, posição de destaque entre as mais jovens comunas do Estado.
Por outro lado, a criação ali de um Ginásio Estadual é idéia amadurecida, constituindo anseio de todos, notadamente das famílias menos favorecidas, às quais faltam recursos financeiros para manter seus filhos estudando em outros centros do Estado. [...] (Projeto de Lei nº 1.098, 1964).
Já na capital, a população urbana, cada vez maior, era o principal argumento para a criação de mais ginásios públicos, como se pode constatar no PL de criação de ginásio no jardim Aricanduva:
O bairro de Jardim Aricanduva está situado em Vila Carrão, uma das áreas mais densamente povoadas da Capital.
Bairro genuinamente operário, a êle deve o Poder Público voltar a sua atenção no sentido de dotá-lo de um mínimo de conforto e bem estar, atendendo-lhe pelo menos alguns de seus reclamos.
Pleiteiam os moradores dessa localidade a criação de um Ginásio Estadual para que os seus filhos possam prosseguir os estudos. Uma numerosa população escolar aguarda, assim, as providências desta Assembléia, na certeza de que tal melhoramento em breve será uma realidade (Projeto de Lei nº 140, 1965).
Outrossim, as proposições de criação de colégios, tanto na capital quanto nos demais municípios do Estado de São Paulo, se justificavam pela demanda crescente de egressos do ciclo ginasial e déficit de oferta do curso colegial, mas também pela possibilidade de acesso ao ensino superior:
A disposição da presente lei atende ao anseio da população do bairro de Vila Matilde que se dirigiu a esta Assembléia pleiteando êsse benefício.
É mister que se dêem aos nossos moços escolas em quantidade para que todos tenham iguais oportunidade. Não funciona nenhum curso da espécie em um raio de 10 quilômetros, sendo que o curso mais próximo não possui vagas, e é numeroso o grupo de alunos que vão encerrar seu ginasial no presente ano letivo (Projeto de Lei nº 1.520, 1964).
Dotado de ginásio do Estado, aspira a população de Artur Nogueira a criação do curso colegial, que venha completar o curso secundário, preparando seus filhos ao ingresso na faculdade. Das mais justas e nobres a pretensão, eis que o ginásio forma elevado número de alunos, sem que possa a maioria deles prosseguir em seus estudos para ingresso na escola superior, onde buscar conhecimentos técnicos dos mais elevados. [...] (Projeto de Lei nº 3.115, 1963).
Diante dos exemplos apresentados, fica evidente a pressão exercida pelos deputados estaduais na criação de ginásios e colégios estaduais. Como já assinalado por Diniz (2017), os PLs de criação de escolas, após serem apresentados no plenário da Alesp, eram apreciados por quatro comissões permanentes11, respectivamente: Comissão de Constituição de Justiça; Comissão de Finanças e Orçamento; Comissão de Educação e Cultura; e Comissão de Redação que, ao analisarem a proposição, emitiam, cada qual, um parecer favorável sem emendas, favorável com emendas ou desfavorável.
Nessa direção, constatou-se que, nos PLs analisados, a Comissão de Constituição e Justiça, responsável por verificar a constitucionalidade da propositura, sobretudo à luz dos artigos 20, 22 e 30 da Constituição Estadual e do artigo 34 da Lei nº 4.024 (1961) (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), se manifestou favorável a todas as proposições apresentadas e propôs emendas aos Projetos de Lei nº 742 (1964), nº 1.001 (1964), nº 1.484 (1964), nº 1.520 (1964) e nº 1.657 (1965), objetivando readequação do texto apresentado em cada uma destas para atender aos cânones gramaticais outrora estabelecidos pela Alesp:
a) precedidos de ementa enunciativa do seu objeto;
b) divididos em artigos numerados, concisos e claros;
c) assinados pelos respectivos autores.
§ 1° Cada projeto deverá conter, simplesmente, a enunciação da vontade legislativa de acordo com a respectiva emenda (Resolução Alesp nº 59, 1951).
Na mesma direção, a Comissão de Educação e Cultura emitiu parecer favorável para todos os projetos de lei analisados, propondo emenda aos Projetos de Lei nº 1.137/1963, nº 3.114 (1963) e nº 3.115 (1963) (para adequação do texto à norma outrora estabelecida) e aos Projetos de Lei nº 140 (1965) e nº 449 (1965), condicionando a instalação das escolas à autorização do Conselho Estadual de Educação, criado em 7 de junho de 196312. As Comissões de Finanças e de Redação não se opuseram aos PLs selecionados para este estudo, aprovando-os.
Entretanto, dos 37 PLs selecionados, constatou-se que o Poder Executivo vetou totalmente 12 proposituras13 e, parcialmente, três PLs14, representando 40% da amostragem. Os vetos parciais concentravam-se, sobretudo, na a) não oferta do ensino médio (ginasial ou colegial), no período noturno, em grupos escolares, considerados inadequados ao funcionamento de um ginásio e/ou colégio; b) não criação de ginásios em distritos e/ou bairros de municípios que já possuíam ginásios e/ou colégios estaduais; e c) na inexistência de prédio próprio para a instalação dos estabelecimentos de ensino solicitados.
Nesse viés, entre os motivos dos vetos totais do Poder Executivo à criação de ginásios e colégios prefigurava a expansão acelerada e sem planejamento da rede de escolar de nível médio:
[...]
A expansão acelerada da rêde oficial de escolas de nível médio, sem planejamento prévio, acarretou e ainda vem acarretando, ao lado de aspectos positivos, inúmeros outros francamente negativos.
O simples aumento de número de escolas, sem os elementos indispensáveis ao seu funcionamento eficiente, como prédios, laboratórios, equipamentos e, especialmente, pessoal docente, servirá apenas para fins estatísticos, sem qualquer proveito para a coletividade [...] (Projeto de Lei nº 1.335, 1961, Projeto de Lei nº 148, 1963, Projeto de Lei nº 3.114, Projeto de Lei nº 741, 1964).
Entretanto, chamam a atenção outros dois argumentos utilizados pelos governadores Adhemar de Barros e Abreu Sodré, até então inéditos no processo de expansão da rede de ginásios e colégios no Estado de São Paulo: a resolução nº 8/63, do Conselho Estadual de Educação, e a Lei nº 9.728, de 09 de fevereiro de 1967.
A resolução n. 8/63 do Conselho Estadual de Educação, que estabeleceu normas para a expansão do sistema estadual de ensino médio, objetivava disciplinar a criação e instalação de ginásios, colégios, escolas normais e institutos de educação em território paulista. Quanto aos ginásios, a resolução condicionava a criação do primeiro estabelecimento ginasial aos seguintes requisitos:
[...]
1 - média de 100 conclusões anuais de curso primário, no triênio anterior;
2 - possibilidade de organização de quadro docente constituído por professores devidamente habilitados ou autorizados para a regência das disciplinas do primeiro ciclo de grau médio;
3 - prédio-próprio, com área de terreno, instalações e equipamento de acordo com as normas fixadas pelo Conselho Estadual de Educação ou, a falta destas, com as normas vigentes do Ministério da Educação e Cultura;
4 - regularidade da situação do ensino primário local com a matricula das crianças escolarizáveis e com o funcionamento das escolas existentes, era dois períodos diários no máximo (Resolução CEE nº 8, 1963).
Nessa direção, para a criação de ginásios em municípios que já possuíam pelo menos um ginásio, era necessário que fosse esgotada a capacidade de matrícula das unidades similares existentes e que fosse superior a 40.000 o quociente da divisão da população total do município pelo número de unidades similares já existentes.
No que concerne à instalação do ciclo colegial, os municípios pleiteantes deveriam atender aos seguintes requisitos:
[...]
a) a existência de ginásio estadual em funcionamento, com lotação completa dos cargos docentes e administrativos;
b) média mínima de 30 conclusões anuais de curso de 1º ciclo no triênio anterior;
c) possibilidades de organização de quadro docente, constituído por professores devidamente habilitados ou autorizados, para a regência das disciplinas do segundo cicio do curso secundário;
d) prédio que satisfaça aos requisitos fixados na alínea 3 das normas relativas ao 1º ciclo e que conte com a instalação e equipamento adequados para o ensino de disciplinas de caráter prático ou experimental (Resolução CEE nº 8, 1963).
Ademais,
Para a instalação, no Município, de novas unidades estaduais de 2º ciclo, seguintes à primeira é necessário que:
a) esteja esgotada a capacidade de matrícula das unidades similares existentes;
b) seja superior a 100.000 (cem mil), o quociente da visão da população total do Município pelo número de unidades similares estaduais, já existentes;
c) satisfaça a unidade a ser instalada aos requisitos mínimos estabelecidos (Resolução CEE nº 8, 1963).
Como já mencionado, outro dispositivo utilizado no veto do Poder Executivo consistia na Lei nº 9.728, de 09 de fevereiro de 1967, que estabelecia a criação de 50 ginásios e 20 colégios, atribuindo ao Conselho Estadual de Educação a definição das localidades onde seriam instalados tais estabelecimentos:
Artigo 1º - São criados 50 (cinquenta) Ginásios Estaduais e transformados em Colégios 20 (vinte) Ginásios Estaduais, todos na Capital.
Artigo 2º - A localização dos Ginásios e Colégios de que trata o artigo 1º será feita, em cada caso, por decreto do Poder Executivo, ficando a sua instalação na dependência de prévia autorização do Conselho Estadual de Educação (Lei nº 9.728, 1967).
No entendimento deste artigo, ao que tudo indica, a resolução n. 8/63 do Conselho Estadual de Educação punha obstáculos à criação de ginásios e colégios nos municípios do interior e litoral paulista, enquanto a Lei nº 9.728, de 09 de fevereiro de 1967, atingia a capital. Insatisfeitos, os parlamentares, contrariando os vetos do Poder Executivo, criavam ginásios e colégios, à luz do artigo 25, da Constituição Estadual:
Artigo 25 - Se devolvido, será submetido o projeto, ou a parte vetada, a uma só discussão, com parecer ou sem ele, dentro do prazo de trinta dias contados da data do seu recebimento ou da reunião da Assembleia.
Parágrafo único - São necessários dois terços dos votos dos deputados presentes para a aprovação da disposição vetada, que então será promulgada pelo Presidente da Assembleia (São Paulo, 1947).
Com efeito, a sistemática adotada pelo Poder Executivo na expansão da rede de ginásios e colégios estaduais, especialmente no que tangia ao veto a PLs apresentados e aprovados na Alesp, ou ainda no contundente intervalo de tempo desigual destinado à tramitação dos PLs apresentados, acirrava ainda mais as disputas que existiam e que definiam a estrutura do campo político que se configurava no Estado de São Paulo, enquanto relação de forças entre os agentes envolvidos nele, mesmo sob o sistema bipartidário que surgiu em 1965.
2º Momento (da edição do Ato Institucional nº 5 em 13 de dezembro de 1968 até 15 de março de 1971)
Art. 2º - O Presidente da República poderá decretar o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, por Ato Complementar, em estado de sitio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados pelo Presidente da República.
§ 1º - Decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo correspondente fica autorizado a legislar em todas as matérias e exercer as atribuições previstas nas Constituições ou na Lei Orgânica dos Municípios (Ato Institucional..., 1968).
Com a edição do Ato Institucional n. 5, o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais entraram em recesso. Em São Paulo, a Alesp foi fechada pelo Ato Complementar nº 47, de 7 de fevereiro de 1969, e reaberta em 20 de maio de 1970 a partir do Ato Complementar nº 85, de 20 de maio de 1970. Os deputados estaduais cassados pelo artigo 4º do AI-5 não foram substituídos e o quórum da Alesp era verificado a partir dos parlamentares remanescentes.
Nesse interregno, a criação de escolas ficou sob exclusividade do Poder Executivo que, por sua vez, recorria ao Conselho Estadual de Educação e à Secretaria Estadual de Educação que apontavam quais as localidades que deveriam sercontempladas, atendendo, assim, ao disposto aos artigos 8º e 9º da Lei nº 10.038, de 05 de fevereiro de 1968, que dispôs sobre a organização do sistema de ensino do Estado de São Paulo, e ao artigo 2º do Código de Educação do Estado de São Paulo de 1968:
Artigo 8.º - Compete à Secretaria da Educação planejar, executar e verificar os resultados das atividades do poder público ligadas aos problemas de educação e do ensino na área estadual, velando pela observância da legislação respectiva e pelo cumprimento das resoluções do Conselho Estadual de Educação.
Artigo 9º - O Conselho Estadual de Educação terá a composição e as atribuições previstas pela Lei n. 9.865, de 9 de outubro de 1967, além de outras que lhe venham a ser outorgadas por lei. (São Paulo, 1968a).
Artigo 2.º - Ao Poder Público estadual compete definir, modificar e desenvolver a política educacional do Estado.
§ 1.º - O Conselho Estadual de Educação, ouvidos os órgãos competentes das Universidades e da Secretaria da Educação, expedirá normas para execução da política educacional.
§ 2.º - A Secretaria da Educação e as Universidades estaduais são responsáveis pela execução da política educacional do Estado (Lei nº 10.125, 1968).
O Código de Educação do Estado de São Paulo apontava nesse momento para a criação de um Plano Estadual de Educação:
Artigo 17 - O Conselho Estadual de Educação elaborará e manterá atualizado o Plano Estadual de Educação, destinado a garantir a igualdade de oportunidades educacionais à população de todo o território, e o harmônico desenvolvimento sócio-econômico e cultural do Estado.
Artigo 18 - O Plano Estadual de Educação deverá levar em conta, no sentido de compatibilizá-las para a execução da política educacional do Estado, as iniciativas educacionais públicas ou privadas (Lei nº 10.125, 1968).
Decretado em 7 de outubro de 196915, o Plano Estadual de Educação apresentava a política educacional do Estado de São Paulo, acompanhado de um programa de ação a ser desenvolvido no biênio 1970-1971, elaborado pelo Conselho Estadual de Educação, pelas universidades estaduais e Secretarias de Educação e de Economia e Planejamento, a partir de um diagnóstico da situação educacional de 1956 a 196816.
Abrangente, o programa de ação destinado ao ensino médio, organizado em seis áreas de atuação17, deixava clara a intenção do Poder Executivo em expandir consideravelmente a oferta dos ciclos ginasial e colegial em todo o Estado de São Paulo. Ao mesmo tempo, a política educacional em vigência seria estabelecida a partir de uma divisão de papéis a serem desempenhados pelo Estado e pelos municípios, especialmente no que se referia à contrapartida material destes para o Estado, estabelecida desde a década de 1930 pelos interventores federais18:
[...] e) definição das áreas de atribuições do Estado e dos municípios com vistas ao desenvolvimento e à manutenção dos três graus de ensino, atendida a conveniência da progressiva passagem, para o âmbito municipal, de encargos e serviços relativos à educação, os quais, pela sua natureza, poderão ser mais pronta e satisfatoriamente cumpridos pelos govêrnos locais, observada a seguinte escala de prioridade:
1 - conservação e construção de prédios e escolas primárias nas áreas rurais;
2 - conservação e construção nas áreas urbanas, de prédios destinados ao ensino primário e ginasial; [...] (São Paulo, 1970e).
Entre os anos de 1956 e 1968, houve um crescimento médio de 347% do número de matrículas do ciclo ginasial e 378% do ciclo colegial, conforme indica a figura 3 a seguir:
Tais indicadores levaram à definição das metas quantitativas que se encontram na tabela 5 a seguir:
Especificações | Ciclos | Anos | |
---|---|---|---|
1970 | 1971 | ||
Matrículas gerais | 1º Ciclo | 847.200 | 978.300 |
2º Ciclo | 289.500 | 319.600 | |
Novas Matrículas (acréscimo em relação ao ano anterior) | 1º Ciclo | 68.800 | 131.100 |
2º Ciclo | 31.000 | 29.700 | |
Conclusões de curso | 1º Ciclo | 104.600 | 144.100 |
2º Ciclo | 66.000 | 77.800 | |
Novos professores | 1º Ciclo | 3.400 | 5.600 |
2º Ciclo | 1.600 | 1.700 | |
Novas salas de aula | 1º Ciclo | 720 | 1.380 |
2º Ciclo | 290 | 300 |
Fonte: São Paulo (1970f, p. 216).
Em 1969, enquanto o Plano Estadual de Educação estava sendo elaborado, foi criado apenas um ginásio em todo o Estado de São Paulo, no município de Pindamonhangaba19. Concomitantemente - e nos anos seguintes -, também por meio de decretos, o Poder Executivo sancionava - em menor grau, se comparado ao número de escolas que seriam criadas nos últimos anos do governo de Abreu Sodré -, a desapropriação de imóveis e o recebimento, por doação, de imóveis localizados em diversos municípios paulistas para a construção de escolas.
Contudo, no ano de 1970 foram criados 315 ginásios e 219 colégios, conforme aponta o gráfico 1 a seguir:
Nesse processo, chama a atenção a quantidade de ginásios e colégios criados em um número reduzido de decretos20. Há que se destacar também que todos os decretos desse período indicavam quais localidades estavam sendo contempladas, tanto na criação de ginásios quanto na transformação de ginásios já existentes em colégios, indicando efetividade do trabalho da Secretaria Estadual de Educação e do Conselho Estadual de Educação. Já em 1971, até 15 de março - último dia do mandato do governador Roberto Costa de Abreu Sodré, foram criados 55 ginásios e 43 colégios.
Considerações finais
No âmbito deste estudo, buscou-se analisar a política educacional do Estado de São Paulo de expansão de ginásios e colégios estaduais públicos no Estado de São Paulo, ocorrida entre 31 de março de 1963 a 15 de março de 1971.
Mesmo com as mudanças do campo político paulista advindas do bipartidarismo e do recesso parlamentar imposto pelo AI-5, a expansão da rede estadual de escolas no Estado de São Paulo se manteve desordenadamente em ritmo acelerado atendendo à demanda da sociedade que via no ensino médio uma possibilidade de ascensão social e melhores condições de vida, reforçando, assim, a representação social dessa modalidade de ensino.
Nesse viés, é possível verificar que, nos últimos anos do período de redemocratização, a disputa (e os embates) entre o Poder Legislativo e o Poder Executivo estadual se intensificou em torno da criação de ginásios e colégios. Exemplo disso são os vetos impostos pelo Poder Executivo a diversos projetos de lei de criação de escolas que foram aceitos pela Alesp, sistemática esta que tornou corriqueira nesse período. Concomitantemente, a criação do Conselho Estadual da Educação nesse período pode ser considerada um elemento adicional nesse jogo político, uma vez que os vetos do Poder Executivo, em boa parte, atribuíam a esse órgão a responsabilidade de autorizar (ou não) a criação de ginásio e/ou colégio em determinada localidade.
Na lacuna gerada com a edição do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968 e o recesso compulsório da Alesp, o Poder Executivo assumiu toda a política educacional, exercendo, assim, um protagonismo no processo de expansão do ensino médio em âmbito paulista, o qual foi compartilhado com o Conselho Estadual de Educação e a Secretaria Estadual de Educação, especialmente a partir da promulgação do Código de Educação do Estado de São Paulo de 1968 e do Plano Estadual de Educação em 1969 que, ao que tudo indica, utilizaram-se, ao invés de critérios meramente políticos (ou nenhum critério), de critérios técnico-administrativos e estatísticos - que não foram possíveis de serem implantados nos primeiros anos do período de redemocratização, por pressão dos próprios deputados estaduais - para a definição das localidades que seriam atendidas com ginásios e colégios, mas também com ginásios e colégios vocacionais, ginásios pluricurriculares, ginásios de economia doméstica e artes aplicadas, grupos escolares-ginásios, ginásios e colégios técnicos e industriais, ginásios e colégios agrícolas, colégios comerciais, que não se encontram no escopo deste estudo, mas que poderiam ser objetos de outros estudos, dada a sua representação social e capilaridade no Estado de São Paulo.
Em termos quantitativos, entre 31 de março de 1963 a 15 de março de 1971, de 502 ginásios e 320 colégios criados em todo o território paulista, o Poder Executivo criou, por proposta própria, 371 ginásios e 262 colégios, ou seja, 74% dos ginásios e 82% dos colégios. Nesse contexto, destacam-se a criação em 1969 de 315 ginásios e 219 colégios, fato inédito até então na história da educação paulista, e, de igual maneira, a manutenção do mecanismo adotado à época dos interventores federais de contrapartida dos municípios no processo de obtenção de ginásios e/ou colégios.
Destaca-se, ainda, a potencialidade dos projetos de lei enquanto fontes de pesquisa historiográfica, uma vez que estes fornecem elementos importantes para a compreensão da expansão do ensino secundário nesse período, sob três aspectos: a) a identificação dos atores políticos, sociais e educacionais implicados na criação de escolas; b) as disputas no campo político pela educação escolar, especialmente no que se refere aos projetos bem-sucedidos (transformados em lei) e malsucedidos, bem como os municípios beneficiados ou não com a criação de escolas públicas e a distribuição geográfica da expansão das escolas secundárias; e c) as representações dos atores políticos sobre a educação secundária (Souza et al., 2017).
De igual maneira, os decretos do governador Abreu Sodré se mostraram também fontes primárias extremamente relevantes para compreender a expansão de criação de ginásios e colégios após a edição do AI-5, dada a quantidade considerável de escolas criadas, se comparado ao número de decretos promulgados, fato inédito até então. De fato, os critérios elaborados pelo Conselho Estadual de Educação e Secretaria Estadual de Educação para criação de ginásios e colégios estavam sendo regiamente seguidos? Tais critérios também foram pensados para favorecerem ainda mais o protagonismo do Poder Executivo nessa expansão?
Por fim, procuramos, neste trabalho, oferecer uma contribuição para a área da história da educação que pode possibilitar aos historiadores novas perspectivas de pesquisa para melhor se compreender a expansão do ensino secundário. A originalidade na adoção dos tipos de fontes primárias como as que foram utilizadas neste estudo permite um olhar cada vez mais aprofundado dos vários fatores que estão inter-relacionados para interpretar os aspectos políticos na história da educação secundária, uma vez que o ensino médio, ainda hoje, permanece como um instrumento de diferenciação social e educacional e como um dos principais problemas da educação no Brasil.