A escola tem sido, nos últimos séculos, uma das instituições privilegiadas para, também, disseminar verdades que a sociedade produz e uma série complexa de práticas de disciplinamento, controle e governo. Ao pensarmos nos corpos que compõem esse espaço, o que mais aprendemos na escola – alunas(os)(es), professoras(es)(xs), orientadoras(es), diretoras(es)(xs), funcionárias(os)(xs), enfim, todxs nós que passamos pela instituição – é privilegiar certo tipo de relações corporais, com o nosso próprio corpo e os outros corpos que habitam a instituição. As cadeiras colocadas de acordo com alguma posição pré-determinada, os corpos alinhados nas fileiras nos pátios, o uso de uniformes e outras normas sobre a vestimenta, as regras para controlar a entrada e a permanência nos banheiros são algumas das mais evidentes técnicas de disciplinamento corporal.
Com o objetivo de pensar a escola, a disciplinarização dos corpos e as práticas pedagógicas, este artigo busca refletir sobre o contexto escolar como espaço constituído de dispositivos disciplinares que contribuem para a constituição de corpos docilizados e que, ao mesmo tempo, criam as possibilidades para a constituição de corpos resistentes e dissidentes.
O texto que segue é um recorte de pesquisas realizadas nos anos de 2018 e 2019 em escolas situadas na cidade de Cuiabá/MT. Considerando a especificidade do lugar, ressaltamos a necessidade de, ao menos referenciar que aspectos culturais e regionais são peculiares e de suma importância ao contexto pesquisado, contudo não serão debatidos neste artigo.
Inicialmente, discutirmos sobre o currículo denominado por pesquisadoras e pesquisadores como “Oculto”. Num movimento de resistência e subalternidade, denominaremos Currículo oculto/obscuro, perpassado pelas relações de gênero as quais denunciam as bases das relações de poder, o ambiente escolar e as relações de gênero apontam para a dinâmica performática em que são constituídos os sujeitos, além de apontar formas de resistências, contribuições de um currículo pós-crítico, articulado com a teoriaqueer.
Diante de discursos conservadores que distorcem a realidade sobre o significado de uma educação pelas diversidades e nas diversidades, seja sexual e/ou de gênero, ou ainda, etnicorracial e de classe; assim como as composições do gênero e das sexualidades, este artigo busca debater, de forma sucinta, propostas pedagógicas inclusivas que passam pelo olharqueer, feminista e pós-crítico. A (re)produção das desigualdades no ambiente escolar e as complexidades que envolvem o ser menina, ser menino e a intrínseca problemática do ofício de ser “aluna/o” contribuem para visibilizar processos de resistência, mobilizados por sujeitos e coletividades subalternizadas nos espaços educacionais formais e informais.
Os corpos, como experiência vivida, objeto de socialização, superfície de disciplinamento, espaço de manifestação de conflitos, pressões, opressões e violências, carregam trajetórias de exclusão historicamente perpetuadas por marcadores sociais. As sobreposições dos corpos, símbolos de resistência, levam criatividade e arte para dentro dos espaços educacionais, construindo mecanismos de emancipação, autonomia e protagonismo.
A educação formal e as relações de gênero
Organizada a partir do século XVIII, a escola ocupa, por excelência, olócusda educação formal, essencialmente útil para o capitalismo e funciona como instância de disciplinarização mais atuante nas sociedades modernas. Obviamente que, para além disso, configura-se também como espaço de preparação de crianças e jovens para viverem em sociedades. Alicerçada em tradição disciplinar, a escola vem desenvolvendo capacidades e conhecimentos considerados úteis socialmente. Muito além dos conhecimentos transmitidos, a preparação escolar também atua intensamente na construção dos corpos infantis e juvenis, produzindo gêneros, comportamentos, habilidades e competências para os diferentes sexos (LOURO, 2015, p.21). Conforme apontado por Foucault, em sua obraVigiar e Punir, “a disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos ‘dóceis’”. E ainda para ele, “[...] esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes impõem uma relação de docilidade-utilidade são o que podemos chamar as ‘disciplinas’” (FOUCAULT, 2014, p. 135).
Com a expansão da escolarização, a organização do currículo escolar tornou-se fundamental para pensar no que ensinar. O termo “currículo” tem sua origem no latim (curriculum), que significa "pista de corrida" e, segundo Silva (2010, p. 15), “[...] podemos dizer que no curso dessa ‘corrida’ que é o currículo, acabamos por nos tornar o que somos”. Na apropriação educacional, o currículo refere-se à “reunião das disciplinas de um curso [...]”. Em todo caso, o currículo não perde o seu sentido original como corrida, movimento, porque quem acessa o ensino escolar passará por um processo de mudança, “afinal, passar ou não pela escola, muito ou pouco tempo, é uma das distinções sociais” (LOURO, 2015, p.21).
Ao selecionar os conhecimentos necessários a serem ensinados, a escola determina o que deve ser ensinado e também os tipos de sujeitos que deseja formar. Assim, “[...] a escola não apenas transmite conhecimentos, nem mesmo apenas os produz, mas ela também fabrica sujeitos, produz identidades étnicas, de gênero, de classe [...] por meio de relações de desigualdade, em sintonia com a manutenção de uma sociedade dividida” (LOURO, 1997, p. 85). Nesse aspecto, Silva (2010, p. 23) aponta:
O currículo é um dos locais privilegiados em que se cruzam e entrecruzam saber e poder, representação e domínio, discurso e regulação. É também no currículo que se condensam relações de poder, cruciais para o processo de formação de subjetividades sociais. Em suma, currículo, poder e identidades sociais estão mutuamente implicados. O currículo corporifica relações sociais.
No processo de aprendizagem, o currículo em si não é neutro, porque produz e reproduz subjetividades e identidades em conformidade com os interesses dominantes de uma sociedade, apoiado por conhecimentos que devem ser ensinados e deixar de fora o que não deve. É inegável que a escola tenha em suas diretrizes os conhecimentos necessários para formar sujeitos ideais para a manutenção de uma ordem social - nesse caso, de uma sociedade organizada na divisão inscrita nas relações de poder -, a qual determina lugares de homens e mulheres. Nesse sentido, na escola,
[ensina-se] que menino é e deve ser diferente de menina. Admitem-se determinadas condutas de meninos que não se admitem das meninas. Esperam-se comportamentos de meninas que não se esperam de meninos. Classificam-se como normais e como anormais determinados comportamentos e desempenhos. Cobram-se desempenhos diferenciados de meninas e meninos e, então, usam-se técnicas diferenciadas para governar meninos e meninas nas escolas (PARAISO, 2016, p. 224).
Por isso cabe dizer que, de acordo com Scott (1990), as questões relacionadas com gênero estão ligadas às relações de poder num campo relacional e impregnadas por corpos generificados; porém, dentro de um currículo oculto/obscuro, na medida em que estruturam a instituição escolar, tanto na dinâmica social como na demarcação dos espaços. Observa-se, por exemplo, a forma como as quadras de esporte são ocupadas por meninos e meninas e como as entradas dos banheiros são bem sinalizadas e vigiadas.
De acordo com Silva, “[...] o currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribui, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes” (2010, p.78). Dessa maneira, reforça-se que não é possível conceber o ensino escolar como neutro, dado que os valores dominantes implícitos no currículo estão a todo tempo orientando pensamentos e comportamentos a partir do que é considerado certo e útil. Nesse sentido, a ideia do sujeito racional, autônomo e centrado, idealizado pelo Iluminismo (HALL, 2006), tornou-se ilusória, já que na modernidade “não existe sujeito a não ser como simples e puro resultado de um processo cultural e social articulado com as relações de poder” (SILVA, 2010, p. 120). Há, então, razões para que o gênero atue como garantia da heterossexualidade como norma, pois:
[...] podemos analisar gênero como uma sofisticada tecnologia social heteronormativa, operacionalizada pelas instituições médicas, linguísticas, domésticas, escolares e que produzem constantemente corpos-homens e corpos-mulheres. Uma das formas para se reproduzir a heterossexualidade consiste em cultivar os corpos em sexos diferentes, com aparências “naturais” e disposições sexuais diferentes (BENTO, 2006, p. 1).
Tendo em vista esse aspecto, é possível verificar, nos últimos anos no Brasil, o empenho e as apelações que foram empreendidas pela intervenção do Estado e de grupos religiosos e conservadores na elaboração da última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em dezembro de 2017. As expressões “gênero” e “orientação sexual” foram suprimidas do documento sob o aporte do discurso de “ideologia de gênero”1. Essa expressão fantasmagórica começa a difundir-se fortemente a partir da Conferência Episcopal da Igreja Católica do Peru em 1998 (MISKOLCI, 2018).
A pesquisadora Freire (2018, p. 34), explica que gênero estaria na mira de grupos contrários a esse tema, expresso sob o discurso “ideologia de gênero”. Nesse registro, a “ideologia de gênero” é nada mais que um dispositivo retórico para mobilizar uma estratégia reacionária (Junqueira, 2017a, 2018a) e, por que não dizer, fundamentalista, já que se apoia em preceitos doutrinários de fé religiosa para paralisar o debate público democrático, promovendo uma cruzada moral antigênero. Como propõe Junqueira (2018a), a “teoria/ideologia de gênero”, tal como formulada nessa ofensiva, carece de legitimidade acadêmica, consistindo no reducionismo de um campo complexo de estudos a uma suposta conspiração global antifamília e antinatureza humana, de modo que “tal discurso tem um tom fortemente acusador nas diferentes maneiras como é empregado para afirmar que se trata de um tema contra a ‘ordem natural’ dos corpos e, portanto, perigoso/ameaçador para estar nos currículos escolares”, ou seja, trata-se da proteção de uma ordem natural com base numa concepção binária em que só é possível existir como natural/normal corpos masculinos e femininos respectivamente heterossexuais.
Essa concepção apregoa a ideia de que discutir as questões de gênero e sexualidades na escola é o mesmo que fazer apologia a práticas homossexuais e sexuais, ou seja, como se falar de gênero na escola estivesse incentivando união de pessoas do mesmo sexo, considerando-se, assim, uma ameaça ao modelo do que tradicionalmente se entende por família na sua função procriadora e moralmente aceita. Ocorre que a retirada de palavras com a intenção de que tais assuntos não sejam abordados em sala de aula pode ter consequências que comprometam vidas, quando não se reconhece o direito de existir de outras formas para além da heteronormatividade2.
[ter] palavras para compreender positivamente a si mesmo ou não gerará consequências concretas para os sujeitos na vida cotidiana. A censura ao termo gênero nos planos educacionais – assim como a outros como identidade de gênero – não é mera questão semântica, mas ação deliberada de impedir o aprendizado de meios para a demanda de igualdade e autonomia por parte de mulheres, assim como o de direitos fundamentais como segurança e respeito à própria vida no caso de homossexuais, pessoas trans, entre outros (MISKOLCI, 2018, p. 8).
Nesse sentido, o currículo, oculto ou não, como conjunto de conhecimento, encontra-se num campo de disputas de poder, em que predominam uma seleção e uma hierarquia do saber, e aquilo que não interessa saber fica de fora. Isso está vinculado à trajetória das pessoas e ao lugar que elas ocupam na sociedade.
Pensar sobre uma pedagogia e um currículo a partir das teorias pós-críticas requer questionar se aquilo que é ensinado e aprendido, garante de fato a plena emancipação, se não, a quem interessa e até onde a escola permite enxergar. No campo da sexualidade, por exemplo, importa saber se a heterossexualidade é natural, por que requer ser aprendida e, ainda, por que não falar sobre, pois “[...] a sexualidade não é apenas uma questão pessoal, mas é social e política; o segundo, ao fato de que a sexualidade é ‘aprendida’, ou melhor, é construída, ao longo de toda a vida, de muitos modos, por todos os sujeitos” (LOURO, 2015, p. 11).
Embora o currículo não seja o objeto central deste trabalho, faz-se necessário reconhecer o seu lado oculto/obscuro, configurado de acordo com o que se pode ensinar e aprender na escola e que se reflete nas relações desiguais de gênero (PARAISO, 2016). Ressalta-se, portanto, que problematizar o currículo a partir de uma perspectiva pós-estruturalista não significa abandonar as contribuições das teorias críticas, pois elas são a base para compreender as teorias pós-críticas:
Na teoria do currículo, assim como ocorre na teoria social mais geral, a teoria pós-crítica deve se combinar com a teoria crítica para nos ajudar a compreender os processos pelos quais, por meio das relações de poder e controle, nos tornamos aquilo que somos (SILVA, 2011, p. 147).
Tomaz Tadeu da Silva (2011), percebe a importância de uma conexão entre as teorias críticas que, devido à ênfase inicial, estivesse voltada e limitada ao contexto de classe e, posteriormente, avançando para uma análise pós-crítica, pautada na ampliação de outros grupos subalternizados marcados por gênero, raça e outras identidades. Ao mesmo tempo em que provocou uma afirmação de diferentes identidades, também se verificou certa separação e ausência de comunicação entre os grupos, considerando suas especificidades.
A reflexão sobre o currículo, como elemento de interesses políticos e sociais, permitiu a elaboração de teorias críticas em oposição às teorias acríticas, o que gerou significante avanço. Definir, então, o que é o currículo seria menos pertinente do que entender os processos pelos quais esse campo é construído; pois, a depender da perspectiva teórica em foco, surgem definições diferentes, que estarão atreladas aos respectivos objetivos orientados pelos discursos presentes em cada perspectiva. Dessa forma, as teorias pós-críticas —valorizando as diferenças e o multiculturalismo — reivindicam a inclusão e assimetria entre as culturas, defendendo que as mudanças nas relações de poder, em que grupos subordinados estejam integrados, estão diretamente vinculadas à construção de uma sociedade mais justa.
A perspectiva de um currículo multicultural indica que:
[o] gradiente da desigualdade em matéria de educação e currículo é função de outras dinâmicas, como as de gênero, raça e sexualidade, por exemplo, que não podem ser reduzidas à dinâmica de classe. Além disso, o multiculturalismo nos faz lembrar que a igualdade não pode ser obtida simplesmente por meio da igualdade de acesso ao currículo hegemônico existente, como nas reivindicações educacionais progressistas anteriores. A obtenção da igualdade depende de uma modificação substancial do currículo existente. Não haverá 'justiça curricular', para usar uma expressão de Robert Connell, se o cânon curricular não for modificado para refletir as formas pelas quais a diferença é produzida por relações sociais de assimetria (SILVA, 2010, p.90).
A questão não se limita “[...] a ensinar a tolerância e o respeito apenas, em vez disso, insistiria numa análise dos processos pelos quais as diferenças são produzidas pelas relações de assimetria e desigualdade” (SILVA, 2010, p. 89). Caso contrário, simplesmente dar visibilidade, como um arranjo temático, percebido pelas datas comemorativas como o "dia do índio, o dia da mulher, da consciência negra", ao invés de produzir mudança, nesse caso, as diferenças “são toleradas ou são apreciadas como curiosidades exóticas” (LOURO, 2001, p. 550).
Nas palavras de Silva (2010, p. 107), a teoriaqueer "efetua uma verdadeira reviravolta epistemológica”, porque nos obriga a pensar o impensável, questionando o conhecimento que, ao longo da vida escolar, foi posto como “verdade”; nesse diferente processo, a reedição se ocupa de recuperar as partes que foram cortadas, o que permitirá uma possível ampliação do pensamento, bem como uma pedagogia articulada com a pluralidade. Assim, a TeoriaQueer, pensada no processo educacional, ao se voltar para os múltiplos conceitos de gênero e de sexualidade, pretende questionar este modelo normativo padrão. Fazer tal questionamento implica observar que esse modelo atravessa e se perfaz pela sexualidade fazendo dos corpos um possível caminho de interrogação ao capitalismo com suas nuances totalitárias perversas e controladoras da singularidade dos corpos.
A escola como espaço da disciplina dos corpos e das resistências
Como processo de transmissão da cultura e do conhecimento, a educação sempre esteve presente na perpetuação e nas modificações das sociedades humanas, tendo como locusinicial a esfera doméstica, conhecida como o primeiro espaço de socialização, em que as primeiras regras de convivência social são assimiladas. No entanto, a palavra “educação” passa a estar fortemente ligada à ideia de escola à medida que diversos sistemas educacionais, que se estenderam além do espaço privado, criados para atender às novas demandas econômicas e sociais, especificamente após a Revolução Industrial, instituíram por excelência o espaço escolar para a formação de pessoas úteis à sociedade. Nesse contexto, “a escola é forçada a modernizar-se, a dar mais importância aos conteúdos técnicos e científicos ao longo das antigas matérias clássicas e literárias” (PILLETTI, 1996, p. 98).
O termo “escola” tem origem grega (significa “o lugar do ócio”), e tal instituição surge na Idade Média para servir às classes mais abastadas que dispunham de tempo livre e utilizavam-se desse espaço para desenvolver atividades que lhes proporcionavam lazer e prazer (ALVES; PRETTO, 1999). Com a expansão escolar, o sentido inicial desse espaço sofreu profundas mudanças, como observa Alves e Pretto:
Com o passar do tempo, começa a perder esse significado, passando a ser vista como um lugar onde se vai buscar e adquirir novas informações, na maioria das vezes de forma descontextualizada, tornando-se um lugar enfadonho e desprazeroso. Tal afirmativa pode ser ratificada no discurso de crianças, adolescentes e até mesmo dos adultos que necessitam ir à escola, marcando a diferença entre o aprender com prazer fora da escola e o aprender dentro do espaço escolar (1999, p.1).
Foucault aponta que, a partir do século XIX, com o nascimento das ciências humanas, passam a operar mecanismos de controle do corpo, e a estrutura escolar passa a funcionar como “[...] um espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar físico onde os menores movimentos são controlados onde todos os acontecimentos são registrados [...]” (1977, p.14), tornando-se um lugar “[...] que faz de cada minuto da vida do estudante objeto de conhecimento, intervenção e controle” (MACHADOet al., 1978, p. 305; FOUCAULT, 1977, p. 174). O controle exercido pela escola por meio da disciplina fez com que esse lugar se tornasse fundamental para a criação de "corpos dóceis", obedientes e aptos a produzir mais, o que fornece a ele o título de espaço ideal de formação de pessoas esperadas a atender às necessidades da sociedade.
O poder disciplinar legitima-se à medida que alunos e alunas internalizam as normas e incorporam os rituais, cumprindo horários, usando uniformes, sentando-se em fileiras, utilizando banheiros conforme o sexo, entre outras práticas de controle de comportamento repetidas pelo discurso, seja pelo que é dito ou pelos gestos, que constituem o corpo educado pela escola, ou o corpo escolarizado, como explica Louro:
Um corpo escolarizado é capaz de ficar sentado por muitas horas e tem, provavelmente, a habilidade para expressar gestos ou comportamentos indicativos de interesse e de atenção, mesmo que falsos. Um corpo disciplinado pela escola é treinado no silêncio em determinado modelo de fala; concebe e usa o tempo e o espaço de forma particular. Mãos, olhos e ouvidos estão adestrados para tarefas intelectuais, mas possivelmente desatentos ou desajeitados para outras tantas (2015, p. 21).
Como bem aponta a autora, a escola imprime nos corpos a sua marca, o que permite reconhecer um corpo que teve acesso à escola, desde a maneira de sentar, manter-se calado e fingir atenção às aulas. O momento autorizado de falar; geralmente, quando solicitada a fala pelo/pela professor/professora, e a forma de falar, tudo é calculado para que se cumpra o padrão adequado de sujeitos educados pela escola. Esse comportamento ensinado na fase vivenciada na escola compreende que a atenção do corpo deverá ser voltada, em especial, ao aspecto intelectual, e não a outros considerados impróprios. Ao disciplinar os corpos, a escola reproduz os padrões socialmente aceitos do que é ser masculino e feminino, em que gênero e sexualidade são estabelecidos a partir da lógica heteronormativa. Pode-se dizer que a heterossexualidade não é natural, como o determinismo biológico empreendeu em explicar; porque, se assim o fosse, ser heterossexual não necessitaria ser aprendido.
É comum que as escolas repreendam contatos físicos mais íntimos entre os/as estudantes, porém observa-se que a repreensão é maior quando se trata de manifestações de trocas de carícias entre meninos, o que indica que a homossexualidade é mais vigiada do que a heterossexualidade, considerada a sexualidade “normal”. Conforme Louro,
[Em] nossa cultura, esse movimento, ou seja, o processo de heteronormatividade parece ser exercido de modo mais intenso ou mais visível em relação ao gênero masculino. [...]. Dessa forma, o processo de heteronormatividade não só se torna mais visível em sua ação sobre os sujeitos masculinos, como também aparece, neste caso, frequentemente associado com a homofobia (2009, p.88).
A dimensão da sexualidade também é fragmentada no tempo e no espaço à medida que é reprimida. Ao definir uniformes, especialmente de meninas; que, propositadamente esconderão ao máximo as partes do corpo, evita-se a sensualidade que o corpo pode produzir. É uma maneira de conter a sexualidade, adiando para a vida adulta, por se considerar a fase escolar necessária para o desenvolvimento cognitivo e intelectual desses/dessas estudantes:
[...] a escola terá, como desafio, lidar com a sexualidade alinhada aos padrões previamente absorvidos, tendo uma tarefa bastante importante e difícil, de equilibrar sobre um fio muito tênue: de um lado, incentivar a sexualidade “normal” e, de outro, simultaneamente, contê-la. Um homem e uma mulher “de verdade” deverão ser, necessariamente, heterossexuais e serão estimulados para isso. Mas a sexualidade deverá ser adiada para mais tarde, para depois da escola, para a vida adulta (LOURO, 2010, p. 26).
A interação escolar também permite produzir e reforçar movimentos corporais generificados, pois,
[...] todo movimento corporal é distinto para os dois sexos: o andar balançando os quadris e assumindo como feminino, enquanto dos homens espera-se um caminhar mais firme (palavra que, no dicionário, significa seguro, ereto, resoluto, (expressões muito masculinas e positivas), o uso das mãos [...], o posicionamento das pernas ao sentar, enfim, muitas posturas e movimentos são marcados, para um e para o outro sexo (LOURO,1992, p. 58-59).
Essas marcas que diferenciam os sexos tendem a legitimar como naturais a passividade e a delicadeza feminina e a atitude enérgica, e até agressiva, masculina. Assim, relevar comportamentos considerados indisciplinares por parte dos meninos é mais comum do que lidar com a rebeldia das meninas, pois elas são mais cobradas a serem obedientes e contidas em conformidade com uma suposta natureza. Essas marcas também reduzem e ampliam os espaços do entorno escolar para eles e para elas. Os meninos costumam “ser” os donos das quadras de esportes, pois a possibilidade de meninas encontrarem espaço em esportes como o futebol é incomum; suas habilidades nem sempre são valorizadas, reservando-se a elas atividades ditas como as mais femininas, a dança, por exemplo. Para Butler (2015), essas práticas reforçam os papéis sociais de gênero, determinados, compulsoriamente, até mesmo antes de nascer, no momento em que se anuncia se é um menino ou uma menina. A autora denomina tal enunciação de interpelação fundante, porque será repetida, necessariamente, várias vezes até atingir uma essência que produz “verdades”.
Assim, meninas já sabem o que podem e o que não podem fazer e suas limitações de poder são ainda maiores em referência às escolhas que lhes permitirão alçar espaços equiparados aos dos homens; já que a eles cabe à escola potencializar seus “atributos natos” - a força, a valentia, a racionalidade - e, por outro lado, a docilidade que faz da menina ser mais passiva e sensível de modo que, gradativamente, é destinado a ela o lugar da subalternidade. Pode-se dizer que a relação com os próprios brinquedos funciona como dispositivo de poder posto que se trata de
[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode tecer entre estes elementos (FOUCAULT, 2000, p. 244).
Assim, como um brinquedo referencial na infância de meninas, a boneca não se restringe apenas ao aspecto lúdico; mas, por meio do lúdico, elas preparam-se para o destino materno. As fictícias filhas recebem o cuidado de suas fictícias mães; e, aos poucos, como se ocorresse dentro de um processo natural, vão incorporando os rituais e os gestos; tornando-se, potencialmente, mães reais, ao mesmo tempo em que se confinam no espaço doméstico.
No livroO amor conquistado: o mito do amor materno, Badinter (1985) argumenta que os discursos políticos de valorização da maternidade, visando ao cuidado com os filhos, foram produzidos a partir do século XVIII na Europa com o objetivo de diminuir a mortalidade infantil e, com isso, garantir a soberania estatal. Ela defende que o fenômeno da maternidade tem significados diferentes no contexto histórico. O destino materno, atribuído ao feminino, também se inscreve no poder exercido pela escola (aparentemente neutra), que tende a reforçar atributos tidos como naturais condicionados ao sexo; e disciplinar os corpos, conferindo ao masculino práticas que potencializam a sua força, tanto física como intelectual, e que o submetem a maiores desafios.
No senso comum, percebe-se a ideia de que meninos tendem a dominar a matemática mais do que as meninas, justificada na crença de que são mais racionais e decisivos; elas, supostamente, são mais sensíveis e emotivas. Essa ideia marca não tão somente a diferença de aptidões desenvolvidas como também a hierarquia nos espaços do trabalho que, futuramente, meninas e meninos ocuparão, estabelecendo uma condição de vantagem masculina (FERNANDES, 2011), posto que profissionais que dominam os números são mais valorizados.
Em pesquisa realizada por Cardoso e Santos (2014), analisou-se como as relações de gênero se articulam com a aprendizagem da matemática no cotidiano escolar observado. Notou-se que, nas aulas de matemática,
[...] a professora direciona a aula para os meninos, chama-os a responderem as atividades no quadro, elabora problemas matemáticos envolvendo os nomes deles e eles gostam de participar das aulas. Isso está de tal modo naturalizado que não se investe nas meninas nessas aulas. Esse discurso também é reiterado no livro didático utilizado, no qual há grande investimento em dialogar mais com os meninos. Afinal, sabe-se, discursivamente, que “meninas não gostam de cálculos” e que “meninos são predispostos às exatas” (CARDOSO; SANTOS, 2014, p. 350).
Essas “verdades”, as quais produzem subjetividades, contribuem para estabelecer hierarquia nos espaços do mercado de trabalho no qual, futuramente, meninas e meninos, ingressarão, criando condições de vantagens para os homens, que terão mais oportunidades de exercer profissões em áreas mais valorizadas, como de exatas e tecnologia; possibilitando a eles melhores salários e mobilidade social favorável.
Observa-se também que a reafirmação dos padrões socialmente aceitos do que é ser um homem e do que é ser uma mulher heterossexual está presente nas tradicionais festas promovidas nas escolas, como é o caso das festas juninas. É muito comum que os pares sejam representados por casais formados por meninos e meninas e, caso não tenha um número de meninos o suficiente, é aceitável que a dupla seja formada por meninas desde que uma delas se caracterize de menino. No entanto, é pouco provável que isso aconteça se a situação for contrária. Meninas podem até trocar afetos entre elas, experimentar atividades ditas masculinas, porque não sofrerão a mesma pressão de ter a sexualidade questionada como os meninos. Na nossa cultura, a masculinidade é constantemente vigiada.
Essa vigilância exercida pela escola por meio da disciplina dos corpos e comportamentos, não atua de forma isolada, é parte do projeto macro de controle e dominação do corpo social-estatal e, portanto, exerce o papel de reproduzir os saberes regulatórios, instituídos por discursos científicos (FOUCAULT, 1987). Percebe-se que, ao reproduzir a heteronormatividade, a escola tende a ignorar a existência de outras identidades sexuais e de gênero que também ocupam o espaço escolar; a existência e a vivência de outras formas de sexualidade porque, segundo Louro,
[a] concepção binária do sexo, tomado como ‘dado’ que independe da cultura, impõe, portanto, limites à concepção de gênero e torna a heterossexualidade o destino inexorável, a forma compulsória de sexualidade. As descontinuidades, as transgressões e as subversões que essas três categorias (sexo-gênero-sexualidade) podem experimentar são empurradas para o terreno do incompreensível ou do patológico (2008, p.82).
Por conseguinte, ao tomar a natureza como determinante no destino de viver a sexualidade, por regra da “natureza”, só se pode ser feminino ou masculino, macho ou fêmea. São impostos limites a outras formas de vidas, possíveis sexualidades que divergem das normas que venham a transgredir o padrão de sexualidade socialmente apregoado. Sexos opostos são naturalmente combinados; caso contrário, torna-se algo incompreensível, patológico ou mesmo um problema social.
As pessoas que orientam seus desejos e afetos por outras do mesmo sexo não se ajustam, portanto, ao sistema sexo/gênero/desejo socialmente determinado. Acabam sendo excluídas e silenciadas.
Silenciar sobre aqueles que se interessam por colegas do mesmo sexo é uma forma de tratá-los como não sujeitos, desmerecê-los porque não correspondem aos atributos desejados socialmente e, sobretudo, relegá-los ao reino aqueles que não podem nem existir, já que não podem ser nomeados. Fora da sala de aula, eles serão insultados, uma forma de declará-los inferiores e abjetos, pois o ato de xingar não os denomina apenas, antes os classifica como inferiores e indesejados (MISKOLCI, 2010, p. 81).
Para Miskolci (2010), essa forma intencional de a escola ignorar, por meio do silenciamento, a existência de relações homossexuais é um dos meios de construir identidades ditas naturais e normais, ou “gênero inteligíveis”; que, segundo Butler (2003), são aqueles que obedecem a uma coerência entre sexo, gênero, desejo e prática sexual.
A essas pessoas que não se encaixam nessa “ordem compulsória” resta viver a sexualidade desejada, submetendo-se à condição de abjeção ou criar estratégias de aceitação social, recolhendo-se no “armário”; e, de acordo com Sedgwick (2007), “[...]o armário é a estrutura definidora da opressão gay”, ou seja, o segredo da intimidade, ao mesmo tempo em que reprimem os seus desejos publicamente, protege-o da homofobia, contribuindo para a afirmação da sexualidade hegemônica. Para Louro (2015, p. 29), serão os espaços de abjeção que “[...]passarão a ser utilizados como sinalizadores evidentes e públicos dos grupos sexuais subordinados”, porque reconhecer e ressignificar o lugar que ocupam, apesar do preço da rejeição, é um ato político.
Buscamos, em Paulo Freire (1976), algumas explicações acerca de questionamentos para uma práxis educativa e, consequentemente, como ato político. Assim sendo, o método centra-se no agir, em que a/o professora/or incentiva as/os alunas/os a serem críticas/os, a efetivamente analisar e compreender, se tornando sujeitos da ação. O diálogo para Paulo Freire é muito mais que uma simples conversa, que não se faz de ‘A’ para ‘B’ ou de A sobre B, mas de A com B (FREIRE, 1976). Ele é um permanente e abrangente movimento para a construção de saberes, constitutivos da própria existência humana. Para Paulo Freire (1976), o diálogo não é apenas uma relação eu-tu, mas sim, nós, produz a interação entre as pessoas. O diálogo só é inicializado quando há, entre as pessoas, disponibilidade, vontade de que este ato aconteça. Caso contrário, não há diálogo, mas sim, um monólogo, apenas um jogo de perguntas e respostas. É preciso que a escola desenvolva esta confiança nos estudantes. É certo que, por ser assim, pode gerar o conflito, o que é positivo para a formação, na perspectiva de que no processo dialógico as pessoas desenvolvem a capacidade de ouvir e falar. Ouvir, compreender e falar são elementos fundantes do conflito. Por isso mesmo costumamos dizer que o conflito anda junto com o diálogo, resultante das diferenças, jamais do antagonismo. Não há um, sem o outro, no ato político.
Outros marcadores de diferenças presentes no espaço escolar são as questões étnicas e raciais, marcadores que corroboram com o sexismo e a homofobia. O racismo, expressado pelo preconceito e pela discriminação, é uma das formas de opressão que delimita padrões de estética aproximados com o modelo europeu, característico da ideologia do branqueamento, “que se revela pela tentativa de suavizar o pertencimento racial” (GOMES, 1996, p. 70). Ao conceituar preconceito e discriminação racial, a estudiosa em educação e etnias, Gomes afirma:
O preconceito é um julgamento negativo e prévio dos membros de um grupo racial de pertença, de uma etnia ou de uma religião ou de pessoas que ocupam outro papel significativo. Esse julgamento prévio apresenta como característica principal a inflexibilidade, pois tende a ser mantido sem levar em conta os fatos que o contestem. Trata-se do conceito ou opinião formados antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos. O preconceito inclui a relação entre pessoas e grupos humanos. Ele inclui a concepção que o indivíduo tem de si mesmo e também do outro. [...] A palavra discriminar significa “distinguir”, “diferenciar”, “discernir”. A discriminação racial pode ser considerada como a prática de racismo e a efetivação do preconceito. Enquanto o racismo e o preconceito encontram-se no âmbito das doutrinas e dos julgamentos, das concepções de mundo e das crenças, a discriminação é a adoção de práticas que os efetivam (2005, p. 54-55).
Segundo a autora, é possível observar, nas escolas brasileiras, a dificuldade de discutir o problema do racismo. Isso porque ainda há uma “acrítica admiração pelo processo de miscigenação da sociedade brasileira”, presente no pensamento de Gilberto Freyre que, na obraCasa Grande & Senzala(2003), defende a ideia de prevalecimento de uma democracia racial, em que a mistura das raças eliminaria as diferenças, fazendo com que todos se tornassem iguais (GOMES, 1996, p. 71). No entanto, essa igualdade é ilusória, e a valorização do “quanto mais branco, mais aceito”, reforçada pela mídia, reflete-se na vivência de meninas negras e de traços afrodescendentes ao lidar com seus corpos; “a escola é um dos espaços que interferem e muito no complexo processo de construção das identidades” (GOMES, 1996, p. 68). Passar grande parte da vida na escola permite a interação com um grupo social mais amplo e heterogêneo. E, ao mesmo tempo que as comparações e a ênfase às características que apontam as diferenças, as tensões também se acentuam.
Assim, é possível observar, na atualidade, nos entornos das escolas, meninas com cabelos em suas formas originais. Aos poucos, percebe-se o surgimento de um comportamento que, ao assumir o cabelo crespo ou cacheado, parece ocupar um espaço de resistência. Dessa forma, a escola é percebida por Forquin (1993) como um “mundo social” à parte, por se tratar de um conjunto de “características de vida próprias, seus ritmos e ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos próprios de regulação e de transgressão, seu regime próprio de produção e de gestão de símbolos” (FORQUIN, 1993, p. 167).
Considerações finais
Espaço privilegiado de interação social mais amplo e marcante na vida de crianças e adolescentes, ao mesmo tempo em que é o espaço das tensões. De um lado, o espaço escolar visa a manter ostatus quo, uma vez que ela está vinculada ao poder estatal e, portanto, subordinada aos interesses desse poder. Por outro lado, o aspecto inclusivo da escola pública faz com que ela tenha que lidar com um público mais diversificado e questionador das regras impostas. As meninas estão cada vez mais conectadas ablogsde conteúdos feministas, o que traz a elas novos olhares e formas de posicionar-se. As novas masculinidades também vão se fazendo presentes nesse espaço tradicionalmente conservador, em que é possível observar a gradativa quebra de estereótipos; os quais, historicamente, oprimem homens. O surgimento desse novo contexto social, em meio às resistências, parece abrir-se também a outras possibilidades de ser homem e ser mulher, com a construção de espaços favoráveis a relações mais plurais e humanas.
Em suma, por meio dessas reflexões teóricas, buscamos percorrer, desde as primeiras reações de uma consciência feminista, desafios de romper com conhecimentos consolidados pelas “verdades” científicas nascidas na modernidade, decisivas na organização social conforme os interesses dominantes. A literatura dos estudos de gênero e feminista, produzida a partir da mediação do conhecimento advindo das mobilizações sociais das mulheres, inscreve-se no árduo exercício de marcar território no universo acadêmico e científico, porque a ciência que normatiza foi - e ainda é, em certa medida - pensada e feita por homens. Louro (2018) chama a atenção para esse domínio masculino fortemente assimilado na nossa cultura, que se impregnou de tal maneira no discurso cotidiano: “a autora” de uma obra não é comum ou “natural”, mas sim “quem é o autor?”. Com isso, Foucault (2018) ousou provocar: o poder está no discurso em forma de palavras ou não, está nas relações sociais; é preciso, portanto, prestar atenção às ideias que se apresentam como naturais.
Estudiosas e estudiosos pós-estruturalistas - como Scott, influenciadas(os) por Foucault - compreenderam que nada escapa à percepção social e que os contextos históricos permeados por mecanismos de poder, se desvelados, ascendem a possibilidades de mudanças nas relações humanas presentes. Essas possíveis mudanças não são pacíficas, implicam resistências que se operam em níveis de opressão, como discutido pelo feminismo negro e pela teoriaqueer. Essas pedagogias, caracterizadas pela subversão de uma versão universal e hegemônica, resgatam sujeitos. São os novos sujeitos da pós-modernidade que, pelo olhar de Hall, caracterizam-se por identidades instáveis em constante processo de construção.
A escola, espaço por excelência de formação de sujeitos e corporalidades, dispõe de um currículo oculto (ou podendo afirmar, um currículo obscuro, não inteligível), do ensino que não é neutro, posto que seleciona o que deve ser ensinado e aprendido. A função escolar de servir à ordem social historicamente reproduz os interesses hegemônicos. Nesse aspecto, as relações assimétricas, marcadas pela binariedade do gênero e da heterossexualidade, estão em constante perpetuação nas práticas pedagógicas que separam, hierarquizam e excluem; ainda que num cenário social, aparentemente, mais livre e questionador.