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Revista de Educação Pública

Print version ISSN 0104-5962On-line version ISSN 2238-2097

R. Educ. Públ. vol.31  Cuiabá Jan./Dec 2022  Epub Apr 30, 2022

https://doi.org/10.29286/rep.v31ijan/dez.12053 

Artigos

Escolha Profissional e Representações sociais: um estudo com estudantes de ensino médio de escolas públicas

Professional Choice and Social Representations: a study with high school students from public schools

Leonor M. SANTANA1 
http://orcid.org/0000-0003-2501-9560

Edna Maria Querido de Oliveira CHAMON2 
http://orcid.org/0000-0003-2835-6554

1Doutora em Educação pela Universidade Estácio de Sá – UNESA.

2Doutora em Psicologia pela Université de Toulouse II (Le Mirail) e Pós-doutorado em Educação na UNICAMP. Professora no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estácio de Sá - UNESA, e no Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Desenvolvimento Humano da Universidade de Taubaté – UNITAU.


Resumo

O presente estudo teve por objetivo identificar as representações sociais da escolha profissional elaboradas por estudantes do Ensino Médio de escolas públicas. Trata-se de pesquisa com abordagem qualitativa e quantitativa, sendo os dados coletados por meio de questionário e entrevista, em amostra composta por 471 estudantes do Ensino Médio. Os dados quantitativos foram tabulados pelo software Sphinx®. O conteúdo obtido pelas entrevistas, após transcrição, foi analisado com auxílio do software Alceste®. Os resultados revelam que os jovens pesquisados constroem representações relacionadas a profissões advindas de formação superior, o que permitiria ascensão econômica e social, além de poder atuar na melhoria da comunidade.

Palavras-chave Ensino Médio; Escolha Profissional; Representações Sociais; Escola Pública

Abstract

The present study aimed to identify the social representations of professional choice developed by middle school students from public schools. This research employs a qualitative and quantitative approach, with data collected through a questionnaire and interview, in a sample composed of 471 middle school students. Quantitative data were tabulated using the Sphinx© software. The content of interviews, after transcription, was analyzed with the Alceste© software. The results reveal that the young people surveyed build representations related to professions coming from higher education, which would allow social and economic ascension, besides being able to act in the improvement of the community.

Keywords Secondary Education; Professional Choice; Social Representations; Public school

Introdução

O trabalho, enquanto atividade promotora de desenvolvimento, constitui elemento fundamental na vida das pessoas, mediando as relações entre os indivíduos e entre estes e a natureza, uma vez que a transforma em objetos que atendam suas demandas (ANTUNES, 2003). Ao longo da história, as relações com o trabalho acompanham as mudanças da própria sociedade.1

O momento histórico atual, a globalização, o desenvolvimento da tecnologia promovendo alteração na comunicação, as mudanças sociais e a flexibilização nas atividades laborais impactam diretamente as pessoas e suas expectativas de atividades profissionais futuras (RIBEIRO et al., 2016).

Apesar de o trabalho sempre estar presente, poder escolher qual atividade seguir é característico da atualidade, na qual se escolhe a trajetória em função de suas próprias expectativas, e expressa uma resposta subjetiva possível, considerando o mundo objetivo (BOCK; AGUIAR, 1996). Embora essas decisões profissionais sejam tomadas ao longo da vida, a primeira grande decisão ocorre na fase da adolescência, quando o jovem precisa optar por uma atividade ocupacional, após o término do Ensino Médio (NEIVA, 2013).

Diante da importância do trabalho e desse momento inicial de decisão, o presente estudo tem como objetivo identificar quais representações sociais os estudantes do ensino médio elaboram quanto à escolha profissional.

A abordagem desta temática demanda uma base teórica que permita compreender a construção de conhecimentos, crenças e comportamentos, considerando a relação interdependente dos aspectos individuais e sociais. A Teoria das Representações Sociais possibilita estudar a relação do sujeito e do social, referente a determinado objeto, como apontado por Jodelet (2009, p.697):

Seu estudo permite acessar os significados que os sujeitos, individuais ou coletivos, atribuem a um objeto localizado no seu meio social e material, e examinar como os significados são articulados à sua sensibilidade, seus interesses, seus desejos, suas emoções e ao funcionamento cognitivo.

Neste estudo a escolha profissional é compreendida como objeto compartilhado pelos sujeitos, estudantes do Ensino Médio.

Teoria das Representações Sociais

O termo Representação Social foi utilizado por Serge Moscovici, em 1961, quando publicou o estudo sobre a representação social da psicanálise na população de Paris, intitulado Psicanálise, sua imagem e seu público. Nessa obra, o autor analisou como um grupo específico se apropria de um conhecimento, o retrabalha e elabora um conhecimento novo (CHAMON, 2007).

A inauguração da Teoria das Representações Sociais se dá com esse estudo e é compreendida como “[...] uma forma sociológica da Psicologia Social, [...]” (FARR, 2012, p.27).

O conceito pode ser compreendido, também, no seu papel na formação de condutas – ao mesmo tempo que modela o comportamento, justifica sua expressão. O indivíduo elabora os estímulos percebidos do meio, os reproduz e compartilha com o próprio meio suas representações. O meio modifica e é modificado pelo sujeito. Representações sociais podem ser compreendidas como conhecimento prático, o conhecimento do senso comum. Mais que um conceito, as RS são um fenômeno (SPINK, 2012; JOVCHELOVITCH, 2011): fenômeno formado por prática de um determinado grupo sobre um objeto social; e teoria na medida em que busca explicar como os saberes sociais são elaborados e transformados em processos de comunicação e na interação social.

Em relação ao conceito de Representações Sociais, este não é dado de pronto por Moscovici e, como elucida Chamon (2007), não é uma definição simples. Mais que uma definição, o importante é compreender os elementos que a constituem. As Representações Sociais tem a função de estabilizar o quadro de vida do indivíduo e dos grupos, de orientar a cognição e a comunicação. A relutância de Moscovici (2012, p.39) em definir o conceito é compreensível: “[...] se a realidade das representações sociais é facilmente apreendida, o conceito não o é”.

Mesmo diante de tais dificuldades, podemos compreender que Teoria das Representações Sociais tem interesse no conhecimento de senso comum, na comunicação de crenças, valores, cultura e identidade, e envolve um determinado objeto social comum a um grupo. “Ela se centra sobre a análise da construção e transformação do conhecimento social, e tenta elucidar como o saber e o pensar se interligam na trama do tecido social” (JOVCHELOVITCH, 1998, p.55).

A Teoria das Representações Sociais possibilita a identificação das informações, opiniões e crenças a respeito da escolha profissional, enquanto objeto compartilhado pelo grupo formado pelos jovens estudantes. Identificar essas Representações Sociais elaboradas sobre escolha profissional permite compreender e refletir sobre as influências do presente, com repercussões no futuro.

Trabalho, Profissão e Escolha Profissional

O campo da escolha profissional demanda a compreensão tanto do trabalho, quanto das profissões. A palavra trabalho deriva do latim Tripalium, que tem como significado uma ferramenta de tortura. Na antiguidade, trabalho estava associado às atividades repetitivas, braçais, manuais, que deveriam ser executadas por escravos. Aristóteles referia-se ao trabalho como atividade inferior, impedindo o desenvolvimento intelectual. Atividades consideradas superiores (intelectuais) não eram vistas e entendidas como trabalho (BORGES; YAMAMOTO, 2014). Sob esta ótica, faz sentido, mesmo nos dias atuais, o trabalho ser associado a algo contrário ao prazer, à satisfação e à realização pessoal.

O trabalho, enquanto troca de serviços por uma renda como possibilidade de sustento e sobrevivência, pode ter significado negativo, torturante e ser fonte de sofrimento. O contraponto desta questão é o desenvolvimento de atividades imbuídas de significado positivo, que possibilitem, além da sobrevivência material, a identificação do sujeito numa dimensão simbólica que permeia a construção (e confirmação) de uma identidade profissional, na realização pessoal e no reconhecimento social. Dessa forma, “[...] dão sentido à existência individual e organizam a vida dos coletivos” (DUBAR, 2012, p. 354).

Apesar das transformações na configuração do trabalho e na relação do homem com o trabalho, este permanece sendo uma atividade que estrutura a sociedade (ANTUNES; ALVES, 2004; COUTINHO; KRAWULSKI; SOARES, 2007). E, como destaca Krawulski (1998), enquanto núcleo da vida social, o trabalho ocupa uma grande parcela do tempo disponível e desempenha um relevante papel na estruturação identitária.

O mundo do trabalho contemporâneo é marcado pelo modelo capitalista flexível que demanda disponibilidade em se adaptar às necessidades que surgem, sem necessariamente ser de forma linear e com aprofundamento das relações. A fluidez do mundo atual demanda disponibilidade de assumir riscos em projetos de curto prazo, sendo desvalorizados as alianças e o comprometimento nas relações de longo prazo, o que gera um esvaziamento de sentido nas ações e projetos de vida (SENNET, 2009).

Essa perspectiva é também abordada por Bauman (2001), que vê o mundo do trabalho – no contexto da modernidade líquida, marcada pela flexibilidade, incerteza e busca de satisfações a curto prazo – como uma sucessão de episódios destinados a cumprir exigências momentâneas.

Assim, as mudanças atuais, sejam elas tecnológicas, organizacionais ou de gestão, somam-se aos anseios e desafios que já fazem parte do processo de inserção no mundo do trabalho, a qual se dá geralmente na transição do jovem para a vida adulta, também caracterizada por momento de mudanças (DUBAR, 2005).

Em relação ao cenário brasileiro, o país se estruturou no passado a partir de uma lógica de produção de bens duráveis, atendendo a um mercado interno, e de uma produção que visava a exportação (tanto de produtos primários quanto industrializados). Essa produção apresentava como característica a acentuada exploração da força de trabalho, e as relações de trabalho que foram se constituindo mascaram a fragilidade e a precarização da classe trabalhadora (ANTUNES, 2014).

Mesmo com as alterações nas relações de trabalho, este se mostra valorizado por possibilitar adquirir tanto bens materiais, quanto desenvolver aspectos pessoais e profissionais do indivíduo (ANTUNES, 2014; DUBAR, 2005).

No que tange o termo “Profissão”, Dubar (2012) destaca dois sentidos: o de uma totalidade de empregos/ocupações reconhecidos; e o das profissões liberais, originárias das corporações, criadas como forma de controle dos ofícios.

Historicamente, as corporações se constituíam sob a forma de ofícios juramentados nos quais se professava uma arte. Com o desenvolvimento das universidades, as artes liberais e mecânicas começam a se dissociar, sendo atribuída às primeiras, associadas ao intelecto, uma conotação nobre, ao passo que às artes mecânicas fica associado o manual, o braçal, o de menor importância (DUBAR, 2005). Esse aspecto nos remete ao que Borges e Yamamoto (2014) destacam em relação a associação, nos primórdios da história, de trabalho com atividades manuais, braçais, destituídas de refinamento e valorização e ligado a grupos sociais menos favorecidos.

Os estudos sociológicos sobre profissões descrevem o momento da criação das universidades, no século XIII, como o início da legitimidade de ofícios já desenvolvidos. O surgimento de uma profissão ocorreria, então, quando um grupo de pessoas faz uso de uma técnica e para tanto é necessário formação específica (DUBAR, 2005).

O mundo do trabalho, contido nos processos de mudanças sociais, e sendo compreendido não apenas como uma transação econômica, mas como um mecanismo de socialização, destaca a personalidade individual e a identidade social do sujeito e torna possível ampliar o próprio conceito de profissão e articulá-lo com um sistema ocupacional (DUBAR, 2005).

No novo cenário da relação entre o homem e o trabalho, e na medida em que o indivíduo deixa de ser ator coadjuvante e passa a ser o ator principal na construção de sua trajetória profissional, o conceito de “Empregabilidade” surge e é compreendido como a condição do indivíduo em se manter no mundo do trabalho mesmo diante das mudanças nesse universo. Nessa linha, a qualificação profissional é condição essencial para participar no espaço de trabalho, somada à produtividade individual (LEMOS, 2006).

Diante do desenvolvimento tecnológico, do processo de globalização, da reengenharia das estruturas organizacionais, do aumento da concorrência e da corrida pela vantagem competitiva – tanto das empresas como dos profissionais –, os vínculos entre empregado e empregador sofreram mudanças significativas. Neste aspecto, a postura do indivíduo enquanto sujeito gestor da própria trajetória profissional é considerada uma virtude que, somada às competências técnicas, faz parte de um dos pilares da empregabilidade (MINARELLI, 2010).

A dimensão do trabalho, aí incluídas as profissões, mostra-se significativa na construção do sujeito enquanto ser individual e social, e, dessa forma, as decisões nesse segmento são de interesse tanto do próprio sujeito quanto de seu entorno.

Abordar o processo de escolha profissional para jovens é abordar as alterações na vida e na relação que estes mantêm com o mundo. O estudante, ao final do ciclo do Ensino Médio, vivencia expectativas em relação à nova etapa de sua vida e se vê diante da necessidade de decidir por possibilidades de caminhos a seguir: cursar uma faculdade ou um curso técnico (estudo) e/ou entrar no mercado de trabalho. Para alguns jovens, é por meio do trabalho que será possível ter recursos para a continuidade dos estudos. Decidir por qual curso ou área de trabalho torna-se uma questão relevante nesse momento, considerando que, ao escolher um caminho, é necessário abdicar dos outros caminhos possíveis; implica em deixar para trás outras possibilidades (LEVENFUS, 1997, 2016).

Assim, expectativas profissionais e acadêmicas ocorrem no momento em que o jovem se questiona “quem é” e “quem quer ser?”; trata-se de escolher uma profissão futura, considerando experiências passadas e presentes. Segundo Bock e Aguiar (1996, p.21), as condições sócio-históricas exercem sua influência de forma dialética:

A escolha profissional, como tantas outras na vida, expressa uma resposta possível, em um momento do indivíduo, resposta esta que se constitui e se organiza como um dos aspectos da subjetividade numa relação direta com o mundo objetivo.

Compreendendo esse momento como um processo, Neiva (2013) considera que decidir por um caminho profissional envolve escolher um estilo de vida, sendo mais abrangente que definir apenas o título profissional. Escolher determinada profissão é também escolher o ambiente, a rotina e as formas de interações pessoais que se gostaria que fizessem parte de sua vida. É parte da construção de um projeto de vida futura.

O jovem, ao final do Ensino Médio, se vê diante de caminhos possíveis, e é solicitado a decidir por qual (ou quais) trilhar. Para tanto precisa lidar com demandas internas e externas. Levenfus (2016) destaca ainda que na atualidade há a supervalorização do presente, e dos resultados a curso prazo, dificultando a reflexão sobre os projetos futuros, sendo necessário a estes jovens, o autoconhecimento, o conhecimento efetivo das profissões e atividades que pretendem seguir, e as possibilidades reais, além da reflexão de alternativas viáveis (LEVENFUS, 2016; NEIVA, 2013; CRESTANI, 2016).

Considerando os aspectos envolvidos neste processo, investigar as Representações Sociais da escolha profissional de estudantes do Ensino Médio permite compreender suas escolhas no presente, norteando e justificando ações futuras, e, a partir dos resultados, refletir sobre ações efetivas que possam auxiliar os estudantes durante esse processo.

Metodologia

Com o objetivo de investigar as representações sociais de estudantes do Ensino Médio sobre a escolha profissional, realizou-se pesquisa de campo, exploratória, descritiva, qualitativa e quantitativa, utilizando questionários e entrevistas como instrumentos de coleta de dados. Por se tratar de um trabalho que envolve seres humanos, o estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Taubaté (CEP-UNITAU), sob o CAAE: 48849115.2.0000.550, aprovado conforme parecer 1.266.013.

A população foi composta por estudantes dos três anos do Ensino Médio, de 5 escolas públicas localizadas em duas cidades da Região Metropolitana do Vale do Paraíba Paulista.

Para o estabelecimento da amostra foi utilizado cálculo estatístico para um erro amostral de 5% e nível de confiança de 95%. A partir do cálculo utilizado foi estabelecida amostra de 471 estudantes.

Nas pesquisas em Representações Sociais, Sá (1998), referindo-se aos instrumentos de coleta de dados, afirma que o uso de questionários visando tratamento estatístico é possível para aplicação em um número elevado de sujeitos, que constitui uma amostra representativa da população a que se destina a pesquisa.

Já no caso da entrevista, Sá (1998) destaca que a amostra poderá ser estabelecida pelo critério de saturação. Segundo esse critério, interrompe-se as entrevistas quando os temas abordados pelos sujeitos começam a se repetir, indicando que um maior número de entrevistas não traria novos conteúdos das representações (SÁ, 1998). “O processo de seleção é interrompido quando se torna claro que esforços adicionais não irão trazer mais nenhuma variedade” (BAUER; GASKELL, 2014, p. 512). Neste estudo foram realizadas 21 entrevistas, baseando-se no critério acima descrito.

Instrumento(s) e procedimentos de coleta de dados e cuidados éticos

Como técnicas de coleta de dados, utilizou-se questionário e entrevista semiestruturada. O questionário utilizado, desenvolvido por Chamon (2003), foi adaptado para o presente estudo, no qual dois blocos de questões foram analisados: 1) Caracterização sociodemográfica e 2) Escolha Profissional. No bloco “Caracterização sociodemográfica” estão reunidas questões que identificam o perfil pessoal e social dos sujeitos. Em “Escolha profissional” estão reunidas questões que investigam aspectos relacionados aos fatores que auxiliam a escolha profissional, incluindo o próprio interesse e a influência de “outros significativos” (BERGER; LUCKMANN, 2003), como a família, os amigos e os professores. Essas questões utilizavam afirmações sobre a escolha profissional e solicitavam um posicionamento do sujeito em uma escala de Likert com cinco alternativas, variando de “discordo completamente” até “concordo completamente” com a afirmação.

O roteiro da entrevista semiestruturada apresentou uma questão geral solicitando ao sujeito que falasse sobre quais suas pretensões profissionais futuras e um conjunto de questões subsidiárias sobre a ideia de profissão e escolha profissional, incluindo as formas de influência ou sugestão de outros grupos no entorno do sujeito. As questões buscavam lançar os temas, deixando que o próprio sujeito estruturasse o discurso.

Os questionários foram aplicados em sala de aula, durante horário letivo, com tempo médio de quarenta minutos. Após responderem ao questionário, os estudantes foram convidados a participar da entrevista, que foi realizada em sala reservada na própria escola. As entrevistas foram gravadas digitalmente, sendo transcritas para posterior análise do conteúdo.

Procedimentos de análise de dados

Os dados obtidos por meio do questionário foram tabulados usando-se o software Sphinx®, que possibilita a codificação dos dados e a apresentação dos resultados na forma de gráficos e tabelas, além de fornecer resumos estatísticos, como média aritmética e desvio padrão (DIAS, 2014; FERREIRA, 2014).

Para a análise dos dados obtidos por meio das entrevistas, inicialmente foram realizadas as transcrições do material gravado, preparando-o para uma análise textual informatizada com auxílio do software Alceste®, desenvolvido na Universidade de Toulouse II, França (REINERT, 1990). O programa “[...] realiza uma classificação do texto em função das ocorrências simultâneas do seu vocabulário” (CHAMON, 2007 p. 41). Os dados são classificados em categorias e analisados à luz da Teoria das Representações Sociais.

Resultados e Discussão

Questionários

O bloco do questionário com questões sociodemográficas permitiu caracterizar os sujeitos pesquisados. Quanto a série escolar, 47% dos sujeitos frequentavam o 3º ano, 27% o 2º ano e 26% o 1º ano. Na amostra investigada, 59% eram mulheres e 41% homens. No que se refere à idade, os sujeitos situavam-se entre 14 e 20 anos, com média de 16,6 anos. Mais de 60% dos sujeitos pertencem a famílias com renda familiar de até 3 salários mínimos, tendo seus pais e/ou responsáveis escolaridade de ensino fundamental incompleto. Considerando os itens referentes a renda familiar e grau de escolaridade das pessoas de referência, mais de 50% dos jovens pesquisados podem ser classificados como pertencentes ao nível socioeconômico (NSE) médio-baixo, de acordo com o Anuário Brasileiro de Educação Básica (2019). Em relação ao perfil nacional, esse documento aponta que, na Educação Básica, 23% das matrículas na rede pública, encontram-se nesse NSE.

Duas conclusões preliminares destacam-se aqui: a potencial mobilidade social ascendente dos jovens, que atingem níveis de escolaridade maiores que seus pais; e a predominância, na amostra estudada, de mulheres em relação aos números totais brasileiros. De fato, a Sinopse Estatística da Educação Básica de 2020 indica um total de 7.550.753 de matrículas no ensino médio em 2020, das quais 3.894.659, ou seja, 51,6% são mulheres (INEP, 2021).

Embora existindo essa maioria de mulheres na amostra, não foi detectada nenhuma marcação significativa de gênero nos resultados obtidos, seja nas respostas do questionário ou na análise das entrevistas.

O bloco “Escolha profissional” do questionário evidenciou o posicionamento dos sujeitos frente aos aspectos envolvidos na escolha profissional. Os resultados apontam que o aspecto mais importante para os sujeitos é “saber o que gosta” para poder decidir por uma profissão. Somando as respostas de concordância (concordo e concordo totalmente) 96% dos sujeitos consideram essa escolha (o que se gosta), seguido pelos itens ter “informações sobre as profissões”, e que estas possibilitem o desenvolvimento de seus “talentos e habilidades”, conforme apresentado na Tabela 1.

Tabela 1 - Aspectos individuais relacionados à escolha profissional (em %)

Tabela 1 Aspectos individuais relacionados à escolha profissional (em %) 

Afirmações Concordo Nem concordo nem discordo Discordo Não responderam
Saber o que gosta é importante 96,5 2,4 1,2 0
Informações sobre profissões ajudam a decidir 96,2 2,8 0,7 0,2
Seus talentos e habilidades ajudam na escolha 89,1 9,5 1,4 0
Escolher a profissão de alguém que admira 62,1 24,8 12,8 0,2

Fonte: Elaborado pelas autoras

Fonte: Elaborado pelas autoras

Esses resultados alinham-se àqueles identificados nos trabalhos de Frozino (2006), Marcelino, Catão e Lima (2009) e Conde (2012) que revelaram a busca dos jovens por profissões que possam desenvolver suas habilidades, associada à ao gostar da profissão escolhida.

Esse é um aspecto valorizado também na abordagem sobre empregabilidade, tema tratado amplamente entre os jovens. Entre as bases da Empregabilidade, é valorizada a responsabilidade pelo próprio projeto de vida, desenvolvendo atividades de acordo com suas habilidades, associada ao desenvolvimento de competências múltiplas, visando solucionar diferentes problemas e tornando-se atrativo para o mercado de trabalho (MINARELLI, 2010).

O resultado apontando o item “saber o que gosta” como importante no momento de decidir sobre qual atividade seguir revela a representação do trabalho como meio de desenvolvimento, crescimento, aprendizagem e realização. Essa visão do trabalho como promotor de uma vida com significado já havia sido apontada por Erikson (1987), que destaca a escolha de uma profissão como possuindo um significado que excede a questão de remuneração.

Nos ambientes de trabalho, a partir das alterações ocorridas nas décadas de 1970/80 relacionadas a forma de abordar a construção de carreira, o posicionamento do mercado tem sido o de buscar indivíduos com perfis e competências relacionadas a inovação e ao empreendedorismo pessoal, somando-se a valorização social em relação a busca constante pelo crescimento e desenvolvimento, em conjunto com a mobilidade, flexibilidade e busca por oportunidades que atendam aos desejos e anseios pessoais (DUTRA, 2007, 2010).

Esses conteúdos circulam fortemente nos ambientes de formação, entre os jovens que se veem em momentos de escolha profissional. Esses conteúdos ancoram as representações sociais que os jovens elaboram sobre escolher uma atividade da qual gostem e na qual se realizem, tanto no aspecto financeiro, material, quanto pessoal.

Em relação às influências dos grupos sociais desses estudantes, a profissão dos pais e as escolhas dos amigos mostraram-se menos significativa na escolha profissional. Aproximadamente 50% dos sujeitos consideram a opinião dos professores mais relevante, em comparação com os pais e amigos. Os resultados estão ilustrados na Figura 2.

Fonte: Elaborado pelas autoras

Figura 2 Importância atribuída a opinião dos diferentes grupos sociais 

No estudo de Audi (2006), verificou-se que jovens de escolas públicas buscavam profissões que possibilitassem melhorias na sua condição econômica, geralmente diferentes das profissões exercidas pelos pais/responsáveis. Considerando que a população deste estudo é proveniente de escola pública, sendo 52,7% com renda abaixo de 3 salários mínimos, esse dado pode ser compreendido como uma busca de ascensão social e econômica, por meio de profissões diferentes das já exercidas pelos pais.

Na construção identitária, o outro significativo apresenta alterações ao longo do desenvolvimento de crianças e jovens. Discorrendo sobre este aspecto, Michener, Delamater e Myers (2005) relatam um estudo com crianças e jovens de 7 a 17 anos, que tinha por objetivo identificar o outro significativo mencionado nas autodescrições. Observou-se que, em crianças de sete anos, pessoas da família (pais e irmãos) apresentavam maior grau de identificação, sendo este resultado invertido aos 17 anos, quando a identificação com os professores e amigos torna-se maior (MICHENER; DELAMATER; MYERS, 2005). Também Erikson (1987) destaca que, como forma de se diferenciar de uma identidade infantil, os jovens tendem a rejeitar os pais e voltam-se a outros referenciais que lhes mostrem ou proporcionem possibilidades futuras.

Numa perspectiva sociológica, o baixo índice de jovens que concordam em seguir a mesma profissão dos pais sugere um desejo de mobilidade social ascendente, espelhando-se em grupos de referência (professores), percebidos como tendo status superior a seu grupo de origem (família), o que caracteriza um processo de socialização antecipatória (DUBAR, 2005).

Entrevistas

De modo complementar, as entrevistas apontam para as profissões valorizadas pelos jovens e por outros grupos no seu entorno.

Os dados obtidos nas entrevistas e no tratamento pelo software Alceste® apontam para classes de discursos contendo elementos que indicam as profissões que os jovens pretendem seguir, as mais valorizadas por eles e as profissões que a família gostaria que exercessem, assim como as profissões que os amigos pretendem seguir.

As profissões que almejam seguir coincidem com as profissões que consideram valorizadas, e fazem parte daquelas que demandam nível de formação superior. Dentre as mais citadas destacam-se: medicina, psicologia, administração, engenharia, veterinária, pedagogia, direito. Na fala dos participantes:

Eu quero fazer medicina como é superdifícil tem que estudar bastante (Aluna 3, 15 anos).

Eu queria fazer psicologia. Mas tenho em mente também veterinária, eu adoro animal (Aluna 6, 17 anos).

Fazer medicina veterinária. Eu estou fazendo curso de auxiliar veterinário, ano que vem acaba o curso e já quero começar a trabalhar (Aluno 1, 17 anos).

De faculdade gostaria de fazer Administração, e trabalhar no setor público (Aluno 2, 17 anos).

Eu faço técnico em mecânica, então estou pensando em fazer engenharia mecânica. Mas depois que tiver formada e com trabalho, queria fazer a civil, só para aprender, porque gosto dessa área (Aluna 5, 18 anos).

A partir da referida análise, elaborou-se um mapa conceitual, apresentando graficamente os conteúdos expressos nas entrevistas, conforme Figura 1. O mapa condensa as profissões valorizadas e os grupos do entorno do sujeito. Indica, ainda, de forma ilustrativa, algumas falas dos sujeitos sobre as profissões.

Fonte: Elaborada pelas autoras

Figura 1 Mapa mental de Classes de discurso 

Os meios de comunicação especializados em inserção profissional destacam as competências pessoais e técnicas necessárias em processos seletivos, sendo a formação acadêmica exigida para continuidade nestes processos. São aspectos que vem ao encontro do conceito de Empregabilidade e da necessidade da qualidade profissional como condição essencial que permite maiores e melhores possibilidades de colocação no mundo do trabalho (LEMOS, 2006; MINARELLI, 2010).

Esse primeiro conjunto de resultados das entrevistas, associado com os resultados dos questionários, aponta para representações sociais ancoradas em categorias gerais amplamente difundidas na sociedade e pelos meios de comunicação. A formação em nível superior para profissões socialmente valorizadas, para aumentar a empregabilidade e para se conseguir um trabalho valorizado financeiramente apontam para estratégias de mobilidade ascendente próprias da classe média, como já discutido, por exemplo, por Bourdieu (2015). São ancoragens do tipo psicológico, tais como as analisou Doise (1992), que dizem respeito às crenças ou valores gerais que podem organizar as relações simbólicas com o outro.

No aspecto social, identificou-se conteúdos nos discursos voltados para o exercício de uma atividade que possibilite ajudar pessoas, fazer o bem, fazer a diferença, ensinar, trabalhar com pessoas, com criança e em organizações não governamentais (ONG). Na fala dos jovens:

Poder ajudar pessoas. Às vezes a gente vai ao hospital e falam que não tem profissional qualificado. Eu quero fazer medicina e ajudar as pessoas (Aluna 3, 15 anos).

Queria muito ajudar os outros, primeiramente. Uma vontade que eu tenho é poder fazer o bem para quem precisa. Psicólogo eu acho que entende, não pensa só em si mesma. Queria poder entender os outros. Poder conversar com as pessoas (Aluna 2, 15 anos).

Como eu quero trabalhar com reprodução e Cunha está desenvolvendo a parte de pecuária, eu penso que, se desenvolver um tipo de gado, Cunha pode ser uma referência, melhorando a qualidade do rebanho e a cidade ser uma referência (Aluno 1, 17 anos).

Esse segundo conjunto de entrevistas aponta para representações sociais ancoradas em categorias mais específicas, próprias do grupo e da maneira como as relações simbólicas entre grupos (aqui a família e os amigos) intervêm na apropriação do objeto de representação. Elas apontam para uma ancoragem do tipo sociológico (DOISE, 1992).

As representações sobre atividades voltadas a ajudar pessoas e a fazer o bem podem ser explicadas tanto pela norma de responsabilidade social, quanto na perspectiva do desenvolvimento moral. A primeira estabelece que os indivíduos devam ajudar outros que dependam deles, associada a uma disposição em ajudar pessoas percebidas como semelhantes (MICHENER; DELAMATER; MYERS, 2005). Os jovens idealizam profissões que irão lhes proporcionar melhoria econômica, financeira, dando-lhes condições de ajudar pessoas que se encontram em situação desfavorável, e que são percebidas como similares às condições reais e atuais destes jovens. O desenvolvimento moral é identificado na fase da adolescência, estando presentes pensamentos, comportamentos e sentimentos do que seria certo ou errado (SANTROCK, 2014).

Entretanto, há de se destacar que os jovens apontam que a família espera que eles conquistem melhores condições de vida, tanto material, quanto social e pessoal, e para tanto, a expectativa é que escolham profissões consideradas valorizadas, conforme já ilustrado na Figura 1.

A partir dos resultados apresentados, pode-se identificar que as representações sociais da escolha profissional dos sujeitos pesquisados são de profissões valorizadas socialmente, que permitam a ascensão social. Mostram-se idealizadas uma vez que demandam custos além das condições econômicas desses jovens.

Considerações finais

O término do Ensino Médio pode ser vivenciado pelo jovem estudante como um momento de decisão frente os diversos e diferentes caminhos a serem percorridos, dentre estes a continuidade (ou não) de estudo, ingressando num curso de nível superior ou técnico.

Este estudo evidenciou que, para os sujeitos pesquisados, a continuidade dos estudos é importante e percebida como a possibilidade de conquistar melhores condições de vida pessoal e profissional.

As profissões que esperam seguir, e que consideram como perspectivas futuras, estão no rol de atividades valorizadas socialmente ao longo da história das profissões e que demandam formação de nível superior. Neste aspecto mostram-se idealizadas uma vez que a condição social e econômica menos favorecida desses jovens e suas famílias limitam o ingresso nos cursos de nível superior que demandam custos além das possibilidades reais dessa população.

As representações sociais da escolha profissional são de profissões que proporcionem sentimentos de realização, desenvolvimento, possibilidade de contribuir com a própria conquista material e pessoal, bem como de contribuir com sua família, e comunidade.

Desta forma as atitudes diante do processo de escolha profissional refletem a incorporação destas exigências do mundo do trabalho, associado com a crença que todas as conquistas (pessoais e profissionais) serão possíveis por meio da formação de ensino superior, e em atividades de reconhecimento e status. Apesar de terem experiências pessoais e familiares, em atividades braçais, ou técnicas, estas não são valorizadas, nem consideradas como oportunidade de ascensão social.

Neste sentido nota-se a importância atribuída aos professores, por estes jovens, auxiliando no processo de escolha profissional, uma vez que deter informações sobre as atividades que desejam seguir é um dos aspectos que consideram importantes. Consideram que o professor pode transmitir essas informações.

As marcações de gênero e as diferenças entre jovens do meio rural e do meio urbano não foram identificadas neste estudo, mas são temáticas que foram exploradas de forma limitada aqui e devem ser mais amplamente estudadas.

A sistemática menção à carreira docente, expressa não apenas pelos jovens, mas por amigos e família, pode estar relacionada à importância atribuída pelos jovens à opinião e orientação dadas pelos professores na escolha da profissão. No entanto, esse tema foi também pouco explorado neste artigo e necessita maior estudo e análise, registrando-se aqui apenas seu surgimento nas falas e respostas dos jovens.

Desenvolver competências técnicas e comportamentais que atendem àa demanda do mercado de trabalho, sendo responsável pelo seu próprio projeto de vida, pautado nas expectativas pessoais mostra-se aspectos considerados no direcionamento profissional. Esse conteúdo vem ao encontro tanto das questões relacionadas à empregabilidade e mercado de trabalho, além da importância que os jovens na atualidade atribuem ao valor social da atividade de trabalho. Fazer o que gosta, com competência e agregando valor ao entorno, mostra-se um discurso incorporado por esses jovens e que influenciam as tendências em relação às escolhas que farão.

Os resultados possibilitam a reflexão sobre as ações que podem ser desenvolvidas em processos específicos de orientação profissional e/ou no contexto de sala de aula. Ações que visem promover o autoconhecimento e o conhecimentos das diferentes atividades profissionais e, desta forma, viabilizar a estes jovens parâmetros para analisarem alternativas viáveis, considerando a realidade familiar, econômica e social, mantendo o significado do trabalho, que para os sujeitos deste estudo é, não somente a possibilidade de ascensão material, mas também promotor de desenvolvimento pessoal e social.

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1Esta publicação contou com o apoio do Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq na forma de bolsa de produtividade.

Recebido: 28 de Março de 2021; Aceito: 11 de Fevereiro de 2022

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