Acompanhar e avaliar a aprendizagem e, consequentemente, o desenvolvimento de competências é significativamente mais complexo do que avaliar o desempenho. Propostas pedagógicas estruturadas sob a perspectiva comportamentalista avaliam o produto final, o resultado, o que o estudante conseguiu reter do ensino que foi ministrado, sendo a avaliação de responsabilidade exclusiva do professor.
Quando a opção é por acompanhar e avaliar a aprendizagem, as formas, as modalidades e os critérios de acompanhamento e avaliação construídos para um processo formativo ou de capacitação precisam estar em consonância com as concepções epistemológicas, os princípios e os pressupostos teóricos-metodológicos escolhidos para o desenvolvimento do processo formativo ou de capacitação, os quais orientam os objetivos de aprendizagem. É importante considerar que os objetivos de aprendizagem não são somente aqueles definidos pelo professor para o processo de ensino, mas também os objetivos de aprendizagem que os alunos possuem (o professor precisa instigar os estudantes a refletirem e elaborarem seus próprios objetivos de aprendizagem), de forma que se sintam comprometidos, engajados e corresponsáveis pelo processo.
Dependendo de como são propostos e desenvolvidos, o acompanhamento e a avaliação podem contribuir para a qualificação do processo formativo ou de capacitação ao fornecer feedback constante ao aluno, ao professor-formador e ao próprio processo formativo, auxiliando na identificação da necessidade de corrigir rumos e (re)planejar, bem como apontando novas demandas que podem surgir no percurso, em função dos objetivos de aprendizagem definidos pelos professores e alunos.
A avaliação que tem como base uma epistemologia interacionista-construtivista-sistêmica ou ainda, reticular e conectiva é qualitativa, entendida como processual, continuada e formativa. Envolve diagnóstico, prognóstico, observação e acompanhamento constantes da interação, do desenvolvimento dos alunos, individualmente e em grupo, respeitando seu ritmo e suas necessidades de aprendizagem a fim de reorientar rumos, superar dificuldades percebidas e impulsionar o desenvolvimento.
O acompanhamento e a avaliação da aprendizagem podem ser realizados por meio de avaliação diagnóstica ou inicial, avaliação prognóstica, avaliação formativa, avaliação somativa, auto-avaliação e avaliação por pares. Essas formas avaliativas se traduzem como uma espécie de diálogo entre professor e alunos e entre alunos e alunos com o conhecimento que está sendo construído, de forma que possibilita que uns aprendam com os outros. O acompanhamento e a avaliação da aprendizagem podem envolver:
Avaliação diagnóstica ou inicial: realizada pelo professor-formador/sistema eletrônico no início de um processo formativo ou antecedendo-o. O objetivo é identificar conhecimentos e competências dos alunos, bem como necessidades em termos de aprendizagem. Prioriza a ‘escuta’ buscando evidências sobre as formas de aprender dos alunos, seus conhecimentos e pré-concepções. Fornece elementos para que o professor
possa melhor planejar ou replanejar o seu processo de ensino. Este mesmo instrumento pode ser disponibilizado ao final do processo formativo, a fim de identificar o que se modificou.
Avaliação prognóstica: realizada pelo professor-formador após a avaliação diagnóstica. O objetivo é relacionar as informações obtidas na avaliação diagnóstica com o programa ou ementa da proposta formativa, possibilitando a realização de ajustes em relação ao programa, objetivos, competência, conhecimentos, etc. de forma a melhor atender as necessidades dos alunos envolvidos. Fornece elementos para que o professor possa definir/redefinir também estratégias e metodologias capazes de promover a construção dos conhecimentos e o desenvolvimento das competências considerando as especificidades de cada grupo e respeitando as diferenças individuais.
Avaliação formativa: realizada pelo professor-formador e, também, pelos colegas de grupo durante todo o processo formativo, podendo ter como suporte um sistema eletrônico. Tem caráter processual, continuado e formativo, com preponderância dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos. Privilegia a interação e os procedimentos adotados em termos de qualidade crescente no domínio das competências envolvidas. Tem caráter dinâmico e interativo, colaborando para que o aluno e o professor/orientador atuem conjuntamente. O objetivo é ajudar os alunos a se desenvolver, a aprender. Para os professores, implica ajustes constantes entre o processo de ensino e o processo de aprendizagem, de forma a obter elementos para instigar e potencializar a aprendizagem. São analisados os processos que resultaram nos ‘produtos’, de forma que não se trata de julgar se está bem ou mal realizado, mas de considerar as exigências cognitivas necessárias para desenvolvê-los, incluindo a trajetória e as estratégias utilizadas pelo aluno ou grupo de alunos para atingir seu objetivo. Pode ser realizada por meio da análise de portfólios e e-portfolios contendo as diferentes interações e produções dos alunos, em nível individual e coletivo, de forma síncrona e assíncrona, nas distintas possibilidades oferecidas pelas plataformas digitais de interação: diários de aprendizagem (ou diários de percurso), fóruns, webconferências, projetos de aprendizagem, resolução de desafios/ problemas, casos, etc.
Autoavaliação: também denominada ‘avaliação crítica da aprendizagem’, é realizada pelo aluno, por meio do diário de aprendizagem ou de percurso, e pode ser desenvolvida semanalmente, mensalmente e ao final do processo formativo. O objetivo é provocar a reflexão do aluno sobre como e o que está aprendendo. Trata-se de um processo metacognitivo sobre o processo vivenciado em relação ao conhecimento anterior.
Avaliação por pares: realizada pelos alunos em contextos de trabalho em grupo. Pode envolver um diário de percurso do grupo. O objetivo é provocar a reflexão dos alunos sobre a sua contribuição no grupo e como a aprendizagem em grupo se desenvolveu. Isso contribui para que os alunos realizem a tomada de consciência sobre a importância do processo de aprendizagem individual na relação com a aprendizagem em grupo.
Avaliação somativa: realizada pelo professor-formador/sistema eletrônico com a participação dos alunos após a ação educativa. É a soma de diversas atividades desenvolvidas, a partir da atribuição de valores aos critérios (rubricas) definidos pelo professor e/ou em conjunto com os alunos, incluindo a realização de autoavaliação, avaliação do grupo, análise de documentos, relatórios, projetos, produzidos em grupo ou individualmente, as quais podem compor portfólio e e-portfólio individual e do grupo. O objetivo é traduzir a avaliação qualitativa, do que o aluno aprendeu ao longo do percurso, num valor.
Esse conjunto de possibilidades de acompanhamento e avaliação da aprendizagem, articulados, possibilitam ao professor-formador melhor realizar a orquestração pedagógica (LIMA; MORGADO; SCHLEMMER, 2020), e reorientar planejamento, objetivos, metodologias, práticas, estratégias pedagógicas, conforme o percurso está se desenvolvendo. Por outro lado, possibilitam ao aluno realizar processos de tomada de consciência e metacognitivos sobre o seu processo de aprendizagem, o que contribui para um maior engajamento e corresponsabilidade no processo educacional. Além disso, os resultados obtidos no processo de acompanhamento e avaliação refletem-se nas atividades relacionadas ao desenho do processo formativo, pois os resultados de um informam as ações do outro. Desse modo, o desenho e a implementação de estratégias pedagógicas podem ser continuamente aperfeiçoados para melhor atender às necessidades formativas, contribuindo para a superação de dificuldades identificadas no percurso.
Ao compreender a avaliação como movimento, processo integrante da aprendizagem, é fundamental que o professor entenda que cada aluno é diferente, único, singular no seu processo de aprender e que, portanto, existem tempos diferenciados para que as aprendizagens ocorram. Esse olhar cuidadoso do professor com relação às diferenças individuais no coletivo propicia maior conhecimento de cada aluno com relação a seus interesses, avanços, dificuldades, necessidades e sentimentos, o que possibilita um atendimento individualizado na diversidade.
E em um contexto de Educação Híbrida e Educação OnLIFE, como o acompanhamento e a avaliação podem ser desenvolvidas? Para responder esta questão, é preciso compreender os conceitos de Educação Híbrida e de Educação OnLIFE.
Educação Híbrida e Educação OnLIFE
Inicialmente, é preciso dizer que o conceito de Educação Híbrida que estamos propondo, se diferencia significativamente do conceito de Ensino Híbrido (CHRISTENSEN; HORN; STAKER, 2013; BACICH; TANZI NETO; TREVISANI, 2015). Diverge ainda, do conceito de Ensino Híbrido Disruptivo (HORN; STAKER; 2015) e do conceito de Aulas Simultâneas ou Modelo Hybrid Flex (BEATTY, 2019).
As perspectivas trazidas pelos autores acima referidos, guardadas as especificidades que as individualizam, são desenvolvidas a partir de uma visão de mundo antropocêntrica, fundamentada na teoria da ação e focada na perspectiva de ensino, orientando professores por meio de técnicas. Abordadas como modelo, método ou ainda metodologia, propõem as metodologias ativas, as quais são centradas na solução/resolução de problemas. A compreensão de híbrido refere a mistura, a combinação entre modalidades, ambientes, metodologias, tecnologias etc. No Ensino Híbrido, no Ensino Híbrido Disruptivo e no Modelo Hybrid Flex, opera-se na lógica da divisão de encontros presenciais físicos e online, tendo variabilidade no percentual de ambos, conforme o progresso do aluno. Em alguns casos o semipresencial também é referido, no entanto, como é possível estar semi presente? O que há são presenças de naturezas distintas, possibilitando uma verdadeira ecologia da presencialidade (SCHLEMMER; DI FELICE; 2020). Nas aulas simultâneas e numa variação do modelo Hybrid Flex, opera-se na lógica da simultaneidade, dos gêmeos da sala de aula.
Realizadas as primeiras considerações, apresentamos, resumidamente o percurso da construção do conceito de Educação Híbrida. Percurso este implicado num processo de virada epistemológica que exige mudança de paradigma e uma nova política cognitiva e que vem se constituindo no movimento da tríade pesquisa-desenvolvimento-formação, no Grupo Internacional de Pesquisa BLIND REVIEW quando foi desenvolvida a primeira compreensão de hibridismo, inicialmente relacionado aos Ambientes Virtuais de Aprendizagem, Mundos Virtuais em 3D, Agentes Comunicativos, Mídias Sociais, entre outros, e às linguagens (textual, oral, gestual e gráfica). Essa compreensão de hibridismo deu origem a tecnologia-conceito Espaço de Convivência Digital Virtual – ECODI (SCHLEMMER, Et al., 2006).
Conforme a pesquisa foi se desenvolvendo, o conceito também foi se movimentando e, em 2010, em função de evidências que emergiram, buscamos em Latour (2012) elementos que nos permitiram ampliar a compreensão de hibridismo. Segundo o autor, o híbrido se constitui por múltiplas matrizes, misturas em que uma matriz não pode ser explicada sem a outra. Pressupõe a não-separação entre natureza, técnica e cultura, humano/não-humano, os quais são explicadas por meio das relações; os híbridos emergem como intermediários entre elementos heterogêneos. Ora, se uma matriz não pode ser explicada sem a outra, se o híbrido pressupõe a não separação entre natureza, técnica e cultura, entre humanos e não humanos, isso significa dizer que não se trata de uma simples mistura por adição, mas sim, de algo novo que emerge no/do coengendramento, no/do acoplamento, enquanto agenciamento, entre diferentes elementos e entidades humanas e não humanas. A partir desta compreensão, o híbrido passa a comportar para além das TD, as tecnologias analógicas - híbrido quanto as tecnologias; os espaços geográficos e digitais - híbrido quanto aos espaços; os tempos síncronos e assíncrono - híbrido quanto aos tempos; as presenças físicas, telepresença e presenças digitais humanas e presenças digitais não humanas - híbrido quanto às presenças; as culturas pré-digitais e digitais - híbrido quanto a cultura, mantendo o híbrido quanto as linguagens. Enquanto fomos trabalhando o conceito de hibridismo, outro conceito emergiu, o de multimodalidade, entendida como o coengendramento entre a modalidade presencial física e online, considerando as potencialidades do e-learning, mobile learning, ubiquitous learning, pervasive learning, immersive learning, gamification learning e game based learning.
Essa compreensão ampliada e aprofundada do hibridismo, relacionada com o conceito de multimodalidade, deu origem a tecnologia-conceito Espaço de Convivência (Ensino e Aprendizagem) Híbrido e Multimodal – ECHIM (SCHLEMMER, 2014).
Durante este percurso de pesquisa-desenvolvimento-formação, em contextos que envolveram desde a Educação Básica até a Pós-graduação Stricto Sensu, encontramos evidências que nos instigavam quanto à concepção epistemológica e as teorias da cognição que tínhamos até então. Foi na busca de novas epistemologias e teorias da cognição que encontramos, em 2012, as epistemologias reticulares e conectivas, propostas por Di Felice e, a Cognição Inventiva, proposta por Kastrup. As contribuições trazidas por ambos faziam muito sentido no contexto do que estávamos encontrando na pesquisa, no que se referia a forma como o conhecimento e a aprendizagem estavam se desenvolvendo. Foi do aprofundamento e do entrecruzamento das epistemologias reticulares e conectivas, com a cognição inventiva, na relação com a tecnologia-conceito ECHIM, que articula o híbrido com o multimodal, que emergiu o conceito de Educação Híbrida e Multimodal.
Desta forma, a Educação Híbrida, para além da coexistência e do imbricamento entre diferentes elementos e entidades humanas e não humanas, se configura de forma indissociável, complexa, o que inviabiliza a sua explicação a partir das partes que a compõem. Consiste em processos de ensino e de aprendizagem constituídos por atos conectivos transorgânicos (DI FELICE, 2017) que tecem redes entre entidades humanas e não humanas, numa perspectiva simpoiética (HARAWAY, 2016) (co-criação, de co-transformação). Este movimento tem em si a potência da invenção, de algo novo, inédito, um híbrido que emerge no/do imbricamento/acoplamento/coengendramento, enquanto agenciamento, entre diferentes elementos e entidades que o compõem. Essa compreensão implica na superação de uma teoria da ação, herdada de uma visão de mundo antropocêntrica, sujeitocêntrica e dualista, bem como da superação da compreensão de híbrido enquanto simples mistura por adição.
De forma resumida, no âmbito da Educação Híbrida, o processo educativo vai se construindo nesse imbricamento/acoplamento/coengendramento de: espaços (físicos e digitais, incluindo o próprio espaço híbrido); tecnologias (analógicas e digitais, que juntas favoreçam a presença, a comunicação e o ato conectivo entre entidades humanas e não humanas); presenças (física, telepresença, presenças digitais do humano - perfil, personagem, avatar, prop, por webcam ou ainda por holograma, com presenças digitais de entidades não humanas, tais como: autómatos, agentes comunicativos, NPC, dentre outros, propiciando uma ecologia da presencialidade); linguagens (textual, oral, gestual, gráfica, computacional, metafórica); tempos (síncronos e assíncronos); modalidades (presencial física e online, podendo hibridizar Electronic Learning, Mobile Learning, Pervasive Learning, Ubiquous Learning, Immersive Learning, Gamification Learning e Game Based Learning) e; culturas (digitais, pré-digitais, tribais, eruditas, dentre outras). O processo desse imbricamento/acoplamento/coengendramento constitui-se enquanto fenômeno indissociável, uma rede que interliga naturezas, técnicas e culturas, produzida na hibridização do mundo biológico, do mundo físico e do digital, numa realidade hiperconectada. Desse processo que constitui a Educação Híbrida, emergem as metodologias inventivas (SCHLEMMER, 2018) que trabalham no nível de invenção de problemas, e as práticas pedagógicas simpoiéticas, inventivas e gamificadas) co-criadas num percurso que implica também em desenvolvimento tecnológico-digital (Alternate Reality Game - ARG Fantasma no Museu, Mobile/Ubiquitous/Pervasive Extended Reality Game - MUP-ERG In Vino Veritas® e MUP-ERG Ágora do Saber).
A Pesquisa-Desenvolvimento-Formação no âmbito destas metodologias e práticas, no contexto da Educação Híbrida, potencializou, em 2019, a emergência do conceito de Educação OnLIFE (MOREIRA; SCHLEMMER, 2020).
O conceito de Educação OnLIFE surge a partir de novos elementos que emergem no percurso do desenvolvimento das metodologias inventivas e de práticas pedagógicas simpoiéticas, imersivas e gamificadas, associadas a processos formativos em diferentes níveis, nos quais estas metodologias e práticas são validadas. Isso nos levou aos conceitos de simbiota e aprendizagem enquanto mestiçagem, invenção, proposto por Michel Serres, ampliando a compreensão anterior, fundamentada na cognição inventiva (KASTRUP, 2015); ao aprofundamento da compreensão de ato conectivo transorgânico e aos conceitos de transubstanciação (DI FELICE, 2017) e habitar atópico (DI FELICE, 2009); de sociedade onlife (FLORIDI, 2015) de hipercomplexidade e de simpoiesis (HARAWAY, 2016). Esses conceitos têm contribuído para que possamos melhor compreender os novos habitares do ensinar e do aprender numa realidade hiperconectada, associados aos desafios de pensar uma educação num mundo pós-pandêmico.
A Educação OnLIFE se caracteriza enquanto uma educação ligada (On), conectada na vida (LIFE), portanto, os processos de ensino e de aprendizagem se desenvolvem a partir das problematizações do tempo/mundo presente, num percurso de invenção e transubstanciação da Educação (AUTOR; DI FELICE, 2020) potencializado por metodologias inventivas (AUTOR, 2018) e práticas pedagógicas inventivas, simpoiéticas e gamificadas. Num contexto de Educação OnLIFE, as TD, em rede, são compreendidas para além de tecnologias da inteligência, como forças ambientais, as quais provocam alterações significativas no campo da educação, não somente vinculadas à estrutura física, espaço-temporal, mas à própria arquitetura educacional, o currículo, as metodologias, as práticas, os conteúdos e as pedagogias. Dessa forma, entende-se que o processo de digitalização e a conectividade tem a potência de alterar qualitativamente o estatuto da natureza e da condição habitativa dos processos de ensinar e do aprender, ou seja, a educação sofreria então um processo de transubstanciação, de invenção e não de transposição (transferir, mudar de lugar) como fora percebido durante o período de pandemia. Obviamente, esse processo de transubstanciação não é simples e exige a compreensão e vivências anteriores de Educação Híbrida e o desenvolvimento de um pensamento educacional reticular, conectivo e inventivo, num contexto que é hipercomplexo.
Segundo (SCHLEMMER, 2020), compreende-se por Educação OnLIFE uma educação que, para além de ser híbrida e multimodal, é transubstanciada, inventiva e cibricidadã, ligada, conectada (On) na vida (LIFE), a partir de problematizações que emergem do tempo/mundo presente. Essas problematizações são entendidas enquanto forças da atualidade, portanto, de um mundo movente e em acelerado processo de transformação numa realidade hiperconectada, resultante da hibridização do mundo físico, do mundo biológico e do mundo digital. Nessa realidade, o conhecimento se constitui por atos conectivos transorgânicos, portanto, entre entidades humanas e não humanas, o que pressupõe a superação: - dos binômios sujeito-objeto (S-O), indivíduo-meio ambiente (I-MA), organismo-meio (O-M); - da compreensão de conhecimento enquanto representação de um mundo externo ao sujeito ou ainda, enquanto representação interna ao sujeito, próprios de uma teoria da ação, centrada no humano. Nesta, a internalidade e a externalidade estão marcadas pela relação de uso que o humano estabelece com tudo o que não é humano; - das centralidades, seja ela no conteúdo, no professor ou no estudante, o que aponta para a necessidade de pedagogias conectivas, em rede; - do dualismo online e off-line.
A Educação OnLIFE, potência a conexão de inteligências diversas, em rede, favorecendo a constituição de ecossistemas conectivos de inovação na educação, onde o habitar do ensinar e do aprender se constitui como um habitar atópico que se desenvolve numa econectografia1.
Neste contexto de Educação Híbrida e de Educação OnLIFE, o acompanhamento e a avaliação da aprendizagem podem, pois, ter a participação de entidades não humanas e se valer de dados informados por sistemas que se utilizam de mineração de dados e realizam a analítica da aprendizagem, buscando e articulando informações (pistas/ rastros deixando pelos alunos ao interagir com e nos sistemas/plataformas), tornando-se, dessa forma, sensível ao contexto de interação a que se referem. A partir desta articulação, sistemas de recomendação podem sugerir conteúdos, dicas, desafios, casos, etc. (dependendo de como são programados e alimentados) personalizados, de acordo com o momento de aprendizagem em que cada aluno se encontra. Dessa forma, tanto o sistema/plataforma, quanto o planejamento do professor pode ser adaptado às necessidades de aprendizagem do aluno.
Além disso, quando o processo de aprendizagem ocorre em contexto de mobilidade (LIMA; MORGADO; SCHLEMMER, 2020), a partir da apropriação de diferentes dispositivos (notebook, tablet e smartphone), tecnologias digitais móveis e sem fio (softwares e aplicativos), tecnologias de geolocalização, marcadores, RFID, sensores, tecnologias wearables, etc. há a possibilidade de acompanhar e avaliar determinada ação realizada ou um processo desenvolvido no próprio espaço a que se vincula (museu, escola, praça, bairro, cidade). Isso contribui significativamente para o engajamento do aluno na aprendizagem, além de fornecer mais elementos para que o professor-formador identifique possíveis lacunas (gaps) presentes na formação, o que possibilita reorientar o processo formativo ou fornecer um atendimento mais individualizado.
Dessa forma, o acompanhamento e a avaliação, no contexto da Educação Híbrida e da Educação OnLIFE, considerando também a mobilidade, pervasividade e ubiquidade, podem continuamente retroalimentar o processo formativo. Tornam-se meio para reorientar rumos, modificar metodologias e práticas pedagógicas, redefinir estratégias de aprendizagens, replanejar metas e objetivos, além de ser também uma forma de inclusão, e não mais de classificação, restrição e, muitas vezes, até punição. Avalia-se para conhecer, refletir, dialogar e agir. Apresentamos a seguir um desenho de acompanhamento e avaliação da aprendizagem numa perspectiva cartográfica e gamificada.
Acompanhamento e Avaliação da Aprendizagem numa perspectiva cartográfica e gamificada
Realizar um processo de acompanhamento e avaliação da aprendizagem, implica conhecer as competências, conhecimento e habilidades dos alunos (avaliação diagnóstica); rever a proposta formativa planejada, a fim de reorientar o planejamento, caso necessário (avaliação prognóstica); desenvolver o processo formativo, o que implica em acompanhar percursos e envolve o olhar do professor (hetero-avaliação), dos pares (co-avaliação) e do próprio aluno (auto-avaliação) sobre suas aprendizagens (avaliação formativa/somativa). Pode envolver, ainda, sistemas informáticos que trabalham com mineração de dados e analítica da aprendizagem e, assim, fornecer recomendações aos alunos durante o desenvolvimento do processo de aprendizagem. Enfim, trata-se de um processo complexo e contínuo que possibilita aos professores e aos alunos redefinir objetivos e estratégias de ensino e de aprendizagem, enquanto estes estão ocorrendo.
A proposta de acompanhamento e avaliação da aprendizagem a seguir explicitada é inspirada no método cartográfico de pesquisa-intervenção (PASSOS, KASTRUP e ÉSCOSSIA, 2012) e em elementos da gamificação, contemplando a avaliação diagnóstica, avaliação prognóstica, avaliação formativa, avaliação por pares, auto-avaliação e avaliação somativa, tendo como subsídio: - registros realizados no Diário do Percurso (individual); - interações individuais e coletivas; - registros realizados no caderno do projeto de aprendizagem (coletivo); - encontros de orientação aos Projetos de Aprendizagem Gamificados – PAG (SCHLEMMER, 2018), realizados de forma síncrona, por meio de webconferência; - atividades desenvolvidas em momentos presenciais físicos, que envolveram também mobilidade.
Esses foram orientadas, numa perspectiva geral, pelos seguintes critérios: - interações em termos de qualidade crescente no domínio dos conhecimentos envolvidos - aprendizagem (apropriação) dos conceitos; - nível de autonomia; - nível de autoria; - nível de cooperação; - desenvolvimento de habilidades/competências previstas.
Desta forma, inspirados pelo método cartográfico de pesquisa-intervenção, enquanto prática para a construção de um processo de acompanhamento e avaliação da aprendizagem e, tendo como subsídio, os movimentos da atenção do cartógrafo (o rastreio, toque, pouso e reconhecimento atento), fomos buscando as pistas - os rastros deixados pelos alunos nos diferentes espaços de aprendizagem (conforme relacionados acima e envolvendo encontros presenciais físicos, discussões em espaços online, oficinas, sempre intercaladas com a prática docente em desenvolvimento nos respectivos espaços escolares), os quais, ao serem acompanhados, evidenciam percursos singulares de aprendizagem e desenvolvimento das habilidades e competências previstas, sendo constantemente avaliados.
Nessa perspectiva, criamos um desenho de acompanhamento e avaliação composto por movimentos, achievements, indicadores e habilidades/competências relacionadas, conforme a seguir:
Os movimentos se referem às quatro variedades da atenção do cartógrafo:
O primeiro é o rastreio, que se caracteriza pela exploração/varredura do campo - espaços geográficos e online em busca de pistas - informações - para compreensão dos processos;
O segundo o toque, que aciona o processo de seleção, consiste na seleção das pistas geográficas, pistas online e pistas vivas (elementos da gamificação) para o desenvolvimento de metodologias ativas problematizadoras (AUTOR, 2002) ou de metodologias inventivas. No contexto aqui apresentado trata-se da metodologia PAG;
O terceiro o pouso que se refere a parada, zoom nas pistas, escolha/definição;
E o reconhecimento atento, baseado na percepção do contexto global.
Os achievements, (elemento da gamificação) sinalizam as conquistas realizadas ao longo do percurso, as quais referem-se às aprendizagens, incluindo as habilidades e competências que vão sendo desenvolvidas. A partir da proposta formativa pretendia-se alcançar os objetivos e desenvolver as competências apresentadas a seguir:
Identificar os elementos que caracterizam a Educação, na relação com a Educação num contexto híbrido e multimodal;
Decidir quanto à escolha teórico-epistemológica e tecnológica para um processo de Educação híbrida e multimodal;
Articular diferentes conhecimentos na perspectiva do hibridismo e da multimodalidade, no desenvolvimento de metodologias ativas problematizadora
Desenvolver, mediar, acompanhar e avaliar uma proposta de Educação Híbrida e Multimodal, na perspectiva da Pesquisa-Formação-Ação-Reflexão com inspiração na cartografia;
Criar ambientes e situações de aprendizagem desafiadoras, a partir de diferentes tecnologias e modalidades, promovendo o desenvolvimento da autonomia, a interação e a cooperação num processo de construção do conhecimento, tendo em vista a educação para a cidadania;
Desenvolver práticas pedagógicas inventivas, bem como processos de intervenção pedagógica que possibilitem transcender o espaço físico das escolas, para a cidade, na perspectiva da constituição de espaços de convivência híbridos e multimodais;
Estabelecer relações entre a teoria, a vivência enquanto sujeito da aprendizagem e, a prática a ser desenvolvida;
Apropriar-se de tecnologias digitais na educação numa visão crítica.
Cada um destes objetivos e competências foram desenvolvidas a partir de experimentações, vivências, em um processo continuado de ação-reflexão-pesquisa-formação, o qual exigiu apropriação conceitual, aprofundamento teórico-metodológico, exploração de tecnologias diversificadas, de forma que os participantes da formação pudessem significá-las no próprio processo de aprendizagem, a fim de desenvolver fluência técnico-didático-pedagógica no âmbito das práticas pedagógicas.
Tendo presente o principal objetivo do processo formativo - “Formar coordenadores e professores da Educação Básica de uma Rede de Educação para conceber, desenvolver, acompanhar e avaliar propostas educacionais contemporâneas, fundamentadas nas mais recentes teorias de aprendizagem, num contexto de hibridismo e multimodalidade” - foram elencados os como achievements: Explorador, Observador, Selecionador, Autor, Tecelão, Problematizador, Colaborador/Cooperador e Cartógrafo.
A cada achievement, foram elencados indicadores e relacionados um conjunto de habilidades e competências a eles vinculados.
O acompanhamento e a avaliação de cada um dos achievements (conquistas relacionadas a aprendizagem - nível de experiência em relação ao processo vivenciado) recebeu uma escala de 1 a 5 (nível de experiência - EXP) vinculados aos indicadores e as habilidades/competências que os integram. Quanto mais elevado o nível de experiência em cada habilidade/competência, mais o participante se aproxima de conquistar um achievement. Apresentamos a seguir, a descrição dos níveis de experiência (EXP), vinculados aos indicadores e as habilidades/competências que os integram:
Apresenta-se a seguir parte do resultado desta proposta de acompanhamento e avaliação que foi desenvolvida por dois grupos de (entre estes gestores) da Educação Básica (da Educação Infantil ao Ensino Médio) de uma rede de Educação com escolas em diferentes regiões do Brasil.
O desenho na prática
A formação intitulada Educação para a cidadania em contextos híbridos, multimodais, pervasivos e ubíquos, totalizando 148h, foi desenvolvida de forma híbrida e multimodal, com duas turmas, a primeira, em 2017 com 60 participantes e, a segunda, em 2018 com 52 participantes, entre eles professores e gestores da educação infantil ao ensino médio.
Para cada uma das turmas, inicialmente, foi realizada uma avaliação diagnóstica, por meio da disponibilização de um formulário, criado no Google Forms, com o objetivo de melhor conhecer os participantes, bem como suas necessidades em termos de aprendizagem. A partir da sistematização das informações, foi realizada a avaliação prognóstica, relacionando os dados obtidos na avaliação diagnóstica com o programa da proposta formativa, inicialmente elaborada, ou seja, antes de conhecer os participantes, o que possibilitou a realização de ajustes em relação ao programa, objetivos, competência, conhecimentos, dentre outros elementos, de forma a melhor atender as necessidades dos envolvidos. Este mesmo formulário foi disponibilizado ao final do processo formativo, a fim de identificar as mudanças ocorridas.
A partir do resultado da avaliação diagnóstica e prognóstica iniciou-se o processo de acompanhamento e avaliação da aprendizagem, numa abordagem formativa e somativa, desenvolvida pelo professor e pelos participantes (individualmente - autoavaliação e em grupo – avaliação por pares), tendo como subsídio o desenho acima explicitado (Tabelas 1 e 2). O objetivo foi acompanhar o processo que estava sendo desenvolvido em diferentes espaços, em nível individual e coletivo, de forma síncrona e assíncrona, constituindo e-portfólios individuais e do grupo, avaliando-o continuamente e realizando intervenções durante o percurso, tanto no que se referia ao desenvolvimento das competências dos participantes, quanto no que se referia ao próprio desenvolvimento do processo formativo, a fim de ajustar continuamente o processo de ensino, potencializando a aprendizagem.
Foram os seguintes os espaços que compuseram o processo de acompanhamento e avaliação da aprendizagem:
- Registros realizados no Diário do Percurso (individual). O diário de percurso foi um espaço apropriado para o acompanhamento individual, fornecendo elementos para regular o processo formativo. Os registros semanais envolveram: - descobertas/aprendizagens, - dificuldades e forma como buscou solucioná-las, - sentimentos em relação ao processo. Cada registro foi avaliado quanto ao nível de apropriação (NA):
- Interações individuais e coletivas. O espaço apropriado para estas interações foi o Facebook, por meio da criação de um grupo fechado. Cada interação dos participantes e postagem das apresentações, problematizações (discussões) e sistematizações realizadas no Grupo, no Facebook, era avaliada quanto ao nível de interação (NI)2:
É importante salientar que a mesma organização dos grupos (Clãs) foi utilizada na sistemática para trabalhar os textos, sendo que os grupos, em diferentes momentos, assumiram as seguintes funções:
Registros realizados no caderno do projeto de aprendizagem no Evernote (coletivo). Os PAGs foram desenvolvidos em grupos (Clãs), formados pela afinidade na problemática a ser investigada/desenvolvida tendo, portanto, tamanhos variados. O percurso do desenvolvimento foi acompanhado semanalmente, e realizados registros com observações e sugestões de encaminhamento.
Encontros de orientação aos projetos de aprendizagem gamificados, realizados, a cada 15 dias, de forma síncrona, por meio de webconferência (Google Hangout).
Todo este processo alimentou o acompanhamento e avaliação da aprendizagem numa perspectiva cartográfica e gamificada (Tabela 1), para os quais tanto o professor (hetero-avaliação), quanto os participantes (auto-avaliação e avaliação por pares) atribuíram níveis de experiência - EXP (Tabela 2), conforme o desenvolvimento das competência no processo vivenciado, considerando os indicadores e os achievements. Assim, cada um dos participantes e também o professor operaram com a seguinte tabela3:
Fonte: Elaborado pelos autores
Ao final havia um campo aberto para que aos participantes registrassem comentários sobre: a) as temáticas dos encontros; b) as atividades desenvolvidas de forma online; c) a articulação que realiza entre os encontros e a prática pedagógica; d) sugestões de temas a serem abordados.
Considerando os níveis de EXP atribuídos a cada uma das habilidades/competências que compõem os achievements, os quais correspondem aos movimentos: rastreio, toque, pouso e reconhecimento atento, em cada um dos domínios da avaliação, a saber: autoavaliação, avaliação por pares e avaliação dos professores, foi realizada a soma individual, sendo o resultado divido por três (nos casos em que a autoavaliação foi realizada). A tabela a seguir evidencia o resultado da avaliação somativa referente aos participantes de um dos grupos.
|
|
|
|
|
|
|
|
|
3,7 | 4,7 |
|
3,8 |
|
|
4,9 | 4,7 |
|
4,2 |
|
|
|
0,0 | 4,7 |
|
4,1 |
|
|
|
4,2 | 4,7 |
|
4,3 |
|
|
|
3,9 | 4,7 |
|
4,0 |
|
Fonte: Elaborado pelos autores
Na tabela acima, G1 é o nome de um grupo, as cores representam os nomes dos participantes daquele grupo e, nos espaços onde aparece 0,0 significa que a avaliação, naquele domínio, não foi realizada, não sendo, portanto, computada na Avaliação Final.
No que se refere à avaliação dos participantes do G1, observa-se uma pequena variação no nível de experiência 4 - PRO, o que indica que as habilidades/competências previstas foram desenvolvidas e mobilizadas om muita frequência na invenção de problemas, resolução dos desafios e desenvolvimento do projeto de aprendizagem gamificado.
Associado a este contexto está também o acompanhamento e a avaliação do processo de formação, desenvolvido pelos participantes, o qual objetivou acompanhar e avaliar a qualidade do processo formativo em desenvolvimento a fim de retroalimentar, de corrigir rumos e de verificar novas tendências insurgidas no processo para melhor atender as necessidades de formação dos participantes.
Considerações Finais
As avaliações realizadas pelos participantes evidenciam que, inicialmente, houve uma certa “desconfiança” em relação à proposta, em função dos deslocamentos que esta exigiu. No entanto, à medida que se foram familiarizando e se apropriando da proposta, sentiram-se instigados a se desacomodar e agir, a fim de transformar a maneira como compreendiam e realizavam a avaliação, não mais como momentos estanques dentro do contexto educacional e focado no ensino, mas como um processo que implica acompanhamento para correção de rumos e para potencializar a aprendizagem, compreendendo assim, a sua função no processo de desenvolvimento do aluno. Os resultados evidenciam, também, a complexidade do desenho do acompanhamento e avaliação da aprendizagem o qual, se por um lado, exigiu um tempo significativo para o seu desenvolvimento; por outro, possibilitou processos metacognitivos e a realização da tomada de consciência sobre o próprio processo de aprendizagem, bem como sobre a importância da co-responsabilidade na aprendizagem.
É importante referir ainda, que desenvolver um processo de acompanhamento e avaliação da aprendizagem numa perspectiva cartográfica e gamificada exige um tempo maior do professor-formador, devido à complexidade do desenho. Isso indica a necessidade de um desenvolvimento tecnológico digital específico, a fim de reduzir o trabalho do professor.
E nesta perspectiva a educação tem de estar ligada (ON) e conectada na vida (LIFE), nos diferentes espaços e realidades que compõem a infoesfera. Neste cenário de Educação OnLIFE, os espaços terão de se “hibridizar” criando ambientes informacionais, feito de informações, fluxos de dados, de interações com softwares e sistemas automáticos, num misto de analógico e digital, onde se espelhará não a ideia apenas de um universo, mas sim de um pluriverso. Deve-se procurar, criar realidades que aproximem os diferentes atores envolvidos, realidades que remetam para variáveis comunicacionais como a conexão e participação, que promovam e aumentem a ação e interação entre todos os atores. E neste sentido, a Educação Híbrida e a Educação OnLIFE exigem que se equacione o processo de ensino e DE aprendizagem de forma diferente e a mudança não deve ser vista só do ponto de vista pedagógico e tecnológico, mas também do ponto de vista cultural, pois implica mudanças em termos de mentalidade e de práticas.