Introdução
Igualdade de gênero é o quinto dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável definidos pelas Nações Unidas como uma chamada à ação para acabar com a pobreza, proteger o planeta e melhorar a vida e as perspectivas de todos, em todos os lugares (UN, 2015). Igualdade de gênero é uma consequência de equidade de gênero, que por sua vez é um processo de ser justo com mulheres e homens, adaptando regras e estratégias existentes para realização com sucesso de suas atividades, compensando as desvantagens histórico-sociais que impediram mulheres de operar no mesmo nível de homens. As mulheres não tiveram acesso à educação superior por séculos, por exemplo.
Ambas as palavras também são frequentemente acompanhadas de diversidade, a qual se refere a um grupo de pessoas com diferentes características em relação a certos atributos (HARRISON e KLEIN, 2007). Por exemplo, um grupo diverso em relação à raça terá pessoas brancas, amarelas e pretas (no Brasil, podem-se considerar pardos e indígenas). Existem muitos atributos que podem ser avaliados para compor um grupo com diversidade, incluindo raça, gênero, orientação sexual, idade, educação, capacitação, entre outros não menos importantes. Dadas a alta complexidade do assunto e as inúmeras frentes de pesquisa para cada tipo, este artigo foca no atributo gênero, com a divisão binária de homens e mulheres.
No momento em que existe diversidade em um grupo, a busca por igualdade e equidade de gênero depende de vários fatores, entre eles os histórico-culturais, que por sua vez incluem a própria definição de mulher ideal. Ser a mulher ideal (ou a melhor possível) é um pensamento que muitas vezes, quase diariamente, visita o imaginário feminino. Contudo, há dificuldade inicial ao definir o que é ideal. Essa palavra pode ser entendida como um adjetivo relativo à ideia – existindo apenas no pensamento; ou relacionado às qualidades de uma espécie que se enquadram na definição da perfeição. Assim, o conceito de mulher ideal é dinâmico e tem passado por transformações há décadas, conforme a evolução da espécie humana.
Nos anos 50/60 a definição de mulher ideal era claramente atribuída às mulheres dedicadas às tarefas domésticas, as chamadas “rainha do lar” que dedicavam suas vidas aos cuidados da casa, dos filhos e marido, e se realizavam pelas vitórias profissionais do companheiro. Atualmente, esse adjetivo sendo atribuído ao substantivo mulher tende a alimentar o imaginário do ser multitarefa, as chamadas “mulher polvo”, aquelas capazes de realizar diversas atividades independentes em pouco tempo. Assim, para atingir o título de mulher ideal é necessário desenvolver a habilidade de desempenhar muitos papéis diferentes ao mesmo tempo, ou seja, executar tarefas relacionadas a casa, família, profissão e manutenção da beleza, pois a mulher ideal moderna deve ser “magra, maquiada e andar no salto” (estereótipo que está em constante alteração, seguindo os padrões de beleza do momento).
Todavia, embora o termo multitarefa seja um substantivo feminino na língua portuguesa, ele não é biologicamente inerente às mulheres. HIRSCH et al. (2019) comprovam que as mulheres não são mais (ou menos) hábeis do que os homens para realizar diversas tarefas ao mesmo tempo, elas apenas trabalham mais. Nesse mesmo estudo, é comprovado que o cérebro humano não tem a capacidade – independentemente do gênero – de eficientemente realizar diversas tarefas ao mesmo tempo.
A esse contexto todo de mulheres multitarefas, neste artigo também trabalhamos com um segundo conceito, o de mulher digital. Sem ainda definição formal abertamente aceita na sociedade ou comunidade científica, aqui caracterizamos a mulher digital por aquela que não apenas utiliza a tecnologia em suas tarefas diárias (incluindo, mas não limitado a socialização, comunicação, educação e compras online), mas também exerce sua profissão em ambientes dos diversos setores da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) ou em educação de áreas como Ciência ou Engenharia da Computação, Engenharia de Software, Sistemas de Informação, Licenciatura em Informática, ou demais cursos técnicos.
De modo geral, este artigo argumenta que não é possível falar de equidade profissional para mulheres digitais enquanto houver uma expectativa de que a profissional mulher tenha o talento compulsório para ser multitarefa. É fato que as tecnologias digitais à disposição auxiliam em tais tarefas. Porém, esse falso estereótipo gera cobrança social em relação às mulheres que tendem a viver com um alto nível de frustração, exigindo-se a capacidade de executar eficientemente múltiplas tarefas, sem considerar a possibilidade de pedir ajuda e/ou de sentir-se exausta. É necessário quebrar esse arquétipo de mulher ideal, pois ele não é real e, como consequência, essa mulher está comprometendo a sua saúde física e mental. Essa sobrecarga provoca um desequilíbrio na balança que defende a equidade profissional da mulher ideal, pois ela já tende a iniciar pesando mais para o lado da mulher. Essa disparidade pode ser observada em muitos campos da vida profissional e nas Ciências, incluindo a diferença salarial, a baixa concentração de mulheres em cargos de liderança, e o baixo percentual de pesquisadoras na modalidade Produtividade em Pesquisa (PQ) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Para isso, este trabalho foi desenvolvido por meio do estudo bibliográfico e qualitativo, o qual incluiu consultas a bancos e catálogos bibliográficos de publicações científicas, publicações institucionais, páginas web de instituições governamentais, agências nacionais e internacionais. A pesquisa focou na avaliação de equidade e desigualdades com foco na manifestação de gênero na área de TIC, envolvendo, principalmente, as características da área acadêmica, a qual produz relevantes clivagens ao longo da história do país. Contudo, as autoras consideraram que essa análise não se limita aos indicadores, mas também aos fatores de socialização, escolhas profissionais e inserção no mercado de trabalho.
Após esta seção introdutória, segue-se com definições e realidades sobre equidade de gênero. Na sequência, é apresentado um breve panorama nacional e internacional com foco nas mulheres digitais multitarefas. Dando continuidade, uma análise sucinta de iniciativas atuais no contexto mais amplo da presença de mulheres na TIC é apresentada. Para finalizar, descreve-se uma chamada para ação e conclusões.
Equidade – Definições e Realidades
Equidade tem sido tema de discussão em várias frentes da sociedade, incluindo indústria e academia científica. Contudo, é comum confundi-la com igualdade: os termos são parecidos na escrita e na fonética, mas apresentam propostas distintas. O termo igualdade diz respeito ao tratamento igual para todas as pessoas que integram um grupo, sem considerar suas especificidades. O termo equidade impõe a promoção de oportunidades iguais para todas as pessoas do grupo, considerando suas necessidades e particularidades. Assim, equidade é a busca por garantir que pessoas tenham o que precisam, sem as quais não se tem igualdade.
Em uma sociedade patriarcal, na qual as relações entre pessoas são baseadas em uma hierarquia (homens figuram no topo e mulheres abaixo deles), segundo o Relatório World Gender Gap 2020, do Fórum Econômico Mundial, se nada for feito, serão necessários 99,5 anos para que a igualdade de gênero seja alcançada no mundo (WEForum, 2019). Assim, a equidade de gênero deve começar no ambiente familiar, na definição dos papéis das atividades domésticas e, consequentemente, transbordar para todas as áreas da sociedade.
Para isso, é preciso que haja um processo de desconstrução do pensamento vigente para que um novo possa emergir. Essa contracultura perpassa por derrubar a crença de que a mulher é multitarefa, e como tal deve ser a responsável por todas as atividades de cuidado com a família, a casa, e o companheiro. Gisele Miranda, mentora e autora do livro “A Coragem de se apaixonar por você” (MIRANDA, 2021), estuda esse mito da mulher multitarefa e os efeitos que ele acarreta no dia a dia. Segundo a autora, “é uma verdadeira pressão sobre as mulheres essa ideia de que devemos ser responsáveis por múltiplos papéis na vida”.
Em outras palavras, equidade envolve mais do que salário e benefícios iguais para um homem branco e uma mulher negra que têm a mesma posição no mercado de trabalho (ANÔNIMO, 2022). Na academia, um estudo interessante foi publicado com base na equidade de gênero em um dos mais importantes institutos de tecnologia (o Massachusetts Institute of Technology - MIT) por (BAILYN, 2003). A autora aprofunda-se na definição de equidade de gênero na academia a partir da seguinte definição inicial: “salário igual, acesso igual a oportunidades para entrar em um emprego e progredir nele, e sem assédio.” Embora seja uma definição relevante, Bailyn argumenta com sucesso que igualdade não é equidade: equidade é impossível de ser atingida se existir um grupo de pessoas (por exemplo, com responsabilidades de cuidado familiar) que são sistematicamente incapazes de atender aos requisitos do acadêmico ideal que dá total prioridade e todo o seu tempo e energia ao seu trabalho acadêmico. Um local de trabalho equitativo só existirá em igualdade de oportunidades e requisitos (constraints) iguais – que por razões culturais e históricas não são as mesmas para mulheres e homens (nos EUA e no Brasil).
As pessoas mais céticas em relação à equidade de gênero podem argumentar que a academia científica é justamente um espaço igual, pois a carreira (especialmente, no Brasil) é muito bem definida, com oportunidades de progressão e promoção claras. Além disso, os salários e os benefícios são pré-estabelecidos conforme leis estaduais e federais. Isso significa que se duas pessoas estão no mesmo patamar de carreira, elas, por lei, recebem exatamente a mesma renda mensal. Sim, isso é fato. Todavia, existem realidades diferentes para acadêmicos e acadêmicas navegarem nesse sistema de carreira. Para exemplificar, considere os seguintes relatos reais de professoras pesquisadoras de universidades federais brasileiras:
(a). Em reunião para escolha dos próximos nomes a serem considerados para Coordenação da Pós-Graduação, o meu foi sumariamente retirado da lista pois, segundo um colega, “ela está mais preocupada com a criação dos filhos”;
(b). Em reunião colegiada para definição da coordenação de um projeto enorme, que previa auxílio financeiro para quem o coordenasse, o chefe da minha unidade retirou meu nome porque “ela já tem muitas tarefas no momento”;
(c). Na banca de meu concurso, enquanto eu explicava como eu poderia colaborar com docentes do departamento, um membro sênior da banca me interrompeu e perguntou “mas o que exatamente você vai fazer com todas essas pessoas? do jeito que você está falando, parece que você estará servindo cafezinho para todos”;
(d). Eu e mais três professoras reunidas, em uma mesa, discutindo a nova proposta de projeto de pesquisa interdisciplinar, quando um colega nos interrompe e pergunta “qual é a fofoca que está rolando, hein?”;
(e). Eu escrevendo um projeto de pesquisa sobre a temática de gênero para submeter ao CNPq, e um professor passa e diz “você deveria gastar o seu tempo para escrever um artigo importante”; e
(f). Eu comentando sobre um artigo recém aceito em um periódico A1 da minha área com um professor, quando ele diz “publicar neste periódico está cada vez mais fácil, a qualidade não é a mesma nos últimos anos”.
Em relação a esses relatos, é importante notar que: (a) e (b) são histórias sobre a escolha para cargos que contribuem para visibilidade dentro e fora da universidade, são diferenciais em outros momentos da carreira (por exemplo, concurso para Titular, eleição para chefia/direção, editais como Bolsa do CNPq), e têm remuneração financeira auxiliar; (c), (d), (e) e (f) exemplificam a realidade de muitas mulheres, independente de carreira, devido às construções sócio-culturais vigentes e aos pré-conceitos de colegas. Assim, nota-se que a equidade salarial, prevista por lei na carreira, é limitada ao valor base, pois existem outras oportunidades de complementação, nas quais mulheres, por serem mães ou multitarefas, podem ser preteridas. Além disso, também é necessário lembrar que progressões e promoções são (geralmente) avaliadas pelos pares (internos ou não à universidade). O quanto que alguém pode prejudicar ou favorecer outra pessoa nessas avaliações é muitas vezes subjetivo e de cunho sigiloso. Tudo isso pode ser usado para embutir os vieses preconceituosos e arraigados nos equivocados estereótipos de gênero de uma área profissional, mesmo na academia.
As autoras deste artigo gostariam de acreditar que os relatos anteriores seriam realidades isoladas e raras, e que fossem citados apenas como boas anedotas. Porém, temos trabalhado em projetos sobre diversidade de gênero há tempo suficiente para afirmar que essa é a realidade de muitos departamentos universitários em que mulheres são minoria, como vários das áreas relacionadas à TIC no Brasil. Além disso, também é realidade em outras ciências nas quais as mulheres não são necessariamente minoria – veja outros casos reais em publicações especializadas como por exemplo (YSSELDYK, 2019). Não sendo casos isolados, é notório que tais relatos sempre apareçam em momentos de encontros entre professoras, mesmo que ao redor de uma mesa em coquetel ou jantar de evento científico, por exemplo, ou demais momentos profissionais, como bancas de pós-graduação e concursos.
Por que diversidade e equidade são importantes? Na indústria, é aceito que “diversidade abre portas para inovação e abastece o crescimento de mercado”; afirmação com base em várias evidências importantes (HEWLETT et al., 2013). Na busca pela equidade, tudo inicia com diversidade. Segundo esse mesmo artigo, os atributos de diversidade em duas categorias: herdado, como traços com as quais uma pessoa nasce (e.g., gênero e etnicidade); e adquirido, como características que a pessoa ganha com experiência (e.g., morar no exterior provê maior consciência cultural). Assim, empresas com líderes que expressam pelo menos três atributos para cada categoria ultrapassam as demais (sem tais líderes) em inovação e desempenho. Esse mesmos benefícios se aplicam à academia, onde inovação e bom desempenho são cruciais.
Panoramas Nacional e Internacional – Os Hiatos
Segundo os dados do Censo Escolar da Educação Básica (INEP, 2022), no ano de 2021 foram registradas 46,7 milhões de matrículas nas 178,4 mil escolas de educação básica no Brasil, cerca de 627 mil matrículas a menos em comparação com 2020, o que corresponde a uma redução de 1,3% no total. Em relação ao Ensino Fundamental, em 2021, foram registradas 26,5 milhões de matrículas. Esse valor é 3,0% menor do que o registrado para o ano de 2017 (INEP, 2019). A queda no número de matrículas foi maior nos anos iniciais (5,2%) do que nos anos finais (0,3%) dessa etapa. Para o ensino médio, em 2021 houve um aumento de 2,9% nas matrículas. Esse crescimento estabelece uma tendência de aumento nas matrículas observada nos últimos dois anos (acréscimo de 4,1% de 2019 a 2021). No ensino superior, em 2019, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP 2021), as mulheres corresponderam a 57% das matrículas.
Contudo, esses dados gerais escondem a desigualdade que existe entre as grandes áreas do conhecimento, e nos níveis mais altos da carreira acadêmica. Particularmente, na área de Exatas, apenas 29,3% de estudantes de cursos de engenharia são mulheres. Nos cursos da área de Computação, esse desequilíbrio é ainda maior, pois apenas 15% das matrículas nesses cursos são de mulheres (INEP, 2019). Além disso, ainda segundo o INEP, em 2019 a porcentagem de pessoas do sexo feminino que concluíram a graduação na grande área de Computação e TIC foi de apenas 13,6%. RIBEIRO et al. (2019) mostram, a partir de dados da Sociedade Brasileira de Computação, que entre os associados dessa instituição (que incluem estudantes, professores, pesquisadores e profissionais da área de TIC) em 2018, 78,13% eram de homens, e apenas 21,87% de registros de mulheres.
ROSSITER (apud LIMA, 2013) e LIMA et al., (2015) analisaram essas desigualdades de gênero na educação por meio de dois aspectos, a segregação horizontal e a segregação vertical. A segregação horizontal se expressa na desigual participação de homens e mulheres nas áreas de conhecimento e nas carreiras acadêmicas e profissionais. Nesse aspecto, é menor a participação de mulheres nas ciências exatas e tecnológicas, especialmente nas engenharias, em contraste com a maior ou equivalente participação feminina nas áreas biológicas, especialmente de saúde, humanas e sociais (LOMBARDI, 2018). Essa análise é confirmada pela UNESCO (2018), a qual enfatiza que, entre as estudantes de ensino superior no mundo, apenas 30% escolheram cursos nas áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, conhecidas pela sigla STEM em inglês (Science, Technology, Engineering and Mathematics).
Por outro lado, a segregação vertical se refere à diminuição da participação feminina nas ciências em oposição à ascensão dessa presença nas etapas de ensino, carreiras e profissões (LIMA, BRAGA e TAVARES, 2015). Em outras palavras, quanto maior a escalada de poder e prestígio, menor é a quantidade de mulheres. Isso pode ser confirmado pelos dados do CNPq, pois embora o número de bolsas de iniciação científica, mestrado e doutorado sejam superiores ao dos homens, as mulheres representaram, em 2015, apenas 35,6% do total de bolsistas na modalidade Produtividade em Pesquisa - PQ (TAVARES et al., 2016). Em 2021, esse percentual reduziu para 33% do total de bolsas PQ concedidas por esta instituição (CNPq, 2021). A modalidade de bolsa PQ é voltada a cientistas com reconhecimento de seus pares e no topo da carreira científica. Assim, o número das bolsas PQ apresenta, de forma explícita, a segregação vertical que existe no contexto acadêmico.
O Quadro 1 ilustra a distribuição das bolsas PQ na área de Ciência da Computação por gênero considerando o nível da bolsa (2, 1D a 1A, e sênior) e as regiões brasileiras. Embora bolsistas de outras áreas possam realizar pesquisas em TIC (e.g., Engenharia Elétrica, Matemática e Física), por simplicidade e sem perda de generalização, considera-se apenas bolsistas com vínculo à Ciência da Computação para mostrar aspectos relacionados a mulheres digitais, foco deste trabalho. Especialmente, em relação à distribuição de nível, as mulheres representam menos de 18% no nível de entrada das bolsas PQ (i.e., 2). Para os níveis seguintes, apesar de serem praticamente 30% das pessoas com bolsa 1D, essa porcentagem gradativamente diminui conforme o nível da bolsa aumenta até 1A, no qual elas representam apenas 14% dessas bolsas. Em relação à distribuição regional, a melhor representatividade feminina está na região Centro-oeste com 35%, seguida das regiões Sul com 25% e Sudeste com 20%; e das bolsas destinadas às regiões Norte e Nordeste, menos de 13% estão com mulheres.
Esta diminuição do número de mulheres conforme o nível da Bolsa PQ aumenta pode ser uma instância do problema denominado “encanamento furado” (tradução livre do termo leaking pipeline). Nele, as mulheres podem até iniciar na carreira em um bom número; porém, conforme os níveis de carreira sobem, o número de mulheres diminui (ALPER, 1993). Como análises futuras, planeja-se comparar esses dados com a atualização das bolsas PQ a partir de março de 2022, quando se iniciam novas vigências para uma parte delas; e definir como estudar a potencial existência do fenômeno de “encanamento furado”.
Ampliando o escopo, nas áreas de Ciências Exatas, Engenharias e Computação a desigualdade é maior. Os homens assinam 75% dos artigos nas áreas de Computação e de Matemática (CNPQ, 2021). A Elsevier, empresa global de informações analíticas que contribui com instituições para o progresso da ciência, publicou um relatório que analisou 5,5 milhões de artigos científicos assinados por 27,3 milhões de pessoas, e revelou que homens produziram 70% desses textos e com primeira autoria de 66% deles (ELSEVIER, 2017). Ainda, apenas 13% dos autores mais citados em publicações especializadas em 2014 eram mulheres. Esse número varia de acordo com a área, sendo 3,7% nas Engenharias (índice mais baixo) e 31% nas Ciências Sociais. O relatório destaca que mulheres passam mais tempo do que homens como professoras assistentes, e que a busca de equilíbrio entre a carreira e a vida pessoal interfere diretamente na produtividade de publicações e no avanço delas na carreira.
Diante dos dados, é impossível ignorar que, embora avanços tenham ocorrido nos últimos anos, ainda há muita desigualdade de gênero na educação e nas ciências. Conforme salientado por (ELSEVIER, 2017) e (UNESCO, 2018), o avanço das mulheres nas carreiras de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática acontece em menor velocidade em comparação com a trajetória de seus colegas homens. Além disso, elas têm um caminho não linear e são mais passíveis de abandonar o caminho acadêmico devido a fatores pessoais, tais como licença-maternidade e afazeres domésticos. Essa iniquidade de gênero pode afetar, além do número de publicações, os padrões de colaboração entre pesquisadores. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em seu relatório sobre a busca de equidade de gênero (OCDE, 2017), afirma que a falta de oportunidades equânimes a potenciais cientistas impede que as mulheres – parte considerável da população – exerçam suas capacidades de forma plena, impactando diretamente na economia dos países.
Para a UNESCO (2018), meninas são impedidas de se desenvolver devido a discriminação, vieses, normas e expectativas sociais que influenciam a qualidade da educação recebida, assim como os assuntos que elas estudam. A sub-representação das meninas na educação em STEM tem raízes profundas e freia o avanço de uma sociedade mais justa e igualitária. Ainda, não é aceitável que a diferença salarial entre homens e mulheres seja um tema recorrente na realidade de diversos países, incluindo o Brasil. Segundo o IBGE (2019), as mulheres brasileiras recebem rendimento 22% menor do que os homens, ocupando as mesmas funções.
De outro modo, sob a perspectiva de indústria, em literatura mais recente, raça e gênero estão provavelmente entre os atributos mais considerados quando se discute diversidade, inclusão e equidade. Além disso, as publicações também descrevem problemas e potenciais soluções com foco em um desafio por vez. Exemplos incluem como sair da pandemia de COVID ao mesmo tempo em que se provê equidade de gênero (JOHNSON e SMITH, 2021); e um roteiro sobre questões de mudanças buscando equidade racial (LIVINGSTON, 2020).
Para compensar essa iniquidade, as mulheres se impõem a trabalhar como se tivessem o superpoder de “time-sharing” (TANENBAUM, 2015), termo técnico usado na Computação para definir o processo de alternância entre as diversas tarefas que um processador deve executar. A ideia é que o tempo ocioso entre uma operação e outra seja aproveitado (compartilhado) pela tarefa seguinte, dando a sensação para quem utiliza a máquina que múltiplas coisas estão sendo realizadas ao mesmo tempo. Assim, as mulheres tendem a somar as tarefas profissionais com as tarefas domésticas, e as tarefas com o cuidado dos filhos e cônjuge. Todavia, como comprovado por HIRSCH et al. (2019), a crença de que a mulher tem habilidade para ser multitarefa não é real. A escritora MIRANDA (2021) elenca cinco pontos que refutam e mostra quão prejudicial é a ideia da mulher multitarefa: ninguém é 100% bom em ser multitarefa, multitarefa é sinônimo de sobrecarga, ser multitarefa favorece erros, prejudica a saúde mental, e pode afetar a carreira profissional. Logo, insistir nessa ideia, por pressão da sociedade ou por ingenuidade, tem resultado em um alto percentual de mulheres com problemas de saúde. A Girls in Tech, organização global sem fins lucrativos que trabalha para eliminar a lacuna de gênero na tecnologia, publicou em 2021 um relatório que destaca que as mães trabalhadoras estão se esgotando a taxas mais altas, com 78% das profissionais que têm filhos em casa informando que é difícil conciliar trabalho e responsabilidades domésticas, e 79% dessas mulheres se dizendo completamente esgotadas (GTECH, 2021).
De modo geral, é necessário agir por meio de políticas públicas e iniciativas que possam trabalhar mais efetivamente para a equidade de gênero (LIMA, 2017; REZNIK et al., 2017; ROSA e MENSAH, 2016; SCHIEBINGER, 2008; SÍGOLO et al., 2021). Nessa linha, a próxima seção apresenta algumas iniciativas do governo, da sociedade civil e de empresas que acreditam que o futuro é construído com caminhos iguais para todos.
Iniciativas Atuais – As Pontes
Para programar um futuro com mais equidade de gênero é preciso criar pontes que possam unir os hiatos descritos na seção anterior. A igualdade de tratamento de mulheres e homens é um direito humano fundamental inviolável. Estimular o empoderamento de homens e mulheres, permitindo que assumam o controle de suas vidas, é essencial para construir economias fortes, estabelecer sociedades mais estáveis e justas, melhorando a qualidade de vida de todos. Além de ser a coisa certa a ser feita, a igualdade de tratamento de mulheres e homens também é positiva para os negócios. Dentro de um contexto mais amplo, a importância da presença da mulher nas mais variadas frentes da indústria e do mercado de TIC é inegável (GUIZANI et al., 2020; HEWLETT et al., 2013; NERIS et al., 2021; SRINIVASAN e CHANDER,2021; STUMPF et al., 2020). Todavia, os dados recentes também mostram o número reduzido de mulheres atuantes em carreiras de TIC, seja mercado ou academia. Assim, é necessário que existam iniciativas para incentivar o aumento nesse número, visando maior participação de mulheres em uma indústria na qual 50% de consumidores são elas mesmas. A seguir, apresentamos brevemente um conjunto mínimo de iniciativas existentes nos contextos de: políticas públicas, sociedade civil e indústria.
Felizmente, não estamos no marco zero da construção dessa longa estrada, algumas pontes já existem. Nos últimos 20 anos, políticas públicas para as temáticas de gênero, educação e ciências vêm sendo construídas, principalmente, no âmbito do governo federal. Para exemplificar, a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres (SNPM), atualmente vinculada ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MDH), lançou em 2005 o Programa Mulher e Ciência. Esse programa nasceu para incentivar as mulheres nas ciências por meio de editais de fomento. Nas quatro edições do programa (2005, 2008, 2010, 2012) foram apoiadas ações de parcerias entre universidades e escolas públicas, nas quais estudantes secundaristas e universitárias tinham a oportunidade de manter contato com cientistas e vivenciar princípios da pesquisa científica em oficinas, cursos e seminários, com apoio financeiro e bolsas de iniciação científica. Esse programa foi um exemplo eficaz de “a união faz a força”, pois ele foi desenvolvido por meio da integração entre a SNPM, o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o CNPq, o Ministério da Educação (MEC), o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a ONU Mulheres.
Ainda neste mesmo contexto, a SPM realizou o Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero, o qual foi um concurso de redações, artigos científicos e projetos pedagógicos sobre a temática de gênero, mulheres e feminismos. O prêmio foi criado com a missão de estimular o debate e a pesquisa sobre as desigualdades entre homens e mulheres no país, incluindo categorias voltadas a estudantes de ensino médio e de pós-graduação. Outra importante ação da SPM foi a criação da publicação Pioneiras da Ciência no Brasil, com o objetivo de estimular e divulgar o trabalho de cientistas brasileiras que contribuíram de maneira ímpar para o desenvolvimento científico, tecnológico e a formação de cientistas e profissionais no país. Todavia, infelizmente, essas ações foram descontinuadas nos últimos anos, e a única ação ainda em vigência é o edital Meninas nas Ciências Exatas, Engenharias e Computação, lançado em 2018, que permitiu que seus ganhadores pudessem prorrogar suas ações até final de 2022 (SÍGOLO et al., 2021). Esse edital teve como objetivo apoiar projetos que trabalhassem com a formação de mulheres para as carreiras de ciências exatas, engenharias e computação no Brasil. Ele incentivou a participação de meninas do ensino fundamental, médio e superior as quais podiam receber bolsas.
Inspiradas por essas e outras iniciativas, recentemente, diversas universidades e escolas técnicas têm desenvolvido e apoiado ações (internas e externas) e projetos de extensão, com o objetivo de estimular o acesso das mulheres às áreas científicas, principalmente, a STEM. De um modo geral, esses projetos objetivam divulgar a área para as meninas dos ensinos fundamental e médio, mostrando a atuação profissional e divulgando o papel das mulheres nas ciências e tecnologia. Vários desses projetos atuam de maneira integrada com extensão e pesquisa, gerando subsídios para a geração de políticas públicas e projetos de fomento que incentivem a mudança de atitude de toda a sociedade.
A sociedade civil também tem se organizado em diversas ações, criando pontes no caminho da equidade. Dentre essas, a Sociedade Brasileira de Computação (SBC), desde 2011, apoia o Programa Meninas Digitais (PMD, 2021) que tem como missão “despertar o interesse de meninas para seguirem carreira em Tecnologia da Informação e Comunicação.” O objetivo do Programa é divulgar a área de Computação e suas tecnologias para despertar o interesse de meninas estudantes do ensino médio (nas suas diversas modalidades) e dos anos finais do ensino fundamental, para que estas conheçam melhor a área, e sintam-se motivadas em seguir uma carreira em Computação. Para viabilizar tal iniciativa, o PMD conta com a colaboração de multiplicadores de sua proposta, que realizam ações no contexto de Projetos Parceiros em suas instituições de forma a disseminar esta ideia em no território nacional. Em 2021, de acordo com seu relatório anual (PMD, 2021), o PMD contou com mais de 70 projetos parceiros atuantes e distribuídos em todo o território nacional (os únicos estados ainda sem Projeto Parceiros são Amapá e Rondônia). Além disso, o PMD teve mais de 1.200 pessoas engajadas incluindo docentes e estudantes em atividades de mentoria e monitoria, atingindo 206 escolas no período de um ano. As ações do Programa Meninas Digitais são diversificadas, tais como minicursos, oficinas, palestras e realização de eventos. Além dessas ações, recentemente, o Comitê Gestor do PMD publicou um artigo com sete motivos claros, os chamados 7Ps, para promover a diversidade de gênero na TIC (ARAUJO et al, 2021).
Dentre os eventos organizados pelo PMD, destaca-se o Women in Information Technology (WIT), um evento base do Congresso da Sociedade Brasileira de Computação (CSBC) com foco em debater problemas relacionados à mulher e ao seu acesso à TIC, sob os pontos de vista de mercado de trabalho, inclusão e alfabetização digital. Os temas abordados se concentram na necessidade de educar, recrutar e treinar mulheres, como uma política estratégica para desenvolvimento e competitividade nacional e regional. Assim, WIT se torna um espaço seguro para discussão de temáticas femininas, muitas vezes questões delicadas e complexas, em sua maioria provenientes de estudantes que participam do evento. Os anais da edição mais recente estão disponíveis com acesso público em (WIT, 2021).
Outras iniciativas da sociedade civil são programas direcionados para meninas, mulheres e a área de TI. Como exemplo, citamos dois que têm amplo sucesso atualmente. Primeiro, originado em 2017, Cloud Girls (https://www.cloudgirls.com.br) é o maior Meet up de tecnologia (com mais de 11 mil membros ativos), criado para que as mulheres se sintam à vontade para falar de tecnologia. Seus principais objetivos são promover eventos para o público feminino com o intuito de compartilhar conhecimento, gerar networking e levar oportunidades às mulheres com esse perfil no país. Segundo Progra{m}aria (https://www.programaria.org) é uma iniciativa de mulheres que atuam na área de Computação e que tem os objetivos de: contribuir para que mais meninas e mulheres sintam-se motivadas e confiantes a explorar tecnologia, programação e empreendedorismo; incentivar o debate sobre a falta de mulheres nesses campos; e promover oportunidades e ferramentas para que elas deem os primeiros passos na aprendizagem da programação.
Finalmente, sob a perspectiva de indústria, várias empresas reconhecem a importância da diversidade entre líderes e colaboradores. Na indústria de TIC, muitas empresas buscam inovação e melhor desempenho, entre as outras vantagens provenientes de ambientes diversos, inclusivos e igualitários (HEWLETT et al., 2013). Em uma breve busca nos websites de algumas dessas empresas, percebe-se que elas podem ser divididas em três grupos: (i) empresas de TIC consolidadas que focam na diversidade e na inclusão, com a disponibilização de materiais sobre o assunto (textos, pôsteres, vídeos e até camisetas) bem como divulgação de programas e iniciativas específicas para minorias, como por exemplo, IBM (2022) e MICROSOFT (2022); (ii) empresas de inovação que adicionam equidade nessa mistura e demonstram preocupação em manter ambientes diversos e inclusivos funcionando, com definição de missão e termos de compromisso visando a equidade, além de iniciativas específicas na busca do cenário perfeito para diversidade-inclusão-equidade, como por exemplo, GOOGLE (2022) e THOUGHTWORKS (2022); e (iii) as novas empresas e startups que já são fundadas sob a luz da presença constante dessa nova cultura de aceitação independente de qualquer atributo pessoal, incluindo as brasileiras LOGGI (2022) e NUBANK (2022). As empresas podem desempenhar papel fundamental para a promoção da mudança cultural necessária, ao identificar e valorizar as qualidades das mulheres no ambiente corporativo e na comunidade em que atuam.
De um modo geral, muitas dessas ações e projetos têm alcançado resultados significativos, apesar de inúmeras dificuldades de acesso a recursos para a sua manutenção, ampliação e renovação. Contudo, a grande maioria dessas ações está focada em incentivar o interesse das meninas pela área de STEM, ou para incentivar a igualdade de gênero da área de TIC nas empresas e indústrias - a segregação horizontal. Nesse contexto, nota-se a ausência de uma (ou mais) ponte para preencher o hiato de ações para a iniquidade de gênero na Academia Científica, mais especificamente nas universidades e institutos de pesquisa - a segregação vertical na Academia. Assim, quando não encontram espaço profissional nas carreiras científicas, concentradas majoritariamente nas universidades públicas, e conduzidas dominantemente por homens, que muitas vezes corroboram das histórias descritas na Seção “Equidade - Definições e Realidades” deste texto – letras (a) a (f), muitas pesquisadoras desistem das suas atuações profissionais, não atingindo o topo de suas carreiras. Para permitir que pontes bem concretizadas possam viabilizar caminhos iguais para todos, este artigo apresenta na próxima seção algumas chamadas para ação. É preciso agir agora!
Chamadas para a Ação
Uma sociedade equânime só será possível quando as oportunidades de ascensão não forem reservadas a um único gênero, mas criadas para promover impacto positivo na sociedade. A sociedade deve derrubar os falsos estereótipos que criam lacunas entre as atuações profissionais. É preciso semear hoje, ações a serem colhidas em um breve amanhã. De maneira prática, precisamos de políticas públicas, planos e estratégias nas empresas e instituições, públicas e privadas, que possam compensar anos de incongruência. Dentre ações mais gerais que podem ser iniciativas para empresas e universidades estão: fornecer ambientes de trabalho inclusivos; remover vieses inconscientes nas práticas de contratação e promoção de pessoas; aumentar a representatividade de mulheres em todos os níveis da organização; e criar comitês de diversidade e inclusão.
Para ciência e educação, como ideias mais amplas, as autoras deste artigo indicam as seguintes possibilidades: investir na educação da população sobre diversidade, inclusão e equidade, desde o ensino infantil até o superior, por meio de palestras, eventos, livros, workshops, dinâmicas e ações; implementar projetos e programas que garantam o progresso dos talentos femininos; e desenvolver políticas que criem um maior equilíbrio das atividades domésticas entre mulher e homem, como aumentar o prazo da licença paternidade.
Especialmente na academia científica, como foco deste artigo, também é necessário investir mais em pesquisa de qualidade para compreender os desafios envolvidos na busca por equidade de gênero, bem como estudar e implementar soluções concretas e, de preferência, personalizadas para as diversas realidades e carreiras brasileiras, como por exemplo, educação rural (DE LIMA, 2018). Como fonte de inspiração para tais pesquisas e outras iniciativas, citam-se:
Definição de políticas de publicação em veículos científicos que abram espaço para discutir diversidade, inclusão e equidade, independente da área de tal veículo, como realizado pela revista Transactions on Professional Communication da principal sociedade profissional das Engenharias, a IEEE (WALWEMA, 2021);
Atualização de currículos de ensino superior em Computação para adição explícita de competências e habilidades relacionadas à diversidade, inclusão e equidade, conforme amplamente discutido em (ANÔNIMO, 2022);
Conscientização da existência do problema denominado “encanamento furado” (ALPER, 1993) bem como estudos sobre como o mesmo está presente na ciência e no mercado de TIC nacional;
Compreensão dos diferentes motivos que geram a saída de mulheres das ciências, bem como definição de técnicas para auxiliá-las a se manterem em suas carreiras (GOULDEN et al., 2011);
Determinação de critérios para a progressão de carreira que considerem o período de licença maternidade/paternidade como um intervalo de tempo a ser recompensado pelas eventuais ausências de atividades realizadas;
Valorização de projetos de pesquisa e extensão que sejam coordenados por mulheres, ou tenham mulheres em suas equipes de trabalho;
Definição de políticas universitárias para auxílio a estudantes que também são mães (SPRINGER et al., 2009); e
Estudo sobre viés na escrita científica, por exemplo se referenciar aos autores de uma publicação sem conferir se tais pessoas são gênero masculino (KRAWCZYK, 2017).
Como analisado por FELTRIN et al. (2016), para compensar a assimetria de gênero na área de TIC – segregação horizontal e vertical, é necessário que as mulheres tenham acesso a inúmeras oportunidades extras durante a vida. Complementando tal argumento, é importante notar que não é suficiente trazer mais mulheres para a área de TIC e assim chegar ao balanço numérico entre gênero de profissionais que atuam na área. É crucial também assegurar que mulheres tenham apoio necessário para que consigam sucesso em um campo de trabalho em que são minoria em posições de liderança. Esse desequilíbrio não será extinto apenas pelo esforço sobre-humano das mulheres em quererem atuar no modo multitarefa.
Conclusão
Escrever sobre a atuação da mulher na Ciência e na vida Acadêmica, principalmente, nas áreas de STEM, é um desafio que se desdobra, que nunca esgota, que tem diversas e muitas pautas, exatamente como costuma ser a nossa rotina - a rotina de uma mulher digital na Academia Científica. Contudo, essa atuação multitarefa da mulher para compensar a falta de equidade não pode ser o único caminho para se construir uma carreira ideal (ou de sucesso). Assim, uma vez diagnosticado que isso é um problema cultural, temos muito a transformar. Primeiro, homens e mulheres precisam se desconstruir na busca por mais igualdade e menos conceitos pré-definidos. É preciso perceber, ter consciência e empatia de que as mulheres multitarefa existem na Academia. Por exemplo, se um homem é convidado para uma palestra ou banca de defesa que precise de viagem, ele pode responder de imediato; todavia, a mulher precisa pensar em toda a logística da vida (incluindo pegar e deixar filhos na escola, comprar frutas/verduras da semana, etc.), antes de dar uma resposta positiva. Quando esta necessidade não for exclusivamente da mulher, a equidade deu espaço para se atingir a igualdade de gênero na academia.
Além disso, para incentivar a evolução da presença feminina nos pontos de carreira que são minoria, a inclusão tem que estar inserida na cultura da empresa ou da universidade. Ainda é necessária uma liderança consciente, que saiba a importância de uma equipe diversa para a geração de resultados, que demonstre comportamentos intencionais e genuínos a fim de provocar mudanças na busca pela equidade de gênero. Especialmente, acelerar o progresso da diversidade de gênero é crítico para acompanhar e gerar mudanças na economia global, aumentar o PIB, fortalecer os programas de segurança social e, principalmente, permitir que as empresas melhorem serviços e criem produtos conforme a necessidade de seus clientes, fator-chave para a inovação, que são potencialmente metade mulheres. Além disso, as organizações que gerenciam seus negócios pensando em estratégias de aumento de representatividade e progressão de carreira das mulheres, através de um olhar holístico em carreira, bem-estar físico, emocional e financeiro da mulher, são as empresas do futuro, nas quais elas, as mulheres, vão buscar oportunidades. Essas são as empresas em que as mais talentosas pessoas chegam ao topo, independente da aparência física e de onde vieram, são nesses lugares que o verdadeiro progresso acontece e todos saem ganhando.
Como integrantes da academia científica e da comunidade universitária, é crucial ter consciência de que é para este cenário de mercado e sociedade que fazemos ciência e para o qual universidades formam seus estudantes hoje. De fato, equidade de gênero começa com a percepção de quão longe uma pessoa quer e pode ir nessa jornada. Assim, encerramos este artigo convidando você, homem, para refletir sobre quantas pontes você ajudará a construir nesta estrada. Também convidamos você, mulher, para não desistir no primeiro hiato que encontrar no caminho. É através da união que teremos uma sociedade mais justa, mais tolerante e com diferentes caminhos que nos levam para onde quisermos ir.