Introdução
As discussões a respeito da formação continuada do professor, independente de sua área de atuação, já são ditas como uma necessidade. Essa necessidade pode estar vinculada ao atendimento de políticas públicas educacionais vigentes, às necessidades financeiras do docente, bem como aos interesses pessoais e/ou profissionais do professor (FERNANDES, 2019). Como colocam Rossi e Hunger (2020), essas discussões vêm sendo embasadas pelos inúmeros investimentos (inter) nacionais na formação continuada docente, principalmente através dos cursos de mestrado. Como uma das propostas desse incentivo e investimento na formação continuada docente é qualificar esses profissionais para que os baixos índices apontados pela educação básica (enquanto desempenho escolar) sejam elevados, a linha que vem ganhando maior incentivo são os mestrados profissionais.
Um Mestrado Profissional (MP) foi planejado para qualificação de profissionais em exercício, propiciando mudanças através da apresentação de conceitos atualizados, contextualizados e interdisciplinares, com práticas inovadoras, motivadoras e inclusivas. Além da construção de uma dissertação (bem estruturada, embasada, fundamentada e discutida), os mestrandos também devem desenvolver um produto educacional que possa ser empregado em sua atividade profissional. A necessidade deste produto é regulamentada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) (BRASIL, 2009).
Com a proposta de contribuir com o desenvolvimento profissional do professor de química da educação básica, surge o PROFQUI – Programa de Mestrado Profissional em Rede Nacional. Seu princípio se deu através de um convite da Divisão de Química da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) feito em 2013 àquelas Instituições de Ensino Superior que ofereciam cursos de Química em nível de graduação e pós-graduação. A proposta elaborada pela coordenação geral/sede através da Avaliação de Propostas de Cursos Novos (APCN) foi submetida a CAPES. O PROFQUI teve sua primeira turma em 2017 e funciona dentro do que estabelece a Lei n° 13.005/2014 do Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014), que tem como uma de suas diretrizes, a valorização dos profissionais de educação (PROFQUI, 2017). Segundo o mais recente edital de acesso (PROFQUI, 2021, online),
É um curso voltado para professores do Ensino Básico atuantes na disciplina de Química, diplomados em cursos de graduação reconhecidos pelo Ministério da Educação que atendam às exigências das Instituições Associadas para entrada na pós-graduação, e que sejam aprovados no Exame Nacional de Acesso.
O programa disponibiliza editais anuais de seleção (Exame Nacional de Acesso ao Programa), para docentes atuantes na educação básica, em suas Instituições de Educação Superior (IES) associadas (PROFQUI, 2017) e atualmente conta com as sedes identificadas na Figura 1.
Sob um aspecto global, o PROFQUI possui 18 polos regionais, distribuídos em 11 estados (nas regiões Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul), que seguem as especificações estabelecidas pela coordenação nacional juntamente com o conselho/comitê geral/gestor, que definiram o regimento geral, a ser seguido por todas as IES (GONZAGA; PAIVA; EICHLER, 2020). De forma geral, tem como foco:
proporcionar formação continuada, qualificada e atualizada em Química, considerando-se temas de pesquisa, desenvolvimento de produtos e material didático que seja relevante para os professores em pleno exercício da docência em educação básica do país (PROFQUI – Apresentação, 2021, online).
Os alunos, ao longo dessa formação continuada, devem desenvolver juntamente com a pesquisa da dissertação, um produto educacional (PE) que atenda a um problema educacional dentro da sua atuação profissional. Esse PE deve ser construído para atender a uma demanda da prática profissional do docente e/ou uma questão didática na qual os alunos tenham muita dificuldade de aprendizagem. O PE pode ser real/físico ou virtual/digital, ou ainda um procedimento didático (BESSEMER; TREFFINGER, 1981), conforme exemplos da Figura 2.
Durante o processo de construção desses PEs, um conjunto de parâmetros devem ser atendidos: o material deve ser compartilhável/replicável, deve apresentar uma descrição com as especificações técnicas do material produzido, deve poder ser utilizado para avaliação escolar do público alvo ao qual se destina (RIZZATTI et al., 2020). Além disso, o produto deve atender às especificidades da linha de pesquisa na qual o orientador do programa se encontra, e que o aluno orientando faz parte.
As linhas de pesquisa são: Novas tecnologias e comunicação; Química ambiental e energia; Química da vida; e Novos materiais (Quadro 1).
A CAPES (2014, online) se posiciona, afirmando que um MP deve “apresentar uma estrutura curricular que enfatize a articulação entre conhecimento atualizado, domínio da metodologia pertinente e aplicação orientada para o campo de atuação profissional específico”. E complementa indicando que o objetivo de um MP dentro do Programa de Mestrado Profissional para Professores da Educação Básica (ProEB) é “a formação continuada stricto sensu dos professores em exercício na rede pública de educação básica” para promover a “melhoria da qualidade do ensino nas escolas da Educação Básica Pública Brasileira” (CAPES, 2019, online). As disciplinas obrigatórias do programa nacional (Quadro 2) devem ser cursadas por todos os matriculados em todos os polos da rede nacional, e a aprovação nas mesmas é requisito parcial para obtenção do título de Mestre. As 9 disciplinas se dividem basicamente em 5 núcleos: conteúdo específico, fundamentos teóricos e metodológicos no uso de tecnologias, metodologia da pesquisa, seminários, e redação e defesa de dissertação.
A disciplina de interesse a esta pesquisa é a de ATE. Sua proposta de discussão aborda questões como:
Tecnologia digital, produto educacional e contemporaneidade. O mundo conectado. Cibercultura. Aplicativos, recursos e ferramentas. Mediação e mobilidade. A perspectiva histórico-cultural. Mediação semiótica. Modalidades e meios mediais. Meios e suporte tecnológico para a difusão da ciência. Educação e mobilidade. Mídia e internet. O rádio na educação. O potencial e os limites das redes sociais. Cinema e educação. Tecnologia e novas estratégias de avaliação. (PROFQUI – Disciplinas, 2021, online)
Esse artigo se trata de um recorte de uma tese de doutorado, e se apoia na premissa de que “Um indivíduo em sua atuação profissional não se dissocia do seu ser particular. Parte do professor em sala de aula é constituída de suas práticas pessoais, seus hábitos e suas características pessoais” (GONZAGA; PAIVA; EICHLER, 2019, p. 14). Essa particularidade engloba além da atuação em sala de aula, a atuação no desenvolvimento profissional (ou no processo formativo desse professor). O objetivo deste levantamento é, através de observações dos tipos de produtos educacionais produzidos no PROFQUI, identificar as características das produções de viés tecnológico digital e midiático apresentadas nas dissertações de mestrado profissional.
Percurso metodológico
Considerando o PROFQUI enquanto objeto de estudo, foram escolhidos 6 polos, em 2 regiões do território nacional (GONZAGA; PAIVA; EICHLER, 2020). A seleção ocorreu com base na melhor logística de abrangência dentro do financiamento obtido junto ao CNPq para traslados. As pesquisas se desenvolveram em duas regiões do território nacional (Figura 1), Nordeste e Sul, nas quais foram visitadas as IES: UEL, UFPR, UFRGS, UFAL, UFRN, UFRPE.
Dentro do universo do objeto de estudo (Figura 1), alguns aspectos de relevância foram selecionados para análise neste artigo (Figura 3): os polos, as experiências dos discentes e os produtos construídos pelos discentes. Já que as linhas de pesquisa e disciplinas são comuns para todos os polos, estes dois fatores foram desconsiderados na análise realizada.
Como ferramenta de coleta de dados, através do processo de extração de bases de dados, foi obtido da página oficial do programa, as dissertações das turmas de 2017 e 2018 dos 6 polos do PROFQUI supramencionados e seus respectivos produtos educacionais. As dissertações foram coletadas após a publicação oficial na página do programa até agosto de 2021. Esse material teve seu conteúdo analisado qualitativamente, seguindo as etapas básicas da análise de conteúdo e fazendo uso do processamento de linguagem natural, para a realização do processo apresentado na Figura 4 (FLICK, 2009; DAY, 2001; PINHEIRO, 2009; GONZAGA; PAIVA; EICHLER, 2019; 2020).
Resultados de pesquisa
Dentro do amplo cenário das defesas ocorridas, é possível traçar uma análise regional das dissertações e seus produtos educacionais das turmas de 2017 e 2018, conforme a Figura 5. Para as 06 IES participantes da pesquisa, ocorreram, até agosto de 2021, 78 defesas (Figura 5, Tabela 1). Para todas elas, as dissertações já se encontram disponíveis na página oficial do programa. A região Nordeste é responsável por aproximadamente 59% das defesas ocorridas.
Ampliando a observação para fazer uma relação com a quantidade de matrículas é possível identificar que a região Sul possui aproximadamente 26% dos matriculados nos dois anos investigados, concluíram sua formação dentro da janela de pesquisa; enquanto que na região Nordeste esse porcentual se eleva para aproximadamente 45% dos matriculados. Dentro desta pesquisa não é possível mensurar a taxa de evasão dos polos em cada ano.
Fonte: elaborado pelos autores com base nos editais de acesso e no site do Programa.
Ainda sobre a Tabela 1 é possível destacar que, dentro da janela temporal estabelecida, e tecendo uma análise regional, a região Sul possui a maior taxa de proporção matrícula/defesa (2,6 contra 1,7 da região Nordeste). Isso significa que houve menos conclusões do que ingressos no período temporal observado. Analisando isoladamente cada IES é possível identificar que a IES com maior quantidade de defesas comparado ao ingresso é a UFRN (razão de 1,3), enquanto que a IES com a menor quantidade de defesas é a UFRGS (razão de 2,7).
Dessas dissertações, 22 possuem coorientação de pesquisadores da mesma instituição e também vinculados ao programa (5 na região Sul e 17 na região Nordeste), o que corresponde a 28% das orientações realizadas. Não há como inferir com exatidão os motivos da coorientação, mas é possível traçar possibilidades de justificativa. Como por exemplo, a relação desigual entre quantidade de docentes credenciados e quantidade de vagas oferecidas/preenchidas (na região Nordeste ao todo são 33 docentes credenciados, para 103 vagas ofertadas no período investigado; enquanto na região Sul, são 27 docentes para 172 vagas oferecidas no mesmo período). Outra questão pode dizer respeito às áreas de formação/atuação dos pesquisadores, ou ainda existir a relação de tutoria onde um pesquisador com mais experiência em orientação tutela um pesquisador com menos experiência, ou até mesmo a simples proposta de trabalho coletivo e colaborativo para o desenvolvimento de pesquisas de interesse comum como forma de beneficiar ambas as partes. Uma breve análise do corpo docente identifica um conjunto, em sua maioria, de pesquisadoras (60% dos professores das IES participantes) que tem formação em área específica (75% das pesquisadoras são formadas em Química aplicada; enquanto 20% são formadas em Educação). Entende-se que a área de formação não é um fator determinante para a atuação profissional do docente, mas de certo deve ser levado em conta na formação social desse profissional e no perfil de reflexo de suas atuações.
Sobre os tipos de produtos educacionais, um grupo de trabalho interno da CAPES categorizou um conjunto de tipologias possíveis a um mestrado profissional voltado para formação docente (BRASIL, 2019). Essa força tarefa organiza os tipos de produto educacional em basicamente 10 categorias cabíveis dentro da formação continuada de professores: (i) Material didático/instrucional; (ii) Curso de formação profissional; (iii) Tecnologia social; (iv) Software/Aplicativo; (v) Evento Organizado; (vi) Relatório Técnico; (vii) Acervo; (viii) Produto de comunicação; (ix) Manual/Protocolo; e (x) Carta, mapa ou similar. Os produtos educacionais desenvolvidos nos polos investigados (Tabela 2) abrangem 2 dessas categorias, identificadas segundo a análise dos autores.
Categoria | UFRN | UFAL | UFRPE | UEL | UFPR | UFRGS | Total | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Aplicativo/Software/Site | i | 1 | 1 | 6 | 2 | - | 2 | 12 |
Cartilha didático-pedagógica | i | 4 | - | 1 | - | - | - | 5 |
Guia/Manual didático | i | 2 | - | 4 | 2 | 2 | 1 | 11 |
Experimentação | i | - | - | 1 | 1 | 2 | 2 | 6 |
Oficina/Curso de formação | ii | 1 | - | 1 | - | - | 1 | 3 |
Jogo didático | i | - | 1 | - | - | - | - | 1 |
Audiovisual | i | 2 | 1 | - | 1 | 1 | 2 | 7 |
Sequência didática | i | 4 | 3 | 10 | 1 | 4 | 6 | 28 |
Material (para) didático | i | 1 | 1 | 2 | 1 | - | 2 | 7 |
Total | - | 15 | 7 | 24 | 7 | 9 | 16 | 78 |
Fonte: elaborado pelos autores.
Apesar da razoável variedade de tipologias, nota-se a predominância de uma categoria: os denominados materiais didáticos/instrucionais. Essa categoria, segundo Rizzatti et al. (2020) abrange:
Material didático/instrucional: são propostas de ensino envolvendo sugestões de experimentos e outras atividades práticas, sequências didáticas, propostas de intervenção, roteiros de oficinas; material textual, como manuais, guias, textos de apoio, artigos em revistas técnicas ou de divulgação, livros didáticos e paradidáticos, histórias em quadrinhos e similares, dicionários; mídias educacionais, como vídeos, simulações, animações, videoaulas, experimentos virtuais e áudios; objetos de aprendizagem; ambientes de aprendizagem; páginas de internet e blogs; jogos educacionais de mesa ou virtuais, e afins; entre outros (RIZZATTI et al, 2020, p. 05).
As tipologias que incorporam recursos didáticos tecnológicos e midiáticos, que foram desenvolvidas dentro das IES pesquisadas são “Aplicativo/Software/Site” e “Audiovisual”. Esses dois grupos correspondem a 23% dos produtos educacionais levantados (Tabela 2). Dentro do universo de possibilidades de produção, esta é uma proporção significativa. Também é condizente com um perfil docente (GONZAGA; PAIVA; EICHLER, 2019) composto por indivíduos de uma geração analógica se adaptando de forma tecnológica e comunicacional dentro da atual Sociedade de Plataformas. Segundo Van Dijck, Poell e De Wall (2018), essa Sociedade se configura no estabelecimento das relações sociais dentro de plataformas digitais como Google e Facebook, por exemplo. É necessário conhecer o ambiente virtual e/ou a ferramenta tecnológica selecionada, para aproveitar ao máximo as suas potencialidades e magnificar os resultados do seu uso, além de promover de forma adequada o letramento e a inclusão tecnológica dos alunos. Apenas transportar os conteúdos do livro para uma apresentação digital não configura um uso positivo das tecnologias (LEITE, 2014; VALENTE, 2019).
Os 19 produtos supracitados podem ser classificados como recurso ativo, passivo ou parcial (Tabela 3), sendo o recurso ativo, aquele produzido pelo mestrando, o passivo é aquele adaptado ou reutilizado pelo mestrando, e o parcial é o planejado pelo mestrando e produzido por terceiros. Foram classificados como “não identificado” os produtos com links desativados (que impossibilitam o acesso direto ao produto/canal/site) ou que não possuíam de forma explícita a autoria do produto.
UFRN | UFAL | UFRPE | UEL | UFPR | UFRGS | Total | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Recurso ativo | 2 | 1 | 3 | 1 | 1 | 2 | 10 |
Recurso passivo | - | 1 | 2 | 1 | - | 1 | 5 |
Recurso parcial | - | - | - | - | - | 1 | 1 |
Não identificado | 1 | - | 1 | - | - | - | 2 |
Fonte: elaborado pelos autores.
Percebe-se pela Tabela 3 que, dentro dos recursos tecnológicos digitais e midiáticos apresentados, 55% corresponde a materiais completamente autorais. Essa autoria exige do mestrando o desenvolvimento de competências e habilidades do conteúdo específico de Química e também sobre aspectos técnicos e tecnológicos dos recursos escolhidos. Quanto ao público alvo (Tabela 4), há uma variação nos níveis de ensino, abrangendo um público diversificado dentro das regiões de pesquisa.
UFRN | UFAL | UFRPE | UEL | UFPR | UFRGS | Total | |
---|---|---|---|---|---|---|---|
9 ano EF + 1 série EM | - | - | - | - | - | 1 | 1 |
1 série EM | 2 | 5 | 2 | 1 | 2 | 3 | 15 |
2 série EM | 4 | - | 6 | 3 | 1 | 3 | 17 |
3 série EM | 8 | - | 15 | 1 | 3 | 4 | 31 |
1 e 2 série EM | - | - | - | 1 | - | 1 | 2 |
2 e 3 série EM | - | - | - | 1 | - | 1 | 2 |
1, 2 e 3 série EM | - | 2 | - | - | - | 2 | 4 |
ETécnico | - | - | - | - | 1 | - | 1 |
ESuperior | 1 | - | - | - | 1 | - | 2 |
Professor | - | - | 1 | - | - | - | 1 |
EJA | - | - | - | - | 1 | - | 1 |
Não seriado | - | - | - | 1 | - | - | 1 |
Total | 15 | 7 | 24 | 8 | 9 | 15 | 78 |
Fonte: elaborado pelos autores.
A observação do público alvo identifica uma maioria de trabalhos voltados para alunos da terceira série do ensino médio. Tal cenário pode ter relação com a dimensão e complexidade do conteúdo escolar abordado (Química Orgânica) aliado ao anseio dos alunos deste nível escolar com as provas de desempenho para o ingresso no ensino superior (Vestibular e ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio). Mesmo em menor proporção, cabe o destaque ao desenvolvimento de trabalho voltado para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que por vezes é um público que não recebe a formação adaptada à sua realidade e desenvolvimento, apresentando inúmeras dificuldades de aprendizagem.
Outro público pouco representado é o classificado como não seriado. Um dos projetos desenvolvidos se voltou para ensino de jovens e adultos em condição prisional, adaptando os conhecimentos prisionais para a contextualização do ensino de Química. Cunico (2014) levanta a discussão a respeito da invisibilidade do professor no sistema prisional; porém também é importante a reflexão voltada para os alunos em sistema prisional. A educação nesse sistema é um direito garantido por lei (PEREIRA, 2018), sendo inquestionável sua contribuição no enfrentamento de problemas sociais. E enquanto parte da Sociedade (mesmo que às margens dela), também precisa ter projetos e pesquisas voltadas para a melhoria do ensino e da aprendizagem, aproveitando as diversas experiências e conhecimentos dos alunos detentos.
Dois pontos que chamaram a atenção foram sobre as ações voltadas para alunos da graduação e para professores da educação básica; esses dois grupos não são o público comum dos matriculados no Programa. Esse resultado pode estar associado a duas realidades: (i) que essas pesquisas se enquadram no cenário levantado por Gonzaga, Paiva e Eichler (2020), no qual os pesquisadores orientadores indicaram interferir no desenvolvimento dos projetos de seus alunos, quando os mesmos não conseguem definir a pesquisa que será desenvolvida em suas formações continuadas; (ii) que esses mestrandos tenham saído de/perdido seus empregos, não atuando mais na docência durante o desenvolvimento da sua pesquisa, e devido a isso, aplicaram suas pesquisas nas IES em que estão associados, adaptando para os públicos diferenciados segundo sugestão (ou não) de seus orientadores. A natureza dos dados obtidos para este artigo não é capaz de precisar o motivo exato das mudanças de público alvo.
Dentro dos conteúdos abordados nos produtos educacionais, o cenário na Figura 6 indica uma diversidade de conteúdos nos quais os alunos apresentam dificuldades (a ponto de ser notado pelo professor, para que este o selecione como o motivador do desenvolvimento de um produto educacional).
Foram classificados como multiconteúdos aqueles produtos que abordam dois ou mais conteúdos da Química ou trabalham de forma interdisciplinar. Além disso, identificou-se 3 trabalhos que enfocam mais a aplicação de um método de ensino em específico do que o conteúdo químico em si. Os demais itens constituem os 19 conteúdos que os alunos apresentam maior dificuldade de aprendizagem, com um grande destaque para a termodinâmica (com 10 produtos educacionais), seguida de tabela periódica (com 7 produtos educacionais). A pesquisa desenvolvida por Leite e Soares (2020), por exemplo, também identifica estudantes que sentem dificuldade no conteúdo de Termoquímica, sendo desenvolvido um jogo didático para contribuir com a construção desse conhecimento. Apesar de a termoquímica abordar conceitos tidos como cotidianos, como energia, calor e temperatura, a forma, linguagem e profundidade com a qual esses conteúdos são abordados não condizem com o conhecimento de conceitos básicos dos alunos (MORTIMER; AMARAL, 1998), gerando obstáculos para o processo de construção de conhecimento sobre este conteúdo (SOARES; CAVALHEIRO, 2006).
Desse total de produção, apenas 15 produtos contemplam os conteúdos abordados na disciplina de ATE e o caráter tecnológico da LP1 do Programa; sendo eles: produção audiovisual (6), aplicativo/software (7) e sites (2); sendo acompanhados por sequência/guia/manual didático como instrução de uso ou material complementar. Dentro da diversidade de produções, ainda tem: manuais e cartilhas de orientações didático-pedagógicas (com relação à aplicação de algum método de ensino, ou sequência didática, ou experimentação), oficina pedagógica, prancheta de origamis, jogos didáticos analógicos, modelo atômico, livro/livreto (contos e história em quadrinhos), e roteiro de experimentação.
Sobre os termos chave apresentados nas 78 dissertações (Figura 7), é possível inferir através da nuvem de palavras, que inegavelmente o termo “ensino de Química” é o que possui maior frequência (33 repetições), dada a área de concentração do Programa; dessa forma, não se faz necessário que ele seja apresentado na figura 7. O segundo termo que mais se repete é “sequência didática” (com 11 repetições).
A figura 8 apresenta a relação de termos elencados na nuvem de palavras que tiveram frequência maior ou igual a 3 repetições. Pela seleção de palavras-chave das dissertações percebe-se que o grande enfoque de produto educacional é a sequência didática, sendo os recursos didáticos as últimas colocações da tabela apresentada.
Essa informação leva a algumas reflexões: (i) mesmo a existência de uma disciplina de 60h que discute recursos digitais e mídias na educação, além de outros recursos embasados na cultura pop e no cotidiano tecnológico da sociedade, não é ação suficiente para fazer com que o professor construa um conhecimento sólido dentro deste viés, para que seja possível, apenas cursando esta disciplina, desenvolver seu produto educacional com essa abordagem; (ii) o professor da educação básica, mesmo motivado pelas discussões da disciplina de ATE, e inserido em uma linha de pesquisa que se dedica a recursos tecnológicos, digitais e midiáticos educacionais, não se volta para este tipo de recurso didático, seja por causa das deficiências estruturais da escola da educação básica, seja pelo perfil de aluno da comunidade atendida, seja por baixas habilidades tecnológicas que estes próprios docentes declaram. (iii) As habilidades prévias dos docentes podem direcioná-los para utilizar das tecnologias e mídias apenas como suporte na construção de produtos educacionais analógicos, manuais e físicos, ou para formalizar o tipo de produto educacional desenvolvido. Com as informações levantadas não é possível discriminar com exatidão o motivo real da baixa adesão à linha tecnológica (de forma mais direta) dos produtos educacionais construídos.
Apesar da baixa representatividade (apenas 18% dos produtos educacionais abordam diretamente algum tipo de recurso tecnológico centro do processo de ensino), é considerado pelo Programa em seu relatório de autoavaliação (PROFQUI, 2021, online) que:
O Programa expandiu horizontes no que se refere à capacidade criativa, busca de informações em bases de dados científicas, novas tecnologias de ensino e aprofundamento da Química, tornando o professor apto a atender as mais diversas demandas exigidas para um ensino de Química de qualidade.
Traçando o mesmo procedimento para os títulos dos trabalhos, que são o chamariz da pesquisa estimulando a curiosidade para a sua leitura, é possível notar na nuvem de termos (Figura 9) que o termo mais frequente é “ensino” com 23 repetições.
Mesmo na nuvem de termos para os títulos das dissertações, é possível notar ainda um acentuado destaque para a “sequência didática”. A primeira menção a qualquer aspecto tecnológico ocorreu com termo “alfabetização científica e tecnológica”, com 2 repetições. Tais resultados corroboram com o exposto acima, sobre o baixo índice de reflexo tecnológico no desenvolvimento profissional dos professores de Química participantes dessa pesquisa.
Uma forma de contorno das barreiras tecnológicas apresentadas pelos discentes no levantamento inicial é através do perfil do corpo docente, que, mesmo não interferindo pronunciadamente nas escolhas de produto e conteúdo abordado, pode estimular o discente ao desenvolvimento de materiais diferenciados para a construção de outros saberes durante a formação.
Considerações finais
O recorte exposto apresenta um conjunto de produtos educacionais desenvolvidos no âmbito do Mestrado Profissional em Química em Rede Nacional como forma de suprir uma necessidade educacional real da educação básica em função das políticas públicas estabelecidas para seu melhor funcionamento. Através dos conteúdos abordados nos produtos pode-se afirmar que, no universo pesquisado, para as instituições de ensino atendidas pelos docentes capacitados pelo programa, as maiores dificuldades de aprendizagem circundam o ensino de termoquímica e tabela periódica (localizados na segunda e primeira series do ensino médio, respectivamente). Ambos os conteúdos são amplos em sua constituição, além de envolverem realidades descontextualizadas (i.e. conteúdo submicroscópico) e Matemática Aplicada.
Com relação ao tipo de produto, traça-se um perfil de maioria analógica, com os recursos digitais e midiáticos correspondendo a apenas 18% dos 78 produtos desenvolvidos. Este é um porcentual muito baixo se for considerar que esses professores em qualificação estão inseridos em uma sociedade denominada Sociedade das Plataformas e das mídias digitais, tendo que lidar diária e constantemente com tecnologias e recursos diferenciados. Porém há de se considerar que estes mesmos professores da educação básica, em grande maioria, declaram baixas habilidades tecnológicas para recursos e atividades cotidianas. Também há de se considerar que a disciplina de ATE, mesmo sendo de caráter obrigatório, e a existência de uma linha de pesquisa direcionada às tecnologias e mídias educacionais, não demonstram grande influência sobre os professores em desenvolvimento profissional ao ponto de que seja refletido na tipologia dos produtos educacionais construídos. Geralmente, disciplinas teóricas promovem reflexões a respeito do uso do recurso tecnológico, digital ou midiático, e não a capacitação para a construção desse tipo de material. Uma disciplina prática voltada para a instrumentalização tecnológica do professor da educação básica poderia contribuir com a mudança do cenário exposto por estes, que declaram baixas habilidades tecnológicas, promovendo e/ou ampliando a inclusão tecnológica desse professor, contribuindo com o seu desempenho profissional.
Outra questão a se considerar é que, como o docente desenvolve o produto educacional para suprir um problema real apresentado na sala de aula da educação básica, talvez o problema não seja apenas o conteúdo escolar, mas também a estrutura escolar capaz de possibilitar a aplicação do produto tecnológico desenvolvido. Porém, um professor incluído tecnologicamente, mesmo que a escola não ofereça a estrutura mínima, pode fazer uso de outros espaços e artifícios (quando disponíveis) desde que já tenha essa amplitude de instrumentação e conhecimento tecnológico educacional. A formação continuada e o desenvolvimento profissional do professor de Química, e de professores no geral, poderiam, além de promover discussões dentro da área específica, proporcionar a esse professor o desenvolvimento de habilidades e reflexões sobre recursos didáticos, e também atuar sobre a inclusão desse professor na evolução de sua comunidade/sociedade. Esta inclusão docente pode abordar não apenas aspectos acadêmico-científicos, mas também discussões sociais, ambientais, de políticas públicas educacionais, pedagógicas e também tecnológicas, para que a escola não fique aquém das mudanças e evoluções que ocorrem do lado de fora de seus muros.
De maneira geral, todo exposto acima contribui com as discussões a respeito da (falta de) estrutura física nas escolas de educação básica e a necessidade de investimento público para que as escolas acompanhem o desenvolvimento tecnológico da sociedade. E também fomenta discussões a respeito da formação do professor de Química voltada para tecnologias digitais e midiáticas de forma teórica e prática. Todo o contexto é discutido considerando as leis, normas e regulamentações que definem o funcionamento dos programas de pós-graduação, assim como o histórico de criação do PROFQUI e as particularidades locais e regionais. Considera-se que o PROFQUI efetivamente contribui para a melhoria da qualidade da educação básica, assim como para a formação e atualização dos docentes em ambientes científicos de alta qualidade.
O estudo e acompanhamento dos dados são importantes para manter alto nível de resultados, a qualidade na formação e, também, a adequação a uma realidade cada vez mais desafiadora e tecnologicamente instigante.