Introdução
No início de 2018, o Conselho Nacional de Educação (CNE) anunciou a realização de cinco audiências públicas para consulta sobre a terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) relativa à etapa do Ensino Médio, documento vinculado à implementação da reforma conforme consignado na Lei n° 13.415/2017 (BRASIL, 2017). A primeira no Sul, em Florianópolis (SC), a segunda no Sudeste, em São Paulo (SP), a terceira no Nordeste, em Fortaleza (CE), a quarta no Norte, em Belém (PA) e a quinta e última no Centro-oeste, em Brasília (DF). Consultas semelhantes já haviam ocorrido em relação aos textos das etapas de Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Em todos os casos, essas audiências não tiveram caráter deliberativo, apenas consultivo.
Das cinco audiências previstas, ocorreram apenas as de Florianópolis, Fortaleza e Brasília. São Paulo e Belém foram ocupadas por movimentos sociais, dentre eles sindicatos de professores, entidades estudantis e acadêmicas, que aludiam à parcialidade do Ministério da Educação (MEC) ao privilegiar determinados grupos na elaboração do documento, e designavam, inclusive, o ciclo de audiências como uma tentativa de legitimar um processo antidemocrático. Após a interrupção da audiência em São Paulo, que seria a segunda, o presidente da comissão bicameral sobre a BNCC, César Callegari, anunciou em carta aberta aos demais Conselheiros membros do CNE sua decisão de sair da comissão, argumentando que “As manifestações que nos levaram a cancelar a audiência pública [...] deixam um recado claro: a reforma do Ensino Médio e a respectiva BNCC precisam ser mais amplamente discutidas.” (CALLEGARI, 2018). Ainda assim, o cronograma de consultas seguiu como planejado originalmente. Ao final, o documento preliminar foi modificado a partir de três audiências realizadas. Em substituição a César Callegari, assumiu a presidência da comissão bicameral o presidente do CNE Eduardo Deschamps, ex-secretário de educação do governo de Santa Catarina e, desde 2015, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed). O texto final da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio (BNCCEM) foi homologado pelo MEC em 14 de dezembro de 2018 (BRASIL, 2018).
Diante desse cenário e das tensões expostas no processo de consulta identificada nas audiências públicas, apresenta-se como objetivo da pesquisa ora relatada: identificar os sujeitos individuais e coletivos envolvidos na formulação da BNCCEM, a fim de analisar a relação entre os interesses dos sujeitos e o conteúdo curricular do texto aprovado, utilizando como fontes os discursos explicitados na audiência pública organizada pelo CNE em Florianópolis. A audiência pública de Florianópolis foi escolhida por ter se constituído em um espaço privilegiado para a análise, dado que foi realizada integralmente e que nela esteve presente uma gama abrangente de interlocutores. Partiu-se do pressuposto de que os argumentos ali presentes retratam posições de entidades e indivíduos acerca do processo de produção do texto da BNCCEM, e que tais posições incidiram decisivamente sobre o conteúdo da versão final do documento. Para tanto, na primeira parte do texto (tópicos 1 e 2), a discussão apresenta a centralidade que a BNCC adquire no contexto conturbado da reforma do Ensino Médio que refletiu na audiência pública analisada. Com base nos dados obtidos nas argumentações analisadas, a pesquisa se desdobra em três eixos analíticos, que foram tratados nos tópicos finais do texto, a saber: 1) sobre o processo de elaboração da 3ª versão da base; 2) sobre o caráter assumidamente prescritivo da política curricular; 3) sobre as disputas no Conselho Nacional de Educação. A análise realizada permitiu depreender as concepções e os interesses que influenciaram a última versão do documento, e acena para a necessidade de pesquisas que investiguem os rumos da implementação da reforma.
Políticas curriculares e a produção da BNCC no contexto da Reforma do Ensino Médio
Os processos de definição e execução das políticas públicas educacionais são imbuídos de tensões inerentes ao jogo de forças que envolve a luta de amplos setores e interesses sociais, processos estes que refletem as contendas da tessitura política que configuram determinadas concepções e grupos, e que repercutem nas relações entre o Estado e as demais esferas da vida social.
As políticas curriculares são permeadas de controvérsias e disputas em torno de projetos formativos, não sendo possível compreendê-las como um campo neutro, como resultado de prescrições eminentemente técnicas. Assim, um pressuposto inicial que orientou a pesquisa em tela, foi o de que a análise de uma proposta curricular requer indagações sobre suas bases teóricas e epistemológicas, compreendidas como resultado de conflitos e tensões da realidade social, que “são, e em última análise envolvem – uma vez que assim se reconheça – escolhas.” (APPLE, 2008, p. 41), e “é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo.” (APPLE, 2008, p.59).
No caso da BNCCEM, embora o discurso oficial seja o de que, por meio dela, se estará assegurando o direito à educação de qualidade, a compreensão de que uma normativa curricular possa, por si só, alcançar tal desígnio reflete um modelo que acredita em guias inquestionáveis e que “cartilhas, guias como ‘receitas’, a serem reproduzidos nas escolas, serão ‘remédio’ infalível para os ‘males’ da educação. Surgem, então, propostas que desconsideram o grande potencial das nossas comunidades educacionais e escolares.” (AGUIAR, 2018, p. 14).
Considerou-se, ainda, como pressuposto, que as políticas curriculares oficiais não se implementam da maneira como são postuladas e assumem diferentes contornos no contexto das práticas escolares. Há um acúmulo de experiências que incide na construção dos currículos escolares quando estes se deparam como proposições novas oriundas da formulação de políticas educacionais. Tal pressuposto deriva da concordância com o que assevera Stephen Ball (1994) quando alerta para a inter-relação entre múltiplos contextos quando se trata da formulação da política. Não se trata, portanto, de isolar o contexto da produção do texto e das múltiplas influências identificadas conferindo um caráter absoluto ao documento, mas, pelo contrário, de eleger o processo de produção como objeto de estudo ímpar a partir do qual se pode conferir compreensão aprofundada acerca das proposições inscritas no texto final.
Ancorado por escolhas éticas e políticas, o currículo e as proposições oficiais são representativos das disputas por projetos societários e investigá-los implica, portanto, em indagar as dimensões políticas e os interesses a elas subjacentes, bem como quais atores sociais estão envolvidos. Essas análises permitem uma compreensão mais adequada de como diferentes interesses interferem e agem por dentro do Estado na formulação dos textos normativos. A audiência pública realizada em Florianópolis é emblemática no sentido de explicitar, com concretude, alguns dos principais sujeitos implicados na discussão sobre a BNCC, considerando a particularidade do Ensino Médio.
Em 2016 o Ensino Médio passou a ganhar centralidade na pauta nacional. Com a reforma suscitada pela MP 746/2016 (convertida posteriormente na Lei n° 13.415/2017), ganharam destaque os problemas que essa etapa enfrenta. Apesar de ainda não ter se tornado obrigatória, dispositivos legais apontam para um Ensino Médio como direito e, portanto, responsabilidade do Estado. É o caso da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, lei° 9.394/1996 (BRASIL, 1996), que passou a caracterizar o Ensino Médio como educação básica, e da Emenda Constitucional 59/2009, que tornou a faixa etária dos 15 aos 17 anos idade escolar obrigatória. Em 2009, em torno de 50% dos estudantes dessa faixa etária estavam matriculadas na etapa, e quase 40% encontravam-se ainda no Ensino Fundamental (SILVA, 2020). No ano de 2018, os dados do Censo Escolar já indicam progressiva ampliação do acesso das pessoas da faixa etária obrigatória ao Ensino Médio, compondo quase 70% de inclusão educacional. No entanto, nesse mesmo ano foram identificados mais de um milhão de jovens com 15 a 17 anos totalmente fora do sistema escolar (BRASIL, 2020). Esses dados sinalizam para a permanência da distância entre o direito proclamado e o realizado. Na direção da universalização do acesso é que o Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024 assumiu como uma de suas metas que no mínimo 85% da faixa etária mencionada deverá estar matriculada no Ensino Médio até 2024. Como uma das estratégias dessa meta, ficou definida a elaboração dos direitos e objetivos de aprendizagem que comporiam a Base Nacional Comum Curricular. É dessa forma que a Lei 13.415/17 se encontra com o PNE, incluindo na LDB a obrigatoriedade da BNCC para a etapa final da educação básica.
Nesse contexto adquiriu visibilidade a construção da última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a etapa final da Educação Básica. No texto da Lei 13.415/17 há inúmeras referências à BNCC, mesmo que esta estivesse ainda em processo de elaboração, tendo já sido divulgadas duas de suas versões. Restou evidente, assim, a centralidade da BNCC como definidora das formas de organização pedagógica e curricular no contexto de implementação da reforma.
A audiência pública de Florianópolis: sujeitos e concepções
Conforme anunciado pelo CNE, foram previstas cinco audiências públicas para consulta da BNCC referente à etapa do Ensino Médio, a realizar-se ao longo do ano de 2018. Destas, somente foram realizadas as da região Sul (Florianópolis - SC), região Nordeste (Fortaleza - CE) e Centro-Oeste (Brasília - DF), ainda que alvo de inúmeros protestos. As audiências públicas de São Paulo e Belém (Sudeste e Norte) foram ocupadas por movimentos sociais (professores, acadêmicos e estudantes) e suspensas, com protestos que alegavam a tentativa do MEC de legitimar um processo substancialmente antidemocrático. Na ocasião da ocupação e suspensão da audiência pública de São Paulo, o próprio conselheiro presidente da Comissão Bicameral sobre a BNCC no CNE, César Callegari, renuncia reconhecendo em carta pública que “a reforma do Ensino Médio e a respectiva BNCC precisam ser mais amplamente discutidas.” (CALLEGARI, 2018). Mesmo em meio a protestos, cancelamento de audiências públicas e renúncia de conselheiro da comissão de análise da BNCC no CNE, o texto é aprovado em dezembro de 2018.
Desse quadro, elegeu-se para análise a primeira audiência pública, realizada em Florianópolis – SC, que se mostrou simbólica do conjunto de interlocutores que pleiteiam o poder de definir os rumos do Ensino Médio nacionalmente. Metodologicamente, optou-se por uma análise qualitativa da relação entre os sujeitos presentes na audiência pública com o projeto formativo que estará orientando as decisões dos sistemas de Ensino e das escolas. Buscou-se identificar concordâncias e/ou divergências com relação às proposições presentes no texto da terceira versão da BNCC relativo à etapa do Ensino Médio, bem como com o processo de elaboração do documento.
Na primeira etapa da pesquisa, a partir da transcrição integral da audiência pública e da visualização sistemática da transmissão em vídeo disponibilizada pelo CNE no canal do MEC no YouTube, foram tabuladas as falas de cada inscrito. Identificou-se o nome, ocupação principal, instituição que representa ou que compõe e elementos gerais da arguição. Por meio dessas informações foram categorizados grupos específicos e identificadas tendências gerais dos interesses manifestos e que caracterizam concepções político-pedagógicas em relação ao Ensino Médio.
A segunda etapa da pesquisa consistiu na análise do texto final da BNCCEM aprovado pelo CNE e homologado pelo MEC em dezembro de 2018. Tal análise, assim como a primeira, recorreu à literatura que se ocupa do campo de estudo em políticas educacionais, notadamente da formulação e implementação de políticas curriculares.
Foram analisadas as falas de sessenta e oito sujeitos, dos quais quatro na abertura, cinquenta e quatro nas inscrições abertas e dez nos comentários finais, que pertencem aos conselheiros do CNE. Das cinquenta e quatro falas das inscrições abertas, optou-se pela categorização dos sujeitos, distribuídos em seis principais categorias segundo suas origens e/ou vinculações institucionais: 1) associações científicas e grupos de estudo; 2) fundações e grupos educacionais privados; 3) movimento sindical; 4) conselhos municipais, estaduais e federal de educação; 5) instituições públicas de ensino e 6) estudantes. Essas categorias observaram a auto identificação realizada por cada um no início de suas falas. Decorrente desta primeira análise, trinta e nove manifestações se posicionaram explicitamente contrárias ao documento e apenas sete favoráveis.
Por meio dessas manifestações, pode-se identificar um detalhado espectro de opiniões que, em geral, encontram-se em algum lugar entre dois interesses maiores: por um lado, a concepção centrada na flexibilização do currículo, na busca da eficiência da escola e na preparação para o mercado de trabalho; e, de outro lado, a defesa de uma formação com base nos eixos ciência, cultura e trabalho e a não diluição do currículo em áreas; e, quanto à formação para o trabalho, a ênfase dada à forma integrada entre formação geral e formação profissional (Ensino Médio Integrado). Essas manifestações estiveram, ainda, entremeadas por um conflito que se expressou como uma das intersecções de toda a audiência: o processo de construção da terceira versão da Base, que, poucas vezes defendido, espelhou o contexto de esvaziamento democrático no Brasil após impeachment de Dilma Roussef, muitas vezes mencionado como “o golpe de 2016”. Evidentemente que, apresentadas num espaço limitado como uma audiência pública, com pouco tempo de fala, prevaleceram pronunciamentos curtos, específicos, e por vezes, difusos no sentido das concepções educativas que resguardam.
A maioria das manifestações realizadas na audiência foi contrária ou expressou críticas à BNCC, o que produziu certa homogeneidade entre as falas dos sujeitos individuais em cada uma das categorias elencadas – das cinquenta e quatro inscrições abertas, trinta e nove se posicionaram explicitamente contrárias. Algumas das alocuções se posicionaram pela revogação do documento, mas a maioria se centrou na crítica ao processo de construção da Base e às modificações realizadas da primeira para a terceira versão, esta última em discussão na audiência. Os elementos críticos centrais apontaram para: a) a falta de interesse do governo em dialogar com professores, estudantes e administradores escolares; b) o reducionismo do conteúdo pela obrigatoriedade, nos três anos do Ensino Médio, apenas das disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática; e c) pela diluição das disciplinas em áreas do conhecimento.
A seguir, a título de ilustração, são destacadas algumas das posições contrárias à BNCCEM realizadas por representantes de associações científicas:
A BNCC do Ensino Médio, sustenta-se em uma concepção pragmática de educação: a formação por competências, já duramente criticada por muitos de nós nas primeiras décadas de 2000 pelo seu caráter instrumental, pela secundarização dos conhecimentos dos diferentes campos disciplinares, das mídias e tecnologias, das diversas linguagens da arte que ficam subsumidas ao saber fazer circunscritos apenas ao saber prático.(Roselaine Fátima Campos, Associação Nacional de Política e Administração da Educação - ANPAE).
O terceiro ponto é a adoção de competência dissociada de conteúdo. Reiterar que a Base, que cabe à escola desenvolver, competência relacionada ao saber fazer esvaziando seu conteúdo, nega o que há de mais avançado no campo da ciência, da cultura, e da arte para a maioria da população brasileira. É negar escola como lugar do saber e de democratização do conhecimento. A ênfase na aprendizagem para desenvolver competência tem a ver em pensar a escola como se fosse uma empresa, tem que ser medida e avaliada principalmente pelos seus resultados. (Geovana Mendonça Lunardi Mendes, Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPED).
Os vendilhões da pátria sabem que é preciso reduzir o currículo, que é importante destruir os percursos formativos desses jovens tirando-lhes a riqueza das várias disciplinas, dos campos de conhecimento e das artes. O que dizer de um currículo de Ensino Médio que terá apenas duas matérias obrigatórias? Aquelas que permitirão aos jovens operar como trabalhadores dóceis e acríticos, além de melhorar os índices nos exames de larga escala? Como se não bastasse, a redução operada, tal currículo amesquinhado deverá organizar-se priorizando as competências em detrimento dos conteúdos de cada área de conhecimento (Vera Lúcia Bazo, Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – ANFOPE - SC).
A categoria de associações e fundações do terceiro setor, ligadas a bancos ou empresas, foi a única que se apresentou integralmente favorável ao texto da BNCCEM e não fez críticas ao processo de elaboração, que podemos localizar explicitamente em apenas sete manifestações. Especificamente, esses agentes explicitavam o que compreendem como avanço: o protagonismo do jovem em suas escolhas e a possibilidade de atender a demandas específicas a partir da flexibilização do currículo, conforme prescrito na Lei 13.415/17. Enfatizaram, também, a necessidade da implementação da Base ser acompanhada por políticas de formação de professores, da constituição de parcerias com instituições do ensino privado para concretização do itinerário da formação técnica e profissional, e da necessidade de novas tecnologias para garantir o acesso fora dos grandes centros urbanos com vistas a realizar, na modalidade a distância, o percentual da carga horária do Ensino Médio previsto na Lei da reforma. Dessas falas, dentre os aspectos mais representativos do grupo argumentativo, destacam-se:
Essa versão também avança na promessa de oferecer aos jovens o protagonismo na sua trajetória curricular. Não há país no mundo com bons índices de aprendizagem e de conclusão da Educação Básica que não ofereça aos jovens alguma escolha de percurso. [...] Para cumprir a promessa de uma verdadeira escolha para o jovem, especialmente fora das grandes cidades, as redes precisarão de novos modelos de oferta, usando tecnologia e parcerias com outras escolas e instituições de ensino. Por fim, os professores, que conhecem as necessidades de seus alunos mais do que qualquer um, eles precisam e exigirão formação de qualidade para poderem implementar este documento ambicioso (Felipe Michel, Fundação Lemann e Movimento pela Base).
Agradeço em nome da Associação Brasileira de Educação à Distância, a oportunidade de participar dessa Audiência. Embora a ABEC seja muito associada à tecnologia, e a ferramentas da educação à distância, sua razão de ser é o desenvolvimento e o resgate até de metodologias de formar alunos capazes de lutar pelos seus sonhos. A inclusão da educação à distância no processo do Ensino Médio, se adequadamente planejada, trará uma contribuição expressiva à democratização do conhecimento e à formação integral do ser humano [...]um aspecto fundamental para o sucesso dessa Base é uma formação mais profunda ainda, é uma formação mais profunda e integral dos professores que são os grandes catalisadores do processo ensino aprendizagem, seja presencialmente, seja a distância. Entendemos que falta um plano mais abrangente para essa formação. [...] Enquanto os mecanismos para admissão no Ensino Superior basearem-se apenas nas formas notadamente conteudistas, escolas e estudantes permanecem presos a um modelo enrijecido e incompatível com o desenvolvimento de competências para o século XXI. (Roger Trimer, Associação Brasileira de EaD).
Na análise realizada, chamou atenção a presença de contradições e disputas internas dentro do CNE, o que se tornou evidente nos comentários finais dos conselheiros presentes na audiência pública. Se, por um lado, era o MEC o responsável pela formulação da BNCCEM, por outro restou claro que alguns conselheiros buscaram defender a legitimidade do processo e do documento em discussão, como é o caso de Eduardo Deschamps. Em sentido oposto, as conselheiras Márcia Angela Aguiar e Malvina Tuttman demonstravam contundente concordância com os pontos críticos apresentados pela plenária, evidenciando discordâncias internas que protagonizaram durante o processo de consulta e com o texto apresentado.
A partir das análises iniciais, se pode desenvolver três eixos analíticos com vistas a discutir aspectos centrais das falas contidas na audiência e como ecoaram na produção final do documento. São eles: o processo de consulta e construção da 3º versão da base; as concepções em torno da política curricular: menos ou mais prescritiva, menos ou mais centralizada; e as disputas sociais inseridas no âmbito do CNE.
O processo de consulta e construção da 3º versão da Base
Um aspecto a ser reafirmado, considerando o que se depreendeu da análise da audiência pública, refere-se à elaboração e tramitação da BNCC para todas as etapas da Educação Básica, processo que evidencia uma perspectiva pouco democrática da formulação do texto, aprovado de maneira intempestiva e atravessado por inconsistências (AGUIAR, 2018). O texto relativo ao Ensino Médio passou por três processos de construção que resultaram em três versões do documento. As atividades de elaboração iniciaram em 2015, impulsionada, sobretudo, pelo Plano Nacional de Educação aprovado no ano anterior. A primeira versão, preliminar, foi apresentada em 16 de setembro de 2015, fruto da elaboração de um grupo de 116 pessoas relacionadas à área de educação, escolhidas diretamente pelo MEC, e na qual foi utilizado também um portal de consulta digital (AGUIAR, 2018). A segunda versão foi disponibilizada em 3 de maio de 2016, após novo período de abertura para contribuições online e realização de seminários estaduais. A terceira e última versão, analisada aqui, foi disponibilizada em abril de 2017. A BNCC referente à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental foi aprovada em dezembro de 2017, e o texto que incluía a etapa do Ensino Médio foi aprovado em 2018 após as cinco audiências públicas, mesmo com a não realização de duas e as manifestações em contrário já comentadas neste texto.
O resultado, considerando as três versões do documento e após o percurso realizado pelo CNE, é de que os textos preliminares não foram suficientemente analisados e discutidos, resultando em um documento repleto de incompletude e limitações (AGUIAR, 2018). Para essa autora, que atuara também, como conselheira, a resistência à aprovação do texto por parte de conselheiras no CNE não foi suficiente para barrar a sua aprovação: “o voto do CNE foi pela celeridade em detrimento da discussão aprofundada” um processo que exclui a participação dos principais envolvidos, que “subalterniza o diálogo com as comunidades educacionais e escolares, em um modelo centralizador de tomada de decisões, quanto nos seus consensos e dissensos que não foram suficientemente e pedagogicamente tratados como requer a matéria.” (AGUIAR, 2018, p. 14).
Uma questão central, quando comparadas as três versões da BNCC, diz respeito aos seus fundamentos e finalidades. É possível atestar que ocorreu uma distorção do que estava enunciado na LDB de 1996 e reafirmado no PNE de 2014. Desses documentos é possível depreender uma ideia de base curricular menos prescritiva, capaz de definir um mínimo necessário em termos dos conhecimentos escolares considerados relevantes para as diferentes etapas da educação básica. Isso significaria, em linhas gerais, que se trataria de indicar um conjunto de conteúdos sem limitar as possibilidades da escola em organizar o processo de ensino-aprendizagem com maior autonomia. A versão final aponta para uma lógica muito mais prescritiva, ao passo que é esvaziada em conteúdo ao centrar-se na definição de competências e habilidades, organizadas em códigos, sistematizadas de maneira a facilitar avaliações em larga escala e a produção de materiais didáticos, evidenciando, com isso, a intenção de produzir maior uniformidade no que deve ser praticado em âmbito nacional.
Certamente, cinco audiências públicas não garantiriam o atendimento a uma ampla discussão necessária para uma mudança dessa envergadura. Especialmente quando são lembrados os dois processos de ocupação das audiências públicas ocorridos por movimentos sociais vinculados à educação. Mas, mais do que isso, as mudanças de concepção presentes no documento final da Base, aliadas aos discursos proferidos por representantes de entidades ligadas ao setor empresarial, levam a indagar em que medida tais interesses se expressaram por dentro do Estado com vistas à concretização de um currículo que atende mais à particularidade de interesses vinculados ao setor empresarial em detrimento de um projeto formativo capaz de abarcar a multiplicidade de interesses e necessidades formativas das juventudes brasileiras. Nesse sentido é pertinente a discussão a seguir.
Concepções em torno da política curricular: menos ou mais prescritiva, menos ou mais centralizada
Um segundo aspecto depreendido da análise concerne aos pressupostos políticos e pedagógicos adotados no processo de elaboração do texto. Centrada na padronização curricular, a BNCCEM aposta em um modelo de currículo com base na definição de objetivos de aprendizagem e de competências, retomando, sob novos contornos, mais prescritivos e detalhistas, o modelo que marcou as políticas curriculares da década de 1990 que compunha os Parâmetros Curriculares Nacionais, um “empoeirado discurso” (SILVA, 2018). Na BNCCEM reitera-se o deslocamento do currículo com base em conhecimentos para uma perspectiva centrada na “mobilização de saberes”, noção ancorada na finalidade de aplicabilidade imediata do que se aprende na escola, no saber-fazer que denuncia um viés utilitário derivado de lógica economicista (SILVA, 2010).
Existe, notadamente, um interesse econômico direto do setor privado em direção a novos arranjos de gestão escolar e oferta da educação básica que, se hoje é majoritariamente pública, deve ser cada vez mais orientada por modelos da gestão privada ou mesmo à privatização stricto sensu (PERONI, CAETANO; LIMA, 2018). Mas, conjuntamente, há interesses político-pedagógicos. O setor privado tem interesse na formação por habilidades e competências, porque essa, fundamentada em uma conceituação pouco profunda e discutida, permite a predominância de uma educação pragmática, que habilite estudantes para trabalhar sob a lógica das mudanças do setor produtivo. Há um processo de flexibilização visível que visa aprofundar a adaptação da escola aos interesses de um mercado em franca mudança. O regime de acumulação flexível inaugurado nas últimas décadas tem feito exigências à socialização promovida pela escola. Segundo sua lógica, é preciso que a escola se torne mais eficiente, e isso não só reitera uma concepção economicista de educação, como circunscreve um certo tipo de formação. Com efeito, observa-se um giro epistemológico que torna os pressupostos da BNCCEM irreconciliáveis com os princípios de uma educação pública, democrática e de qualidade. O modelo de currículo padronizado tende a ignorar as condições adversas e desiguais das escolas, conferindo ênfase a uma perspectiva que oculta o cerne de suas problemáticas, podendo agravar ainda mais as desigualdades educacionais.
Os questionamentos epistemológicos e políticos de caráter filosófico, sociológico, científico e outros [...] são ignorados pelas políticas de unificação dos currículos nacionais, em geral e em particular por essa BNCC que representa, desde suas versões iniciais, um grande atraso neoconeservador da política curricular brasileira (FRANGELLA; OLIVEIRA, 2019, p. 32-33).
Uma perspectiva, portanto, que despreza trajetórias, experiências e percursos das comunidades escolares, e fere a autonomia intelectual dos docentes. Nessa direção, Lopes (2018) afirma que “não teremos uma educação de qualidade se não envolvermos os docentes na produção do currículo e não envolveremos esses docentes sem salários melhores e possibilidades de realização do que sabem fazer.” (LOPES, 2018, p. 25). Trata-se, assim, de uma proposta inócua, “afinal, quem conduz os processos curriculares são os profissionais da educação. Não há força suficiente para as mudanças necessárias sem estes coletivos. É preciso acreditar e investir seriamente na valorização destes profissionais.” (AGUIAR, 2018, p.20).
Na obra Morte e vida do grande sistema escolar americano: como os testes padronizados e o modelo de mercado ameaçam a educação, Diane Ravitch (2011) uma das mentoras da política educacional americana com base em currículos centralizados, revisa seus próprios posicionamentos e reconhece as limitações da implementação do currículo nacional: “após duas décadas de aplicação, o ensino não melhorou; os resultados da educação orientada pelos princípios do mercado são pífios e contraproducentes.” (RAVITCH, 2011, p. 12). Para a autora, tal perspectiva retrata uma visão equivocada de qualidade de educação, centrada nos índices de desempenho de caráter mensurável, que se limita a normas e a rankiamentos: “o currículo foi reduzido a habilidades básicas em leitura e matemática, associados a recompensas e punições por meio das avaliações.” (RAVITCH, 2011, p. 12). A autora assevera, ainda, que: “os novos reformadores corporativos demonstram sua precária compreensão da educação construindo falsas analogias entre a educação e o mundo empresarial. Eles pensam que podem consertar a educação aplicando princípios de negócios, organização, administração.” (RAVITCH, 2011, p. 26).
Em contrapartida, perde a formação geral dos estudantes ao tempo em que se vê reconfigurada a dualidade histórica característica do Ensino Médio que separa formação geral, básica e científica, da formação para o trabalho e ingresso precoce no mercado. No contexto da reforma, pela incorporação na Lei 13.415/17 do itinerário da formação técnica e profissional, agravada na BNCCEM pela adoção do discurso economicista do desenvolvimento de competências, discurso este derivado de uma propalada necessidade de aproximação da escola média a requisitos de formação para o trabalho, sobressai uma perspectiva formativa reducionista, oposta, por exemplo, às possibilidades formativas preconizadas pela concepção e oferta do Ensino Médio Integrado que tratava de modo não dissociado formação científica e formação técnica.
Não à toa ficam claros os interesses favoráveis à BNCC e à reforma do Ensino Médio nas falas dos representantes dos institutos e fundações empresariais presentes na audiência. O que se anunciava era já a maior aproximação desses setores com a oferta pública da educação, atuando agora não apenas como assessores na implementação das políticas, mas em sua própria formulação.
O CNE refletindo as disputas da sociedade
Logo após assumir a Presidência da República, Michel Temer revogou as nomeações para o CNE que haviam sido feitas por Dilma Roussef um dia antes de ser afastada. O CNE costuma renovar metade de seus membros a cada dois anos, e essa foi a primeira vez que uma nomeação foi revogada. Apesar disso, seis dos doze que haviam sido indicados por Dilma foram mantidos, dentre eles nomes que mantém estreitas relações com fundações e institutos privados da educação, como Eduardo Deschamps e Nilma Santos Fontanive.
Isso ocorre porque o CNE, órgão importante para o funcionamento da educação no Brasil, está imerso na mesma lógica de disputas por hegemonia que configuram o Estado. As disputas em torno de concepções e projetos formativos também restaram evidentes na análise da audiência pública. Mas não apenas. Essas informações são interessantes para pensarmos a saída de César Callegari da comissão bicameral que tratava da BNCC. No mesmo período em que Callegari encerrou seu mandato como conselheiro, todos as cadeiras renovadas do CNE passaram a ser compostas por vozes consoantes ao discurso de interesses privados hegemonizados pelos governos federal e parte dos estaduais, o que se confirma pela rápida expansão da presença de institutos e fundações privadas no interior dos sistemas públicos com vistas a assessorar a implementação da reforma e da BNCC (PERONI; CAETANO; LIMA, 2018). Analogamente, tal aspecto se sobressai na audiência pública realizada em Brasília, sobre o posicionamento dos conselheiros em direção contrária às manifestações majoritárias, conforme análise de Silva e Paula (2019)
Quase a totalidade dos representantes defendeu a revogação da Lei nº 13.415/2017 (Reforma do Ensino Médio), a não aprovação da BNCCEM e a ampliação do debate com a participação da comunidade escolar. Na contramão da vontade popular, no entanto, apenas três dos doze conselheiros que compunham a Câmara de Educação Básica manifestaram-se pela não revogação da Lei 13.415/2017 (BRASIL, 2017b) e pela não aprovação da Base do Ensino Médio (SILVA; PAULA, 2019, p. 998).
Sobre a ação do setor privado na BNCC e seus interlocutores, observa-se uma estreita relação efetivada pela atuação em rede de diversos setores e instituições privadas:
Ressalta-se as ligações que levam a Fundação Lemann, principal articuladora da BNCC, e ao Movimento pela Base Nacional Comum Curricular. A Fundação Lemann possui uma página nas redes sociais de apoio ao Movimento pela Base. O Movimento Todos pela Educação também aparece como parceiro em diversos eventos com a Fundação Lemann, Consed e Undime, que se tornam, em diferentes momentos, porta de entrada para que essas instituições atuem com seu projeto hegemônico de sociedade e de educação (PERONI; CAETANO; LIMA, 2018, p. 430)
Desse modo, o processo de produção do texto e, ao que tudo indica, o processo de implementação da BNCCEM, estão marcados por mecanismos de mercantilização da educação pública ancorado na reconfiguração de interesses no interior do Estado, sobretudo a partir de 2016. Marcadamente, verifica-se a intensificação do alinhamento das políticas públicas para a educação com interesses privatistas, determinada por uma lógica disseminada em tempos de crise, como apontam Peroni e Caetano (2016, p.339):
Entendemos que a perspectiva salvacionista, de que o privado mercantil deve garantir a qualidade da educação pública, está inserida em uma lógica que naturaliza essa participação, pois parte do pressuposto neoliberal de que não é o capitalismo que está em crise, mas o Estado. A estratégia, para essa concepção, é reformar o Estado ou diminuir sua atuação para superar a crise. O mercado é que deverá superar as falhas do Estado, portanto a lógica do mercado deve prevalecer, inclusive no Estado, para que ele possa ser mais eficiente e produtivo. Verificamos que essa prescrição tem-se materializado na educação de diversas formas, por meio da influência externa, o que Ball e Junemann (2012) denominam privatização exógena, e da privatização endógena, no interior do setor público (PERONI; CAETANO, 2016, p.339).
A despeito desse processo, as autoras também destacam que:
[...] a mercadificação da educação pública não é uma abstração, mas ocorre via sujeitos e processos. Trata-se de sujeitos individuais e coletivos que estão cada vez mais organizados, em redes do local ao global, com diferentes graus de influência e que falam de diferentes lugares: setor financeiro, organismos internacionais e setor governamental (PERONI; CAETANO, 2016, p. 338 e 339).
Outro aspecto a ser ressaltado é que o modus operandi que caracteriza a BNCC é análogo a um conjunto de reformas que tem o mercado na direção de suas políticas. É nesse sentido que se vê reafirmada uma concepção ultrapassada, como explica Macedo (2018):
Se há tantos indicativos de que tais políticas não dão os resultados esperados, o que justifica a insistência? Há, claro, a incredulidade dos formuladores de que algo produzido com tanto rigor científico possa não funcionar. Há um discurso pedagógico prescritivo que, com boas intenções, pretende ditar o que o Outro deve ser (GABRIEL, 2017; MACEDO, 2017). Há uma sensação de desespero e desamparo criada por uma propaganda de que, apesar do esforço de muitos, a educação não deslancha (TAUBMAN, 2009). Mas há, também, não sejamos ingênuos, interesses comerciais muito fortes, num país em que a população em idade escolar é de aproximadamente 45 milhões de pessoas (IBGE, 2010). (MACEDO, 2018, p. 30-31).
Assim, a BNCC “cria um mercado homogêneo para livros didáticos, ambientes instrucionais informatizados, cursos para capacitação de professores, operado por empresas nacionais, mas também por conglomerados internacionais.” (MACEDO, 2018, p. 31), ou seja, passa a atender diretamente interesses comerciais via mercado das avaliações, dos materiais didáticos, da formação de professores entre outros.
Considerações finais
Assume-se, neste artigo, que a produção do discurso curricular oficial é orquestrado pela presença de múltiplas vozes e interesses e, desse modo, a compreensão de suas proposições passa, necessariamente, pelo estudo do processo de elaboração. Toma-se como objeto de análise o texto da BNCC do Ensino Médio, indagando quais os sujeitos e pressupostos influenciaram no processo de formulação a ponto de refletirem no texto aprovado. Nessa direção, optou-se por identificar e analisar a participação da sociedade na audiência pública realizada na região Sul, na cidade de Florianópolis.
A tramitação do texto da BNCC do Ensino Médio ocorreu em meio a conturbadas manifestações, aprovado após protestos e cancelamento de audiências públicas. O presidente da comissão bicameral da BNCC no CNE, principal liderança que levou à aprovação da BNCC da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, renunciou à presidência da comissão e divulgou em carta pública várias críticas endereçadas ao documento, reconhecendo haver um direcionamento que poderia trazer grande prejuízo aos jovens do país. Após substituição da presidência da comissão, o cenário conturbado não impediu que se procedesse à aprovação do texto. Este cenário conduziu a várias indagações acerca dos interesses e disputas envolvidos nesse processo.
A audiência pública realizada em Florianópolis mostrou-se simbólica do conjunto de interlocutores que pleiteiam o poder de definir os rumos do Ensino Médio nacionalmente. Conforme explicitado, a argumentação contrária à BNCCEM se sobressai na maioria das falas, protagonizada por entidades do campo científico e político-organizativo como sindicatos docentes e movimento estudantil. No entanto, a arguição favorável, composta por uma minoria e predominantemente representantes de organizações vinculadas a grupos empresariais, teve preponderância no documento aprovado, sobre o qual incide uma visão economicista e pragmática de formação, uma investida em padronizar uma juventude tão diversa. A atuação do Movimento pela Base e a estreita aproximação a grupos ligados ao setor privado, põe em evidência uma dimensão da política que se alinha ao empresariado nacional e tem regulado um conjunto de reformas públicas educacionais.
Além disso, ao recuperar o discurso das competências, a proposta da Base reproduz uma concepção reducionista e instrumental de currículo, que fragiliza o acesso ao conhecimento científico e a possibilidade de seu domínio metodológico e conceitual necessários para a compreensão da realidade social. O currículo centrado na prescrição de competências se associa a um saber-fazer imediato e encontra eco nas defesas de aproximação da formação dos jovens a demandas de preparação para o trabalho. Essa associação, ao ser incorporada no documento final, ressoa nas argumentações dos setores empresariais representados na audiência pública que, ainda que em vozes minoritárias, foram objetivamente incorporadas ao texto.
Tendo em vista as análises realizadas, entende-se que a política curricular nacional deveria se circunscrever mais à definição de diretrizes gerais exaradas pelo Conselho Nacional de Educação, como vinha ocorrendo, do que propriamente à prescrição minuciosa de direitos e objetivos de aprendizagem, que culminam por fragilizar a autonomia das escolas e redes de ensino e padronizar o que não é padronizável. Como visto, as argumentações críticas presentes na audiência pública, aludem à defesa dessa autonomia e à necessidade de respeito às trajetórias próprias construídas ao longo do tempo.
Uma vez aprovado o documento da Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Médio, considera-se fundamental a ampliação de pesquisas que tomem sua implementação por objeto. Os processos de apropriação e atuação pelos sujeitos das escolas certamente irá conferir contornos particulares ao texto aprovado e que merecem e precisam ser conhecidos.