Introdução
O acentuado crescimento da informação, das tecnologias, da ciência dos dados, da robótica, do Big Data e da inteligência artificial tem provocado uma autêntica revolução no quotidiano de todos nós. Nesse sentido, há necessidade de prepararmos todos e cada um, em especial os jovens, para uma sociedade intercultural, digital, empreendedora, implementando projetos e práticas pedagógicas interativas que facilitem a inclusão das pessoas, dos seus talentos, de suas aptidões, conhecimentos, capacidades e atitudes, em contextos diversificados e em áreas orientadas para o futuro próximo que se vislumbra cada vez mais incerto e desafiador.
Todas as sociedades estão em permanente mutação, mormente no nível das tecnologias e dos movimentos migratórios, exigindo uma nova compreensão do modo como se aprende, como nos relacionamos e como nos formamos profissionalmente (Pacheco, 2019). Março de 2020 marca, de forma indelével, por imperativo da pandemia de covid-19, um novo tempo de viver e a própria história, porquanto se forçou a sociabilidade a distância, como formas de pensar e de agir, em ordem a criar condições de equilíbrio entre o conhecimento, a compreensão, a criatividade e o sentido crítico (Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória [Paseo], 2017). A realidade no mundo é complexa. Os desafios são inumeráveis. Vivemos tempos de grandes tensões e paradoxos - sociais, económicos, educacionais. Apesar disso, a escola continua a perseguir a sua missão, isto é, a contribuir “para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres” (Lei n. 46, 1986; Delors et al., 1996). Daí a importância de educar para a verdade e para a esperança, nesse sentido, “cada pessoa está no centro da educação e de toda a actividade humana” (Azevedo, 2011, p. 125). “A educação, em cada momento, seja em contexto escolar ou social, é sempre uma relação, o encontro entre duas liberdades, duas liberdades que se olham face a face, olhos nos olhos” (Azevedo, 2011, p. 125). Ora, é partindo desses pressupostos que elegemos como objeto de estudo o Programa Erasmus+, enquanto “um programa de pessoas para pessoas” (Cunha & Santos, 2017, p. 17), em desenvolvimento há mais de três décadas e a partir do qual visamos, no intervalo de tempo entre 2017-2022, a traçar a rota das práticas pedagógicas, partindo da matriz de análise de Paniagua e Istance (2018). Desde a sua génese o propósito do Programa Erasmus é dotar as pessoas de competências de base humanista e, portanto, de saberes capazes de facilitar o diálogo, a cooperação entre culturas e instituições (European Commission, 2023).
Nesse contexto, a promoção de um ensino inclusivo e de qualidade passa por garantir aprendizagens efetivas, duradouras e coerentes com os desafios da nossa contemporaneidade. Um compromisso que requer o esforço e a participação de todos. Na base, o Erasmus+ possibilita e privilegia metodologias de trabalho participativas e dialógicas, nas quais se estimulam aprendizagens de natureza cooperativa e em rede (European Commission, 2023). Por isso a necessidade de melhor compreender de que tipo são as práticas pedagógicas promovidas pelos professores e escolas participantes no Programa Erasmus+ que fazem sucesso, como é evidenciado por vários autores (Aguilar & Pavón Vázquez, 2017; Amorim & Cosme, 2017; Farella et al., 2020; Fisker & Clausen, 2017; López et al., 2017; Mazohl et al., 2018; Moreno-Fernández et al., 2018; North et al., 2021; Novak et al., 2018; Rocha & Orvalho, 2019; Sá et al., 2021; Villalba et al., 2018).
O Erasmus+ assenta em práticas de natureza inovadoras, disruptivas, empreendedoras, de qualidade e com relevância para a promoção de competências diversas, valores e aprendizagens (in)formais fundamentais ao longo da vida (Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia [Pecue], 2013, p. 2).
A oportunidade para gerar novas perspetivas de vida, novos horizontes por via do intercâmbio de jovens e do diálogo entre culturas, circunstância que facilita a participação, a solidariedade, a compreensão e a aprendizagem cooperativa, tal como aparece definido no novo Programa Erasmus+ (European Commission, 2023). No caso português, a meta é triplicar, até 2027, a mobilidade de estudantes de instituições portuguesas a estudar na Europa, o que significa “aumentar a mobilidade para cerca de 30 mil estudantes por ano” (Governo da República Portuguesa [GRP], 2022, p. 1).
O princípio do Erasmus+ é o desenvolvimento humano, no sentido de desafiar cada professor e cada estudante a repensar(-se), a equacionar ambientes de ensino e de aprendizagem inovadores e com elevada qualidade (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization [Unesco], 2021; Vincent-Lancrin et al., 2019), e, assim, gerar a oportunidade para futuros de vida sustentáveis, nos quais a justiça social e a equidade sejam objetivos possíveis de alcançar. Nessa ordem, as escolas têm como missão e desafio “formar jovens que, para além de dominarem as competências tradicionais, possam diferenciar-se, em mercados de dimensão global, pela sua criatividade e inovação” (Figueiredo, 2011, pp. 17-18).
A melhoria do nosso sistema educativo somente será possível por meio de uma série de mudanças de carácter pedagógico e de uma cultura de aprendizagem sustentada em metodologias dialógicas e cada vez mais interativas (Guijarro & Raimondi, 2000). As recomendações de Paniagua e Istance (2018) são claras: o sucesso educativo reside na aplicação criativa a situações novas de ensinar (Schleicher, 2016), cuja aprendizagem é (precisa ser) personalizada, feita em colaboração e no sentido de formar pessoas (todas as pessoas) para a vida em cidadania (Correia & Cavadas, 2020). Um processo exigente e muito complexo que implica um diálogo contínuo entre as pessoas e as instituições, valorizando sempre as questões de equidade e de justiça social (Correia & Cavadas, 2020; Jesus & Azevedo, 2020; Licht et al., 2020).
Os pressupostos-chave contemplados no Erasmus+, enquanto contributos básicos para o crescimento sustentável do indivíduo, para o trabalho de qualidade e para a coesão social (European Commission, 2023, p. 6) enquanto caminho para um futuro melhor e mais saudável, são o mote que sustenta o nosso desejo para o presente estudo, que passa por identificar e caracterizar a natureza e o tipo de práticas pedagógicas promovidas e desenvolvidas pelo Programa Erasmus+, em particular no campo do ensino secundário.
O Programa Erasmus+: Estado do conhecimento no ensino secundário
O Programa Erasmus, projeto da União Europeia, nasceu há 35 anos (GRP, 2022), com o intuito de permitir aos estudantes do ensino superior estudarem noutro país europeu. Entre 2007 e 2013 vigorou o Programa de Aprendizagem ao Longo da Vida (Palv), cujo objetivo foi contribuir para o desenvolvimento de uma Comunidade de Conhecimento Avançada, por meio da promoção de intercâmbios, de cooperação e mobilidade entre os sistemas de ensino e formação e, assim, constituir uma rede de referência mundial de qualidade para o ensino e para a aprendizagem (Pecue, 2013, p. 1). Foi em 2014 que, por Regulamento da União Europeia n. 1.288/2013, passou a denominar-se Erasmus+, contemplando agora ensino escolar; educação e formação profissionais; educação de adultos, juventude e desporto (Pecue, 2013, p. 2).
O Programa Erasmus+ é exemplar da globalização que hoje experimentamos e que transporta em si a possibilidade de abraçar projetos de carácter internacional, alargando horizontes antes impensáveis, fazendo germinar uma aprendizagem mais eclética e de natureza holística.
Pensar a educação é, no tempo presente, diligenciar novas abordagens educativas, articulando o local com o regional e com o universal, de forma a expandir e otimizar verdadeiras oportunidades de acesso e de sucesso para todos.
O Erasmus+, enquanto programa da União Europeia nos domínios da educação, da formação, da juventude e do desporto, patrocina o desenvolvimento educativo, profissional e pessoal, sendo sua prerrogativa ativar “a cooperação, a qualidade, a inclusão e equidade, a excelência, a criatividade e a inovação a nível das organizações e políticas no domínio do ensino e formação” (European Commission, 2023, p. 6). Princípios que estão em conformidade com as políticas educativas nacionais mais recentes, quer no nível do perfil dos alunos para o século XXI (Paseo, 2017), da flexibilidade curricular, da colaboração entre professores, alunos, escolas, encarregados de educação e autoridades locais (Decreto-Lei n. 55, de 6 de julho de 2018), quer ainda no que respeita à inclusão, enquanto “direito de todas as crianças e alunos ao acesso e participação, de modo pleno e efetivo, aos mesmos contextos educativos” (Decreto-Lei n. 54, de 6 de julho de 2018). Circunstância que requer de todos nós, enquanto pessoas e enquanto instituições, a predisposição para aprender e a disponibilidade para sustentar uma visão partilhada, por dinâmicas de participação e de diálogo igualitário (Hallinger, 2011; Licht et al., 2020).
Da revisão da literatura e da nossa própria experiência, enquanto docentes, percebemos que o Programa Erasmus+ tem vindo a contribuir de forma progressiva para o desenvolvimento de sociedades mais inclusivas, mais ecológicas e preparadas para responder às necessidades das sociedades pluriétnicas. Um esforço vital sobretudo se pensarmos no plano das competências digitais e em áreas viradas para o futuro (e.g. combate às alterações climáticas, energias limpas, inteligência artificial, robótica, análise de megadados), como são os objetivos do Espaço Europeu da Educação, do Plano de Ação para a Educação Digital 2021-2027, da Estratégia da União Europeia para a Juventude e do Plano de Trabalho da União Europeia para o Desporto.
Estrutura e ações-chave do Erasmus+
Da literatura em geral a propósito do Erasmus+,1 percebemos que a sua finalidade é criar oportunidades para a aprendizagem dialógica, por via da mobilidade e do intercâmbio internacional entre estudantes e, assim, ativar o “Erasmus Mundus” e a educação intercultural.
É facto que o Programa inclui uma forte dimensão internacional e particular destaque no ensino superior (53%). O foco é reforçar e melhorar a qualidade do ensino europeu no quadro mais amplo da prossecução dos objetivos da Estratégia Europa (EE) 2020 e da atratividade da União Europeia como destino de estudos, compreensão entre os povos e também para o desenvolvimento socioeconómico (Pecue, 2013, p. 2).
A grande força é, na lógica da Agência Erasmus, o contributo que cada uma dessas ações aporta à melhoria do desempenho e das competências pessoais (e.g. aprendizagem; empregabilidade e carreira; empreendedorismo; autocapacitação e autoestima; interculturalidade, participação, linguísticas e digitais); à relação e cooperação interinstitucional em ordem à excelência profissional e à realização de parcerias e práticas inovadoras capazes de incluir alianças e projetos orientados para o futuro (e.g. academia de professores Erasmus+, Ações Erasmus Mundus); abordagens participativas e metodologias de natureza digital enquanto meios para tratar e aproximar territórios e pessoas, qualquer que seja a sua condição (e.g. social, étnica, linguística e cultural); e, finalmente, o apoio ao desenvolvimento de políticas cuja finalidade é preparar e apoiar a execução da agenda política da União Europeia nos vários setores (e.g. educação, formação, juventude, desporto).
Ora, considerando o Despacho n. 6.478, de 26 de julho de 2017, o qual aprova o Paseo e se consagra, novamente, a “educação para todos” enquanto projeto vital capaz de “criar condições de equilíbrio entre o conhecimento, a compreensão, a criatividade e o sentido crítico”, reconhecemos que os alicerces do Erasmus estão lavrados nos novos paradigmas educacionais, cujas conceções e abordagens “se concretizam no respeito integral pela dignidade do homem e de promoção empenhada e intransigente dessa dignidade” (Colás Bravo, 1992). Nessa perspetiva, a relação pedagógica entre professor e aluno pode revestir-se de uma nova dinâmica e, com ela, práticas de inovação pedagógica.
Metodologia
Metodologicamente, assumimos o paradigma investigativo de natureza qualitativa, com recurso a uma pesquisa exploratório-descritiva (Colás Bravo, 1992), com o intuito de identificar e classificar o tipo e a natureza das práticas pedagógicas mais utilizadas nos processos de ensino e de aprendizagem, no ensino secundário, por via do Erasmus+. Com esse enfoque, os objetivos são: (1) identificar/classificar as práticas pedagógicas mais utilizadas nos processos de ensino e de aprendizagem; e (2) identificar/classificar a natureza das práticas pedagógicas utilizadas, no âmbito do Erasmus+. Uma estratégia de investigação que nos ajudará a melhor compreender o programa e a crescente motivação por parte das instituições e por parte dos alunos para continuar a promover e a desenvolver. O corpus de análise resulta do estudo de 12 artigos selecionados com os seguintes critérios de inclusão e estratégia de pesquisa: (a) referência a Erasmus+ Programme; (b) publicação nas bases científicas Scopus, Web of Science e Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal (RCAAP); (c) baliza temporal entre 2017 e 2022; (d) aplicação de operadores booleanos “and” e “or”; (e) referência combinada a Erasmus+ Programme and Pedagogical Practice Innovation, aqui apresentados por ordem cronológica crescente (Tabela 1).
Cód. | Ano | País | Autores | Título |
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1 | 2017 | Portugal | Amorim & Cosme | A experiência de mobilidade de longa duração em alunos do ensino secundário. Contributos para a sua formação cultural e psicossocial |
2 | 2017 | Espanha | Aguilar & Pavón Vázquez | Understanding Europe through the elaboration of audio- visual material in secondary education: Contributions from an Erasmus |
3 | 2017 | Espanha | López et al. | Simulating collaborative work among students: I competition Erasmus plus Eurobotique project |
4 | 2017 | Dinamarca | Fisker & Clausen | Lear4Health, a European project creating health and food literacy through innovative interdisciplinary teaching and learning methods |
5 | 2017 | Áustria | Mazohl et al. | Technical innovation in blended learning - concepts for the creation of high quality continuous vocational education courses using multiple devices |
6 | 2018 | Espanha | Moreno-Fernández et al. | Good practices in school to educate critical citizens: The youth parliament program from the perspective of secondary school teachers in training |
7 | 2018 | Espanha | Villalba et al. | Factors with influence on the adoption of the flipped classroom model in technical and vocational education |
8 | 2019 | Áustria | Novak et al. | Head in the clouds: An initiative for digital learning among Roma communities in Europe |
9 | 2019 | Portugal | Rocha & Orvalho | Schools 4.0 - innovation in vocational education |
10 | 2020 | Itália | Farella et al. | ARLectio: An augmented reality platform to support teachers in producing educational resources |
11 | 2020 | Inglaterra | North et al. | Developing a platform for using game-based learning in vocational education and training |
12 | 2021 | Portugal | Sá et al. | Competências de educação para a sustentabilidade: Análise de documentos educativos em Portugal |
Fonte: Elaboração das autoras.
Na posse desses textos e tendo presente o objeto de estudo definido, circunscrevemos a questão que norteia a nossa pesquisa, isto é: Quais práticas pedagógicas são sugeridas, pelo Erasmus+, nesses documentos? Com esse propósito, compusemos duas subquestões: Quais práticas pedagógicas são sugeridas e promovidas pelo Erasmus+?; O que aprendem e que competência(s) desenvolvem os alunos através da participação no Erasmus+?
Da análise de conteúdo
A análise de conteúdo é uma técnica de análise que implica um procedimento de investigação com características singulares, minuciosas e com finalidades próprias, porquanto permite conhecer os factos com rigor, objetividade e com o menor número de distorções, dentro da situação particular que se estuda e, assim, fazer a avaliação de evidências (Bardin, 2011; Creswell & Guetterman, 2018). Na posse dos artigos selecionados (n = 12), o nosso corpus de dados e de análise, fizemos a pré-análise, seguindo a técnica da “leitura flutuante” (Unesco, 2021; Vincent- -Lancrin et al., 2019) de cada uma dessas fontes. Para o efeito, foi criada uma matriz de cinco entradas - título, objetivos, metodologia, resultados e conclusões -, com vista a conceber uma perspetiva mais integrada do âmbito e da natureza de cada um dos artigos. Mantendo a ideia matricial, os artigos foram codificados por ordem cronológica, do número 1 ao número 12, e novamente analisados, dessa vez por recurso ao software de análise NVIVO11. A codificação dos dados foi gerada a partir da classificação concebida por Paniagua e Istance (2018), a propósito dos clusters de inovação pedagógica (n = 6): 1) Aprendizagem Combinada (AC.); 2) Gamificação (G.); 3) Pensamento Computacional (PC.); 4) Aprendizagem Experimental (AE.); 5) Aprendizagem Integrada (AI.); e 6) Multiliteracias e Discussão (MD.), por nós adotadas como categorias de análise de 1º nível, a negrito. Quanto às categorias de 2º nível, estas resultam da articulação entre a matriz de análise de Paniagua e Istance (2018) e as áreas de competências consideradas no Paseo (2017, p. 19): Linguagens e Textos, Informação e Comunicação, Raciocínio e Resolução de Problemas, Pensamento Crítico e Pensamento Criativo, Relacionamento Interpessoal, Desenvolvimento Pessoal e Autonomia, Bem-Estar, Saúde e Ambiente, Sensibilidade Estética e Artística, Saber Científico, Técnico e Tecnológico, Consciência e Domínio do Corpo. Pois só munidos com essas competências é possível a cada aluno desenvolver processos conducentes à construção de projetos de vida saudáveis, sustentáveis, de forma simultaneamente racional, criativa e consistente com os desafios de uma sociedade plural (Tabela 2).
Práticas pedagógicas | ||||
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Categorias | Código | Número fontes (n) |
Frequências (fn) |
|
1º nível | 2º nível2 | |||
Multiliteracias e Discussão | MD. | 365 | ||
Saber Científico e Tecnológico | MD.SCT | 9 | 93 | |
Pensamento Crítico e Criativo | MD.PCC | 10 | 76 | |
Desenvolvimento Pessoal e Autonomia | MD.DPA | 10 | 66 | |
Informação e Comunicação | MD.IC | 9 | 46 | |
Relacionamento Interpessoal | MD.RI | 9 | 35 | |
Bem-estar, Saúde e Ambiente | MD.BSA | 5 | 27 | |
Linguagens e Texto | MD.LT | 4 | 16 | |
Sensibilidade Estética e Artística | MD.SEA | 2 | 5 | |
Aprendizagem Experimental | AE. | 87 | ||
Metodologia - Trabalho Projeto | AE.MTP | 10 | 70 | |
Ensino - Questionamento | AE.EQ | 5 | 11 | |
Pedagogias Diferenciadas | AE.PD | 3 | 6 | |
Aprendizagem Integrada | AI. | 65 | ||
Atividades Interdisciplinares | AI.AI | 9 | 39 | |
Desenho e Artes | AI.DA | 2 | 26 | |
Pensamento Computacional | PC. | 40 | ||
Programação - Robótica | PC.PR | 5 | 15 | |
Realidade Aumentada | PC.RA | 1 | 13 | |
Dispositivos Móveis | PC.DM | 3 | 7 | |
Modelação e Impressão 3D | PC.MI3D | 1 | 5 | |
Gamificação | G. | 32 | ||
Jogos | G.J | 3 | 22 | |
Autoaprendizagem | G.A | 2 | 10 | |
Aprendizagem Combinada | AC. | 23 | ||
Sala de Aula Invertida | AC.SAI | 4 | 19 | |
Microaprendizagem | AC.M | 3 | 4 |
Fonte: Elaboração das autoras com base na análise do relatório de Paniagua e Istance (2018) e do Paseo (2017).
Da análise, percebemos que as várias práticas mencionadas nos textos respeitam processos de ensino e de aprendizagem considerados práticas pedagógicas mobilizadoras de conhecimentos, competências e atitudes consistentes com os princípios propostos para o século XXI (Paniagua & Istance, 2018; Paseo, 2017).
Resultados
A utilização dos clusters referidos serviu para identificar/classificar a natureza das práticas pedagógicas elaboradas no contexto dos projetos desenvolvidos e financiados pelo Programa Erasmus+, enquanto o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória nos possibilitou melhor compreender o quão exigentes e complexos são os atuais paradigmas de conhecimento e de aprendizagem. A educação e a aprendizagem generativa são, no presente, a alavanca fundamental do progresso das novas sociedades e a possibilidade para responder à diversidade de necessidade dos nossos alunos, através do aumento da participação de todos nos projetos de vida da(s) comunidade(s).
Do discurso escrito, de cada um dos artigos estudados (n = 12), identificamos as práticas pedagógicas utilizadas, cuja categorização (1º e 2º níveis) está demonstrada na Tabela 2, por ordem decrescente do número de unidades de registo, aqui identificadas como frequência ou asserções (nf). Analisadas cada uma das categorias de 1º nível e de 2º nível, reconhecemos que a sua designação concorda com as prescritas, também, no Paseo e que contemplam conhecimentos, capacidades e atitudes (Paseo, 2017).
Para a categoria Multiliteracias e Discussões (MD.), o número de asserções registadas é superior a 300 (nf = 365). A máxima é promover o debate, o questionamento e a compreensão de fenómenos de natureza diversa (e.g. culturais, sociais). Nesse domínio, oito são as categorias de 2º nível que a constituem - MD.SCT; MD.PCC; MD.DPA; MD.IC; MD.RI; MD.BSA, MD.LT; e MD.SEA, cujas asserções oscilam entre 93 e 5, sendo que a maior é para o Saber Científico e Tecnológico (MD.SCT) e a menor para a Sensibilidade Estética e Artística (MD.SEA).
No que respeita ao Saber Científico e Tecnológico (MD.SCT [nf = 93]), nove (F1, F2, F4, F5, F7, F8, F9, F10 e F11) dos 12 textos referem que os alunos participantes desenvolveram competências que desconheciam e que acreditavam virem a ser muito úteis no futuro; oportunidade que possibilitou melhorar significativamente competências relacionadas com as novas tecnologias e simultaneamente facilitar o intercâmbio entre países e culturas (F10). E, desse modo, ativar e encorajar o Pensamento Crítico e Criativo (MD.PCC [nf = 76]), a fim de “desenvolver novas formas de pensar e agir de forma dinâmica numa economia de mercado global” (F10). Esse é um contexto privilegiado para proporcionar realidades atrativas de ensino e de aprendizagem para o desenvolvimento cultural e humano (MD.DPA [nf = 66]).
É evidente que a qualidade dos processos de Informação e de Comunicação (MD.IC [nf = 46]) melhoram com a promoção de práticas inovadoras associadas às novas tecnologias, à atual necessidade e à capacitação digital (F8, F10), mas, também, ao próprio Relacionamento Interpessoal (MD.RI [nf = 35]), porquanto facilita o diálogo, a interação, a confiança e progressivamente a criação de ambientes positivos para a aprendizagem e para o bem-estar (MD.BSA [nf = 27]), assente, na maioria das vezes, na lógica da Aprendizagem Experimental (AE. [nf = 87]), com competências visíveis em várias atividades e/ou produções como “exercícios de simulação” (F5, F12), “debates” (F12), “criação de vídeos pedagógicos” (F2) e/ou “criação de curtas-metragens” (F2, F3, F4, F8).
Desafios e estratégias exigentes que progressivamente se vêm promovendo quer com o Programa Erasmus+, quer mais recentemente por imperativo da pandemia de covid-19 vivida no mundo desde 2020. Nesse contexto, o esforço tem sido feito no sentido de criar ambientes positivos de pensamento crítico, de criatividade e sobretudo de aprendizagens por meio de abordagens inovadoras e por metodologias de ensino e/ou aprendizagem integrada.
Aprendizagem Integrada (AI. [nf = 65]) assume e integra experiências criativas e o envolvimento ativo dos alunos, numa dinâmica que se deseja, sempre que possível, ser interdisciplinar (AI.AI [nf = 39]) e/ou associada a ações de Desenhos e Artes (AI.DA [nf = 26]), realidades desafiantes sobretudo no que respeita ao modo como é proporcionado o processo para cativar os alunos (e os professores). As atividades tradicionalmente conduzidas em salas de aula são desenvolvidas em sessões de aula síncronas e/ou assíncronas, o que significa que os alunos assistem a um vídeo de palestras, por exemplo, pré-gravadas antes da aula e, depois, executam trabalhos ou atividades com os seus pares e/ou professor (F7). O esforço tem sido feito no sentido de criar ambientes positivos de pensamento crítico, de criatividade e sobretudo de aprendizagens por meio de “micro-aprendizagens usando e aprendendo a manusear, por exemplo, dispositivos móveis, a trabalhar com códigos QR e/ou a procurar informação na Internet” (F8).
No quadro do Pensamento Computacional (PC.), ganha impacto a possibilidade do desenvolvimento de skills colaborativas, no nível da resolução de problemas (PC. [nf = 40]), Robótica (PC.PR [nf = 15]), Realidade Aumentada (PC.RA [nf = 13]), Dispositivos Móveis (PC.DM [nf = 7]) e Modelação e Impressão 3D (PC.MI3D [nf = 5]). “Os recentes desenvolvimentos tecnológicos tornam as tecnologias modernas como a Realidade Aumentada, Robótica Educativa e impressoras 3D particularmente apelativas para os contextos escolares” (F10) e muito desejadas, sobretudo porque desenvolveram competências de “criação e de exploração de conteúdos educativos, para o sistema móvel, com códigos QR” (F2, F5, F6, F7, F8, F10, F12), na Modelação e Impressão 3D, recurso à plataforma ARLectio, permitindo aos professores motivar os alunos por adição de materiais em 3D (F10).
Ao longo dos anos, todas as ações/atividades foram sendo desenvolvidas com o propósito de educar e formar para o desenvolvimento humano, através de experiências de intercâmbio (F1), nas quais se “incluem educação, emprego, saúde, habitação, bem como medidas horizontais e estruturais centradas na promoção da interculturalidade” (F2, F8), nesse prossuposto, os processos passam por diferentes aprendizagens e estágios de desenvolvimento pessoal.
Relativamente à Gamificação (G. [nf = 32]), surge abordada em 3 (F7, F8, F11) dos 12 textos, emerge em duas categorias de 2º nível: Jogos (G.J [nf = 22]) e Autoaprendizagem (G.A [nf = 10]). No primeiro caso, os professores tiveram formação, por meio de workshops, com vista a poderem conceber, implementar e desenvolver aprendizagens baseadas em jogos, reconhecidos como benéficos no nível da motivação, criatividade (F7, F8, F11), autoaprendizagem (G.A [nf = 10]), conhecimentos, relações interpessoais e interdisciplinares (F8, F11). Na base, o jogo funciona como uma estratégia que ativa e aumenta a participação dos alunos. Um desafio que implica o professor, no sentido de adequar conteúdos de aprendizagem de forma lúdica, manter a motivação dos alunos e o processo de aprendizagem ativos. “A importância da Aprendizagem Baseada no Jogo (GBL) para a aprendizagem dos estudantes é cada vez mais reconhecida como benéfica para o empenho, criatividade e motivação” (F11).
No que respeita à Aprendizagem Combinada (AC. [nf = 23]), abordada em 5 (F2, F5, F7, F10, F11) dos 12 textos, comporta duas categorias de 2º nível: Sala de Aula Invertida (AC.SAI [nf = 19]); e Microaprendizagem (AC.M. [nf = 4]). Na primeira subcategoria (AC.SAI [nf = 19]), 4 (F2, F5, F7, F10) dos 12 textos referem que os alunos desenvolvem competências de ordem digital e tecnológica (F2), por recurso a diferentes dispositivos (e.g. computadores, tablets, smartphones) e diferentes metodologias de ensino. “A abordagem de sala de aula invertida pode ajudar a melhorar o ensino vocacional, mudando as aulas tradicionais e ensinando aos estudantes outras competências transversais importantes, tais como trabalho de equipa e colaboração, reflexão, competências digitais e autoaprendizagem” (F7). A intenção passa por promover aprendizagens e a aquisição de competências de ordem tecnológica, de colaboração, de reflexão, de autoaprendizagem, libertando tempo na aula para uma orientação mais personalizada, discussão focalizada, essenciais para o pleno exercício de cidadania, de desenvolvimento humano e de técnicas pedagógicas. Exemplo disso é o projeto Technical Innovations in Blended Learning, centrado em material multimédia, podendo ser utilizado em vários dispositivos e técnicas pedagógicas como a microaprendizagem e a abordagem de aprendizagem invertida (F5).
Discussão e conclusões
No século XXI, concretamente em 2006, a Comissão Europeia classifica como vital o ensino de elevada qualidade para todos; formação e aprendizagem ao longo da vida; apoio educativo por recurso a métodos de ensino e aprendizagem interativos, de diálogo e de um saber fazer capaz de ativar a participação e a aprendizagem mútua (European Commission, 2023).
Nesse quadro, o Programa Erasmus+ tem vindo a promover e a desenvolver trajetos e práticas pedagógicas diversas, mormente para a escola, para os professores e, de forma particular, para os alunos que dele usufruem. A máxima é, já o dissemos, aprender uns com os outros e em conjunto aprender a viver juntos e a ser cidadãos do/para o mundo, em ordem à edificação de sociedades mais inclusivas, coesas, empreendedoras e sustentáveis.
“O mundo torna-se cada vez mais incompreensível e espectral” (Han, 2022, p. 11). Pensar e construir o nosso destino comum (Delors et al., 1996, p. 15) implica o esforço de todos nós e a necessidade de desenvolver competências capazes de equacionar as questões e os dilemas da nossa atualidade, em particular no que às situações da inclusão respeitam. O sentido é ativar a interculturalidade e a intergeracionalidade e a partir daí “construir mais e mais confiança no outro (pessoas e instituições) e desenvolver em comum regras institucionais bem combinadas com os contextos concretos” (Azevedo, 2011, p. 339).
Nessa perspetiva, o Programa Erasmus+ abre fronteiras, facilita o diálogo entre pessoas, instituições e culturas e ativa a cooperação e as redes colaborativas, um processo que nos desafia a querer melhor compreender o que continua, ao fim de mais de 30 anos, a mobilizar e a motivar alunos e professores para integrarem o programa e a viajarem para outros contextos e realidades. Daí o objetivo do nosso estudo, nomeadamente as duas subquestões de investigação, aqui sistematizadas: Quais práticas pedagógicas existem e são promovidas pelo Programa Erasmus+; O que aprendem os alunos participantes e que competências desenvolvem através da participação no Erasmus+?
O processo de investigação foi iniciado com a identificação e/ou o mapeamento das práticas pedagógicas referidas em cada um dos 12 artigos estudados. Para efeitos de análise crítica de dados, assumimos os seis clusters de Paniagua e Istance (2018) como matriz de categorização de primeiro nível, ou seja: MD., AE., AI., PC., G. e AC. Cada um dos quais, associados às competências-chave do Paseo (2017; Paniagua & Istance, 2018) fez emergir as categorias de 2º nível (ver Tabela 2).
À luz dos textos estudados, o Programa Erasmus+ tem vindo a gerar conhecimentos e competências de natureza diversa, bem como a criação e disseminação de recursos educativos igualmente diversos como são, por exemplo, curtas-metragens (F2, F3, F4, F8), vídeos (F2, F4, F8) e/ou jogos pedagógicos (Unesco, 2015). Esses são conhecimentos e competências fundamentais para o exercício e o desenvolvimento de uma cidadania ativa e coletiva (F2; Paseo, 2017, p. 17). E, nesse sentido, todas as crianças e jovens precisam aprender a “respeitar-se a si mesmo e aos outros; saber agir eticamente, consciente da obrigação de responder pelas próprias ações, ponderar as ações próprias e alheias em função do bem comum” (Paseo, 2017, p. 17).
Paralelamente, o Erasmus+ tem possibilitado o desenvolvimento profissional docente por realização de formação especializada, através de Cursos MOOC (F8) e/ou workshops (F11), articulando as novas tecnologias com as novas pedagogias e metodologias de aprendizagem (F5).
A cooperação entre instituições e entre pessoas gera, paulatinamente, momentos de reflexão (F6, F9), de desenvolvimento humano (nf = 66) e de mudanças positivas de comportamento e de mentalidades (nf = 93), fazendo nascer um sentimento de bem-estar e de um futuro sustentável (F4, F8, F10). A maioria dos textos estudados refere a natureza das práticas pedagógicas promovidas, desenvolvidas e avaliadas nos vários projetos (e.g. Technical Innovations in Blended Learning - TIBL; FabLab SchoolNet; Construyendo la ciudadanía europea a través de la educación mediática; European Learning Environment Formats for Citizenship and Democracy - ELEF; Head in the Clouds: Digital Learning to Overcome School Failure; Teacher Education for Sustainability - TEDS; Eurorobotique; FlipIT! - Flipped Classroom in the European Vocational Education; GATE:VET; Learn4Health e School Network 4.0) orientados para uma cidadania europeia (F2). Nessa sequência, experimenta-se e vive-se um leque diversificado de oportunidades para o conhecimento, a interculturalidade, a inclusão e o empreendedorismo. A avaliação é muito positiva e os testemunhos são muito encorajadores.
O Erasmus+ potencia o desenvolvimento de um perfil de base humanista, desmistificando barreiras culturais e estereótipos, alguns dos quais ainda inculcados em muitos de nós. Daí a necessidade de melhor compreender o quão relevante e emblemático é viver uma experiência dessa natureza. Da triangulação dos dados é possível perceber que o Erasmus+ oferece a oportunidade para o intercâmbio cultural, pedagógico e relacional, assumindo um papel primordial na construção de uma cidadania europeia, pela mobilização de conhecimentos, de competências e de atitudes geradoras de um maior e melhor desenvolvimento humano.
Efetivamente, o Erasmus+ promove e facilita a melhor compreensão para o relacionamento interpessoal, valorizando os princípios democráticos, humanistas, através de uma participação cívica, consciente, ativa, responsável, afirmada pelo maior envolvimento, conhecimento e diálogo entre alunos, professores e instituições (European Commission, 2023, p. 90). É um programa interativo, empreendedor e de envolvimento contínuo, em que os alunos aprendem sobretudo a ser mais autónomos, reflexivos e muito mais criativos. Trajetória que tem vindo a permitir a cooperação e a “integração de diferentes valores e formas de pensar, agir e interagir” (F4) e que inclui diferentes campos de saber (e.g. educação, ciência, saúde). Na base, é a vontade para estimular e desenvolver a aprendizagem colaborativa sustentada em projetos e no aproximar comunidades de aprendizagem entre gerações e culturas.
Em síntese, parece-nos agora possível dizer que as principais práticas pedagógicas identificadas no âmbito do Erasmus+ estão alinhadas com a matriz de análise convocada (Paniagua & Istance, 2018; Paseo, 2017) e, assim sendo, são práticas consideradas de inovação pedagógica (Paniagua & Istance, 2018), porquanto recorrem a pedagogias em que o aluno é o principal protagonista, na construção de aprendizagem dialógica, intercultural e uma maior envolvência, participação, sobretudo no plano de uma aprendizagem experimental (nf = 87), integrada (nf = 65) e interdisciplinar (nf = 39) (Novak et al., 2018; Rocha & Orvalho, 2019).
É pela mobilidade académica que se promove um agir diferente em termos de ensino e de aprendizagem, escrevem Amorim e Cosme (2017) e também Villalba e colaboradores (2018). Aguilar e Pavón Vázquez (2017) e, ainda, Sá e colaboradores (2021) registam, contudo, que são os novos olhares do e sobre o mundo que transportam em si a oportunidade que “valoriza o respeito pela dignidade humana, pelo exercício da cidadania plena, pela solidariedade para com os outros, pela diversidade cultural e pelo debate democrático” (Paseo, 2017, p. 15).
A máxima que lhe está subjacente é a que está imbuída dos princípios da escola para todos, e tem a ver com a necessidade imperativa de todos juntos estarmos capazes de responder cabalmente aos múltiplos desafios do mundo atual e a modos de vida sustentáveis, respeitadores do ambiente e do bem-estar de e para todos nós, tal como reiteram Fisker e Clausen (2017).