Introdução
Os acontecimentos sociopolíticos a nível mundial alicerçam-se em uma nova realidade onde cada pessoa adquire importância e relevância segundo os seus conhecimentos, influências e conexões. A vigente realidade social demanda encontrar alternativas às situações de desigualdades múltiplas e, particularmente, a juventude carece de utopias que modifiquem as experiências do seu quotidiano. Em consonância, Lott (2013) defende que as incessantes transformações nos cenários políticos e socioeconômicos exigem perseverantes reflexões no meio universitário de forma a questionar velhas convicções e nortear posturas empreendedoras e criativas onde impere a liberdade de pensamento de cada um. Compete à comunidade universitária indagar uma integração mais esclarecida do papel essencial que possui na sociedade, combatendo as incomensuráveis ameaças às conquistas sociais históricas alcançadas, como sejam a justiça social, a solidariedade, a liberdade com responsabilidade e a democracia. Esses valores sociopolíticos são basilares nos universitários e orientam a vida em sociedade no decurso de sua qualificação citadina e profissional, reforçando práticas escolares que promovam uma cidadania plena.
A Universidade tem por missão primordial uma educação integral, inclusiva, emancipatória e transformadora, gerando nos académicos o sentimento de vínculo e de pertença a uma comunidade. Ocupa-se de uma confluência entre vários pensamentos, conceções e gradações ideológicas que devem ser compartilhadas autónoma e harmoniosamente no ambiente colegial, apoiados por uma vanguarda racional que suplante paixões ou crenças. O ato de educar só tem sentido se norteado por um contexto de valores bem esclarecido. Assim sendo, incrementam os deveres de produção do conhecimento, análise da veracidade e construção de estratégias ecológicas transformadoras e sustentáveis. Em situações de tensão ficamos obrigados a refletir sobre nossas práticas como docentes, estudantes, técnicos e cidadãos, porque elas requerem novas atitudes de confrontação. A importância dos múltiplos papéis da Universidade aumenta e exige um desempenho laborioso em sala de aula, crítico, participativo, criativo e socialmente relevante que integre o conhecimento e a tomada de decisões. Nesta linha de pensamento, diversos autores (Ramos; Barlem; Lunardi; Barlem; Silveira; Bordignon, 2015; Paes de Paula, 2012; Castro, 2008; Beaumont; Colby; Ehrlich; Torney-Purta, 2006) defendem uma formação que desenvolva nos estudantes uma reflexão crítica sobre a atuação dos gestores nas organizações e comunidades, a fim de analisarem o potencial da sua prática profissional para a transformação social.
A transformação das experiências quotidianas decorrentes de uma tecnologia em permanente modernização instalada nas habitações e na vida privada exige que as universidades sejam locais de abertura ao universal, onde a autonomia do universitário se possa explicitar dentro de uma estrutura intersubjetiva e não obtida individualmente.
Em determinados casos surgem conflitos em função de interesses, pontos de vista, convicções políticas e ideológicas. Esta conflitualidade é inerente à própria natureza humana que necessita ser trabalhada parcimoniosamente, visando à obtenção de propostas adequadas às pessoas e à coletividade, na transmissão dos valores de geração em geração onde a cidadania seja um valor institucional que se estabelece na base da justiça e que lidera a solidez na partilha das funções, dos direitos e dos deveres. Neste sentido, Park, Twenge e Greenfield (2017) realçam que os valores que determinam as atitudes e os padrões de comportamento que se observam diariamente proporcionam significação e fundamentam as escolhas das pessoas. Acresce que nas gerações recentes o desenvolvimento dos valores tem sido influenciado por conjunturas de convívio ímpares, como sejam as redes sociais. Estas variadas identidades sociais são moldadas a partir da juventude até à idade adulta procedente (Félonneau; Lannegrand-Willems; Becker; Parant, 2013) e a integração dos cidadãos depende dos distintos conjuntos socioculturais e das naturezas regionais para as identidades sociais.
No contexto social atual, constata-se um desajustamento da juventude à realidade e frente à política (Bicalho; Barbosa; Meza, 2015). Logo, a educação para a cidadania é do interesse de todas as instituições de socialização, de formação e de expressão da vida pública, cabendo à universidade facultar ao estudante acesso aos saberes e práxis de uma cidadania ativa. Saberes estes que contenham uma importância real para o futuro desempenho profissional do aluno com o compromisso de beneficiar a sociedade do aprendido (Pinheiro; Arantes, 2015). As Universidades acolhem no seu campus estudantes provenientes de comunidades distintas, quer a nível socioeconómico e cultural, quer a nível ideológico político e espiritual (Varela, 2016; Kahne; Chi; Middaugh, 2006). Nestas coletividades as condições são benéficas para os estudantes desenvolverem processamentos políticos sobre democracia, cultura política e organização da comunidade académica. A juventude é uma fase de descoberta e formação de identidade, sendo a altura primordial para o desenvolvimento de crenças e compromissos cívicos que cooperam para o entendimento de cidadania (Harriger, 2016). O envolvimento cívico e a participação em atividades comunitárias são vitais para o futuro das sociedades democráticas. Os valores estão correlacionados com as aspirações de cada pessoa, determinando a conduta na vida cívica, atributos individuais e particularidades que correspondem a esses proveitos sociais (Mesquita; Bonfim; Padilha; Silva, 2016).
Atualmente, a controvérsia sobre cidadania volto u a ser mais intensa devido ao desafio arquitetado pelas espinhosas transformações da sociedade, onde se evidencia a questão do individualismo e a apatia crescente que estão dominando a vida social (Jetten; Iyer, 2010).
O ser um cidadão integral pressupõe beneficiar, não só de direitos civis e políticos (direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei), mas também os sociais que garantem a participação das pessoas no património coletivo (direito à educação, ao trabalho, à justa remuneração, à saúde). Só com esta integralidade de direitos se garante, efetivamente, uma democracia participativa (Faria; Sauerbronn, 2008). Por conseguinte, a participação cívica é considerada uma das cláusulas basilares para que as comunidades adquiram o controle sobre a sua saúde ecológica.
As Instituições de Ensino Superior enfrentam uma fraca participação política que se repercute nos baixos índices de votação dos jovens em eleger os órgãos de colegiado de associações de governação na escassa organização das comunidades estudantis e em uma baixa cultura política. Neste contexto, os alunos encontram-se perante uma encruzilhada, a política por um lado e, por outro, a sua negação, o apolítico ou a indiferença (Varela, 2016).
A baixa participação cívica juvenil, particularmente nos universitários, é uma situação que cativa não só os atores envolvidos na promoção de uma maior participação dos eleitores, como é motivo de preocupação dos pesquisadores das áreas das ciências Sociais (Reichert; Print, 2018). Perante este afastamento preocupante dos estudantes, enfatiza-se a necessidade de conhecer a situação das Instituições e da autonomia nas organizações estudantis, mormente a sua importância na exercitação de direitos e deveres em prol do incremento dos níveis de participação política universitária sem imposições ideológicas. As comunidades escolares são atores políticos que vêm lutando desde sempre para preservar a sua autonomia, objetivo não adquirido por diversas razões, tais como: o plano curricular, o modelo político/organizacional conduzido pelos responsáveis da liderança institucional. É patente que a participação política dos estudantes universitários tem sido considerada limitada e fragmentada na formação de valores. Todavia, ela existe e manifesta-se de formas distintas, prevalecendo quer de modo negativo, girando em torno das demandas do mercado e dos interesses pragmáticos das instituições educacionais, quer de modo positivo em torno de questões pontuais, através de estratégias de sensibilização e mobilização, algumas com recurso às novas tecnologias e às redes sociais presentes nos processos de transformação da sociedade, conforme refere Brenner (2011). Na sua perspetiva, os jovens inseridos nos novos modelos de militância política que nascem dos emergentes movimentos sociais como os ambientalistas, antiglobalização e outros têm um comprometimento em formas menos institucionalizadas de participação.
O papel da educação de terceiro nível é determinante para o desenvolvimento de qualquer País (Varela, 2016). Historicamente, a educação é a força motriz de uma sociedade, mantendo os seus níveis de desenvolvimento e os modos de transmissão geracional, sendo decisiva para permanecer, reproduzir e transformar.
Para analisar um determinado país ou grupo social, um dos indicadores primordiais de desenvolvimento a ser analisado é a Educação. É tido em linha de conta uma formação baseada em princípios universais e ações que promovam o desenvolvimento da democracia, a efetivação da cidadania, a participação social estudantil. Por outro lado, a sua concretização depende de uma pedagogia que consagre nas novas gerações o direito a um legado de realizações históricas às quais conferimos valor, ou seja, a igualdade de oportunidades, tanto em suas práticas, quanto à acessibilidade aos bens culturais da comunidade: conhecimentos, linguagens, expressões artísticas, práticas sociais e morais.
Pretende-se um Estabelecimento de Ensino operante no sentido da transformação visando à inclusão social que reduza o insucesso escolar e a discriminação dos mais desfavorecidos. Em síntese, um espaço onde a convivência democrática possa ser exercitada contribuindo para a construção de valores democráticos tais como, participação cívica, tolerância, responsabilidade, igualdade, equidade, transparência, liberdade e respeito pelos direitos humanos.
Método
Decorrente da literatura consultada surge o presente estudo nos universitários da Madeira e de Fortaleza, locais de formação dos jovens para uma cidadania global (conforme preconiza a UNESCO (2014)), comparando dois contextos geográficos e culturais visando analisar a dimensão dos valores sociopolíticos dos universitários, mediante uma pesquisa transversal e inferencial.
A amostra de universitários é significativa (n=605) sendo 225 da Universidade da Madeira (UMa), instituição pública portuguesa localizada no Funchal, ilha da Madeira e 380 da Universidade de Fortaleza (UNIFOR), universidade privada do norte e noroeste do Brasil. Os dados foram colhidos no Campus Universitário, antes ou após as aulas, selecionados aleatoriamente pelos diferentes cursos. Como critérios de inclusão os jovens dos cursos de graduação/licenciatura, com idades entre 18 e 24 anos, sendo excluídos os que não se incluam na faixa etária estabelecida, os que frequentam cursos de pós-graduação e os que não preencham corretamente o questionário. Além de questões de caraterização sociodemográfica, utilizou-se o Questionário Estruturado sobre os Valores (Lages (1987), adaptado do European Values Survey), constituído por 30 questões compostas, agrupadas por 6 dimensões de valores em estudo e que são: Bem-estar Individual; Relações Interpessoais; Participação e Intervenção Social; Ética e Sentido da Vida; Família e os Valores Sociopolíticos. A recolha de dados decorreu no ano 2017 após aprovação pelo comitê de ética e os participantes foram elucidados da confidencialidade e anonimato dos resultados, dos objetivos do estudo e da previsão de divulgação consequente, dando o seu consentimento informado no momento do preenchimento dos questionários. Foram também informados que podiam desistir a qualquer momento durante a participação, sem qualquer dano. Utilizou-se estatística descritiva mediante o cálculo de frequências, médias, moda, desvio padrão e valores mínimos e máximos e a estatística inferencial (T de Student e Qui-quadrado, dada a natureza das variáveis.
A questão que norteou esta pesquisa foi: Quais os VALORES SOCIOPOLÍTICOS, onde se incluem as subdimensões opinião sobre valores fundamentais, orientações face a padrões de valores, sentimento da existência de injustiça e razões da sua existência, explicações das desigualdades sociais e importância atribuída a certas palavras-chave, defendidos pelos jovens universitários da Universidade da Madeira e da Universidade de Fortaleza?
Resultados
A distribuição média por idades dos estudantes da UMa é de 21 anos, a maioria é do sexo feminino (percentagens ≥ 65%) e solteira (percentagens ≥ 96%). No que respeita ao grupo étnico a maioria é de raça branca (96%) e parda (55%), respetivamente na UMa e na UNIFOR. A variável etnia foi considerada apenas para caraterização dos participantes que vivem em contextos geográficos distintos.
Quanto à opinião sobre valores fundamentais, quase a totalidade dos estudantes atribui muita importância a todos os valores, sendo mais valorizados na UMa a liberdade, a igualdade, a fraternidade e os direitos humanos (percentagens ≥ 88%). Na UNIFOR destaca-se a liberdade, a fraternidade e a solidariedade (percentagens ≥ 87%). Todavia analisando os resultados da Tabela 1 constatamos que apenas não existe diferença estatisticamente significativa na opinião sobre os direitos humanos, sendo os universitários de Fortaleza os que revelam melhor opinião acerca dos valores liberdade (p=0.006), igualdade (p=0.002), fraternidade, solidariedade e progresso (todos p<0.001).
Região | Madeira (n =225) |
Fortaleza (n = 380) |
p | ||
---|---|---|---|---|---|
Opiniões sobre: | X̅ | s | X̅ | s | |
Liberdade | 3.52 | 0.84 | 3.70 | 0.61 | 0.006 |
Igualdade | 3.50 | 0.82 | 3.70 | 0.61 | 0.002 |
Fraternidade | 3.32 | 0.82 | 3.68 | 0.63 | <0.001 |
Solidariedade | 3.47 | 0.76 | 3.72 | 0.62 | <0.001 |
Progresso | 3.35 | 0.81 | 3.62 | 0.67 | <0.001 |
Direitos Humanos | 3.51 | 0.82 | 3.57 | 0.69 | ns |
Fonte: Elaboração própria.
No respeitante às orientações face a padrões de valores, os estudantes de ambas as instituições, revelam a mesma tendência, concordando apenas em parte com os seguintes pressupostos: cada vez há mais imoralidade (percentagens ≥ 50%) e, que cada qual cuide de si (percentagens ≥ 43.2%). Em contrapartida, não concorda com as seguintes frases: o homem deve ganhar mais do que a mulher (percentagens ≥ 87%), o sofrimento só tem sentido quando se acredita em Deus (percentagens ≥ 66.3%), a vida não tem sentido (percentagens ≥ 75%), o casamento é uma instituição ultrapassada (percentagens ≥ 66%), olho por olho dente por dente (percentagens ≥ 60%) e nada de confiar nos outros (percentagens ≥ 52 %). Verificamos (Tabela 2) que existem diferenças estatisticamente significativas apenas nas situações referentes às frases: cada qual cuida de si (p=0.003), nada de confiar nos outros (p<0.001), o homem deve ganhar mais que a mulher (p=0.027) e o sofrimento só tem sentido quando se crê em Deus (p<0.001). Em todas essas premissas, novamente, são os universitários de Fortaleza que evidenciam maior concordância.
Região | Madeira (n=225) |
Fortaleza (n=380) |
p | ||
---|---|---|---|---|---|
Concordava com a frase: | X̅ | s | X̅ | s | |
Cada qual cuide de si | 1.75 | 0.66 | 1.91 | 0.60 | 0.003 |
Nada de confiar nos outros | 1.55 | 0.61 | 1.75 | 0.57 | <0.001 |
Olho por olho, dente por dente | 1.41 | 0.56 | 1.46 | 0.61 | ns |
Cada vez há mais imoralidade | 1.80 | 0.68 | 1.85 | 0.74 | ns |
O homem deve ganhar mais que a mulher | 1.14 | 0.37 | 1.07 | 0.34 | 0.027 |
O casamento é uma instituição ultrapassada | 1.40 | 0.60 | 1.33 | 0.58 | ns |
O sofrimento só tem sentido quando se crê em Deus | 1.15 | 0.37 | 1.44 | 0.68 | <0.001 |
A vida não tem sentido | 1.28 | 0.52 | 1.19 | 0.52 | ns |
Fonte: Elaboração própria.
A maioria dos universitários (com valores ≥ a 80.4% da população) declara o sentimento da existência de injustiça social no mundo e quanto às razões que originam aquela sensação referem-se à corrupção e aos benefícios do poder (percentagens ≥ 68%). A proporção de universitários de Fortaleza que consideram existir injustiça social e que esta é devida a corrupção e benefícios do poder (p=0.002) e ao facto do governo não olhar pelo povo (p=0.016) é significativamente superior à proporção observada entre os universitários da Madeira (ver Tabela 3).
Região | Madeira (n=225; n = 181) |
Fortaleza (n=380; n= 372) |
p | ||
---|---|---|---|---|---|
Existência de muita injustiça social e as suas razões: | n | % | n | % | |
Existência de muita injustiça social | 181 | 80.4 | 372 | 97.9 | <0.001 |
Os tribunais são lentos a fazer justiça | 79 | 43.6 | 138 | 37.1 | ns |
Desigualdade de salários entre homens e mulheres | 40 | 22.1 | 76 | 20.4 | ns |
A corrupção e os benefícios do poder | 153 | 84.5 | 346 | 93.0 | 0.002 |
Há muito desemprego | 75 | 41.4 | 117 | 31.5 | ns |
Não haver pessoas muito ricas e outras muito pobres | 50 | 27.6 | 119 | 32.0 | ns |
O governo não olha pelo povo | 65 | 35.9 | 174 | 46.8 | 0.016 |
Fonte: Elaboração própria.
Quanto às explicações das desigualdades sociais, os estudantes entendem ser essencialmente devido aos patrões não pagarem salários justos (percentagens ≥ 51%) e os estudantes da UNIFOR acrescentam maioritariamente (77.9%) que entendem ser, devido às pessoas não possuírem instrução para terem bons empregos.
Relativamente às razões pelas quais existem pessoas pobres e necessitadas no país, os resultados que apresentamos, no Tabela 4, permitem-nos verificar que existem diferenças significativas nas opções referentes a pouca sorte na vida (p=0.003), ao facto das pessoas serem preguiçosas/não trabalharem (p<0.001) e não terem instrução que lhes permita ter bons empregos. Analisando os valores percentuais podemos afirmar que as proporções de indivíduos que creem nos dois primeiros motivos como entendimento para a pobreza são mais elevadas nos universitários da Madeira, ao passo que os universitários de Fortaleza atribuem mais a pouca instrução das pessoas (p<0.001).
Região | Madeira (n=225; n = 181) |
Fortaleza (n=380; n= 372) |
p | ||
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Razões de existirem pessoas pobres e necessitadas: | n | % | n | % | |
Têm pouca sorte na vida | 56 | 24.9 | 57 | 15.0 | 0.003 |
São preguiçosos e não trabalham | 71 | 31.6 | 60 | 15.8 | <0.001 |
Os ricos ficam com tudo | 61 | 27.1 | 121 | 31.8 | ns |
Os patrões não pagam salários justos | 119 | 52.9 | 193 | 50.8 | ns |
Não têm capacidade para o trabalho | 49 | 21.8 | 71 | 18.7 | ns |
Não têm instrução para ter bons empregos | 88 | 39.1 | 296 | 77.9 | <0.001 |
É a sua maneira de ser | 15 | 6.7 | 22 | 5.8 | ns |
Fonte: Elaboração própria.
No que respeita à importância atribuída a diversas palavras-chave os inquiridos consideram maioritariamente (com valores superiores a 72%) muitíssimo/muito importante todas as seguintes palavras elencadas: saúde, amor, felicidade, verdade, justiça, amizade, boa vontade, bondade, bem-estar, prazer, justiça e gozo. Destacamos que, apenas à palavra poder, maioritariamente, os estudantes de ambas as instituições atribuíram pouca ou nenhuma importância (com valores ≥ 53%) o que permite inferir o desinteresse por este termo considerado gerador de injustiça social no mundo. Por outro lado, a maioria dos estudantes da Universidade da Madeira atribuíram pouca ou nenhuma importância ao Evangelho (68%) o que não se verifica em Fortaleza (32%). Os resultados que apresentamos na Tabela 5 confirmam a existência de diferenças estatisticamente significativas em todas as palavras-chave e a comparação dos valores médios revela que os universitários de Fortaleza tendem a atribuir maior importância às palavras evangelho (p<0.001), poder (p=0.012), amor (p<0.001), saúde (p<0.001), riqueza (p=0.001), fé (p<0.001), prazer (p<0.001), felicidade (p<0.001), boa vontade (p<0.001), gozo (p<0.001), justiça (p<0.001), prestígio (p<0.001), Deus (p<0.001), bem-estar (p<0.001), beleza (p=0.002), amizade (p<0.001), verdade (p<0.001) e bondade (<0.001).
Região | Madeira (n=225) |
Fortaleza (n=380) |
p | ||
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Importância de algumas palavras: | X̅ | s | X̅ | s | |
Evangelho | 2.01 | 0.98 | 3.05 | 1.09 | <0.001 |
Poder | 2.40 | 0.80 | 2.57 | 0.81 | 0.012 |
Amor | 3.44 | 0.82 | 3.82 | 0.48 | <0.001 |
Saúde | 3.56 | 0.79 | 3.84 | 0.43 | <0.001 |
Riqueza | 2.67 | 0.80 | 2.88 | 0.81 | 0.001 |
Fé | 2.80 | 1.04 | 3.56 | 0.82 | <0.001 |
Prazer | 3.20 | 0.81 | 3.50 | 0.63 | <0.001 |
Felicidade | 3.50 | 0.78 | 3.86 | 0.42 | <0.001 |
Boa vontade | 3.41 | 0.80 | 3.77 | 0.48 | <0.001 |
Gozo | 2.96 | 0.84 | 3.42 | 0.74 | <0.001 |
Justiça | 3.40 | 0.89 | 3.74 | 0.56 | <0.001 |
Prestígio | 2.87 | 0.92 | 3.31 | 0.78 | <0.001 |
Deus | 2.56 | 1.11 | 3.56 | 0.85 | <0.001 |
Bem-estar | 3.36 | 0.88 | 3.73 | 0.50 | <0.001 |
Beleza | 2.79 | 0.84 | 3.01 | 0.81 | 0.002 |
Amizade | 3.42 | 0.86 | 3.69 | 0.58 | <0.001 |
Verdade | 3.49 | 0.81 | 3.81 | 0.49 | <0.001 |
Bondade | 3.39 | 0.87 | 3.82 | 0.47 | <0.001 |
Fonte: Elaboração própria.
Discussão
Política sem participação dos jovens não existe ou não tem significado, pois seria o mesmo que negar a sucessão das gerações no comando do país. O que mais parece contribuir para o abstencionismo juvenil são fatores que condicionam o desenvolvimento político e a cultura organizacional (Costa, 2018).
Na qualidade de vanguarda social é nosso dever trabalhar para inserir os jovens no espetro da política, de modo a que se transformem em protagonistas da contemporaneidade. Os dados do nosso estudo facilitam-nos em grande parte esta missão educacional para os valores basilares, uma vez que a maioria dos estudantes inquiridos atribui muita relevância à liberdade, igualdade, fraternidade, solidariedade e progresso, sendo os universitários de Fortaleza os que revelam vantagem.
Em consonância, uma pesquisa do Instituto Data Popular (Costa, 2018), antes da recente eleição presidencial brasileira, mostra o perfil de um jovem brasileiro trazendo recados importantes à classe política, em que a observância é reveladora do abstencionismo juvenil - os políticos são analógicos e a juventude é digital, pois a maioria pertence aos eleitores indecisos que referem que os governantes não falam sua linguagem. Todavia a maioria acredita na própria capacidade de mudar o mundo, no voto como instrumento de transformação da nação e reconhecem o papel determinante da política no cotidiano brasileiro. Em oposição, 60% acredita que o país estaria melhor se não houvessem partidos políticos. O fato é que a juventude ambiciona um Estado forte, com eficiência no setor privado e serviços públicos gratuitos, usando métodos rigorosos para medir a qualidade dos serviços. O estudo de Jahromi, Crocetti e Buchanan (2012) reforça que é necessário um esforço das instituições de Ensino Superior para envolver a juventude politicamente mediante abordagens curriculares que forneçam oportunidades para discutir ativamente os problemas sociais, desenvolvendo a responsabilidade social, o compromisso cívico e habilidades dos estudantes.
Os estudantes desta pesquisa, na globalidade, concordam com os pressupostos de que cada vez há mais imoralidade e discordam que o homem deva ganhar mais do que a mulher, verificando-se diferenças significativas nas premissas: cada qual cuida de si, nada de confiar nos outros e o sofrimento só tem sentido quando se crê em Deus, sendo os universitários de Fortaleza que evidenciam maior concordância. Perante estes resultados, depreendemos que a desconfiança dos estudantes está em crescendo, bem como o individualismo e a sensação de imoralidade no coletivo. Nesta perspetiva, Finkler, Caetano e Ramos (2013) argumentam que os valores, apesar de atualizados ao longo do tempo, conforme as culturas e os povos mantêm a sua essência, permanecem ao nosso dispor, precisamos é vivenciá-los, pois só têm significado quando usados em nossas relações e na vida cotidiana. Alguns pesquisadores (Ortiz; Hernández; Femenía, 2014; Caixeta; Sousa, 2013) argumentam que as mudanças podem ser notadas nas atitudes políticas de jovens quando entram na universidade ao serem expostos a diferentes forças e dinâmicas contextuais que moldam suas atitudes e crenças através do processo de socialização. Em contrapartida, Bydlowski, Lefèvre e Pereira (2011) apontam que a população brasileira possui características particulares que refletem, ainda, o período colonial. Entremeia-se uma condição de submissão com os processos democráticos que estão ocorrendo, atitude essa, que caracteriza cidadãos indiferentes e despolitizados. Isto dificulta o alcance de melhores condições de vida e saúde, em que todos tenham a mesma oportunidade para alimentação, educação, saúde, enfim, para uma sobrevivência digna.
A maioria dos universitários declara existência de injustiça social no mundo, particularmente decorrente da corrupção e dos benefícios do poder e ao facto dos governantes não olharem pelo povo, sendo mais manifesto nos estudantes brasileiros. Razões evidentes para destacar o estudo de Chan, Ou e Reynolds (2014) que sugere como tendências recentes em diversos países democráticos globalizados o desprendimento crescente dos jovens da sociedade envolvente, especialmente da política.
As razões mais mencionadas da existência de desigualdades sociais nos universitários da Madeira são a pouca sorte na vida e as pessoas serem preguiçosas/não trabalharem. Os estudantes de Fortaleza alegam que as assimetrias são devidas ao facto de as pessoas não terem instrução que lhes permita terem bons empregos. Uma pesquisa com dois mil e quatrocentos estudantes universitários da Carolina do Norte, EUA, realizada por um grupo de trabalho sobre a aprendizagem cívica e envolvimento burocrático constatou que apenas um terço dos entrevistados tiveram sua consciência cívica desenvolvida na faculdade (Harriger, 2014), pelo que salientamos o papel marcante das Instituições de Ensino Superior na preparação dos alunos para a vida cívica. Esta participação cívica (Padrón, 2014) envolve uma melhor compreensão da realidade e contribuição na educação comum dos cidadãos, sendo um meio para alcançar a distribuição equitativa de benefícios e uma maneira de participar nos processos de decisão.
A existência de muita injustiça social, corrupção e abuso do poder, expressa nos resultados deste estudo, denota a descrença instalada nos estudantes brasileiros e portugueses, na equidade, na justiça e, principalmente, nos órgãos poder.
Mediante os dados obtidos constatamos, de um modo geral, que os estudantes alegam explicações laborais ou educacionais para justificarem as desigualdades sociais nas quais, muitas vezes, têm a sua quota-parte de responsabilidade visto que, a tolerância, a saúde, a riqueza, a verdade, a bondade, a justiça, o amor e a solidariedade foram valores aos quais atribuíram muita importância e por falta de participação ativa da coletividade, não se concretizam na prática quotidiana. Rocha e Siqueira (2009) explicam que a universidade tem sido considerada um espaço privilegiado para a construção da cidadania, objetivando o desenvolvimento de sujeitos autônomos que contribuam para o questionamento e desenvolvimento da sociedade. Por sua vez, a UNESCO (2014) na sua publicação Educação para a cidadania global: preparando alunos para os desafios do século XXI reforça a importância crucial da educação. Daí, a importância fundamental de encarar as universidades como esferas públicas democráticas, dedicadas a formas de fortalecer o Ser Individual e o Social, que entre múltiplos requisitos, a sociedade também espera delas a missão de contribuir para a promoção da paz, do bem-estar, da prosperidade e da sustentabilidade no mundo global. A presença do processo de mercantilização que marca a sociedade atual na instituição universitária, com efeitos importantes na subjetividade do aluno e nos papéis sociais que assumem, aponta para uma ausência de utopias dos jovens, um esvaziamento de projetos de vida e de espaços públicos para a construção da cidadania (Santinello; Cristini; Vieno; Scacchi, 2012; Bolan; Motta, 2007).
Considera-se que o facto de os estudantes atribuírem maioritariamente pouca ou nenhuma importância ao poder, é revelador da indisciplina existente nas empresas e instituições, pelo que poucas são as pessoas que queiram assumir responsabilidades acrescidas (Jahromi; Crocetti; Buchanan, 2012).
Salienta-se que a maioria dos estudantes da Madeira atribuíram pouca ou nenhuma importância ao Evangelho, dados estes reveladores de uma juventude procedente de um estado laico como o estado português que revela uma certa desconsideração imaterial decorrente de uma crise a todos os níveis que perdura no espaço europeu (desemprego, terrorismo, xenofobia, pedofilia, corrupção, envelhecimento demográfico). Neste sentido, Carvalho (2010) sublinha que os sinais da crise não são de difícil reconhecimento, salientado a redução da prática religiosa, diminuição do pedido de sacramentos, menor participação na educação religiosa escolar, incremento da crise de vocações sacerdotais e religiosas, comunidades envelhecidas e o distanciamento das pessoas perante as tradições do cristianismo, entre outros fatores.
Conclusão
A realização desta pesquisa facultou informações pertinentes relativamente às novas realidades dos valores sociopolíticos estudantis, possibilitou comparações em contextos geográficos e culturais distintos, permitindo analisar os valores que perduram e os que se transformam ao longo dos tempos. Dados esses interessantes na determinação dos valores que deverão ser transmitidos às novas gerações de modo a possibilitar intervenções no ensino/aprendizagem visando à criação de gerações mais humanistas que saibam viver em harmonia com outras ideologias, outras culturas e outros sistemas de valores, onde exista uma partilha para um enriquecimento cultural.
Os resultados sobre os valores inerentes à dimensão sociopolítica dos universitários de contextos geográficos distintos (Brasil/Portugal) podem contribuir para reflexões da formação cidadã desses estudantes durante o curso de graduação, no âmbito dos estudos organizacionais. Dessa forma, a partir das perceções apresentadas neste trabalho torna-se crucial promover estratégias organizacionais visando à conscientização para valorização da participação dos estudantes nos lugares públicos participativos. A educação/formação de adultos qualificados deverá incluir componentes que autentiquem o exercício de práticas profissionais éticas e responsáveis, pois a ética no exercício profissional é uma forma de expressão da cidadania democrática e, também, uma forma de prevenção primária da violência.
Este estudo não explorou a possibilidade de existirem diferenças entre os estudantes universitários em função da etnia. Investigações futuras deverão ser implementadas a fim de se verificar a possibilidade do capital cultural poder suplantar as desvantagens étnicas (Ribeiro; Neves; Menezes, 2016) e as distintas assunções de valores.
Estudos como este são importantes no atual cenário de discussões acerca da temática juvenil e da participação política dada a sua potencialidade de repercutir em reflexões que ultrapassam as discussões acadêmicas, ampliando e compartilhando uma reflexão sobre a pluralidade de formas de ser jovem e de participação política no contemporâneo. Como revelado na literatura, o modo como os jovens se sentem em relação à política é, na verdade, semelhante ao que a teoria descreve. Diferenças maiores na participação política são explicadas pelo nível socioeconómico, realização educacional e de outras formas mais inovadoras de participação, que incluem as redes sociais, petições e a demonstração.
O estudo aponta para a implementação de estratégias formativas que visem à evolução sociopolítica de professores, máxime seu ecletismo e responsabilidade ético/deontológica na promoção do desenvolvimento integral e autónomo, em termos ideológicos dos estudantes universitários, norteando conceções, reflexões e experiências congruentes com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Com a multiculturalidade, a tecnologia e o desenvolvimento das próprias culturas os valores-padrão dos jovens transformaram-se deveras, dando origem a novos paradigmas outrora impensáveis. Deseja-se que seja este artigo uma contribuição válida não apenas na materialização de preceitos éticos, sociopolíticos, mas também no fortalecimento de um campo conceitual de difícil apreensão que se traduza em ferramenta para a construção de um mundo mais justo.
Os jovens exteriorizam indiferença na participação em atividades sociopolíticas por não sentirem qualquer atração. Seu desprendimento é influenciado por efeitos da etapa do ciclo vital e por descrença nos atores políticos fruto da corrupção e abusos de poder, da postura dessincronizada analógica/digital e da dialética oratória/práxis antagónica.
O escopo da educação cívica deve ser ampliado ultrapassando a simples transferência de conhecimento e desempenhar um papel fundamental no legado da relevância da participação política e da cidadania responsável. Investigações futuras deverão contemplar novas formas de participação política distintas das tradicionais que poderão implicar um novo olhar da coletividade e, além disso, a possibilidade de comparar a perspetiva dos jovens com as representações de adultos e de seniores sobre os valores políticos. Hoje em dia o jovem deve estar atento, pois o ambiente sociopolítico tornou-se muito profissional e hostil.