Introdução
Este artigo busca discutir as políticas da Educação Especial (EE) no Ensino Superior como uma área mais específica do campo mais amplo das chamadas Políticas de Inclusão. No Brasil, a EE foca legalmente em (1) pessoas com deficiência, (2) transtornos globais do desenvolvimento e (3) superdotação (Brasil, 1996; 1999; 2015). Nosso principal objetivo é apresentar uma análise das matrículas de pessoas com deficiência em instituições de ensino superior no Brasil. Os dados são extraídos do Censo do Ensino Superior realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e do mais recente Censo Demográfico (2010), conduzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Especificamente, buscamos analisar o que os microdados da Educação Superior revelam a respeito das matrículas dos estudantes-alvo da área da Educação Especial nas universidades brasileiras. Inicialmente, refletimos a respeito dos fundamentos ideológicos e problemas estruturais das Políticas de Inclusão, identificados por intelectuais nas áreas de Educação Especial e de Sociologia desde o início dos anos 1990, e, em seguida, discutimos os avanços e limitações das práticas inclusivas em políticas públicas brasileiras. Por fim, caminhamos de uma discussão crítica das relações dialéticas de inclusão e exclusão no sistema capitalista para a construção de uma análise do espaço conquistado por estudantes com deficiência em universidades brasileiras.
Revisão de Literatura
Os enfrentamentos socioculturais e históricos que as mudanças estruturais e sociopolíticas exigem para educação de pessoas com deficiência têm sido alvo de discussão de variados pesquisadores no Brasil e no mundo (Bueno, 2013; Goodley, 2011; Kassar, 2013; Oliver; Barnes, 2012). No Brasil, especificamente, apesar das tentativas de reestruturar o sistema educacional para acomodar estudantes com deficiência ao longo dos últimos 30 ou 40 anos, a EE parece ainda debater-se nas mãos da exclusão, da segregação e da filantropia (Jannuzzi, 2006; Mazzotta, 1996; Santos, 2016; 2020). O movimento global dos anos 1990 a favor da inclusão de estudantes com deficiência foi adotado pelo governo brasileiro e por diversos acadêmicos brasileiros como uma solução definitiva para todos os problemas da exclusão. O Estado brasileiro, entretanto, implementou políticas avessas a uma educação universal e de equidade, e a responsabilidade social por pessoas com deficiência permanece sob os domínio da caridade (Mestriner, 2005).
Um dos problemas parece ser o fato de que as políticas públicas e os pesquisadores raramente consideram a dialética da inclusão e exclusão, que compreende uma como parte fundamental da outra (Martins, 2012; Marx, 2013; Avis, 2018). Considerar esse movimento dialético não significa negligenciar os avanços possibilitados pelas políticas até então, mas configura-se como um modo de investigar os limites engendrados no cerne de nossas relações sociopolíticas e histórias em uma tentativa de promover práticas ainda mais igualitárias.
Os conceitos de igualdade, inclusão e globalização foram cooptados pelo discurso neoliberal e transformados em estratégias que visam a reparação de problemas estruturais do capitalismo sem promover mudanças sociais reais. De acordo com Mészáros (2012, p. 17),
Independentemente das alegações da atual ‘globalização’, é impossível existir a universalidade no mundo social sem igualdade substantiva. Evidentemente, portanto, o sistema do capital, em todas as suas formas concebíveis ou historicamente conhecidas, é totalmente incompatível com suas próprias projeções - ainda que distorcidas e estropiadas - de universalidade globalizante.
Para Martins (1997), a sociedade capitalista exclui para incluir e o faz de maneira desumana e precária. As promessas de igualdade e inclusão são reificadas e parte de um longo processo de desumanização e alienação (Mészáros, 1970; 2005). Na EE, Neri (2003) destaca que, apesar de políticas que aparentemente apoiam a educação de pessoas com deficiência, essas pessoas têm, na realidade, menor acesso a ela e, em geral, encaram muito mais desafios no processo de escolarização quando comparadas a estudantes sem deficiência. O processo é ainda mais complexo quando a deficiência é associada a outras características que podem colocar indivíduos em desvantagem social, como raça, gênero e classe social (Santos, 2020).
O aumento do número de matrículas de estudantes pode aparentar ser um efeito positivo de tais políticas. No entanto, os números que indicam a distorção idade-série apontam os problemas estruturais na qualidade da educação oferecida, algo parece ser real tanto na Educação Básica quanto no Ensino Superior (Almeida; Ferreira, 2018, Bueno, 2013; Ferreira, 1995; Gonçalves, 2012; Oliveira, 2015).
O setor do Ensino Superior brasileiro foi inicialmente projetado, no século XIX, para atender as demandas de uma elite que buscava a dominação econômica, cultural e política. Ao longo dos anos, universidades brasileiras têm sido o local de conflitos e debates políticos na contínua batalha para fazê-las acessíveis às classes mais baixas. Elas se tornaram socialmente reconhecidas como o espaço para debates, produção de conhecimento e intervenção social, em uma tentativa de desafiar a desigualdade social e a estrutura do status quo (Chauí, 2003). Embora o acesso tenha sido expandido, elas seguem como espaço social privilegiado (Cunha, 2003).
Apesar da literatura disponível, a pesquisa com foco em estudantes com deficiência no ensino superior no Brasil ainda é restrita. Essa limitação se revela como resultado das complexidades do assunto e do interesse apenas recente no tema pelo campo da Educação (Almeida; Ferreira, 2018; Cabral; Melo, 2017; Ferrari; Sekkel, 2007; Oliveira, 2013).
Na última década, quando projetos de inclusão para a EE estavam em seus estágios iniciais no Brasil, Ferrari e Sekkel (2007) apontaram três níveis de ação para acomodar e incluir pessoas com deficiência em universidades brasileiras. Primeiro, em um nível institucional, as universidades deveriam reavaliar a maneira como selecionavam e aprovavam estudantes. Segundo, uma vez que qualificações para o ensino não eram - e ainda não são - um requisito para a carreira como professor universitário, a educação inclusiva demanda a necessidade de cursos que visem a capacitação e o aprimoramento das habilidades de ensino. Por último, práticas de ensino antigas e obsoletas deveriam ser superadas, e professores deveriam buscar qualificações de ensino que os auxiliassem a acomodar as diferenças. Essas práticas certamente beneficiariam a todos (Vygotski, 1997).
Conclusões semelhantes foram feitas por Oliveira, seis anos depois (2013). Ao analisar as dificuldades enfrentadas por estudantes com deficiência na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, o autor identificou a falta de apoio e indiferença dos professores e colegas de classe, a ausência de espaços adaptados e a falta de informação e qualificação de funcionários no campus e professores durante as aulas. Em um estudo mais recente, Almeida e Ferreira (2018) ainda se referem a muitos dos mesmos problemas que eram encarados por estudantes com deficiência no início da década.
Consideremos os dois elementos mais importantes da legislação brasileira para a Educação, responsáveis por moldar as políticas públicas nessa área, quais sejam, a Constituição Federal (Brasil, 1988) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (Brasil, 1996).
A Constituição Federal foi concebida em tempos de confluência nas forças políticas brasileiras, após o engajamento de diversos movimentos políticos e sociais que lutavam pela liberdade política, por direitos sociais e educacionais e pelo apoio do Estado no fornecimento de assistência àqueles nas classes mais baixas. Ela reitera direitos humanos como constitucionais e assegura a responsabilidade de fornecer tratamento igual a todos sem discriminação (Bueno, 2013; Kassar, 2013).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira e seus documentos de apoio (Brasil, 2015) garantem, no Art. 3º, que o processo de escolarização deve respeitar diferenças e promover igualdade, providenciando condições de acesso e permanência de estudantes na escola. Ela reconhece o Ensino Superior como uma parte do sistema educacional que prepara profissionais para diferentes setores do mercado e contribui para o desenvolvimento da sociedade brasileira. Ela também designa educação especial gratuita em todos os níveis de educação para estudantes que fazem parte da comunidade da Educação Especial, preferivelmente no sistema regular.
Documentos complementares foram elaborados para a contribuir com o processo de escolarização e educação acadêmica de estudantes com deficiência. Esses estudantes são parte da responsabilidade do sistema educacional brasileiro e devem receber a assistência e o auxílio necessários para facilitar seus processos de escolarização (Brasil, 1999;2003;2008a; 2008b; 2009; 2011a; 2011b; 2015;2016a; 2016b).
Diante dos desafios impostos à escolarização de estudantes com deficiência na Educação Básica e considerando os desafios sócio-históricos mencionados anteriormente para democratizar a Educação no Brasil, abordamos o acesso, a permanência e a conclusão da formação dos estudantes-alvo da Educação Especial nas universidades brasileiras.
Materiais e Métodos
No Brasil, o Censo do Ensino Superior é o instrumento mais compreensivo para a coleta de dados acerca do setor do Ensino Superior brasileiro. Os resultados são publicados e providenciados no site do INEP na forma Resumo Técnico, Sinopse Estatística e Microdados. Esse censo é realizado anualmente e cobre todos os cursos de graduação e pós-graduação no Brasil, apresentando uma visão geral das
[…] instituições de ensino superior, seus cursos de graduação presencial ou a distância, cursos sequenciais, vagas oferecidas, inscrições, matrículas, ingressantes e concluintes e informações sobre docentes nas diferentes formas de organização acadêmica e categoria administrativa (INEP, online).
Os Indicadores Sociais impactam diretamente futuros processos de elaboração de políticas para a educação, incluindo financiamento, distribuição de livros, construção de novas escolas, universidades e bibliotecas, manutenção de escolas e assistência na formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas educacionais em todas as esferas governamentais (Jannuzzi, 2006).
Apesar de seu aspecto aparentemente quantitativo, a realidade revelada pela análise dos Indicadores Sociais e o impacto que elas possuem na sociedade são qualitativos. Trabalhamos, portanto, a partir de uma perspectiva que entende qualidade e quantidade como uma unidade dialética, na qual não há qualidade sem quantidade e quantidade sem qualidade. São como “[…] dois polos de um antagonismo […] tão inseparáveis um do outro quanto opostos um ao outro e que, apesar de todo seu caráter antagônico, interpenetram-se reciprocamente” (Engels, 2015 p. 51).
Dado que expressam importantes aspectos do processo de operação de vários setores da sociedade, os indicadores educacionais têm aumentado sua influência na pesquisa educacional. Na Educação Especial, seu uso pode servir como ferramenta avaliativa dos processos de escolarização dos estudantes visados.
Pessoas com deficiência são uma parte do sistema educacional desde a educação básica até o ensino superior. Logo, dados quantitativos retratando sua presença ou ausência no sistema educacional são uma abordagem quantitativa para descrever, analisar e criticamente compreender sua realidade, especialmente quando contrastada com fenômenos sociais, educacionais e políticos.
Como unidade de análise, consideramos o número de matrículas de pessoas com deficiência no Ensino Superior e suas taxas de incidência demográfica. Respectivamente, os dados foram coletados do Censo do Ensino Superior, realizado pelo INEP, e o mais recente Censo Demográfico, realizado pelo IBGE.
Ambos são de domínio público e estão disponíveis na internet para download, extração e processamento por um software estatístico. Utilizamos o programa IBM SPSS Statistics® (Statistical Package for the Social Sciences) para acessar os microdados do INEP. É importante indicar que, de todas as categorias dos microdados providenciados pelo INEP, selecionamos aquelas que caracterizam estudantes do último ano disponível (2018) na época de desenvolvimento da pesquisa (Tabela 1).
AGÊNCIA GOVERNAMENTAL | CATEGORIAS CONSIDERADAS |
---|---|
INEP | TP_CATEGORIA_ADMINISTRATIVA; IN_CONCLUINTE; IN_INGRESSO_TOTAL; IN_DEFICIENCIA_AUDITIVA; IN_DEFICIENCIA_FISICA; IN_DEFICIENCIA_INTELECTUAL; IN_DEFICIENCIA_MULTIPLA; IN_DEFICIENCIA_SURDEZ; IN_DEFICIENCIA_SURDOCEGUEIRA; IN_DEFICIENCIA_BAIXA_VISAO; IN_DEFICIENCIA_CEGUEIRA. |
Fonte: Projetado pelos autores com base nas categorias do INEP.
Em 2010, o IBGE apontou a incidência de diferentes tipos de deficiência e as características que constituem esse segmento da população. O Censo investigou diferentes graus de severidade de deficiência visual, auditiva, física e intelectual (sim, não consegue de modo algum; sim, grande dificuldade; sim, alguma dificuldade). Os dados foram coletados de acordo com o afirmado pelas pessoas entrevistadas. Para este artigo, consideramos aqueles que responderam que possuíam uma deficiência e todas as variáveis associadas. Os dados extraídos de ambas as plataformas foram organizados em tabelas utilizando o Microsoft Excel®.
Na próxima seção, buscamos apresentar uma análise dos dados coletados a partir da perspectiva do materialismo histórico.
Resultados e Discussão
Antes de apresentarmos dados específicos coletados do Censo Escolar (INEP), é crucial nos voltarmos para os dados do Censo Demográfico Brasileiro. O último Censo foi conduzido em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e indicava uma população de 45 606 048 com algum tipo de deficiência ou 23,9% da população do país.
Para a análise das matrículas de estudantes com deficiência no ensino superior, adotamos os estratos de referência do IBGE que correspondem ao da população que poderia potencialmente estar na universidade e/ou possuir um diploma universitário. O estrato, para a população com algum tipo de deficiência, corresponde a 24,9% (11 355 906) e indica aqueles com idade entre 15 e 64 anos (Gráfico 1).
Em 2010, a população brasileira com 15 ou mais anos de idade com ao menos uma das deficiências investigadas pelo IBGE, de acordo com seu nível de instrução, correspondia a 61,1% (6 938 458) de pessoas sem instrução ou com Ensino Fundamental incompleto; 14,2% (1 612 539) das pessoas com Ensino Fundamental completo ou Ensino Médio incompleto; 17,7% (2 009 995) das pessoas com Ensino Médio completo e ensino superior incompleto; e 6,7% (794 914) com ensino superior completo.
Os números aqui já indicam que, em termos de nível de instrução, o sistema educacional brasileiro parece ter falhado em fornecer uma educação completa às pessoas com deficiência - especialmente considerando que 61,1% da população com 15 ou mais anos de idade não possuía instrução ou não havia ainda completado o Ensino Fundamental. Além disso, apenas 6,7% da população visada havia completado o ensino superior. Pode-se argumentar que o estrato de dados considerado engloba também aqueles que não estão em idade de ensino superior (menos de 17 anos de idade). Entretanto, a categoria se estende até os 64 anos de idade, o que poderia ser o suficiente para compensar a disparidade. Consequentemente, não se pode ignorar que a população com deficiência no Brasil teve seu acesso a uma trajetória educacional bem-sucedida amplamente negado, incluindo o ensino superior.
De acordo com o Censo Demográfico de 2010, o estrato de dados que utilizamos para comparar e contrastar com os dados divulgados pelo Censo Escolar é daqueles entre 15 e 64 anos de idade que completaram o Ensino Médio, mas não completaram o ensino superior, isto é, 2009995 pessoas.
O primeiro estrato de dados a ser discutido apresenta a comparação entre as matrículas de estudantes com deficiência, a porcentagem do total de matrículas e o número total de matrículas em universidades brasileiras (Tabela 2).
Ano | Matrículas de estudantes com deficiências | Porcentagem do total | Número total de matrículas |
---|---|---|---|
2009 | 23 135 | 0.33% | 6 982 018 |
2010 | 25 205 | 0.30% | 8 337 219 |
2011 | 29 033 | 0.32% | 8 961 724 |
2012 | 34 656 | 0.36% | 9 565 483 |
2013 | 37 796 | 0.38% | 9 929 289 |
2014 | 45 088 | 0.41% | 10 793 935 |
2015 | 51 685 | 0.46% | 11 187 296 |
2016 | 49 813 | 0.43% | 11 449 222 |
2017 | 52 542 | 0.45% | 11 589 194 |
2018 | 59 496 | 0.49% | 12 043 993 |
Fonte: Elaborado pelos autores com base nos dados coletados do INEP.
O número de matrículas de estudantes com deficiência em universidades brasileiras cresceu de 23 135 para 59 496 entre 2009 e 2018, o que representa um aumento de aproximadamente 257%, enquanto o número total de matrículas representa um aumento de 172,5%. Se considerarmos o número total de matrículas e compará-lo ao número de matrículas de estudantes com deficiência, observamos que a representação de estudantes com deficiência em universidades varia entre apenas 0,33% e 0,49%, no período analisado. Ademais, considerando o número total de pessoas com deficiência com 15 ou mais anos de idade em 2010 (11 355 906), sua representação nas universidades cai para 0,2% e 0,5%, em 2009 e 2018, respectivamente. De forma similar, no nível de instrução visado (2 009 995) em comparação com o de matrículas indica uma variação entre 1,15% e 2,96%.
Consideremos números ideais para melhor ilustrar nossos argumentos. Se todas as pessoas com deficiência com Ensino Médio completo e ensino superior incompleto (2 009 995) estivessem matriculadas em 2018, a representação de estudantes com deficiência em universidades chegaria à marca de 16,6%. Pode-se observar que mesmo ignorando, na comparação, o restante da população com deficiência, o contraste entre a porcentagem de representação ideal e real revela uma grande lacuna. Considerando que nem todos os estudantes que completam o Ensino Médio vão para a universidade, essa porcentagem serve apenas como ilustração, mas ainda assim não perde sua validade como argumento.
Variadas políticas públicas, principalmente nas duas últimas décadas, visaram aumentar o acesso da população brasileira ao ensino superior, como o Programa Universidade para Todos (ProUni), leis de ação afirmativa (para estudantes pretos e pardos, pessoas com deficiência e estudantes de escolas públicas), ReUni (um programa para o apoio, reestruturação e expansão de universidades federais brasileiras), entre outros. Como demonstram os dados, tais políticas públicas tiveram, apesar dos limites, um impacto no acesso ao ensino superior; ao mesmo tempo, elas ainda são limitadas ao considerarmos as porcentagens em comparação à população total. Vejamos, por exemplo, que se a taxa de crescimento aumentasse 257% a cada nove anos e pudéssemos congelar o crescimento populacional, ainda levaríamos mais de 30 anos para que todos os 800,000 estudantes com deficiência terem acesso à educação universitária (aproximadamente 1,000,000 em 2045).
Na verdade, evidências no número de matrículas demonstram que tais políticas públicas recentes tiveram um impacto maior no crescimento de universidades privadas do que no de instituições públicas no Brasil (Tabela 3).
Ano | Públicas | Privadas | |||
---|---|---|---|---|---|
Alunos com deficiência | Total | Alunos com deficiência | Total | ||
2009 | 6 904 (0.40%) | 1 685 860 | 16 231 (0.30%) | 5 296 158 | |
2010 | 7 776 (0.39%) | 1 985 985 | 17 429 (0.27%) | 6 351 234 | |
2011 | 7 837 (0.36%) | 2 132 207 | 20 956 (0.30%) | 6 829 517 | |
2012 | 10 030 (0.43%) | 2 332 357 | 23 804 (0.32%) | 7 233 126 | |
2013 | 11 694 (0.48%) | 2 398 365 | 25 361 (0.33%) | 7 530 924 | |
2014 | 13 095 (0.53%) | 2 455 319 | 26 221 (0.31%) | 8 338 616 | |
2015 | 14 844 (0.60%) | 2 438 477 | 31 539 (0.36%) | 8 748 819 | |
2016 | 17 574 (0.70%) | 2 489 292 | 31 035 (0.34%) | 8 959 930 | |
2017 | 17 143 (0.66%) | 2 562 709 | 33 601 (0.37%) | 9 026 485 | |
2018 | 20 280 (0.77%) | 2 616 583 | 38 379 (0.40%) | 9 427 410 |
Fonte: Projetado pelos autores com base nos dados coletados do INEP.
A expansão de universidades privadas brasileiras é enfatizada pela taxa de crescimento em matrículas, representada por 155,2% em universidades públicas e 178% em universidades privadas. À primeira vista, a presença de estudantes com deficiência em universidades privadas parece ofuscar o avanço das instituições públicas - uma análise mais acurada dos números e porcentagens, no entanto, pode indicar o contrário. Em 2009, 6 904 estudantes com deficiência estavam matriculados em universidades públicas, um número que cresceu para 20280 em 2018, ou um aumento um pouco acima de 193%. Por outro lado, os números em universidades privadas cresceram 137%, de 16 231 para 38 379. Ao mesmo tempo, alunos com deficiência de universidades públicas representavam apenas 29,84% em 2009 e 34,6% em 2018, destacando a dominância de instituições privadas de ensino superior no país.
É de igual importância lidar com as porcentagens em contraste com o total de matrículas. Em instituições públicas, apesar dos constantes altos e baixos, a matrícula de estudantes com deficiência representava 0,40% em 2009, ficando abaixo desse índice apenas em 2010 e 2011, e em 2018 alcançando 0,77%. Em contraste, os estudantes de universidades privadas representam 0,30% em 2009 e 0,40% em 2018, o que significa que a representação de estudantes com deficiência em instituições públicas somente alcança a mesma porcentagem das instituições públicas em 2018. Conforme observado, universidades públicas, embora ainda limitadas, indicam uma porcentagem mais alta de estudantes com deficiência em comparação com instituições privadas, considerando-se o número total de matrículas de ambas. Em números totais de matrículas, no entanto, universidades privadas ainda parecem atrair um número maior de estudantes.
Outro aspecto discutido tanto por nosso grupo de pesquisa quanto por outros pesquisadores da área é a importância de considerarmos não somente o acesso e permanência, mas também a finalização do processo. Isso significa, prover condições, ferramentas e oportunidades para garantir que os alunos poderão completar sua educação de maneira bem-sucedida, tanto na educação básica quanto no ensino superior. Logo, é de extrema importância discutir a porcentagem de alunos que completaram ou chegaram perto de completar seus cursos de graduação. Contrastamos abaixo o número de estudantes matriculados (número de matrículas) com o número de formados (de acordo com o Censo, aqueles que completaram ao menos 80% do curso), de 2009 a 2018 (Tabela 4).
Ano | Número de matrículas | Formados | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Estudantes com deficiência | Total | Estudantes com deficiência | Número-índice | Total | ||
2009 | 23 135 | 6 982 018 | 2 037 | 100% | 967 558 | |
2010 | 25 205 | 8 337 219 | 2 769 | 135.9% | 980 662 | |
2011 | 29 033 | 8 961 724 | 2 858 | 140.3% | 1 022 711 | |
2012 | 34 656 | 9 565 483 | 3 518 | 172.7% | 1 056 069 | |
2013 | 37 796 | 9 929 289 | 3 540 | 173.7% | 994 812 | |
2014 | 45 088 | 10 793 935 | 3 569 | 175.2% | 1 030 520 | |
2015 | 51 685 | 11 187 296 | 5 048 | 247.8% | 1 152 458 | |
2016 | 49 813 | 11 449 222 | 4 663 | 228.9% | 1 170 960 | |
2017 | 52 542 | 11 589 194 | 5 152 | 252.9% | 1 201 145 | |
2018 | 59 496 | 12 043 993 | 5 475 | 268.7% | 1 264 778 |
Fonte: Projetado pelos autores com base nos dados coletados do INEP.
Adotando 2009 como uma referência (número-índice), no período analisado houve um aumento de 268,7% de formados. Apesar da aparente melhora, a diferença entre aqueles que se matricularam e aqueles que se formaram é problemática. A porcentagem de estudantes que se formaram varia de 9,5% (2014) a 13,8% (2009). Ao considerarmos somente estudantes com deficiência, os números caem para uma variação de 7,9% (2014) a 10,9% (2010). Os números, portanto, indicam 2014 como a porcentagem mais baixa de formandos e 2009 como a mais alta na totalidade de alunos, e 2010 quando a deficiência estava isolada. Dados indicam que, quando contrastados com o número total de matriculados e formandos, estudantes com deficiência têm menor probabilidade de completar 80% do curso requerido para formatura. Apenas em 2012 (22% e 10,1%) as porcentagens estavam próximas de iguais.
Podemos inferir que, apesar das políticas de inclusão e avaliação e as pequenas diferenças nas porcentagens entre estudantes com e sem deficiência, poucas foram as mudanças que poderiam promover a conclusão dos cursos frequentados por estudantes com deficiência. Nesse caso, indicamos a importância de estudos que analisem o processo de escolarização de estudantes com deficiência no ensino superior, dado que vemos essa como uma limitação da pesquisa realizada neste artigo.
Considerações Finais
Apresentamos uma discussão da representação e participação de estudantes com deficiência em universidades brasileiras de 2009 a 2018. Os dados indicam que as políticas de inclusão tiveram, de fato, um impacto na expansão do acesso ao ensino superior no Brasil no período analisado. Entretanto, as políticas governamentais, apesar da influência e da importância das universidades públicas, aparentemente contribuíram em maior escala para a expansão de universidades privadas do que focaram em investimentos no setor público.
Considerando-se o crescimento do número total no número de estudantes com deficiência de 2009 a 2018, políticas de inclusão parecem ter sido um sucesso. Logo, ao submetermos esses números a uma análise estatística simples, concluímos que (1) a representação de estudantes com deficiência em universidades brasileiras ainda é limitada; (2) estudantes com deficiência estão, majoritariamente, em universidades privadas, mas sua representação em universidades públicas é quase duas vezes mais alta; (3) estudos que analisam o processo de escolarização de estudantes com deficiência do primeiro ao último ano são fundamentais, como um indicador da efetividade de práticas internas de inclusão; por último, (4) concluímos que, talvez, como indicado por Calderón-Almendros (2018) e Berghs et al. (2019), as políticas de inclusão necessitem revisão. Não podemos mais nos satisfazer com o atual cenário do acesso à educação, ele é um retrato da exclusão, e não da inclusão.