Introdução
A covid-19 foi reconhecida como pandemia global no início de 2020 e, desde então, tem produzido números alarmantes de infecções graves e sobrecargas nos sistemas de saúde, tendo atingido a marca de 2,3 milhões de mortes no mundo em 2021 (OPAS-OMS, 2020; Covid-19…, 2020). Esse cenário evidencia a urgência por ações relacionadas ao controle da pandemia do coronavírus, sendo o distanciamento físico entre as pessoas, sempre que possível, uma alternativa recomendada (Islam et al., 2019). Essa medida de distanciamento impacta em todas as dimensões da vida humana, incluindo o funcionamento e o alcance da missão de Instituições de Ensino Superior (IES). Neste artigo, buscamos contribuir com uma parte do dimensionamento desse impacto por meio da caracterização de como os professores estão lidando com o ensino durante a pandemia.
Diante da situação de pandemia, o Ministério da Saúde brasileiro, em fevereiro de 2020, acompanhando orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), elaborou o Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus COVID-19 (Brasil, 2020). Esse plano teve como objetivo apresentar diretrizes para conter o avanço da covid-19 no Brasil e, entre as ações mais significativas, encontrava-se o isolamento social (Brasil, 2020). Para a implementação do plano de isolamento social, foi publicado um conjunto de ações nas áreas de economia, saúde, segurança e educação, incluindo o ensino remoto.
O Ministério da Educação (MEC), por sua vez, publicou regulamentos para possibilitar a flexibilização de ações educativas por instituições de ensino no Brasil, tendo editado, em 17 de junho de 2020, a Portaria nº 554 (Brasil, 2020), que estabeleceu a substituição de aulas presenciais por aulas remotas síncronas e/ou assíncronas. A portaria permitia o uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e outros recursos disponíveis que possibilitassem o ensino em diferentes tempos, espaços e contextos, de modo a garantir o isolamento social.
A partir da base jurídica estabelecida, Instituições de Ensino Superior (IESs) em todo o Brasil se articularam para ofertar seus cursos. No extremo norte do país, a Universidade Federal de Roraima (UFRR) implementou o Plano de Ensino Remoto Emergencial, aprovado pelo seu Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE/UFRR) em 17 de agosto de 2020. Além disso, a UFRR realizou uma pesquisa em março de 2020 com o objetivo de identificar necessidades de formação dos docentes para o uso de tecnologias aplicadas ao ensino. Com base nas articulações de comissões designadas para promover ações para o enfrentamento da pandemia e nos resultados da pesquisa, foi organizado o I Seminário para Formação Docente da instituição em julho de 2020, que teve como público-alvo os 555 professores da UFRR, ofertado de modo gratuito e integralmente on-line. Outra ação articulada pela UFRR foi a disponibilização de verba para a aquisição de equipamentos que garantissem o acesso da comunidade universitária a recursos tecnológicos, viabilizando a sua participação nas atividades do ensino remoto. A partir dessas ações, em agosto de 2020, foram iniciadas as atividades do ERE.
O ERE teve como princípio garantir o acesso à educação durante o período de pandemia do modo mais satisfatório possível, respeitando o distanciamento social, o período de fragilidade pessoal dos alunos e docentes, o difícil acesso a condições de aprendizado fora do ambiente universitário, agravado, principalmente, no extremo norte do Brasil. Mesmo com todas as flexibilizações e ajustes implementados, persiste sendo importante avaliar o trabalho desenvolvido. É justamente por reconhecermos a importância da educação de nível superior que precisamos monitorar em que medida os seus objetivos têm sido alcançados (Hattie, 2015; Schneider; Preckel, 2017). Ainda que as propostas de uma IES estejam alinhadas com as recomendações dos órgãos superiores, MEC e Ministério da Saúde, é necessário caracterizar como docentes têm lidado com o novo cenário, quais resultados têm obtido e como o trabalho pode ser aperfeiçoado, uma vez que a pandemia podia continuar por mais tempo, inclusive, em função das baixas taxas de vacinação no Brasil (Brasil, 2021).
A preocupação com investigações dessa natureza não é exclusiva do Brasil ou de IES’s brasileiras. Tem ocorrido um movimento mundial de pesquisas para caracterizar o trabalho docente no período de pandemia (Izumi et al., 2020). Esses dados auxiliam no acompanhamento de como professores e alunos têm lidado com os desafios do ensino remoto, que resultados têm sido obtidos na educação e quais são os impactos em termos de formação dos novos profissionais de nível superior, aspectos fundamentais para que possamos identificar estratégias de aperfeiçoamento do ensino que nos ajudarão a lidar com a atual pandemia e outras que possamos vir a enfrentar (Gusso et al., 2020).
Nessa literatura científica sobre o ensino durante a pandemia, encontramos estudos de natureza qualitativa, conduzidos, principalmente, por meio de entrevistas e que investigam percepções de alunos sobre impactos da pandemia no aprendizado, por exemplo Scull et al. (2020), assim como percepções de professores sobre as barreiras enfrentadas no ensino on-line, vide Joshi, Vinay e Bhaskar (2021), ou acerca das competências que possuem para o ensino mediado por tecnologias digitais, como Zhang (2020) mostra.
Estudos teóricos, com diretrizes para o trabalho nas IESs durante a pandemia ou com reflexões críticas sobre o ensino remoto, também têm sido publicados, envolvendo desde exames mais gerais sobre como organizar a educação de nível superior brasileira para o enfrentamento da pandemia, a exemplo de Gusso et al. (2020), até impactos da pandemia no ensino de disciplinas específicas, exemplificado por Sansom (2020). Muitos estudos de natureza quantitativa, por sua vez, têm buscado investigar a satisfação e motivação de alunos em relação ao ERE, como mostra Wang, Zhang e Ye (2020), ou percepções de estudantes sobre acesso à educação e impactos do ensino remoto sobre o aprendizado, é o caso de Andreza et al. (2020).
Na Austrália, por exemplo, Scull et al. (2020) entrevistaram quatro acadêmicos para identificar quais eram os maiores impactos da pandemia no processo de ensino. Os participantes indicaram que o acesso ao conteúdo, assim como a possibilidade de relacioná-lo com as suas necessidades educativas, estavam em risco. Também ficou evidente para os pesquisadores que o prejuízo sobre a participação dos alunos nas atividades de ensino e na interação com o docente, exigindo do professor diferentes estratégias para aumentar as chances de envolvimento dos alunos com a disciplina. Por fim, foram identificados altos níveis de ansiedade, preocupação com questões de saúde e de sobrevivência, além de problemas emocionais causados pelo isolamento social.
Na Índia, Joshi, Vinay e Bhaskar (2021) investigaram as barreiras enfrentadas por professores durante o ensino e avaliação on-line em diferentes configurações ambientais domiciliares. Para isto, realizaram entrevistas com 19 professores universitários. Os resultados apontaram diversas barreiras, que foram divididas em quatro grandes categorias, nas quais podem ser selecionados itens como ausência de recursos básicos domiciliares (Joshi; Vinay; Bhaskar, 2021, tradução livre) – acesso à internet, interrupção familiar, rotina desorganizada, dentre outros. Além disso, foram identificadas dificuldades para a aquisição de materiais necessários para o aprendizado on-line, falta de clareza e objetividade nas instruções, falta de suporte técnico, entre outros. Também foi observado que os professores possuíam dificuldades no domínio de recursos tecnológicos para lecionar, não tinham motivação e seu posicionamento era negativo frente ao desafio do ensino remoto, assim como indicaram falta de suporte para a realização desse ensino. Tais resultados revelaram a necessidade de se considerar os aspectos sociais e emocionais dos docentes como parte fundamental do ensino em situação de pandemia.
Na China, Wang, Zhang e Ye (2020) coletaram dados em 42 escolas de odontologia atingindo o total de 8.740 estudantes. Os resultados foram mais otimistas que os estudos anteriores, visto que os pesquisadores concluíram que o ensino remoto tem se mostrado uma alternativa eficaz para garantir o ensino em tempos de pandemia. Além disso, os alunos, de um modo geral, mostraram-se satisfeitos com o ERE, embora com pouca motivação para estudar e sentindo falta da interação com os professores. Vale destacar que, mesmo na China, os alunos relataram problemas de conexão e instabilidade no funcionamento das plataformas de ensino.
Além desses estudos com avaliações mais gerais, existem exames sobre impactos do ERE no ensino de disciplinas específicas. Esse é o caso da discussão realizada por Sansom (2020) sobre o ensino de Química, avaliando em que medida é possível viabilizar aprendizagens sobre experimentação em laboratório para alunos em modalidade remota. Zhang (2020), por sua vez, avaliou a crença de professores de línguas sobre efetividade de métodos de ensino on-line e suas percepções sobre a competência digital que possuíam. Foi observado que Zhang percebeu que as crenças sobre a própria competência digital e o grau em que os recursos digitais podem ser usados para ensinar impactam nas características do trabalho docente no ensino remoto, de maneira a representar um recurso para superação ou barreira de atuação. Além disso, verificou-se que o grau em que os professores são capazes de adquirir competência digital depende de quanto apoio institucional recebem para que possam dedicar-se ao desenvolvimento dessas habilidades.
Pesquisas no Brasil, por sua vez, têm examinado em que medida o acesso ao ensino tem sido garantido, uma vez que essa é uma exigência jurídica presente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996). Um estudo dessa natureza foi conduzido por Andreza et al. (2020), que, a partir da opinião de alunos, analisou a forma como a educação está sendo afetada pela pandemia da covid-19. Participaram 185 graduandos de 11 estados do Brasil. Os pesquisadores verificaram que 80% dos participantes entendem que as atividades educacionais estão funcionando no modelo ERE, mas que ajustes ainda são necessários para de fato garantir acesso de todos ao ensino remoto. Das dificuldades encontradas durante o período do ERE, os autores destacaram quatro categorias: (1) dificuldades de ordem pessoal e emocional; (2) volume de atividades exigidas pelos docentes; (3) problemas com a disponibilidade e o funcionamento de equipamentos; e (4) problemas de acesso à internet. Dentre os estudos brasileiros, identificamos poucos dados sobre o ERE na região norte de modo que fosse possível avaliar se existem diferenças (e quais) em relação a outros estados e países.
Nesse cenário, consideramos ser necessário conduzir pesquisas no extremo norte do Brasil que nos ajudem a compreender a realidade educacional local na situação de pandemia e, principalmente, avaliar convergências e divergências em relação a outros contextos, dentro e fora do Brasil, pois as nossas experiências podem ser úteis para outras universidades e vice-versa. Assim, o objetivo deste estudo foi caracterizar práticas de ensino adotadas no ERE e percepções dos professores sobre o ERE realizado na UFRR, no último semestre de 2020. Para atingir esse objetivo, além da caracterização dos participantes, buscamos responder às seguintes perguntas de pesquisa:
PP01: Quais foram as práticas de ensino adotadas por professores durante o ERE?
PP02: Como os docentes avaliam a experiência no ERE?
PP03: Quais características docentes podem estar relacionadas com práticas de ensino adotadas e percepções sobre o ERE?
Finalizamos este estudo com a apresentação de sugestões de aperfeiçoamento do ERE, tendo por base a caracterização realizada e a literatura científica revisada. Destacamos que esses apontamentos podem representar importante recurso para auxiliar na elaboração de estratégias ou ações mais efetivas em situações similares no futuro ou mesmo em face da continuidade do ERE no Brasil.
Método
Para se alcançar os objetivos propostos foi realizada uma pesquisa de natureza básica, de abordagem quantitativa e de objetivos exploratórios (Cozby, 2003). Para se considerar como pesquisa exploratória, entende-se como aquelas que objetivam investigar fenômenos pouco conhecidos, ou que estejam em estágio inicial, desta forma, possuindo poucos materiais como fonte de buscas, tal como possíveis impactos e efeitos da covid-19.
Participantes
Participaram da pesquisa 150 dos 555 professores ativos atuando no ensino da UFRR1. Esses professores tinham uma média de idade de 45.79 anos (DP = 9.17), variando de 28 a 65, tendo em média 11.79 anos de trabalho na UFRR (DP = 8.63; mínimo = 1; máximo = 31). A síntese com as principais características dos participantes da pesquisa é apresentada na Tabela 1.
Variável | % | Variável | % |
---|---|---|---|
Gênero | Área da pós-graduação | ||
Masculino | 48.67 | Agrárias | 8.67 |
Feminino | 51.33 | Biológicas | 5.33 |
Deficiência | Saúde | 6.67 | |
Sim | 2.67 | Humanas | 26.67 |
Não | 97.33 | Sociais Aplicadas | 16.00 |
Renda | Letras e Artes | 12.67 | |
> 2 a ≤ 8 | 24.00 | Exatas e da Terra | 12.00 |
> 8 a ≤ 15 | 55.33 | Engenharias | 6.00 |
> 15 a ≤ 30 | 18.00 | Multidisciplinar | 6.00 |
> 30 sm | 2.67 | CH de Trabalho na UFRR | |
Internet em casa | 20h a 40h | 6.67 | |
Sim | 85.33 | DE | 93.33 |
Não | 14.67 | Preparo para uso de TICs | |
Estrutura física | Sim | 23.33 | |
Sim | 71.33 | Não | 76.67 |
Não | 28.67 | Experiência com EaD | |
Titulação | Não | 42.7 | |
Especialista | 0.67 | Discente | 17.30 |
Mestrando | 1.33 | Profissional | 40.00 |
Mestre | 15.33 | Uso de TICs no ensino | |
Doutorando | 10.00 | Sim | 58.67 |
Doutor | 72.67 | Não | 41.33 |
Nota: N = total; % = percentual; sm = salário-mínimo; Internet em casa = “Possui internet adequada para a realização do seu trabalho no ERE?”; Estrutura física = “Possui na sua casa espaço adequado para a realização do seu trabalho no ERE?”; CH = Carga horária de trabalho semanal na UFRR; DE = Contrato de 40 horas semanais com dedicação Exclusiva; Preparo para uso de TICS = “Possuía alguma formação pedagógica para atuar como professor na modalidade remota ou à distância?”; Experiência com EaD = “Já teve experiência com EAD antes do ERE?”; Uso de TICS no ensino = “Já fazia uso de TICs para o ensino?”; Categorias que não tiveram participantes não foram inseridas na tabela.
Fonte: Elaborado pelos autores.
Para participar nesta pesquisa, aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Roraima – parecer número 4.480.749 –, todos os professores tiveram que assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Para garantir o anonimato dos participantes, foram atribuídos códigos para cada docente ao longo de toda a análise de dados.
Instrumento de Coleta de Dados
O questionário implementado no Google Formulários possuía perguntas fechadas e abertas, sendo organizado em cinco seções: (1) caracterização do professor: as variáveis investigadas envolveram idade, tempo de atuação enquanto professor em sala de aula, formação acadêmica, formação específica para uso de tecnologias para ensino etc.; (2) atuação do professor na universidade: investigamos o curso em que o docente estava atuando e disciplina(s) que lecionou no ERE, entre outros aspectos; (3) crenças sobre o ERE: investigamos qual a opinião sobre o ensino remoto frente a situação pandêmica vivenciada; (4) crenças sobre o uso de TICs: investigamos quais as estratégias de ensino utilizadas pelos docentes, assim como tentamos identificar como avaliam os procedimentos e recursos tecnológicos didáticos que utilizaram e (5) dificuldades e facilidades identificadas na realização do ERE: investigamos quais foram as dificuldades que os docentes tiveram durante a implementação do ERE e quais as condições ou recursos facilitaram o processo.
Procedimento de Coleta de Dados
Os participantes foram convidados por meio eletrônico e a pesquisa foi conduzida por meio do Google Formulários. O convite para participação foi realizado da seguinte maneira: (1) compartilhamento em mídias sociais do link do questionário e do vídeo de divulgação da pesquisa; (2) envio de e-mail para diretores de centro e coordenadores de curso com a descrição da pesquisa e links do questionário e vídeo da pesquisa; (3) envio de e-mail para as instâncias que possuem contato com diversos cursos da UFRR, tal como Núcleo de Acessibilidade e Coordenação de Capacitação do Servidor (CAPS); (4) envio de e-mail automático direcionado, individualmente, aos professores da instituição que estavam cadastrados na base de dados do sistema da instituição.
Os participantes que aceitassem participar do estudo precisavam acessar o link da pesquisa que havia sido divulgado e, mediante manifestação de concordância em relação ao TCLE, tinham acesso às questões da pesquisa. O participante ficava livre para desistir a qualquer tempo do estudo, sem que precisasse enviar as suas respostas. Contudo, caso finalizasse a pesquisa, precisava clicar no botão enviar para que o formulário preenchido fosse recebido pelos pesquisadores.
Procedimento de Análise de Dados
Os dados obtidos e disponibilizados pelo Google Formulários foram categorizados e analisados de acordo com as divisões dos itens A até o E por meio do software R (R Core Team, 2019). Por fim, as hipóteses foram investigadas por meio de análises de correlação e testes de hipóteses.
Resultados e Discussão
Considerando os objetivos estabelecidos nesta pesquisa – que eram caracterizar as práticas de ensino adotadas no ERE e as percepções dos professores sobre o ERE realizado na UFRR –, apresentamos e discutimos os dados. Iniciamos, então, pela caracterização da amostra. Esta coleta ocorreu da primeira semana de março até a terceira semana de abril de 2021; aproximadamente dois meses de coleta.
Caracterização da Amostra
Participaram da pesquisa 150 professores2, o que representa 22,79% dos professores da UFRR. A maior parte dos participantes possui faixa etária de 35 a 45 (41.33%), seguido de 45 a 55 (30%). De acordo com a Tabela 1, a amostra foi equilibrada em termos de participação de homens (48.67%) e mulheres (51.33%), sendo predominante a participação de professores sem deficiência (97.33%).
Em termos socioeconômicos, notamos que 55.33% da amostra possui renda familiar entre oito salários-mínimos até 15, sendo que a maioria possui acesso à internet (85.33%) e estrutura física para trabalhar em casa (71.33%). Os participantes são, tipicamente, doutores (72.67%) que trabalham em regime de 40 horas semanais com dedicação exclusiva (93.33%), cuja pós-graduação foi realizada nas áreas de humanas (26.67%) ou de ciências sociais aplicadas (16%). Merece destaque o fato de que, embora a maioria dos professores tenha afirmado que não passou por capacitação prévia para o uso de TICS no ensino (76.67%), 40% já tinha trabalhado com Ensino à Distância (EaD) e 58.67% reportaram o uso de TICs para ensinar antes mesmo da pandemia de covid-19. Dos 41,33% de professores que não usavam TICs antes da pandemia, notamos que 40% (25) não fizeram ou não buscaram por esta formação e 43% (27) buscaram, mas a consideraram insuficiente.
Um fato importante – e que pode ser investigado com mais cuidado em estudos futuros – é que não encontramos diferenças estatisticamente significativas em relação à idade entre os grupos de participantes que já usavam (média de idade = 45.50) e que não usavam TICs (média de idade = 46.16) antes da pandemia (t = 0.45751; df = 134.21; p = 0.648). Também não encontramos diferença de idade entre aqueles que tinham algum preparo prévio para uso de TICs no ensino (média de idade = 44.68) e aqueles sem preparo (média de idade = 46.12; t = 0.87198; df = 63.687; p = 0.3865), ou entre aqueles com (M = 45.21) e sem experiência de trabalho em EaD (M = 46.56, t = 0.893, df = 148, p = 0.373). Esse achado contradiz dados da literatura que indicam existir uma associação entre idade e percepção/crença no uso de TICs (Broady; Chan; Caputi, 2010; Ozdamli; Ozdal, 2014).
Broady, Chan e Caputi (2010), por exemplo, realizaram uma revisão da literatura sobre habilidades no uso de TICs, tendo como base comparativa a idade e condições ambientais/estruturais. Os pesquisadores observaram que há maior dificuldade no uso de TICs conforme avança a idade. Contudo, essa dificuldade pode ser superada se as condições ambientais/estruturais forem ajustadas. E essa pode ser a explicação para o que acontece na presente amostra, pois os professores que fazem parte deste estudo possuem, independentemente da idade, as mesmas barreiras e as mesmas condições de superação de dificuldades, tais como instabilidade de acesso à internet e/ou falta de motivação dos alunos nas interações das atividades, como barreiras, e cursos de capacitação oferecidos pela UFRR, como condições de superação.
De fato, professores relataram ao responder o item do questionário sobre “recursos tecnológicos utilizados para o ensino”, que estavam utilizando estratégias aprendidas nos cursos oferecidos pela UFRR durante o I Seminário de Capacitação Docente. Esse dado indica um tipo de ação, a capacitação, com potencial para superação de dificuldades no uso de TICs. Além disso, também representa uma ação que está alinhada com as sugestões da literatura para superação dos efeitos adversos da pandemia sobre a educação (Izumi et al., 2020; Lawrence; Wu, 2021; Kummitha et al., 2020; Ling, 2020).
Participaram dessa formação 63.33% dos professores que compuseram a amostra desta pesquisa. Outros 22% tomaram conhecimento das capacitações, mas não participaram e 14.67% alegaram que a instituição não ofertou nenhuma capacitação. Seguramente, a oferta de capacitações é importante porque, se, por um lado, muitos docentes tiveram contato com o uso de TICs no ensino, por outro, diversos docentes também reportaram não ter vivenciado experiências com a EaD (42.7%), nem disporem de capacitação prévia para uso de TICs no ensino (76.67%), ou sequer terem utilizado TICs para ensinar antes da pandemia (41.33%).
Justamente por sua relevância, importa sempre aprimorar a qualidade das capacitações. Em nossa amostra, dentre os professores que participaram da formação, 33.33% acharam que foi insuficiente para orientar a sua prática durante o ERE e 30% avaliaram-na como suficiente. Considerando aqueles que responderam que a capacitação da UFRR não foi suficiente, 58% (29) indicaram que não buscaram formação complementar para aprimorar sua prática e 42% (21) buscaram. Considerando os dados globais, 70% (105) dos professores não buscaram por formação externa à universidade e 30% (45) sim. Esses dados mostram como as ações institucionais de formação docente são necessárias, pois, do contrário, parece menos provável que todos os professores busquem esse aperfeiçoamento. De qualquer modo, por iniciativa da instituição ou do professor, é fato que, para a capacitação ser possível, é preciso que sejam organizadas condições para que o docente possa dedicar um tempo do seu horário de trabalho para essa finalidade (Zhang, 2020). Do contrário, provavelmente, as estatísticas elevadas de baixa procura por formação tenderão a permanecer inalteradas.
PP01: Quais foram as Práticas de Ensino adotadas por Professores durante o ERE? Organização e Volume de Trabalho no ERE
Investigamos quantas disciplinas foram ministradas pelos professores e quantas horas semanais eram investidas nesse trabalho (total de horas, considerando planejamento, elaboração e seleção de materiais, correção de atividades, acompanhamento de alunos e outros). Verificamos que 43.33% dos professores ministraram duas disciplinas em um semestre do ERE, sendo que outros 44.66% ministraram três ou mais. Coerentemente com o dado de duas disciplinas, a maioria dos professores (21.33%) reportaram investir 16 horas semanais, que podem ser interpretadas como 8 horas de sala de aula (4 horas para cada disciplina) e outras 8 horas de preparo das aulas. Nessa amostra, 40.67% dedicaram 12 horas ou menos (mínimo de quatro horas), e 38.02% relataram ter investido mais de 16 horas.
Esse dado representa uma variável importante a ser investigada por pesquisas futuras, uma vez que um professor do magistério superior no Brasil possui quatro áreas como atribuições: docência, administração pública, extensão e pesquisa (Brasil, 1990; 2012). Tais atribuições, em conjunto, podem representar uma elevada carga de trabalho. Segundo Henklain et al. (2020), a qualidade do trabalho docente tende a ser influenciada negativamente pelo excesso de trabalho que o professor possui no magistério superior.
O que Professores avaliam que pode ser ensinado no ERE
Primeiramente, foi investigado o que os professores, genericamente, julgavam ser possível ensinar durante o ERE, sendo as opções (a) nada, (b) prática, (c) teoria, e (d) teoria e prática. Observamos que 66.67% dos professores acreditam que apenas teoria pode ser ensinada, provavelmente porque atividades de estágio, por exemplo, foram drasticamente reduzidas ou inviabilizadas. Apenas 30.67% sugeriram que seria possível ensinar teoria e prática. Por sua vez, as opções “nada” e “prática” foram igualmente pouco selecionadas, apenas 1.33% dos participantes optaram por cada uma delas.
Dos 30.67% (46) dos professores participantes que responderam ser possível ensinar “teoria e prática”, observamos que a maioria eram docentes de ciências sociais aplicadas (30.43%), ciências humanas (21.74%) ou letras e artes (17.39%), nas quais a interação humana é essencial e, em algum grau, possível quando mediada por tecnologias, mesmo em situação de distanciamento físico. Já no caso de áreas como as engenharias (4.35%), ciências biológicas (4.35%) e agrárias (8.70%), poucos professores identificaram a possibilidade de atividades práticas. De todo modo, os nossos dados refutam qualquer hipótese apressada de que, na avaliação técnica de docentes, o desenvolvimento de aprendizagens práticas esteja negado por princípio durante o ERE. Estudos futuros podem investigar especificamente que tipo de prática é possível, como desenvolvê-la e sob quais condições.
Modalidade das Aulas
Um segundo ponto examinado foi a modalidade das aulas realizadas no ERE. Notamos que 76% dos professores utilizaram aulas síncronas e assíncronas conjuntamente, 8% realizaram aulas apenas de maneira síncrona e 16% apenas aulas assíncronas. Segundo os professores, as atividades de ensino programadas requeriam dos alunos uma média de 3.79 horas (DP = 1.7). Contudo, uma limitação do nosso estudo foi não ter investigado, junto aos alunos, quanto tempo de fato eles investiram nas disciplinas do ERE. Outra limitação desta pesquisa se refere ao fato de que não investigamos o número de disciplinas cursadas por aluno em cada semestre. Esse dado possibilitaria confrontar análises em relação ao número necessário de horas semanais para que cada aluno cursasse o mínimo de disciplinas em um semestre para conclusão do curso sem prejuízos na data prevista para obtenção do título, por exemplo.
Tecnologias Adotadas
Investigamos, ainda, quais tecnologias foram adotadas pelos professores para o trabalho durante o ERE, considerando os seguintes aspectos: (a) Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) adotado, (b) software de videoconferência e (c) como foi estabelecida comunicação com os alunos. Os dados obtidos indicam que os professores utilizaram, em sua maioria (52,56%), o SIGAA (Sistema de Gestão Acadêmica da Universidade), que possui um módulo com a função de AVA, e o Moodle (20,94%), também mantido pela universidade dos participantes. Como software de videoconferência, os docentes utilizaram, principalmente, o Google Meet (43,03%) e o Webconferência da Rede Nacional de Pesquisa (RNP, 26,29%). Por fim, para a comunicação com os alunos, identificamos a predominância do WhatsApp (29,77%), do E-mail (25,16%) e de mensagens enviadas pelo AVA (17,82%).
Metodologias e Recursos para Ensinar no ERE
A Tabela 2 apresenta, na primeira coluna, a descrição das metodologias e recursos para ensinar citados pelos professores e, na segunda coluna, a frequência dessas indicações. Ao responder a pesquisa, cada professor podia citar mais de uma metodologia/recurso.
Metodologias e recursos para ensinar | Frequência |
---|---|
Slides de apoio à aula | 122 |
Aula no sentido de falar sobre determinado tema | 120 |
Exercícios individuais para que os estudantes treinem | 120 |
Textos | 112 |
Momentos para sanar dúvidas sejam síncronos ou assíncronos | 112 |
Vídeos e filmes disponíveis na internet | 88 |
Feedback sobre o desempenho do estudante | 69 |
Exercícios em grupo para que os estudantes treinem | 41 |
Desenvolvimento de projetos | 35 |
Músicas | 11 |
Técnicas de dinâmica de grupos | 10 |
Quadrinhos | 6 |
Role play / Simulações | 5 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Além das práticas citadas na Tabela 2, também foram indicadas, em menor frequência, práticas específicas, a saber: (a) registro de componentes dos conteúdos abordados nas disciplinas (imagens, quadros, vídeos e outros); (b) Produção de podcast pelo professor, compartilhado em redes sociais; (c) debates pelas redes sociais; (d) materiais produzidos por terceiros, disponíveis para consultas online e relacionados aos conteúdos da disciplina (sites, livros e outros); e (e) materiais lúdicos como games e quebra-cabeça relacionados ao conteúdo da disciplina. Essa diversidade de estratégias para ensinar parece ser promissora. Na pesquisa de Peloso et al. (2020), os pesquisadores avaliaram preocupações de 704 graduandos em relação ao ensino remoto e identificaram ansiedade e desagrado com o ERE. Diante disso, Peloso et al. (2020) concluíram que a diversificação de metodologias e recursos para ensinar aumenta as chances de o professor conseguir engajar seus alunos.
Metodologias e Recursos para Avaliar no ERE
Em relação às avaliações, a Tabela 3 exibe as principais estratégias utilizadas. Na primeira coluna, estão descritos os tipos de avaliação e, na segunda, a frequência com que foram citados pelos professores.
Avaliação adotada | Frequência |
---|---|
Autoavaliação do aprendizado | 31 |
Elaboração de memorial ou portfólio | 12 |
Itens de prova no formato dissertativo | 69 |
Itens de prova no formato objetivo | 57 |
Participação em aula | 85 |
Realização de projeto | 40 |
Resumos ou resenhas de textos | 77 |
Seminário em grupo | 36 |
Seminário individual | 38 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Os professores apontaram com menor frequência outros tipos de atividades avaliativas específicas, a saber: (a) os alunos deveriam realizar a elaboração de materiais (projetos, artigos, textos, vídeos e outros); (b) estudos dirigidos; (c) participação e discussões críticas em mídias sociais ou fóruns criados para este fim; (d) desenvolvimento de games; (e) resoluções de exercícios; (f) ensino orientado por problemas (PBL, do inglês Problem Based Learning) e ensino baseado no trabalho em grupo (TBL, do inglês Team Based Learning); e (g) tarefas ou exercícios para conteúdos específicos da disciplina.
PP02: Como os Docentes avaliam a Experiência no ERE? Avaliação de Satisfação com o ERE
Tal como no trabalho de Rizvi e Nabi (2021), observou-se a necessidade de investigar diretamente a percepção dos professores sobre o ERE. Na Tabela 4 apresenta-se na primeira coluna a área investigada, na segunda coluna a média de aprovação e na terceira o desvio-padrão. Destaca-se que o valor mínimo possível de satisfação é 1 e o máximo 5.
Observa-se, de acordo com os dados da Tabela 4, que a média geral de satisfação com os recursos utilizados no ERE foi de 3.75 (DP = 0.97), o que pode ser considerado um resultado positivo, entre “Nem Insatisfeito, Nem Satisfeito” a “Parcialmente Satisfeito”. Destacamos que os resultados de satisfação variaram entre 3.54 e 3.90, sendo, portanto, bem representados pela média geral.
RECURSOS UTILIZADOS NO ERE – GRAU DE SATISFAÇÃO | ||
---|---|---|
Área investigada | Média | DP |
Satisfação com recursos para a gravação de aulas | 3.54 | 1.11 |
Satisfação com recursos de videoconferência | 3.90 | 0.93 |
Satisfação com o AVA | 3.79 | 0.96 |
Satisfação com recursos para a comunicação com os alunos | 3.81 | 0.96 |
Satisfação com os recursos para o ensino | 3.80 | 0.86 |
Satisfação com recursos para a avaliação | 3.67 | 0.99 |
Média Geral | 3.75 | 0.97 |
CRENÇAS SOBRE O ERE – GRAU DE CONCORDÂNCIA | ||
Área investigada | Média | DP |
01. Estou preparado(a) para o ERE. [+] | 3.82 | 0.97 |
02. A minha experiência no ERE foi positiva.[+] | 3.98 | 0.89 |
03. Os(as) meus(minhas) alunos(as) aprenderam no ERE.[+] | 3.81 | 0.81 |
04. Não vi diferença entre o aprendizado dos(as) meus(minhas) alunos(as) no ERE e no ensino regular.[+] | 2.30 | 1.22 |
05. Os(as) meus(minhas) alunos(as) gostaram do ERE.[+] | 2.91 | 1.08 |
06. O ERE é a única solução educacional viável para este momento de pandemia.[+] | 4.16 | 1.10 |
07. O ERE é uma solução educacional viável para este momento de pandemia, embora não seja a melhor.[+] | 4.14 | 1.16 |
08. Tenho receio em relação aos efeitos negativos que o ERE pode gerar para a educação.[-] | 3.65 | 1.26 |
09. Continuarei usando o que aprendi no ERE para ensinar no modelo regular de ensino.[+] | 4.16 | 0.93 |
10. O ERE é mais um problema do que uma solução.[-] | 1.90 | 1.09 |
11. O ERE não deveria ser implementado em 2020.2.[-] | 1.64 | 1.17 |
12. Em 2020.2 deveríamos retomar o ensino na modalidade presencial.[-] | 1.59 | 1.08 |
13. Em 2020.2 não deveríamos ofertar qualquer modalidade de ensino formal.[-] | 2.22 | 1.54 |
14. Em 2020.2 deveríamos ofertar o ERE.[+] | 4.38 | 0.95 |
15. O ERE me deixou estressado.[-] | 3.45 | 1.39 |
16. O ERE me deixou doente.[-] | 2.23 | 1.40 |
Nota: + = item com sentido positivo em relação ao ERE; - = item com sentido negativo em relação ao ERE.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Dentre os 16 itens sobre o ERE para que os professores manifestassem seu grau de discordância ou concordância, sete tinham um sentido negativo em relação ao ERE e nove tinham sentido positivo. Entre os itens negativos, a média foi de 2.38 (DP = 1.28), que se encontra entre “Discordo Totalmente” e “Nem Discordo, Nem Concordo”. As médias variaram entre 1.59 (item 12) e 3.65 (item 8). Nos itens positivos, notamos que a média foi igual a 3.74 (DP = 1.01), no intervalo entre “Nem Discordo, Nem Concordo” e “Concordo Parcialmente”. A menor média foi 2.3 (item 4) e a maior foi 4.38 (item 14).
De um modo geral, as avaliações revelam satisfação moderada com o ERE e concordância moderada em relação aos itens positivos sobre o ERE, existindo baixa concordância em relação aos itens que indicavam crenças negativas sobre o ERE. O maior número de avaliações positivas dos professores respondentes pode estar relacionado às ações adotadas pela IES em relação ao enfrentamento da pandemia, que são indicadas como positivas pela literatura (Gautam; Gautam, 2021; Izumi et al., 2020; Sia; Abbas Adamuia, 2021; Scull et al., 2020; Rizvi; Nabi, 2021).
O grau de satisfação apresentado pelos professores, associado a indicação de estratégias de ensino e avaliação diferenciadas nas quais os professores participantes afirmaram realizar na subseção anterior, encontram-se alinhadas com as orientações da literatura. No trabalho conduzido por Rizvi e Nabi (2021), por exemplo, eles sugerem ações de ensino e avaliação que obtiveram melhores indicadores de efetividade durante o período de pandemia, a saber: palestras interativas ministradas pelo corpo docente, estudo de casos e discussões dirigidas, leituras dirigidas de artigos e de materiais preparados especificamente para a disciplina.
Avaliação sobre Dificuldades, Sugestões de Melhoria e Aspectos Positivos sobre o ERE
Foram investigadas as principais dificuldades e benefícios identificados pelos professores em relação ao ERE. A partir dos apontamentos de dificuldades, foram questionadas quais poderiam ser as possíveis melhorias a serem adotadas para resolver ou atenuar os efeitos dessas dificuldades. Na primeira coluna da Tabela 5, apresentam-se as maiores dificuldades encontradas pelos professores e, na segunda, a frequência com que foram citadas. A ordem de apresentação dos dados está organizada da mais frequente para a menos, e o questionário possibilitava marcar quantas opções o professor quisesse. Apresentamos na tabela apenas as dificuldades com mais de 30 citações.
Principais dificuldades encontradas | Frequência |
---|---|
Problemas com o funcionamento adequado da internet dos(as) alunos(as) | 114 |
Falta de motivação dos(as) alunos(as) | 72 |
Contato mais impessoal com os alunos, o que gera um menor engajamento | 72 |
Problemas com o funcionamento adequado da minha internet | 67 |
Mistura de trabalho com o ambiente doméstico | 66 |
Problemas com o funcionamento adequado de recursos tecnológicos | 64 |
Falta de condições para o desenvolvimento de atividades práticas | 63 |
Conciliar o trabalho com a rotina da casa | 63 |
Necessidade de repensar a(s) disciplina(s) que ministro | 59 |
Elevado volume de atividades de ensino | 58 |
Falta de habilidades dos(as) alunos(as) para manejar recursos tecnológicos | 56 |
Falta de habilidades minhas para manejar recursos tecnológicos | 50 |
Dificuldade para adaptar avaliação para o ERE | 49 |
Pouco tempo de preparação para o ERE | 49 |
Elevado volume de atividades administrativas | 44 |
Dificuldade para adaptar aulas para o ERE | 40 |
Minha condição de saúde psicológica | 39 |
Dificuldades sociais de interação remota dos(as) alunos(as) | 38 |
Ausência de suporte de Tecnologia da Informação | 34 |
Dificuldade para adaptar objetivos de aprendizagem para o ERE | 32 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
A maior dificuldade encontrada pelos professores se refere ao acesso à internet pelos alunos, o que corrobora dados da literatura (Sia; Abbas Adamuia, 2021; Lawrence; Wu, 2021; Izumi et al., 2020; Peloso et al., 2020). Acesso à internet e mudanças na estrutura de aprendizagem dos alunos em ambiente domiciliar são condições limitantes e com potencial impacto negativo no processo educacional dos alunos. No entanto, essas barreiras estão além dos limites das ações dos professores, sendo necessária mobilização política, social e econômica para superação, tal como apontam Lawrence e Wu (2020). No que se refere às ações possíveis para a instituição, algumas estratégias foram adotadas pela UFRR como oferecer subsídios, por exemplo, bolsa de auxílio, para aquisição de planos de internet ou recursos tecnológicos, representando ações denominadas pela comunidade internacional como Pastoral Support (Lawrence; Wu, 2020).
A segunda maior dificuldade reportada foi a desmotivação dos alunos. De fato, a baixa motivação dos discentes pode desestimular o trabalho docente. Importa destacar que essa condição precisa ser considerada como provável de ocorrer durante o ERE. Tan (2021) conduziu uma investigação com 282 estudantes de ensino superior para avaliar a motivação e aprendizagem durante o período de ensino remoto na Malásia. Os autores apontam que os alunos tiveram queda na motivação e na aprendizagem durante o ensino remoto. Outro estudo que se relaciona com os achados nesta pesquisa foi obtido por Peloso et al. (2020), com 704 alunos do ensino superior, indicando que 48.2% dos estudantes apresentam ansiedade e demonstram não gostar das estratégias utilizadas durante o ERE na instituição avaliada.
Para a questão sobre as “sugestões de melhorias”, os resultados obtidos são apresentados na Tabela 6, que apresenta, na primeira coluna, quais foram as sugestões e, na última, o número de indicações em ordem decrescente. Lembramos que os professores poderiam marcar mais de uma opção, e que selecionamos apenas as opções com mais de 40 citações.
Sugestões | Frequência |
---|---|
Reorganização de rotina de trabalho | 67 |
Aquisição de materiais para uso nas disciplinas | 66 |
Reduzir número de reuniões e sua duração | 64 |
Cursos específicos voltados ao uso de Tecnologias de Informação e Comunicação | 63 |
Auxílio com equipamentos e assistência técnica | 61 |
Cursos específicos voltados para didática no ensino | 60 |
Universidade desenvolver um mecanismo de comunicação com os docentes | 56 |
Modificações nas relações interpessoais entre professor-aluno e professor-professor | 45 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
Dentro dessa questão, na opção “outros”, alguns professores pontuaram possíveis melhorias que não faziam parte da seleção, sendo elas: (a) “dicas pedagógicas”; (b) explicitação feita pela equipe gestora da Universidade sobre o que seriam as reais práticas docentes de responsabilidade dos professores; (c) a gestão da universidade adquirir e disponibilizar materiais gratuitos aos estudantes relacionados a disciplina ministrada; (d) a gestão da universidade articular auxílio ou aquisição de recursos para os professores desenvolverem sua prática (softwares, internet, móveis como mesa e cadeira, aparelhos e outros); (e) plataforma, site ou software que articule melhor a comunicação entre professores e alunos e entre professores. Por fim, destaca-se que alguns professores participantes utilizaram o campo “outros” para apresentar informações que não eram compatíveis com a questão, inviabilizando qualquer forma de análise.
As sugestões de melhorias, novamente, estão alinhadas com as necessidades apresentadas pelas IESs ao redor do mundo, tal como apresentado por Izumi et al. (2020), com dados de 29 países. Adicionalmente, as melhorias mencionadas anteriormente foram também encontradas por Lawrence e Wu (2021) na China, Sia e Abbas Adamu (2021) na Malásia, Hall et al. (2020) no Reino Unido, Austrália, Bélgica, Chipre, Irlanda e Holanda, Gautam e Gautam (2021) no Nepal, Scull et al. (2020) e Ling (2020) na Austrália, Joshi, Vinay e Bhaskar (2021) na Índia, entre outros.
Por fim, foram analisadas as opções relativas à questão “Principais Pontos Positivos do ERE”. Na Tabela 7, são apresentadas as opções de maior representação entre os professores participantes, na primeira coluna, e o total de indicações, na segunda. Os dados foram organizados pela frequência de indicações em ordem decrescente, existindo a possibilidade de os professores selecionarem mais de uma opção.
Pontos Positivos | Frequência |
---|---|
Aprendizado de novas tecnologias | 111 |
Adaptação a um novo contexto | 97 |
Oportunidade de desenvolvimento profissional em face do desafio | 83 |
Flexibilidade de horários de trabalho | 77 |
Experiências de ensino que presencialmente não seriam possíveis | 62 |
Mais tempo com a família | 40 |
Redução de estresse devido à redução de deslocamento para a universidade | 27 |
Fonte: Elaborada pelos autores.
PP03: Quais Características Docentes podem estar relacionadas com Práticas de Ensino adotadas e Percepções sobre o ERE?
As indicações apresentadas na Tabela 7 possibilitam a discussão sobre os elementos relacionados à percepção dos docentes e características das práticas docentes. Notamos que, no entendimento dos professores para esta questão, há tentativa de superação das dificuldades utilizando como núcleo a estratégia de identificar aspectos positivos em todo o desafio representado pelo ERE. Nossos dados aproximam-se das indicações apresentadas por Gautam e Gautam (2021), que apontam que a eficácia da modalidade do ERE para o ensino-aprendizagem possui relação significativa com a percepção da efetividade do ensino remoto pelo corpo docente e discente, por meio de suporte tecnológico da IES e da disponibilidade de infraestrutura.
Além disso, os resultados apresentados nesta pesquisa em relação à aprovação dos professores para os recursos tecnológicos se assemelham com a crença no uso das TICs e ERE, assim como com a indicação de habilidades para uso das TICs. Estes dados representam ações que demonstram boa resposta frente às limitações impostas pela Pandemia para o ERE pela UFRR, tais como apontam Hall et al. (2020). No entanto, ainda existem lacunas que precisam de maiores investigações e ações, como saúde mental dos discentes e docentes, planos de suporte psicossocial à população universitária em geral, relações políticas entre comunidade e instituição universitária alinhadas para suporte e superação conjunta, plano econômico e social que atinjam efetivamente a necessidade dos alunos e docentes, entre outras.
Na Figura 1, apresentamos as médias de aprovação indicadas pelos professores participantes para as categorias indicadas anteriormente. No eixo X, apresentam-se as categorias e, no eixo Y, as médias obtidas, cujo valor mínimo é 0 e o máximo é 5.
Por fim, a crença no uso de TICs e ERE se mostrou qualitativamente positiva na opinião dos professores, como demonstra a Figura 1. Esses dados são reafirmados independentemente das diferentes tendências, linear ou exponencial, por exemplo, aumentando a força de validade deste dado. Os valores gerais permaneceram na linha de 3.8 de um máximo de 5, o que representa valor alto de aprovação.
Considerando que essa representação não expõe as características que poderiam representar as barreiras ou dificuldades no uso dessas tecnologias para a prática docente, pesquisas futuras devem apresentar mais questões abertas/descritivas que solicitem aos professores participantes a efetiva opinião/percepção sobre as categorias investigadas – ERE, uso das TICs, habilidades para uso de tecnologias e atuação, por exemplo. Dessa forma, entendemos que seria possível obter mais informações que não estavam presentes nas questões fechadas.
Os achados de nossa pesquisa apresentados nas questões P01 e P02 corroboram os apontamentos da literatura internacional. Destacamos uma síntese dos principais dados sobre as possíveis relações entre características dos docentes para a superação mais assertiva de situações pandêmicas com uso de ensino remoto. São as seguintes características: (a) condições para busca de formação que esteja incluída na jornada de trabalho dos docentes; (b) cursos de aprimoramento que estejam alinhados com a situação vivenciada; (c) uso de recursos tecnológicos nas disciplinas que considerem a situação social dos discentes; (d) disponibilização de recursos financeiros para os discentes; (e) estratégias de ensino diferenciadas com maior uso de comunicação entre discentes-docentes e discentes-discentes; (f) procedimentos avaliativos flexíveis e alinhados com os procedimentos de ensino adotados; e (g) suporte e acompanhamento da equipe administrativa da universidade para toda a comunidade acadêmica.
Considerações Finais
Tendo como objetivo da pesquisa caracterizar práticas de ensino e percepções de professores sobre o ensino realizado na Universidade Federal de Roraima (UFRR), foi possível identificar que as ações adotadas pelos professores participantes da pesquisa e dos administradores da UFRR foram adequadas com os apontamentos da literatura. Destacam-se como resultados mais significativos para as práticas docentes adotadas pelos participantes o uso de estratégias diferenciadas de ensino e avaliação por meio das TICs, a reorganização de tempo e atividades conforme a demanda imposta pela mudança de rotina universidade-casa e o envolvimento em cursos de formação continuada ou de aprimoramento.
No que se refere às ações realizadas pela UFRR, destacaram-se o oferecimento de recursos financeiros de cunho assistencial para alunos – Pastoral Support/care –, acompanhamento da implementação do ERE com medidas de efetividade – avaliação de satisfação docente e discente, por exemplo –, oferecimento de cursos de formação continuada e aprimoramento voltado ao interesse dos docentes, ações voltadas a prevenção de contaminação da comunidade universitária e de enfrentamento do contágio da covid-19.
No que se refere a percepção dos professores participantes em relação ao ERE e uso das TICs, os resultados indicam satisfação acima da média. No entanto, destacam-se como barreiras para melhor superação a alta demanda imposta aos professores – incluindo sobrecarga de horas dedicadas ao trabalho docente –, ausência de todos os recursos necessários para a implementação de qualidade no ensino, e maior motivação dos alunos para envolvimento nas atividades.
No que se refere a condições que superam os limites de atuação dos constituintes da comunidade universitária, destacam-se a qualidade da internet oferecida no estado pesquisado, a infraestrutura de estudo e trabalho impostos pelo homeoffice e estudo em casa, assim como pelo medo e insegurança causados pelo avanço de mortalidade da covid-19 no país.
Como limitações da pesquisa, apresentam-se como mais significativas a ampliação do número de participantes e das regiões pesquisadas. Além disso, sugere-se inserir perguntas que objetivem investigar ou avaliar a saúde mental dos professores participantes, de modo a possibilitar mapear possíveis efeitos psicossomáticos nas práticas docentes, além daquelas já inseridas nesta pesquisa.
Encontra-se como uma limitação o fato de que as questões selecionadas foram baseadas no conjunto de pesquisas nacionais e internacionais, publicadas até a data do início deste estúdio. Dessa forma, não se descarta a possibilidade de que não atinjam todo o escopo significativo para investigação do tema proposto. Ainda assim, destaca-se que os resultados obtidos contemplaram os objetivos propostos e responderam a pergunta de pesquisa, tal como apresentado.
Por fim, os dados obtidos replicam e estendem dados internacionais de diversos países. Identificamos que os fatores de maior influência para o desempenho da prática docente e percepção dos professores sobre o ERE sejam derivados da natureza da mudança, pandemia e gravidade da doença, e a velocidade de resposta de enfrentamento, implementação do ERE em curto espaço de tempo, sem tempo para formação ou para se organizar condições adequadas.
Ao se comparar, brevemente, a característica dos países que possuíam dados publicados até a data de escrita desta pesquisa, constata-se grandes diferenças econômicas, populacionais, sociodemográficas e outras. Ainda com essas diferenças, as dificuldades encontradas foram similares. Dessa forma, as ações indicadas na literatura para superação dessas dificuldades, assim como as ações adotadas pelos professores e UFRR podem servir como dados para ações futuras, tanto da própria instituição como de outras IES.
Os dados desta pesquisa podem fomentar discussões relativas a outras condições importantes no processo de ensino e aprendizagem, tais como nível de envolvimento emocional ou ambiente organizado para o ensino. Dessa forma, conclui-se que os dados desta pesquisa replicam e avançam o escopo de pesquisas que objetivam investigar as práticas docentes e condições de resposta à pandemia. Como exemplo, as ações adotadas pelos professores participantes nesta pesquisa e da própria UFRR, estão parcialmente de acordo com os apontamentos de Hall et al. (2020), Izumi et al. (2020) e Deshmukh (2021), por exemplo. Os autores publicaram resultados de pesquisa em período inicial da pandemia, indicando possíveis ações. Nesta pesquisa, os dados são relativos, também, às implementações dessas ações, com suas respectivas limitações e resultados.