Introdução
No Brasil, falamos Português! Essa é uma afirmação pouco questionada entre nós. Aqui se fala o português ou o portugueis? A partir de debates sobre essa problemática, são elaborados currículos escolares que tematizam o ensino da chamada “língua materna”.2 É uma forma educativa emblemática, na medida em que homogeneíza todos; elimina as diferenças etnoculturais e ignora a diversidade linguístico-cultural dos povos tradicionais3 de práticas escolares. Esse currículo centraliza-se na cultura livresca. Assim, questiona-se: como responder ao problema que se origina quando crianças que somente falam pomerano4 (ou outra língua de imigração e/ou minoritária) passam a frequentar a Educação Básica em contexto brasileiro?
Partindo disso, o presente artigo resulta de discussões acumuladas até o momento nos Grupos de Pesquisas (CNPq) “Culturas, Parcerias e Educação do Campo” e “Imagens, Tecnologias e Infâncias”, acerca do tema, com registros em diários de campo, acervo fotográfico, filmagens e outros dados sistematizados coletivamente. Realiza revisão crítica da produção teórico-científica do assunto, ao mesmo tempo que promove leitura interpretativa do campo investigado, em banco de dados produzidos durante os últimos cinco anos. A discussão objetiva focar o papel histórico das culturas e dos saberes do Povo Tradicional Pomerano em contexto capixaba. Há relatos e mesmo denúncias de dificuldades no processo de escolarização de crianças e adolescentes, que reproduzem processos de exclusão. Quando se consideram questões sobre aspectos da língua, dos costumes e dos valores tradicionais (espiritualidade, festas, culinária etc.) dos pomeranos, como parte constituidora de proposta do currículo prescrito na escola, observam-se descaso e omissão.
O texto que segue apresenta breve contextualização histórica e discussão da problemática que se relaciona ao Povo Tradicional Pomerano, particularmente sobre sua escolarização. Realiza revisão da produção teórica sobre o tema e, na sequência, apresenta a base legal e conceitual que orienta políticas voltadas à diversidade linguístico-cultural dos povos tradicionais. Buscam-se subsidiar discussões sobre diversidade linguístico-cultural na sua interface com educação. Avalia-se a criação do PROEPO (Projeto de Educação Escolar Pomerana), enquanto iniciativa de ensino da língua pomerana5 em contexto bilíngue.
Contextualização e problemática
Uma análise do problema conta com a mediação imagética de uma fotografia dos anos de 1940, apresentada abaixo. Está referenciada ao contexto de educação rural em comunidades de imigrantes pomeranos no Estado do Espírito Santo, no Brasil. Podemos identificar, nesta imagem, aspectos importantes para compreensão da cultura pomerana. Percebem-se adultos, crianças, uma edificação escolar, partes da natureza e objetos culturais com expressivo simbolismo.
Com auxílio de dados produzidos com sujeitos representados, foi possível entender que se trata de registro fotográfico histórico de escola comunitária de sala multisseriada, localizada em propriedade do pomerano Senhor Carlos, pioneiro e um dos fundadores de Lajinha, no interior do município de Pancas-ES.6 Ao fundo, em pé, logo atrás do grupo de crianças, encontra-se o professor. Observando o cenário da janela, identifica-se o proprietário daquela porção de terra destinada à agricultura familiar. O chão batido à frente, o pasto ao fundo, a vegetação com parte de troncos e folhas de coqueiros também compõem a imagem disponibilizada. A escola foi edificada em estilo arquitetônico muito encontrado na região, com pilares e andaimes de madeira maciça (garibu amarelo, garibu preto, peroba, ipê amarelo, ipê roxo etc.), abundantes na Mata Atlântica, que predominava à época na região. As paredes, preenchidas com massa de adobe, foram erguidas em mutirão pelas famílias das comunidades pomeranas e afrodescendentes que lá residiam.
Podemos, dessa forma, inferir que também um projeto educativo se constituía enquanto demanda fundamental, numa época em que o Estado não desenvolvia políticas públicas e sociais na área de formação humana na chamada zona rural. Isso se evidencia pela significativa presença de crianças que frequentavam a escola. Meninos e meninas afro-brasileiros, teuto-brasileiros, pomeranos, italianos, entre outros, registram a diversidade sociocultural da comunidade daquela escola. Os pés descalços das crianças mostram-nos a condição histórica de pobreza dos filhos de trabalhadores do campo. Os uniformes escolares impecáveis, as bandeirolas, as guirlandas, a bandeira e o cartaz com a fotografia de Getúlio Vargas afixados nas janelas e nas portas, assim como a pose para a fotografia oficial, oferecem-nos dados para compreender que o momento era de celebração e os motivos estavam fortemente relacionados à realidade política brasileira da Era Vargas7.
Destacamos, com esta fotografia, a diversidade que caracteriza os sujeitos da escola, em contraposição à centralidade discursiva do projeto político que orientava o Brasil naquele momento. Essa orientação, respeitados os devidos tempos históricos, em grande parte ainda está presente nas escolas campesinas, conforme buscaremos desenvolver a seguir.
Escolas comunitárias, grupos escolares, as classes multisseriadas9 marcam, ao longo de décadas, a possibilidade de escolarização em contextos sociais onde vivem os Povos Tradicionais (RAMLOW, 2004; MORETO, 2015; DELBONI, 2016). As escolas comunitárias, fundadas e mantidas pelos moradores locais (KREUTZ, 2000; CASTELLUBER, 2014), exerceram e ainda são atuantes na organização do processo educativo de comunidades de imigrantes no Brasil. Elas, em grande parte, são responsáveis pela formação de crianças e jovens nos espaços em que o Estado não se faz presente com a oferta de educação escolar e têm como objetivo principal a organização e o fortalecimento da comunidade em torno de seus valores e costumes.
As “colônias” alemãs, italianas e polonesas, isoladas por longo período, empreenderam uma ampla estrutura comunitária de apoio ao processo escolar, religioso e sociocultural, à semelhança dos países de origem. Para favorecer a dinâmica comunitária nos núcleos de imigrantes, organizava-se um conjunto de 80 a 100 famílias, aproximadamente, com suas pequenas propriedades, em torno de um centro para a comunidade, com infraestrutura de artesanato, comércio e atendimento religioso-escolar. Era uma estrutura física indispensável para a rede de organizações socioculturais e religiosas a animar toda a dinâmica da vida comunitária. A imigração japonesa, que se iniciou no Brasil apenas a partir de 1908, também teve um processo de escolas comunitárias, mas com uma dinâmica de coordenação laica, a partir das Associações de Pais. (KREUTZ, 2000, p. 159)
A imigração fez parte do processo acelerado de transformações sociais que ocorreram no Brasil na segunda metade do século XIX e no início do século XX. A ascensão das ideias republicanas, em substituição ao Brasil Império, com transformações políticas, sociais e culturais, teve impacto direto na população de imigrantes germânicos assentados em diversos Estados da Região Sudeste e Sul do país. No Estado do Espírito Santo, o começo da chegada dos imigrantes alemães data de 1847. A primeira colônia deles estabelece-se em Santa Isabel, Domingos Martins - ES. Em 1859, as comunidades pomeranas começaram a ser fundadas nas montanhas espírito-santenses, com imigrantes europeus provenientes da Pomerânia.
A imigração representou um mal necessário. Contudo, a presença germânica (e italiana), na primeira metade do século XX, passou a significar um problema, que se explicitava na dialética do progresso e da civilização. O estrangeiro foi considerado peça-chave ao projeto desenvolvimentista, ao mesmo tempo que era visto como indesejável à estrutura do Estado Nacional, uma vez que representava o diverso (estranho e desconhecido). Um dos principais conflitos dizia respeito aos valores, aos costumes e à língua das comunidades de imigrantes. Para fazer frente ao problema, medidas foram tomadas, tais como a obrigatoriedade do domínio da língua portuguesa, sobretudo pelas crianças em idade escolar. Nesse sentido, conforme Kreutz (2000), maior controle passou a ser exercido pelo Estado sobre as escolas comunitárias, que foram submetidas a muitas transformações de interesse oficial, para atender ao projeto nacionalista.
Os grupos escolares, com orientação positivista, caracterizavam-se pela organização dos alunos em séries, planejamento centralizado do ensino, progressão por aprovação (NAGLE, 1974). Visavam unificar a todos pelo currículo oficial e com distribuição do livro didático. No Estado do Espírito Santo, foram implantados, a partir de 1908, enquanto projeto republicano, mas não alcançavam o interior nem cobriam as demandas por educação da época (SIMÕES; SALIM, 2012). Em 1926, funcionavam, no Espírito Santo, “os Grupos Escolares ‘Gomes Cardim’, em Victoria, ‘Bernardino Monteiro’ em Cachoeiro do Itapemirim e ‘Marcondes de Souza’ instalado em Muquy em Julho de 1925” (ESPÍRITO SANTO, 1926, p. 2310 apud SIMÕES; SALIM, 2012, p. 102).
À revelia desse processo, em cujo movimento a educação foi afetada de forma muito especial, o Povo Tradicional Pomerano (BRASIL, 2007), ao preservar com grandes dificuldades as escolas de salas multisseriadas, fundadas em suas comunidades e por elas mantidas durante longo período da história educacional pomerana no Brasil (ver o caso acima apresentado), produziu resistência ao projeto cultural homogeneizador do Estado (FOERSTE, 2014 e 2015; FOERSTE; KOELER, 2015; KOELER, 2016). As classes multisseriadas receberam e dedicaram-se a atender às demandas culturais dos pomeranos. Nessa fase os professores eram selecionados pelos próprios pais e outros moradores locais. Eram pomeranos que dominavam os rudimentos de língua (leitura e escrita do alemão e raramente do português) e da matemática e, por isso, eram escolhidos, pois falavam a língua pomerana com as crianças, bem como pertenciam à cultura delas. O material didático não era oficial, porém significativamente orientado pela dimensão religiosa (CASTELLUBER, 2015; DELBONI, 2016).
Quando se tornaram escolas dirigidas pelos órgãos vinculados ao Estado, entretanto, principalmente a partir do período da Segunda Guerra, deixaram de levar em consideração as necessidades culturais dos pomeranos na prática curricular, pois os conteúdos passaram a ser estabelecidos e controlados pelo Estado, alicerçados no projeto nacionalista vigente na época. O ensino em língua portuguesa tornou-se obrigatório, com proibição oficial das línguas de imigração (KREUTZ, 2000). Não importava mais se os professores não falassem pomerano ou não conhecessem a cultura da população com a qual trabalhavam. Os reflexos disso se fizeram sentir logo, com lamentável produção de fracasso escolar, sobretudo nas séries iniciais, momento em que as crianças estão se apropriando da língua portuguesa (MIAN, 1993; WEBER, 1998; SILLER, 1999; RAMLOW, 2004; SCHAEFFER, 2012; SCHAFFEL-BREMENKAMP, 2015; DELBONI, 2016).
O Povo Tradicional Pomerano problematiza as escolas em suas comunidades. Elas instituem currículos dominados por conteúdos oficiais e alheios às demandas educacionais pomeranas, com forte controle externo, principalmente, e através dos chamados “exames nacionais”. Legitimam-se avaliações e provas, cujos objetivos estão voltados, na prática, para o ranqueamento e a consequente definição de prioridades, com distribuição de recursos públicos (DETTMANN, 2014; KÜSTER, 2015; DELBONI, 2016). Grave nesse processo é o fato de que esse movimento de intervenção do poder público resulta, na maioria das vezes, no fechamento desse tipo de escola, com argumento de contingenciamento financeiro.
Essas problemáticas do processo escolar pomerano, que atingem também os Povos Tradicionais em geral (quilombolas, indígenas, ribeirinhos, extrativistas, geraizeiros etc.), aos poucos passaram a ser objeto de estudos e pesquisas nas universidades. A seguir, apresentaremos breve levantamento de dissertações e teses desenvolvidas sobre o tema da escolarização dos pomeranos, com o objetivo de dimensionar as principais contradições destacadas e perspectivas de superação de problemas levantados.
Pesquisas sobre educação entre o povo tradicional pomerano
Os estudos sobre a educação do Povo Tradicional Pomerano são desenvolvidos com interesse crescente. Um levantamento inicial sobre a problemática, realizado no banco de teses e dissertações da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior), Domínio Público, Scielo e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, aponta para uma produção relativamente recente e, portanto, pequena. A revisão crítica do conhecimento produzido teve como objetivos, entre outros: a) mapear pesquisas; b) identificar temáticas estudadas, bem como abordagens teóricas e metodológicas; c) discutir aspectos da problemática da articulação entre língua, cultura e educação pomeranas.
No banco de dissertações e teses CAPES foram encontradas 15 pesquisas, desenvolvidas em diferentes áreas, quando utilizados como descritores os termos “pomerano” e “pomeranas”, isto é, 10 dissertações e cinco teses. Na Biblioteca Brasileira de Teses e Dissertações estão disponíveis 18 títulos que abarcaram comunidades pomeranas. Contudo, nem todos os textos identificados abordam o tema nas especificidades propostas nesta revisão. Apenas três aprofundaram estudos sobre questões relativas ao ensino de língua pomerana propriamente dito. Destaca-se que, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo - PPGE/UFES (criado em 1978), aspectos da problemática da educação escolar pomerana são abordados somente a partir 1993, com um total de oito trabalhos.
As pesquisas, realizadas nos municípios de Domingos Martins e Santa Maria de Jetibá11, denunciam principalmente as questões de alteridade e a necessidade de valorização das especificidades da cultura dos pomeranos, considerando-se basicamente a educação escolar (MIAN, 1993; WEBER, 1998; SILLER, 1999; RAMLOW, 2004; TRESSMANN, 2005; HARTWIG, 2011; SCHAEFFER, 2012; DETTMANN, 2014; SCHAFFEL-BREMENKAMPF, 2014; KÜSTER, 2015; DELBONI, 2016). Destacam a importância de implementação de políticas públicas de educação que superem problemas de fracasso e abandono. Dentre as dificuldades mais preocupantes em relação à escolarização do Povo Tradicional Pomerano, análises de Hartwig (2011), Dettmann (2014) e Küster (2015) indicam, entre outros aspectos: a) alto índice de reprovação; b) currículo desvinculado do contexto social; c) contratação de professores que não falam pomerano; d) inexistência de políticas de ensino bilíngue; e) gestores educacionais e equipe pedagógica que desconhecem a realidade local campesina e promovem fechamento de escolas locais; f) subestimação da capacidade de aprendizagem das crianças pomeranas; g) exclusão dos alunos das práticas escolares por não serem compreendidos em sua língua nem compreender a língua portuguesa; h) reprodução do mito de que os pomeranos são tímidos.
Cerca de 90% dos pomeranos vivem no campo e são bilíngues, porque usam duas línguas, ou seja, o pomerano e o português, de maneira a alterná-las, sem ter relevância o nível de proficiência que dispõem delas. Segundo Weinreich (1970), esse fenômeno linguístico é denominado bilinguismo e, em contextos desse tipo, os sujeitos são considerados pessoas bilíngues. De fato 85% da população pomerana emprega, de maneira fluente, as línguas pomerana e portuguesa (SCHAFFEL-BREMENKAMP, 2014). A tabela abaixo concretiza, em dados estatísticos, informações sobre o uso da língua pomerana na comunidade de Caramuru, em Santa Maria de Jetibá, onde a maior parte das pessoas pertence ao Povo Tradicional Pomerano. Chama a atenção que os adultos acima de 55 anos preferem falar o pomerano, enquanto as gerações mais jovens dizem não se comunicar preferencialmente nessa língua. Podem-se, então, levantar questionamentos que problematizam os dados: o uso predominante da língua pomerana está relacionado ao nível de escolarização dos sujeitos, já que as pessoas com mais de 30 anos frequentaram apenas as séries iniciais do Ensino Fundamental? Pomeranos de 14 a 30 anos de idade não explicitam prática de bilinguismo, conforme a tabela. Partindo do pressuposto de que a permanência por mais tempo na escola é um aspecto destacado para o uso predominante do português entre os falantes pomeranos com idade entre 9 e 13 e 14 e 30 anos, nesses casos, qual é, então, a influência do maior acesso por parte desses sujeitos às informações e/ou aos meios de comunicação, como televisão (antena parabólica) e internet (telefonia celular)?
Investigando uma escola de Ensino Fundamental, onde se ensina pomerano em Santa Maria de Jetibá-ES, Küster (2015) levanta dados sobre os usos da língua pomerana e observa que 95% dos sujeitos se autoidentificam como pomeranos, e destes apenas 10% afirmam não falar o idioma. O número de sujeitos que aprendeu o pomerano como primeira língua é bastante representativo, conforme a Figura 2, a seguir.
Os estudos de Schaffel-Bremenkamp (2014), dados citados e analisados por Peres, Bremenkamp e Foerste (2015, 2016), no mesmo município, registraram também que informantes com idade acima de 55 anos falam somente o pomerano, mas entendem o alemão. Entre os mais velhos, encontram-se os chamados trilíngues, pois, além de falar o pomerano como língua materna e o alemão, entendem o português. As primeiras gerações do Povo Tradicional Pomerano em Santa Leopoldina, Domingos Martins, Santa Maria de Jetibá, Afonso Cláudio etc. tiveram acesso à língua escrita através das chamadas escolas paroquiais (CASTELLUBER, 2014), organizadas pelas comunidades da Igreja Luterana Alemã, para suprir a ausência ou a omissão do Estado. Os pastores alemães, na ausência ou na omissão do Estado, assumiam também funções de magistério, já que, no contexto local, eles, praticamente, eram os únicos sujeitos que sabiam ler e escrever no idioma alemão. Assim, os pomeranos aprendiam a língua alemã pela educação escolar, e a língua portuguesa, pelo contato com outros falantes desse idioma. Somente entre pessoas com idade acima de 55 anos encontram-se sujeitos usuários exclusivamente da língua pomerana. Os mais jovens são bilíngues porque falam a língua pomerana e a portuguesa (SCHAFFEL-BREMENKAMP, 2014; PERES BREMENKAMP; FOERSTE, 2015, 2016). Qual é o significado de dados como esses do ponto de vista educacional e de que modo podem fundamentar políticas públicas para o ensino bilíngue?
A língua pomerana em nosso país constitui-se como patrimônio cultural imaterial de grande significado e importância para autoafirmação do Povo Tradicional Pomerano (BRASIL, 2007; FOERSTE, 2014, 2015). O Decreto Presidencial nº 7.387, de 09 de dezembro de 2010, afirma: “Art. 5o As línguas inventariadas farão jus a ações de valorização e promoção por parte do poder público” (BRASIL, 2010).
Na sede do município de Santa Maria de Jetibá, identificam-se placas públicas bilíngues (localização, boas-vindas a visitantes, orientação de trânsito, identificação de órgãos públicos, igrejas, rodoviária etc.), com informações na língua portuguesa e no Pomerano. No comércio também há folhetos informativos em ambas as línguas. Atribui-se isso ao processo de cooficialização da língua pomerana e do desenvolvimento do Programa de Educação Escolar Pomerana - PROEPO, que descreveremos e analisaremos mais adiante.
Os pomeranos tiveram que se ajustar linguisticamente ao longo de toda a sua história, quando eram submetidos a práticas de silêncio cultural. Do ponto de vista oficial, no século XVI, mais especificamente a partir de 1530, a Reforma Luterana é introduzida na Pomerânia e, com ela, a língua alemã foi imposta e estabelecida em igrejas, escolas e repartições públicas (BUCHHOLZ, 1999; INNACHIN, 2008). A cultura do silêncio, ou silenciamento, é um fenômeno social e cultural muito presente na América Latina, herança do processo civilizatório típico da exploração europeia do mundo durante séculos. E, segundo Paulo Freire (1970), tal cultura produz a dicotomia opressor e oprimido; encontra suas raízes na colonização, na conquista e na dominação europeias sobre os povos desse território (BOSI, 1992). Essa prática cresceu e frutificou, tendo como alicerce “a senhoria da terra [e] o poder do senhor, que se estendia da terra às pessoas” (MARTIN-BARBERO, 2014, p. 23, grifo nosso); numa sociedade à época com história fortemente marcada pela escravidão e pelo índio, como a brasileira, consagraram-se, desse modo, o poder do patrão (e os governantes) e do padre, que têm o direito à palavra sobre o povo, que deve sempre silenciar e ouvir.
Mesmo à margem do projeto cultural hegemônico no país, os falantes da língua pomerana, por inúmeras vezes, optaram por estratégias de transgressão e resistência cultural (FOERSTE, 2014; 2015, FOERSTE; KOELER, 2015; KOELER, 2016), com recusa à opressão das classes dominantes (oligarquias agrárias). Assim, mantiveram, a duras penas, a língua ancestral em diferentes contextos sociais, em espaços em que o controle do poder oficial não os alcançava (lar, trabalho na lavoura, mutirões, festas comunitárias, rituais de cura, casamentos, batizados, confirmação, velórios e enterros etc.).
As práticas escolares, de modo geral, junto às comunidades pomeranas desconsideram ainda a cultura pomerana, em especial a língua pomerana (KÜSTER, 2015). Existem relatos de professoras que são orientadas pelo poder público a proibir as crianças a fazer uso da língua materna pomerana durante os períodos escolares regulares (principalmente na rotina didática de sala de aula), sob a alegação de que a função da escola é ensinar a ler e escrever na língua oficial. Conforme já mencionado anteriormente, esse processo remete às políticas de nacionalização no Brasil, sobretudo no período da Segunda Guerra Mundial.
O fato de muitas crianças falarem o pomerano como língua materna, ao ingressarem na escola, é apontado por muitos professores e gestores educacionais como causa de fracasso escolar em contextos sociais com presença do Povo Tradicional Pomerano (MIAN, 1993; WEBER, 1998; SILLER, 1999; RAMLOW, 2004). As pesquisas colocam em evidência os impactos desse quadro. É verdadeiro que crianças pequenas de descendência pomerana, sobretudo da Educação Infantil, em fase de alfabetização, estranham a “língua da escola”, isto é, o português oficial. Sentem-se constrangidas, o que é visto como “timidez” por muitos (HARTWIG, 2011; DETTMANN, 2014; KÜSTER, 2015; DELBONI, 2016; KOELER, 2016). Em outro contexto, porém com alguma semelhança com os Povos Tradicionais no Brasil, Giroux (1986) discute esse tipo de atitude e a define como resistência linguística e cultural de falantes de línguas não oficiais. Os sujeitos calam-se diante da imposição cultural do currículo, o que é tomado como fracasso escolar.
As pesquisas sobre educação e língua pomeranas produziram relatos de crianças que têm medo de fazer perguntas referentes aos conhecimentos escolares por causa da dificuldade de comunicação na língua portuguesa. Elas têm “medo” de falar errado. O recreio é, não raras vezes, o momento em que as crianças se sentem livres no contexto escolar para conversarem em pomerano. Ao mesmo tempo, narrativas das famílias explicitam sentimento de tristeza face ao fato de os filhos resistirem, de forma crescente, ao ingressarem na escola, para falar a língua materna (o pomerano) também em casa. Recorrentemente, encontramos pessoas que reforçam a afirmativa acima. Durante conversa informal, funcionária municipal em Santa Maria de Jetibá nos relatava sobre a formação de seus filhos. Ela, que tem prática de conversação bilíngue em sua casa, percebeu que o filho mais velho, ao frequentar a escola, apresentou dificuldades em manter esse costume cultural. E completou: “Meu filho não falava mais pomerano, quando frequentava a escola. Agora ele está trabalhando na roça com parentes. Lá ele só fala em pomerano” (Mãe de jovem estudante em Santa Maria de Jetibá - ES, 2014).
Investigações de Siller (1999), desenvolvidas no contexto da Educação Infantil, registraram o desejo das famílias de ver uma escola que incentiva a valorização da cultura pomerana e da língua pomerana, que dialogue mais com a comunidade e suas culturas, enfim. Há relatos de pais que afirmam que as crianças deveriam aprender os saberes da escola por meio das duas línguas: português e pomerano; outros sugeriram duas professoras: uma para falar pomerano, e outra, para falar português. O bilinguismo foi apresentado como proposta de trabalho pela maioria das famílias entrevistadas.
Vale destacar que o debate acadêmico acumulado sobre a escolarização do Povo Tradicional Pomerano refere-se, de forma recorrente, às escolas de salas multisseriadas.12 Para Weber (1998), quanto mais a prática educativa da escola estimular diálogos entre crianças e professores, com base na cultura e nos saberes dos pomeranos, maior é a satisfação dos sujeitos, pois alcançam objetivos de leitura e produção textual propostos pelo currículo oficial e/ou prescrito e, ao mesmo tempo, estabelecem trocas entre os saberes locais e aqueles que a escola preconiza. As salas multisseriadas promovem processos de aprendizagem na e com a prática no contexto da vida dos educandos, nas respectivas comunidades. Nesse âmbito, o professor desenvolve-se profissionalmente e aprende sobre as culturas e os saberes locais, no encontro com a comunidade nas salas multisseriadas (MORETO, 2015). Nesse sentido, uma escola multisseriada constitui-se, como afirma Delboni (2016), de direito social conquistado pelos povos tradicionais do campo, reafirmados e ressignificados ao longo da história pelos movimentos sociais. Através dessas escolas, valorizam-se memórias dos campesinos (agricultores familiares, acampados/assentados de reforma agrária, dos indígenas, dos quilombolas etc.), ameaçados em suas culturas, saberes e identidades por projetos desagregadores de progresso e desenvolvimento próprios do agronegócio.
Base legal e conceitual: povos tradicionais e diversidade linguística
As comunidades tradicionais pomeranas são reconhecidas pela sua vinculação à terra, ao modo de produção da agricultura familiar e às práticas agroecológicas. A luta pela terra é parte da história desse povo e constitui um dos principais motivos da sua migração para o Brasil há aproximadamente 150 anos. Contudo, essa luta ainda é muito atual. No ano de 2002, no Estado do Espírito Santo, esse povo foi reconhecido como povo de cultura tradicional, no bojo das disputas pela criação do Parque Nacional dos Pontões Capixabas de Pancas e Águia Branca. Decorrente desse processo, também foi incluído entre os povos tradicionais no Decreto nº 6.040, de 07 de fevereiro de 2007. O governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva implementou políticas públicas com o objetivo de fortalecer as comunidades tradicionais. O referido decreto define os Povos e as Comunidades Tradicionais enquanto
[…] grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. (DECRETO 6.040/2007, Art. 3º, inciso I) (BRASIL, 2007)
Nesse contexto, a aprovação do Decreto Presidencial nº 7.378/2010 incluiu na agenda oficial da União, dos Estados e dos Municípios o direito dos Povos e das Comunidades Tradicionais de terem suas línguas respeitadas e valorizadas, impactando de forma concreta a oferta de ensino escolar bilíngue. Antes disso, em 2007, a partir da organização de base do Povo Tradicional Pomerano no Estado do Espírito Santo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN - promoveu a cooficialização linguística nos municípios capixabas de Pancas (2007), Laranja da Terra (2008), Santa Maria de Jetibá (2009) e Domingos Martins (2012), os quais já tiveram sancionadas as respectivas Leis Municipais de Cooficialização da Língua Pomerana.
Vale ressaltar, também, que, em 2012, foi realizado o 1º Encontro dos Povos e Comunidades Tradicionais no Estado do Espírito Santo, com o objetivo de fomentar a aproximação das diversas manifestações culturais tradicionais (Indígenas, Quilombolas, Povos de Terreiro, Ciganos, Pomeranos, Pescadores). Assim, pelo Decreto Estadual nº 3.248/2013 (ESTADO DO ESPÍRITO SANTO, 2013), foi criada a Comissão Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais no Estado do Espírito Santo.
Educação bilíngue e diversidade cultural como direito
Faz parte da agenda de lutas da Comissão Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais - CNPCT (Decreto nº 6.040/2007) - e da Comissão Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais no Estado do Espírito Santo (Decreto nº 3.248/2013) a realização de censos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE - em Povos e Comunidades Tradicionais. Infelizmente esse órgão público ainda não incluiu no censo nacional questões específicas sobre o Povo Tradicional Pomerano, a exemplo do que já vem sendo feito oficialmente no caso de Indígenas e Quilombolas. Contudo, estima-se que, hoje, cerca de 300 mil pomeranos vivam no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Espírito Santo, Minas Gerais e Rondônia. No Estado do Espírito Santo, a população de pomeranos é de 120 a 150 mil, conforme levantamentos preliminares realizados por Jacob (2012).
A língua pomerana, portanto, constitui-se de uma das dimensões articuladoras para reconhecimento do Povo Tradicional Pomerano atualmente no cenário das lutas coletivas por direitos sociais no Brasil. Essa língua é patrimônio cultural de um dos povos tradicionais brasileiros, hoje articulados na CNPCT e nas respectivas comissões estaduais. Os municípios de Santa Maria de Jetibá, Domingos Martins, Laranja da Terra, Vila Pavão e Pancas, no Estado do Espírito Santo, no Brasil, articularam esforços interinstitucionais e estabeleceram parcerias13, cujas práticas estão muito próximas da definição teórica do termo proposto nas pesquisas de Foerste (2005). Assim se procedeu para elaboração e implementação do Programa de Educação Escolar Pomerana - PROEPO -, conforme análises de Hartwig (2011) e Peres, Bremenkamp e Foerste (2016). Compreende-se que é preciso essencialmente envidar esforços políticos para valorizar e fortalecer a cultura e a língua pomerana (SANTA MARIA DE JETIBÁ, 2011a). Há necessidade de ações articuladas para incremento do idioma no seu desenvolvimento e manutenção também como uma língua escrita.
Em 2011, o município de Santa Maria de Jetibá aprova a Lei nº 1.376, de 17 de agosto de 2011, que dispõe sobre o ensino de língua pomerana oral e escrita nas escolas da rede municipal daquele município (SANTA MARIA DE JETIBÁ, 2011b). Posteriormente, um termo de parceria entre os municípios participantes do PROEPO foi assinado em 07 de junho de 2014 (SANTA MARIA DE JETIBÁ, 2011a), em que se reafirmam necessidades como essas, na verdade, segundo avaliações de Foerste (2016b), construídas no acúmulo de debates populares realizados de forma crescente e ininterrupta pela sociedade civil sobre ensino da cultura e da língua pomerana, com demandas mais ampliadas inclusive (e ainda não atendidas), porém, captados pelas pesquisas realizadas até o momento e discutidas neste artigo.
O ano de 2003 é um marco importante na construção histórica desse processo, quando foi implementado o PROEPO. É elaborado no diálogo colaborativo entre os profissionais do ensino e a sociedade civil. Esse movimento é impulsionado pela preocupação de lideranças comunitárias articuladas a alguns dirigentes municipais frente à situação diagnosticada de que parte das gerações mais novas das comunidades pomeranas não se interessa mais (ou demonstra baixa motivação) em falar pomerano em contexto familiar e público. De outro lado, pais, mães, membros das comunidades (igreja, lideranças da sociedade civil e políticas), professores, pesquisadores etc. manifestam, há muito tempo, preocupação com o fracasso escolar de crianças de origem pomerana, principalmente nas séries iniciais, pelo fato de dominarem o pomerano como língua materna e não falarem a língua portuguesa ao ingressarem na escola (WAIANDT; EMMERICH, s.d.). Porém, apenas em 2005 o PROEPO consolidou-se, quando o anteriormente referido consórcio de municípios envolvidos com a temática contratou um etnolinguista como assessor, para implementação da educação pomerana. Ele é responsável pela formação em serviço de professores dos cinco municípios que adotaram um programa específico de educação nas comunidades pomeranas, sobretudo nas escolas multisseriadas. Essa iniciativa tem como objetivo promover a educação bilíngue nas escolas das comunidades locais, com apoio dos governos municipais e estadual, através da Secretaria de Estado da Educação do Espírito Santo. Essa ação se consolida dia a dia, com crescente adesão de escolas e professores.
Para participar do PROEPO, exige-se que o professor seja falante da língua pomerana, uma vez que um dos objetivos é também promover o ensino da escrita do pomerano. Hartwig (2011), Dettmann (2014) e Küster (2015) defendem que a sistematização formal da língua constitui importante fator de autoidentificação dos pomeranos. Utiliza-se como material de apoio um dicionário pomerano/português elaborado pelo assessor do PROEPO e publicado em parceria com a Secretaria de Estado de Educação do Espírito Santo - SEDU. Em 2007, o projeto foi transformado em programa.
Vale destacar que materiais didáticos (livros, álbuns seriados, quebra-cabeças, mapas, músicas etc.) estão sendo elaborados por professores que trabalham com essa área emergente no currículo escolar. Não se encontram até o momento, como já se pode constatar sobre as Comunidades Tradicionais Indígenas e Afro-Brasileiras (e isso é compreendido como conquista e avanço), referências à cultura do Povo Tradicional Pomerano nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs -, tampouco em livros didáticos produzidos e distribuídos pelo Ministério da Educação. Apesar de algumas iniciativas oficiais isoladas de valorização local (isolada) da cultura pomerana no Brasil, há que se questionar a ausência de políticas públicas que promovam mais processos investigativos em relação aos pomeranos, com valorização de sua história e cultura, seja na educação escolar e/ou em outras agendas de promoção cultural, sobretudo no âmbito dos governos estaduais (Secretaria de Cultura e Secretaria de Educação) e federal (Ministério da Cultura e Ministério da Educação). A Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECADI - do Ministério da Educação não incluiu, ainda, em seu programa de trabalho a questão pomerana, um direito já conquistado pelos indígenas e pelos quilombolas, na medida em que, nesse órgão de governo, conta-se com coordenadorias de cultura e educação desses povos tradicionais. Articuladas politicamente pelo Povo Tradicional Pomerano, lideranças e entidades organizadas da sociedade civil (Associação Pomerana de Pancas - APOP, Associação Pomerana de Vila Pavão - APOVIP, Associação de Cultura Alemã no Espírito Santo - ACAES) clamam por ruptura desse silenciamento oficial.
Como toda prática social, que se encontra em fase de consolidação, o PROEPO tem apresentado suas potencialidades e, também, seus limites ao buscar uma educação escolar diferenciada. Podemos perceber que o programa traz importantes contribuições, principalmente para o debate da questão cultural, com ênfase no ensino bilíngue.
Não temos ainda escolas bilíngues como política pública entre os pomeranos no Estado do Espírito Santo. Por meio de programa, as aulas de língua e cultura pomeranas são realizadas de maneira muito semelhante à oferta do ensino de uma língua estrangeira entre nós (inglês, espanhol, francês etc.), como se as crianças não falassem o pomerano com domínio internalizado das estruturas gramaticais básicas de sua língua materna na concepção desta, discutida por Luft (1985). Como trabalhar questões da língua pomerana de modo alternativo ou alternado, a partir de uma abordagem de língua materna, sem produzir dicotomias na sala de aula entre as línguas e os saberes? O número de escolas que incluem atividades propostas pelo PROEPO não abarca a totalidade dos estabelecimentos de ensino existentes nas comunidades pomeranas. Portanto, o poder público não o universalizou até o momento. Há carência de professores que falam o pomerano e que fizeram adesão ao programa de ensino da cultura e língua pomeranas. Aqueles que aceitam participar dessa tarefa, até o momento, fazem-no por certa militância cultural e política e, por isso, acabam também por atender a muitas escolas (HARTWIG, 2011; DETTMANN, 2014; KÜSTER, 2015; KOELER, 2016) e promover ações colaborativas na concepção discutida por Foerste (2005).
O trabalho em mutirão entre os pomeranos é sempre destacado como uma prática que contribui para o fortalecimento da cultura desse povo. Concretiza cultivo de uma forma tradicional peculiar do modo de se viver em comunidade desde os tempos da chegada ao Brasil a partir de 1856. É uma tradição trazida da antiga Pomerânia e aqui, no contato e no diálogo com outras culturas de povos tradicionais em seus respectivos territórios (indígenas, quilombolas, caiçaras, extrativistas, pescadores etc.), ressignificam-se e se abrem possibilidades de produzir outras culturas, apesar de manter muitos dos traços originais dos tempos ancestrais dessas práticas. Crescentemente, essas e outras tradições são discutidas e incorporadas às práticas e aos currículos escolares em decorrência das lutas e da participação da comunidade nas escolas.
Considerações finais
Avanços no debate sobre a diversidade linguístico-cultural, na sua relação com o processo escolar, são notórios, a considerar as pesquisas acumuladas (MIAN, 1993; WEBER, 1998; SILLER, 1999; RAMLOW, 2004; TRESSMANN, 2005; HARTWIG, 2011; SCHAEFFER, 2012; DETTMANN, 2014; SCHAFFEL-BREMENKAMP, 2015; KÜSTER, 2015; DELBONI, 2016). A crescente produção de pesquisas acadêmicas acerca do tema e os movimentos organizados da sociedade civil impulsionam políticas de valorização dos saberes e das culturas do Povo Tradicional Pomerano. Esse processo de investigação e produção de conhecimentos é dinâmico e está em movimento. Conclusões não podem ser fechadas ou categóricas, mas colocam-se no campo das possibilidades e do diálogo (FREIRE, 1970). Certamente, novos estudos contribuirão para o aprofundamento de questões sobre língua, cultura e educação pomeranas. Por ora, interessou-nos pontuar algumas conquistas e desafiar outras possibilidades na abordagem das questões que focalizam a problemática da escolarização pomerana na sua interface com a manutenção da língua pomerana.
Quando analisamos a maneira como o Povo Tradicional Pomerano manteve viva sua língua, transgredindo e resistindo a todas as proibições que lhe foram imputadas (FOERSTE, 2014; 2015; FOERSTE; KOELER, 2015; KOELER, 2016), o que a colocaram ao longo da história em situação de língua “periférica”, percebe-se que hoje há perspectivas para os pomeranos terem mais direitos sociais, juntamente com outros povos (Indígenas, Quilombolas, Ciganos etc.), sobretudo direitos linguístico-culturais. Entre as lutas ainda em curso, que certamente mereceriam mais atenção das pautas de pesquisa nas Universidades, pois não se encontram desarticuladas com os debates aqui realizados, estão, entre outros: a) oferta e manutenção (não fechamento ou reabertura) de escolas públicas de qualidade situadas nas comunidades tradicionais (escolas ou salas multisseriadas); b) proposta de currículo que atenda às necessidades ou especificidades do povo local, inclusive educação bilíngue; c) apoio à agricultura familiar (moradia, estradas, assistência técnica, comercialização, financiamentos etc.); d) assistência à saúde nas comunidades locais; e) disponibilização de recursos e incentivo a projetos culturais diversos (música, literatura, cinema, dança, teatro etc.), com apoio para as diferentes faixas etárias, como a criança, a juventude, as mulheres, os homens, os idosos etc.; f) incremento de infraestrutura para acesso às tecnologias de comunicação e informação (TV a cabo, telefonia, internet etc.).
Integrado ao processo de cooficialização em Santa Maria de Jetibá-ES, realizou-se o censo linguístico municipal. Espera-se que os debates acumulados nesse processo incentivem novos levantamentos, que sejam balizadores para o fomento de políticas governamentais por parte dos poderes públicos local, estadual e nacional, principalmente com a realização de censos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
O PROEPO, nessa perspectiva, representa para todos aqueles envolvidos na luta por educação pomerana, especificamente, a possibilidade de aprender mais sobre essa língua e cultura. Trata-se de sistematização de conhecimentos constituidores de um currículo alternativo, bilíngue e diferenciado nas escolas das comunidades pomeranas pela valorização oral e escrita do pomerano. Busca-se aprofundar processos interdisciplinares de investigação sobre a história desse povo em território brasileiro e, ao mesmo tempo, estabelecer relações com outros contextos sociais do cenário internacional. Como transformar um programa linguístico-cultural do Povo Tradicional Pomerano bem-sucedido em diferentes municípios do Estado do Espírito Santo em política pública? Há que se fortalecer articulações de base dos pomeranos no Brasil (FOERSTE, 2016a) que unificam interesses dos Povos Tradicionais como prática intercultural (FORNET-BETANCOURT, 2001), embasadas na concepção de diálogo-libertador de Paulo Freire (1970). Assim, avanços serão coletivamente construídos, para fomentar e fortalecer movimentos de resistência, conforme diz Foerste (2014, 2015), ao projeto hegemônico de desenvolvimento e progresso das elites. Qual desenvolvimento e para quem? Qual progresso e para quem?
Essa articulação coloca-se como organização de base da sociedade civil contra o silenciamento imposto pelos colonizadores da América Latina (FREIRE, 1970; BOSI, 1992; MARTIN-BARBERO, 2014). A negação da palavra oprime e exclui os Povos Tradicionais daqui ao longo de mais de 500 anos de história, inclusive o Povo Tradicional Pomerano. Nesse sentido, a institucionalização da Comissão Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais - CNPCT -, através do Decreto Presidencial nº 6.040/2007, e a conquista de direitos linguísticos e de diversidade, pelo Decreto Presidencial nº 7.387/2010, fortalecem internamente as lutas do Povo Tradicional Pomerano por direitos sociais, apoiados por outros Povos e Comunidades Tradicionais, bem como por instituições como as Universidades, SECADI, IBGE e IPHAN, entre outros, em suas lutas coletivas na construção de outro projeto de Brasil. A base desse processo encontra crescentemente, na educação pública de qualidade para todos, no direito à diversidade linguística e cultural, ferramentas de lutas coletivas.