Introdução
Este artigo apresenta a realização de um balanço bibliográfico acerca dos trabalhos aprovados e publicados nos anais das edições do Congresso Brasileiro de História da Educação (CBHE), no que se refere especificamente à temática da História da Educação Especial brasileira. Desde o ano 2000, com periodicidade bienal, esse congresso é realizado, no Brasil, pela Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), em parceria com universidades e programas de pós-graduação stricto sensu que tenham reconhecida contribuição nos estudos e pesquisas em História da Educação. Até o momento, foram oito edições, respectivamente nos anos de 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 20111, 2013 e 2015. Sua gênese está associada aos esforços da SBHE, fundada em 1999 para constituir um espaço-tempo de intercâmbio entre os diversos pesquisadores afetos à área, em todo o país, demarcando, assim, um campo científico autônomo (BOURDIEU, 1983), hoje consolidado nacionalmente. A esse respeito, vale conferir um trecho disposto na “Apresentação” do Caderno de Resumos do VIII CBHE, ocorrido em 2015, segundo o qual o congresso
Trata-se de um evento itinerante que acontece alternando-se nas diversas regiões que compõem o Brasil, cujos objetivos são: congregar profissionais brasileiros que realizam atividades de pesquisa e ensino da História da Educação; promover o debate acerca de investigações realizadas na área da História da Educação; incentivar a produção de novas investigações na área da História da Educação nas várias regiões do país e contribuir para a divulgação de conhecimentos produzidos da área, especialmente aqueles relacionados ao ensino e à pesquisa neste campo. (UEM, 2015, n.p.)
Dessa feita, esse evento pode ser entendido como uma vitrine do que de mais relevante tem se produzido sobre História da Educação no Brasil, revelando as prioridades dos pesquisadores quanto à escolha de objetos, fontes e temas “autorizados” de investigação, às tendências teórico-metodológicas e demais configurações específicas desse campo com seus agentes, “capitais” científicos, estratégias políticas e interesses legitimados ao longo do tempo (BOURDIEU, 1983). Nesse sentido, entendemos que esse seria o melhor “lugar” para perscrutarmos o estado do conhecimento sobre a História da Educação Especial no Brasil, haja vista nosso intento ser o de investigar se e como os historiadores da educação brasileiros - profissionais ou de ofício - têm, de alguma forma, considerado essa temática e lhe dado ou não visibilidade nas edições do congresso. Conquanto abordar a História da Educação Especial nos remete a um intercampo ou, mais precisamente, a um campo híbrido, partimos, pois, do princípio de que precisávamos inventariar e compreender o olhar historiográfico lançado - ou negligenciado - à Educação Especial.
Desse ponto de vista, outros lugares de produção científica, como o Congresso Brasileiro de Educação Especial (CBEE), pelas suas características, voltadas, precipuamente, para “atender a demanda emergente por novas práticas decorrente da diretriz política educacional de inclusão escolar adotada pelo país”2, como também para a discussão sobre perspectivas de atendimento educacional especializado às diversas deficiências, condições atípicas e/ou necessidades educacionais especiais, não seria, portanto, a melhor opção, ainda que deva ser considerado em estudos semelhantes a esse, em outros momentos. Por ora, registre-se apenas que os CBEEs não firmaram, pelas próprias exigências pragmáticas, terapêuticas e político-pedagógicas do campo da Educação Especial e pela formação dos pesquisadores nele envolvidos, uma tradição “legítima” de trabalhos com foco nas dimensões históricas dessa modalidade de ensino, o que justifica termos nos voltado para o espaço onde essa produção pudesse ser encontrada, sob reconhecido tratamento historiográfico, qual seja, o CBHE. Tínhamos notícias de produções sobre História da Educação Especial nesse evento e, diante da significativa aparição de trabalhos nessa área, no último CBHE, do qual participamos, vislumbramos a necessidade de retroceder às suas edições anteriores, a propósito de um inventário sobre esses textos. Apresentar e analisar os dados do levantamento que realizamos é, pois, o escopo deste artigo de revisão, mediante o qual esperamos contribuir para o avanço das discussões sobre o tema.
No que tange aos procedimentos metodológicos, desenvolve-mos uma pesquisa exploratória, de cunho documental e bibliográfico, acessando, pelo sítio eletrônico da SBHE, os anais dos CBHEs para a coleta dos trabalhos completos e informações desejados. Ressaltamos, ainda, que, nessa busca, localizamos alguns trabalhos que estavam disponíveis apenas como resumos simples, mesmo que os anais onde estavam inseridos contassem com a publicação dos trabalhos completos on-line, tendo sido este, especificamente, o caso dos textos de Bregonci (2011), Brettas (2011), Souza (2011), Conceição (2015), Freitas (2015), Rafante (2015), Santos e Ferro (2015), Siems-Marcondes (2015a) e Torres (2015). Ressalta-se que os textos da oitava edição do CBHE, ocorrida em 2015, foram disponibilizados no sítio eletrônico do próprio evento, e não da SBHE, como os demais, na forma de caderno de resumos simples e de anais com os trabalhos completos. Por fim, vale advertir que, para esse balanço, perscrutamos tanto as comunicações individuais como aquelas organizadas em torno de comunicações coordenadas, quando assim se organizou o evento, lendo os textos selecionados na íntegra, exceto se apenas o resumo fora encontrado.
Nessas condições, empreendemos a compilação de textos que versavam sobre História da Educação Especial no período de 2000 a 2015, período que abrange todas as edições do referido congresso até a escrita deste artigo. Nossa análise dos trabalhos coligidos foi balizada pelo exame, sempre que possível, de algumas categorias, a saber: o objeto/tema de estudo, as fontes utilizadas, o recorte temporal, os referenciais teórico-epistemológicos e os procedimentos metodológicos de coleta e análise de dados. Vale mencionar que apenas textos vinculados diretamente à História da Educação Especial e seu campo foram considerados. Isso significa dizer que temas mais próximos da História da Psicologia, da então chamada Higiene Mental ou da Psiquiatria, como, por exemplo, os estudos de manuais sobre problemas de aprendizagem, as práticas direcionadas aos “anormais” em sentido lato e a educação de crianças-problema, designação historicamente adotada para aquelas com transtornos de personalidade ou “desajustamento psíquico”, entre outros do gênero, não foram inventariados. Ademais, estudos que propunham discussões genéricas sobre os conceitos e práticas de exclusão e inclusão também foram descartados. Os resultados gerais são apresentados a seguir e fornecem subsídios para estudos posteriores na direção considerada.
A produção sobre História da Educação Especial: algumas reflexões8 9
Com base nos dados compilados, podemos constatar que, embora pareça existir uma tendência de crescimento, a distribuição dos trabalhos relacionados à História da Educação Especial nos CBHEs ocorre de forma irregular no período considerado (2000-2015). Nas cinco primeiras edições, isto é, de 2000 a 2008, o número de comunicações propostas é praticamente constante e ínfimo, oscilando entre um e três trabalhos. Já os anos de 2011 e 2015 apresentam as maiores concentrações, respectivamente com seis e 16 títulos, intermediados, porém, pelo ano de 2013, com apenas três produções, o que, de certo modo, quebra a expectativa de aumento iniciada em 2011. Ainda sobre 2015, vale esclarecer que, pela primeira vez, houve a proposição e aceite de uma comunicação coordenada sobre História e Memória das instituições brasileiras de Educação Especial3, a qual contou com quatro trabalhos, mínimo necessário para comunicação dessa natureza, segundo as regras do evento; dois desses figuram duplicados como comunicações individuais, razão que nos levou a não computá-los duplamente. Um gráfico de linhas torna mais perceptível a evolução quantitativa das produções sobre História da Educação Especial nos CBHEs. Vejamos:
Mediante o exposto, pode-se observar, na oitava edição do CBHE, um movimento - ainda que tímido, se considerarmos o volume de trabalhos de todo o congresso - com vistas à demarcação de um espaço de produção e divulgação dessa temática no âmbito do CBHE. Os dados sugerem um esforço de mobilização nacional por parte de alguns estudiosos, em distintas universidades, mesmo que poucos - em termos absolutos -, para dar visibilidade ao tema nesse espaço científico, propício, em sua configuração, para as discussões em torno da História da Educação brasileira, seja esta comum ou especializada. Se retomarmos Ginzburg (1989), trata-se de um indício que não pode ser desprezado na análise, pois este nos indica que, de forma híbrida, está se configurando, por assim dizer, uma subárea da História da Educação no cenário acadêmico nacional, cuja busca por legitimação parece se dar, cada vez mais, no interior dos CBHEs e eventos correlatos.4 Nesse ponto, podemos considerar, com Bourdieu (1983), que se processa, de modo lento, e salvo exceções, a constituição de um grupo de “novatos”, isto é, de pesquisadores sem tradição ou “capital” científico elevado na pesquisa historiográfica propriamente dita que, não obstante, disputa, nos últimos anos, uma posição no campo da História da Educação, tomando como foco investigativo questões pertinentes à História da Educação Especial. E, por sua vez, esse jogo de forças pode propiciar a ampliação dos objetos, das fontes e abordagens de estudo entre os interessados na pesquisa historiográfico-educacional como um todo, cumprindo-se os propósitos para os quais o evento foi criado em 2000.
Por outro lado, é preciso ponderar que essa produção, em números absolutos, é, ainda hoje, deveras pequena, ao ser cotejada com a quantidade total de trabalhos publicados nos anais dos CBHEs. Tal situação é reflexo da ambivalência em que se insere a própria pesquisa sobre História da Educação Especial, produzida na interseção ou hibridismo entre dois campos, e, ao mesmo tempo, pouco explorada por ambos. Nessas circunstâncias, temos notado a existência de um hiato que afasta os dois campos de trabalho relacionados, quais sejam, o dos historiadores da Educação, profissionais ou de ofício, e dos especialistas em Educação Especial. Pela tradição de suas formações e pelos interesses legitimados em seus respectivos campos, esses profissionais possuem agendas de pesquisa e referenciais teórico-metodológicos diferentes e traçam rotas em direções diversas, o que acaba cerceando o encontro entre a História, a História da Educação, o fazer historiográfico e a Educação Especial.5
Mesmo no campo da Educação Especial, onde poderia ser mais plausível encontrarmos produção mais substanciosa sobre a temática, notamos - além de alguns poucos estudos já consagrados e abundantemente citados6 ou, então, das produções mais recentes de Rafante (2006, 2011 e outras) e Siems-Marcondes (2013, 2014) - parco investimento científico, nos últimos anos, em pesquisas com enfoque historiográfico. Nesse caso, é mister entender que há, principalmente, o problema básico do saber-fazer historiografia(s) no âmbito da Educação Especial. Como cita Rafante (2011, p. 11), em relação a essa modalidade de ensino, “A História da Educação Especial tem sido elaborada por profissionais que atuam nessa área”. Esses, a rigor, não possuem formação ou tradição nos domínios da ciência histórica, de modo que isso evidencia um óbice para o desenvolvimento de estudos no âmbito da própria historiografia da Educação Especial. Já os estudiosos da História da Educação não se identificam, geralmente, com essa modalidade de ensino e seu público-alvo, o que gera o descompasso aludido.
Assim, persiste a escassez, tanto em proporções relativas quanto em termos absolutos, de trabalhos com essa preocupação, ainda que se mapeiem as produções de ambos os campos.7 Como bem sintetiza Siems-Marcondes (2014, n.p.), tais estudos sobre História da Educação Especial brasileira “{...} fundamentam-se na análise de documentos oficiais, na história de instituições e de dirigentes e/ou profissionais que alcançaram maior projeção na área”, indicando, em que pesem suas contribuições, “{...} a existência de um fértil campo de estudos a serem ainda construídos nesta área” (SIEMS-MARCONDES, 2014, n.p.). Tais ponderações podem ser melhor percebidas se traduzirmos em números algumas das informações aqui apresentadas, isto é, se visualizarmos as quantidades absolutas de trabalhos sobre História da Educação Especial aprovados e publicados nos anais dos CBHEs, como também se calcularmos a porcentagem representada por esses trabalhos em relação à totalidade das propostas aceitas e publicadas nas edições do evento. Para esse fim, organizamos esta tabela:
No tocante aos temas abordados pelos textos compilados a partir dos referidos anais, buscamos organizá-los em algumas categorias temáticas adaptadas por nós, que não se enquadram, necessariamente, na proposta de eixos temáticos definidos pelos CBHEs, porquanto esses surgem de motivações distintas, relacionados à composição dos eventos e aos interesses investigativos privilegiados pela e na área de História da Educação lato sensu, no transcorrer do período delimitado. Ressaltamos também o risco e as ambivalências de qualquer categorização a posteriori, feita à revelia dos autores dos próprios textos, embora pensemos que, em contrapartida, essa prática possa mediar a emergência de novas abordagens e escolhas investigativas em relação à pesquisa histórico-educacional, especialmente no caso da historiografia da Educação Especial, fornecendo uma espécie de mapa do caminho já percorrido. Esse mapa, por sua vez, pode vir a ser uma referência ou instrumento útil para que outras rotas sejam traçadas, em busca de se explorar lugares pouco visitados e, assim, superar lacunas existentes nesse campo.
Pesquisas sobre História da Educação Especial nos CBHEs, propondo um inventário
Feitas as ponderações citadas, pudemos classificar os trabalhos sobre História da Educação Especial aceitos nos CBHEs em categorias temáticas, distribuídos quantitativamente conforme a tabela a seguir. Nessa distribuição quantitativa, cumpre advertir, ainda, que, em alguns casos, um mesmo trabalho recebeu mais de uma classificação, em virtude do(s) enfoque(s) predominante(s). Vejamos:
A categoria “História das Instituições e Práticas Educacionais Especializadas” tem sido a mais promissora nos estudos sobre História da Educação Especial, ao se analisar toda a produção referente a essa temática nos CBHEs ocorridos entre 2000 e 2015, acompanhando uma tendência mais ampla da historiografia educacional, que, desde os anos de 1990, no Brasil, tem se empenhado significativamente na (re)construção da história e memória das instituições escolares e/ou educativas, especialmente pelo impacto da renovação historiográfica promovida pela vertente da Nova História Cultural e mesmo de interpretações menos ortodoxas do marxismo. Nessa categoria, inserem-se, portanto, todos os trabalhos que, entre seus objetivos e propósitos fundamentais, abordam a gênese, constituição, funcionamento, perfil, representações e/ou perspectivas filosófico-pedagógicas de instituições educacionais brasileiras, formais ou não formais, públicas ou privado-filantrópicas, que desenvolveram e/ou desenvolvem práticas educacionais especializadas para o público-alvo da Educação Especial, quer seja, para os sujeitos com deficiência ou outras condições atípicas do desenvolvimento humano. Representam referida categoria os trabalhos de: Lima (2000); Zimmermann e Cunha (2002); Vieira (2006); Souza (2011); Brettas (2011); Gianini (2013); Lino (2015a); Santos e Ferro (2015); França e Barros (2015); Conceição (2015); Bezerra et al. (2015); Rafante (2015); Figueira (2015); Bezerra (2015); e Maciel (2015). Ressalte-se que a maior incidência de trabalhos com esse enfoque se dá em 2015 (n=9); logo, de forma tardia, se lembrarmos que as pesquisas sobre história das instituições educacionais/escolares, não diretamente envolvidas com práticas de Educação Especial, já vinham se destacando desde o I CBHE, em cuja organização já se previra o eixo “Instituições Educacionais”, o qual, de modo mais ou menos explícito, subsistirá ao longo das edições do evento.10
Em segundo lugar, notamos a contribuição expressiva da categoria “Estado e História das Políticas Públicas de Educação Especial/Inclusão Escolar”, que congrega 11 trabalhos (NERES, 2002; 2006; VIEIRA, 2006; TOSCANO, 2008; BREGONCI, 2011; SOBRINHO; PANTALEÃO, 2011; LINO, 2015b; FERRAZZO et al., 2015; SIEMS-MARCONDES, 2015a; 2015b; RAFANTE, 2015). Nessa categoria, agrupamos todos os textos encontrados que se referiam, com mais ênfase, ao papel, atuação, impacto e influência ou negligência do Estado/poder público, entendido enquanto instância reguladora governamental, na proposição, implementação, encaminhamento e/ou financiamento de políticas públicas na área da Educação Especial. Essa, como se sabe, desde os anos de 1990, tem sido embasada, em nosso país, pela perspectiva da inclusão escolar de alunos com deficiência ou outras necessidades educacionais especiais no espaço-tempo das escolas comuns, em vez do atendimento em instituições ou classes segregadas, como outrora ocorria. A incidência considerável dessa categoria temática revela, pois, a situação hodierna do país, que, não sem resistências e conflitos, vivencia um processo de reestruturação político-educacional, com vistas a possibilitar a todos os estudantes, com ou sem necessidades educacionais especiais, ingresso e permanência nas classes comuns das redes públicas de ensino, sob a égide do que se convencionou denominar “educação inclusiva” (BRASIL, 2008).
As categorias temáticas “História da Educação de Surdos” e “História da Formação e Trabalho Docente em Educação Especial” aparecem muito próximas quantitativamente, respectivamente com oito e sete trabalhos, o que evidencia, aliás, sua íntima relação, pois alguns desses trabalhos abordavam, justamente, a formação e/ou prática pedagógica de professores em relação a alunos surdos (FREITAS, 2015; TORRES, 2015; BLANCO, 2015). Em “História da Educação de Surdos”, agrupamos todos os textos que remetiam, especificamente, a aspectos histórico-políticos concernentes aos processos de formação docente, concepções pedagógicas e/ou sobre o desenvolvimento e organização de práticas educativas especializadas para os indivíduos com surdez/deficiência auditiva (SOUZA, 2002; 2011; BREGONCI, 2011; LIMA, 2013; GIANINI, 2013; FREITAS, 2015; TORRES, 2015; BLANCO, 2015). A frequência com que tal condição era destacada nos trabalhos motivou-nos a compor essa categoria, incidência que não ocorreu de forma tão notável no caso de outras deficiências/condições humanas. De fato, os estudos em torno da educação de surdos têm sido muito frequentes, com a emergência da proposta de inclusão escolar a partir da década de 1990, como já apontaram outros balanços bibliográficos da área de Educação Especial (FERREIRA; BUENO, 2011), confirmando-se a mesma lógica nos CBHEs.
Chama atenção, ainda, que, dos trabalhos aceitos nas sucessivas edições desse evento envolvendo História da Educação Especial, no intervalo de tempo aqui perscrutado, a educação de surdos esteve representada, desde 2011, sempre por mais de uma comunicação, observando-se que, dos três trabalhos coligidos em 2013, dois enfocam essa deficiência. A título de comparação, nota-se que outras necessidades educacionais especiais são abordadas de modo muito esporádico, sendo a educação de crianças com deficiência física destacada, de maneira explícita e nuclear, apenas por Blanco (2013). A deficiência visual/cegueira, de modo indireto ou como pano de fundo, esteve presente em algumas comunicações, a saber: Lino (2015a), Conceição (2015) e Maciel (2015). Por isso, não criamos outras categorias mais específicas.
Sob a designação de “História da Formação e do Trabalho Docente em Educação Especial” foram reunidos os textos que priorizaram reflexões sobre cursos e/ou práticas especializadas de trabalho e formação docentes, trajetórias profissionais de professores e/ou suas experiências didático-pedagógicas desenvolvidas junto a alunos público-alvo da Educação Especial. Observe-se que o núcleo desses textos é a própria ação e profissão docentes, em determinados períodos e conjunturas histórico-institucionais, justificando sua inserção em uma categoria própria, representada pelos textos de Blanco (2013, 2015), Freitas (2015), Torres (2015), Siems-Marcondes (2015b), Conceição (2015) e Maciel (2015).
Em seguida, a categoria “História dos Intelectuais da Educação Especial, suas Ideias e Ações” registra apenas quatro trabalhos. Foram assim designados por colocarem em destaque o pensamento pedagógico, as realizações e ideias de figuras consideradas proeminentes na área da História da Educação Especial, como Tobias Rabelo Leite, diretor do Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, no Rio de Janeiro, no período de 1868-1896 (SOUZA, 2011) e Helena Antipoff, educadora russa que atuou no Brasil, entre as décadas de 1930 a 1970, organizando serviços pioneiros de atendimento especializado aos “excepcionais”, mediante a criação das Sociedades Pestalozzi e outras iniciativas (LOURENÇO; CAMPOS, 2000; BRETTAS, 2011; RAFANTE; LOPES, 2011a).
Por fim, as categorias menos frequentes foram “História do Currículo em Educação Especial” e “Estudo Comparado e História da Educação Especial”, respectivamente, com um e dois trabalhos. Nesta, estão os textos de Lancillotti (2004) e Silva (2011). Lancillotti (2004) retoma aspectos históricos inerentes à constituição da Educação Especial realizando um contraponto entre a educação regular, pautada no ensino comum, massificado e homogeneizante, e a educação especial, que requer práticas individualizadas de organização do trabalho didático. Já Silva (2011) realiza estudo comparado de dois documentos curriculares produzidos, no Brasil, pelo Ministério da Educação, respectivamente nos anos de 1979 e 1999 para a educação de alunos com deficiência/necessidades educacionais especiais.
Nesse mesmo trabalho, Silva (2011) apresenta a particularidade de contemplar um campo emergente nos estudos histórico-sociológicos, embora pouco disseminado, ainda, em nosso país, qual seja, a História do Currículo. Por isso, foi criada uma categoria exclusiva para ressaltar o enfoque pouco comum, sobretudo quando aplicado à História da Educação Especial, o que se coloca, portanto, como um indicativo de mais estudos a serem realizados nessa perspectiva, dada a sua relevância. Assim, como bem explica Silva (2011, p. 2) a respeito de seus estudos, “A partir dessas premissas, pesquisa finalizada recentemente, inscrita no campo da história do currículo, objetivou a escrita da história curricular no campo da educação especial, mas {sic}, especificamente, a escolarização dos deficientes no Brasil”. O gráfico de pizza ilustra bem a distribuição quantitativa das categorias temáticas:
Em relação às fontes utilizadas nesses trabalhos, optamos por não constituir nenhuma categorização, porque isso representaria atividade bastante arriscada, uma vez que, como se sabe, pesquisa historiográfica não se faz, geralmente, recorrendo-se apenas a uma ou duas fontes, mas a várias delas, sendo pouco possível e não recomendável a demarcação de hierarquias entre estas. A tradição de prestigiar determinadas fontes, em especial aquelas escritas e tidas como oficiais, em detrimento de outras, consideradas de menor valor ou mesmo sem valor historiográfico, está, de certo modo, superada desde a crítica feita pelo movimento dos Analles à historiografia factual e positivista de fins do século XIX e começo do XX (LE GOFF, 1990). Nesses termos, importa dizer também que nem todos os trabalhos compilados deixam claro a que fontes recorrem - o que tanto pode ser um indício da presença dos “cristãos-novos” no fazer historiográfico, para retomar aqui a expressão de Tambara (1997), como, sobretudo, da fragilidade de algumas dessas propostas de comunicação em torno da área de História da Educação Especial -, alegando ter utilizado diversas fontes. Por outro lado, estas podem ser deduzidas a partir da frequência das próprias categorias temáticas citadas.
Assim, conforme esperado, os textos referentes à “História das Instituições e Práticas Educacionais Especializadas” tiveram como principais fontes: os documentos institucionais, como atas, relatórios internos, prontuários de alunos institucionalizados, regimentos, estatutos; publicações em jornais, livros e/ou periódicos; além de documentos pessoais e relatos orais dos agentes institucionais. Os trabalhos sobre “Estado e História das Políticas Públicas de Educação Especial/Inclusão Escolar” tiveram os documentos legislativos e/ou oficiais11 como fontes precípuas, embora algumas pesquisas tenham utilizado também documentos institucionais, pessoais e fontes orais. No caso dos estudos sobre “História da Educação de Surdos”, predominaram os documentos oficiais, os textos legislativos, os relatos, depoimentos autobiográficos, publicações bibliográficas pertinentes, e, em alguns casos, houve consulta a documentos de teor institucional e a periódicos. No tocante à categoria “História da Formação e do Trabalho Docente em Educação Especial”, as pesquisas se valem de narrativas autobiográficas, entrevistas e relatos, textos legislativos, documentos institucionais, como fichas de matrículas em cursos de formação, fichas funcionais de professores, regimentos e grades curriculares, além de questionário, periódicos e impressos utilizados na formação continuada de docentes, entre outras fontes mencionadas. Na categoria “História dos Intelectuais da Educação Especial, suas Ideias e Ações”, são privilegiadas fontes documentais e bibliográficas, como anais de eventos publicados em boletins institucionais, publicações escritas pelos próprios intelectuais e documentação institucional, entre outras. Nas categorias “Estudo Comparado e História da Educação Especial” e “História do Currículo em Educação Especial”, as fontes foram textos clássicos, produção historiográfica já existente sobre História da Educação e Educação Especial (LANCILLOTTI, 2004) e documentos curriculares produzidos pelo governo federal (SILVA, 2011).
Mediante o exposto, chama atenção o fato de que essas pesquisas, quando analisadas em seu conjunto, permitem depreender a escassez de investigações acadêmicas mais recentes que tomem diretamente periódicos como fonte e/ou objeto para o estudo da História da Educação Especial no Brasil, a despeito do crescimento dessa perspectiva nos estudos sobre História da Educação em geral, sobretudo desde os anos de 1990. Para sermos mais exatos, apenas os textos de Vieira (2006), Souza (2011) e Freitas (2015) explicitam a utilização de jornais e revistas como fontes para obtenção de dados, embora isso não signifique que outros pesquisadores não os tenham também utilizados, pois, como dissemos, nem todos especificam ou detalham claramente suas fontes. Ademais, em nenhum desses três casos citados os periódicos são, em si mesmos, objetos de estudo, ocupando papel secundário na investigação. Tal possibilidade parece praticamente inexplorada entre os pesquisadores que, em nosso país, se dedicam ao trabalho historiográfico com a Educação Especial e também entre aqueles que têm estudado a imprensa periódica. Assim, do nosso entender, esse ainda é um lugar de produção a ser construído, haja vista sua relevância para a escrita e preservação da história e memória da referida modalidade educacional.
Como sabemos, a realização crescente de pesquisas sobre História da Educação por meio da imprensa periódica, especialmente aquela voltada ao segmento educacional, tem evidenciado, em nosso país, a fecundidade dessa abordagem para a compreensão da realidade brasileira, quanto às práticas, representações, projetos institucionais, tensões e perspectivas pedagógicas dos sistemas de ensino e das instituições escolares ou educativas, em diferentes momentos e contextos históricos (CATANI; BASTOS, 2002). Logo, parece-nos que, se temos estudado até aqui revistas e jornais para entender, sobretudo, a constituição histórica do ensino comum, também precisamos direcionar essa perspectiva de estudos para, mais especificamente, abordar os meandros históricos da educação dos indivíduos tachados como “excepcionais”, os quais foram/são silenciados, esquecidos e estigmatizados no decorrer do tempo. As revistas e jornais produzidos pelas instituições educacionais especializadas no atendimento a esse público, suas associações, federações ou, ainda, por empresas do segmento editorial, com enfoque na educação especial e/ou nos sujeitos por ela compreendidos, podem se constituir, sob tratamento historiográfico, em importantes objetos e/ou fontes documentais para o entendimento das práticas, representações e perspectivas encampadas, de modo particular, pela Educação Especial em nosso país. Esse trabalho, ao ser realizado, ajudar-nos-á também a compreender mais a própria tessitura histórica da educação comum, e vice-versa. Vale ressaltar, ainda, que as fontes iconográficas praticamente não foram referidas, havendo menção sobre elas no resumo de Brettas (2011).
Em relação ao recorte temporal, nem todos os textos demarcam-no com clareza - outro indício de pouca familiaridade com a pesquisa histórica e suas características - ou dialogam com períodos diversos. Fica difícil, portanto, estabelecer categorias muito definidas. Algumas pesquisas, de caráter eminentemente teórico e bibliográfico, se reportam ao século XVIII para conduzir reflexões até e/ou sobre a contemporaneidade (LANCILLOTTI, 2004; LIMA, 2013). O final do século XIX, de maneira específica, é priorizado por Souza (2011), que considera o intervalo de tempo demarcado entre 1868 e 1896. Os demais trabalhos voltam-se, majoritariamente, para o século XX, enfatizando, sobretudo, momentos da segunda metade desse século (anos de 1950 a 1990), alcançando, em alguns casos, o presente século. Vieira (2002) busca abranger todo o século XX como recorte temporal para estudar a história da educação do surdo em Sergipe. De forma mais discreta, há pesquisas que já priorizam, do ponto de vista temporal, basicamente o século XXI, mesmo que retomem ou considerem outros períodos (TOSCANO, 2008; BREGONCI, 2011; SOBRINHO; PANTALEÃO, 2011; FERRAZZO et al., 2015; TORRES, 2015; LINO, 2015a; 2015b).
A década de 1920 é contemplada, de forma mais evidente, na pesquisa de Vieira (2006), que toma o período compreendido entre 1926 e 1947 em seu estudo. A década de 1930 aparece contemplada nos trabalhos de Lourenço e Campos (2000); de Brettas (2011), que considera o interregno de 1932 a 1974, e de Rafante (2015), que prioriza, em seu texto, as décadas de 1930, 1940, 1960 e 1970. A década de 1950 é enfatizada por Rafante e Lopes (2011a) e Freitas (2015). Já Lima (2000) situa seu trabalho entre as décadas de 1940 e 1960. Siems-Marcondes (2015b) se reporta, sobretudo, à década de 1980 e, em outro estudo, recorre ao intervalo de tempo balizado entre 1964 a 1985 (SIEMS-MARCONDES, 2015a). A década de 1990 é o recorte temporal específico eleito por Neres (2006), sendo considerada também, de modo explícito, por Lino (2015b), entre outros estudos que passam por ela. Blanco (2013) considera o recorte temporal de 1975-1985; Blanco (2015), de 1961 a 1974. Figueira (2015) e Gianini (2013) partem de fins da década de 1970 até o começo do século XXI, pelo que se pode depreender. Bezerra (2015) acompanha o ciclo de vida de uma instituição especial, fundada em 1967 e existente até a atualidade. Zimmermann e Cunha (2002) fazem trabalho similar, no sentido de descrever o itinerário institucional de uma escola de educação especial no período de 1954 a 2002, ao passo que França e Barros (2015) o fazem no período de 1982 a 2000. O intervalo de tempo delimitado entre 1985 e 1990 foi adotado por Santos e Ferro (2015). Silva (2011) compara fins dos anos 1970 com fins dos anos 1990. Maciel (2015), por sua vez, recorre a uma temporalização que abrange, especificamente, os anos de 1980, 1984, 1993, 2006 e 2014.
Desse modo, podemos depreender, mediante o panorama exposto, ainda que com algumas lacunas, que a primeira metade do século XX (1901 a 1950) e períodos mais recuados no tempo, inclusive o século XIX, são pouco explorados na historiografia da Educação Especial brasileira, revelando a necessidade de se empreender mais estudos nessa direção. Aqui, porém, é preciso ponderar que centralidade das pesquisas em momentos históricos mais recentes tem se configurado, na verdade, como uma característica distintiva desse campo, porque as primeiras iniciativas oficiais voltadas para o atendimento a pessoas com deficiência remontam, no Brasil, ao começo da segunda metade do século XIX (MAZZOTTA, 2005; JANNUZZI, 2006). Isso não significa, todavia, que, antes, não fossem, de alguma forma, atendidas em antigos hospitais, Santas Casas de Misericórdia, asilos, orfanatos ou, ainda, recolhidas pelas rodas de expostos, como sugere Jannuzzi (2006).
Nessas circunstâncias, as fontes até o século XIX são praticamente escassas, pouco acessíveis, dispersas, ambíguas e demandariam ingente esforço de pesquisadores envolvidos com o tema, embora ainda assim se possa investir nesses estudos, que seriam esclarecedores sobre as primeiras formas de cuidado e assistência devotadas ou não aos indivíduos considerados “excepcionais”. Jannuzzi (2006) dá algumas pistas de instituições e propõe hipóteses que poderiam se configurar em objetos de pesquisas mais aprofundadas, em caráter monográfico, para melhor se compreender a História da Educação Especial brasileira.
Além disso, deve-se ter em vista que a incorporação dessa modalidade de ensino no âmbito das políticas públicas nacionais só ocorre, de forma mais articulada, a partir da década de 1960, notadamente nos anos de 1970, com a criação, em 1973, pelo governo federal, do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), vinculado diretamente ao então Ministério da Educação e Cultura (MAZZOTTA, 2005; JANNUZZI, 2006). Logo, as investigações a partir dessas décadas tornam-se mais plausíveis, devido às maiores possibilidades de acesso a documentos e publicações oficiais, fontes orais e iconográficas, entre outras. Posteriormente, a década de 1990, com o advento da inclusão escolar, trouxe ainda mais interesse para as questões políticas e governamentais que envolvem esse campo.
Ora, é isso que transparece nos resultados deste levantamento, quanto aos recortes temporais mais comumente adotados pelos pesquisadores. O recuo às décadas de 1930, 1940 e 1950, embora significativo do ponto de vista historiográfico, é pouco exercitado e, em geral, ligado ao trabalho da educadora Helena Antipoff no Brasil. Hipoteticamente, entendemos que tal situação ocorra porque as fontes para o estudo desses períodos remetem não aos arquivos e documentos públicos, mas, sobretudo, às instituições privado-filantrópicas que se ocupavam do trabalho com os chamados “deficientes” nessa época. Conforme lembra Jannuzzi (2006, p, 139), “No Brasil, {...} associações filantrópicas já vinham organizando-se desde a década de 1930, incrementando-se a partir de 1950”. Por certo, tais peculiaridades da História da Educação Especial brasileira suscitam algumas dificuldades e prioridades ao trabalho dos historiadores interessados na área, como ora se depreende. Nossa análise é corroborada pelas reflexões de Rafante e Lopes (2011b, n.p.), pois, segundo as autoras,
Em geral, os trabalhos que tratam da História da Educação Especial no Brasil tomam, como ponto de partida, as ações das esferas governamentais e, considerando que a Educação Especial ganhou espaço nos programas governamentais nas décadas de 1960 e 1970, os estudos privilegiam as análises a partir desse período. Alguns pesquisadores propõem periodizações, cuja classificação atribui uma imagem pouco significativa para os períodos anteriores à década de 1970, começando a configurar certa relevância o final da década de 1950.
Em seguida, cabe discutir sobre os referenciais teórico-epistemológicos indicados pelas pesquisas levantadas neste artigo. Outra vez, constatamos que poucos trabalhos explicitam as bases ou abordagens teóricas empregadas, aspecto que também revela alguns limites dessas produções e sua frágil inserção ou pertinência no campo da historiografia educacional. Nesses termos, Lima (2000) adota perspectiva de análise delineada por Foucault; Souza (2011) e Bezerra (2015) filiam seu estudo à História Cultural; Brettas (2011) emprega a sociologia compreensiva de Max Weber; e, Sobrinho e Pantaleão (2011), a sociologia figuracional de Norbert Elias. Silva (2011) se embasa na Teoria Crítica do Currículo. Gianini (2013) e Maciel (2015) encampam uma perspectiva sócio-histórica. Siems-Marcondes (2015a; 2015b) adota a perspectiva historiográfica de Edward Palmer Thompson, caracterizada pela “história vista de baixo”. A abordagem socioantropológica da surdez é a matriz teórica a que recorre Torres (2015). Ferrazzo et al. (2015) se pautam no materialismo histórico-dialético, assim como Rafante (2015), posto que esta autora assegura balizar sua análise pelos referenciais de Antonio Gramsci. Nos demais casos, encontramos a não explicitação de um referencial epistemológico e/ou a mera listagem de autores, isto é, existe a menção de algumas fontes teóricas empregadas, o que não possibilita, todavia, parâmetros de análise ou agrupamento categorial.
Por fim, resta-nos empreender algumas reflexões sobre os procedimentos metodológicos de coleta e análise de dados utilizados pelos estudos que compilamos. Mais uma vez, empreender categorias, aqui, é uma tarefa delicada, pois nem todos os autores classificam ou explicitam seus procedimentos ou, ainda, como esperado, recorrem a mais de um deles, em busca de vários dados e fontes para fundamentar suas pesquisas. Em que pesem, porém, os riscos, podemos observar que os estudos recorrem, basicamente, a estas metodologias, pela ordem decrescente de ocorrência e procedimentos priorizados na coleta de dados, existindo trabalhos agrupados em mais de uma categoria metodológica, a saber: análise documental, combinada ou não com a pesquisa bibliográfica; análise de entrevistas semiestruturadas, depoimentos e/ou relatos orais, com ou sem caráter autobiográfico; pesquisa bibliográfica pura; observação participante; análise de questionários e pesquisa iconográfica. Um gráfico de colunas ajuda a ilustrar a incidência das categorias metodológicas ora elencadas:
Na primeira categoria, podem ser inseridos os trabalhos de Lima (2000), Lourenço e Campos (2000), Souza (2002), Zimmermann e Cunha (2002), Neres (2002, 2006), Vieira (2006), Toscano (2008), Souza (2011), Brettas (2011), Bregonci (2011), Sobrinho e Pantaleão (2011), Silva (2011), Rafante e Lopes (2011a), Siems-Marcondes (2015a; 2015b), Ferrazzo et al. (2015), Lino (2015a; 2015b), Freitas (2015), Torres (2015), Santos e Ferro (2015), França e Barros (2015), Bezerra (2015) e Maciel (2015). Pode-se perceber a correlação entre as duas categorias temáticas mais incidentes e essa categoria metodológica, porquanto a pesquisa sobre história das instituições educacionais tem recorrido, em grande medida, a fontes documentais escritas, referentes à rotina institucional e seus arquivos, sendo que esse procedimento também se revela eficaz para o estudo das políticas educacionais, mediante a compilação e análise de legislações e outras publicações oficiais.
A categoria análise de entrevistas semiestruturadas, depoimentos e/ou relatos orais, com ou sem caráter autobiográfico deve sua incidência considerável pela conexão que mantém com os estudos sobre história das instituições educacionais, que também recorrem às narrativas e memórias de fundadores, dirigentes, ex-dirigentes, alunos, ex-alunos, participantes e funcionários desses lugares. Por outro lado, essa categoria metodológica deve, ainda, sua expressividade pelo número significativo apontado, neste balanço, de pesquisas sobre a história da formação, das práticas e do trabalho docente, as quais, em muitos casos, demandam a realização de entrevistas e a coleta de depoimentos diretamente com os professores, fontes precípuas para tal fim. Nesse rol, elencamos os trabalhos de Souza (2002), Zimmermann e Cunha (2002), Vieira (2006), Toscano (2008), Blanco (2013, 2015), Gianini (2013), Siems-Marcondes (2015a; 2015b), Freitas (2015), Maciel (2015), França e Barros (2015), e Bezerra (2015).
A pesquisa bibliográfica pura, isto é, sem apelo a qualquer análise de documentos, fundamentada apenas na revisão de resultados acumulados por estudos anteriores, já incorporados na literatura científica, foi o procedimento adotado por Lancillotti (2004), Lima (2013) e Figueira (2015). A observação participante foi uma categoria metodológica com baixíssima incidência, sendo que nela agrupamos trabalhos em que os pesquisadores afirmavam participar da realidade investigada, por sua vinculação profissional explícita a essa realidade e consequente intervenção pessoal nela (GIANINI, 2013; CONCEIÇÃO, 2015). As categorias metodológicas “Análise de questionários” e “Pesquisa iconográfica” apresentam, cada uma, um estudo apenas, respectivamente, o de Maciel (2015) e o de Brettas (2011). De fato, as duas primeiras categorias metodológicas citadas neste parágrafo são pouco habituais no trabalho historiográfico, que, por certo, lança mão de várias fontes, como já dito, e, muitas vezes, retoma tempos e espaços dos quais já não é mais possível participar, porque pertencem ao passado, subsistindo, sobretudo, pelas memórias de seus agentes e/ou pelos registros e vestígios preservados até a contemporaneidade. Ressaltamos, no entanto, nossa surpresa com a pouca atenção dispensada às pesquisas iconográficas, que poderiam se constituir em importante ferramenta para se historiografar a História da Educação Especial brasileira, mediante coleta e análise de álbuns ou acervos de fotografias institucionais, pessoais, publicadas na imprensa, entre outras possibilidades correlatas.
Considerações finais
Neste artigo, realizamos um balanço bibliográfico acerca da produção científica publicada nos anais dos CBHEs, no período de 2000 a 2015, com vistas a analisar o estado do conhecimento sobre História da Educação Especial que tem circulado nas edições desse evento, referência em nosso país quanto à socialização de estudos e pesquisas sobre historiografia educacional. Os trabalhos compilados com essa temática foram exíguos, se comparados ao montante de textos presentes em cada uma das edições bianuais do evento. Mesmo quando somados, esses trabalhos chegam a pouco mais que 30, conforme nosso levantamento, representando aproximadamente 0,73% de toda a produção sobre História da Educação veiculada do I ao VIII CBHE. Por certo, é preciso ponderar que esse resultado pode ter pequenas variações, se for considerada a existência - pouco provável, cumpre dizer - de eventuais falhas a que ficam sujeitas revisões como esta. Contudo, mesmo admitidas essas circunstâncias, o panorama geral apresentado não se alteraria substancialmente.
Segundo explicamos no artigo, os estudos sobre História da Educação Especial são pouco frequentes, seja no âmbito das pesquisas gerais em História da Educação, seja no âmbito da pesquisa em Educação Especial propriamente dita, existindo certo hiato entre esses dois campos. Dessa forma, verifica-se a necessidade de maior aproximação entre ambos, com vistas a se ampliarem também as perspectivas de trabalho historiográfico em torno da Educação Especial brasileira, nos seus múltiplos aspectos, tempos, espaços e sujeitos implicados, haja vista a relevância de iniciativas como esta para a preservação da história e memória da referida modalidade educacional. Por conseguinte, esse ainda é um lugar de produção a ser construído, cuja emergência parece estar ocorrendo, mesmo que de maneira discreta, no interior dos CBHEs. Nas edições desse evento, nota-se que os pesquisadores interessados em História da Educação Especial têm investido, tática e tacitamente, se lembrarmos aqui das reflexões de Certeau (1994), na disputa por um espaço legítimo e legitimado (BOURDIEU, 1983) para expor suas produções acadêmicas, como indica, sobretudo, a proposição, no último CBHE, de algo inédito até aquele momento, qual seja, uma comunicação coordenada sobre história das instituições educacionais especializadas, congregando quatro pesquisadores de universidades públicas e regiões brasileiras diferentes.
Esse lugar de produção emergente se constituirá no hibridismo peculiar entre os campos assinalados, podendo trazer contribuições importantes para o fazer historiográfico acerca da educação nacional em sua amplitude. Entretanto, para se continuar a construí-lo e torná-lo mais sustentável, caso seja este o propósito, será mister o esforço conjugado de vários pesquisadores interessados no tema, com a mobilização de saberes interdisciplinares, porquanto, como bem lembra Barros (2011, p. 46), “{...} todo objeto historiográfico entretece-se no cruzamento não de um, mas de alguns campos históricos que ajudam a constituí-lo”. A atuação articulada de historiadores - de ofício ou de profissão - e estudiosos da Educação Especial trará, certamente, maiores chances de sustentação teórico-metodológica para esse lugar híbrido a que estamos nos referindo, isto é, a História da Educação Especial.
Nesse sentido, será preciso, ainda, ter em vista que não se pode alijar da História da Educação - e, consequentemente, da prática historiográfica a ela dedicada - a Educação Especial, parte constitutiva daquela, com seus agentes, objetos, público-alvo, tensões, (con)formações, estratégias, táticas e relações de saber/poder característicos desse último campo. Sendo assim, parece-nos não ser adequado negligenciar, doravante, as memórias e histórias que perpassam o atendimento educacional destinado às pessoas com deficiência, inclusive no espaço-tempo do CBHE, uma das principais instâncias científicas autorizadas para reconhecer e promover a pesquisa historiográfica em nosso país. Afinal, essas pessoas também existiram e existem na História, fazendo História e sendo feitas por ela, nas diversas conjunturas do passado-presente e nas diversas instituições educacionais, não obstante tenham sido/sejam ignoradas ou preteridas por grande parte das narrativas históricas hodiernamente produzidas pela academia, seja no campo da História da Educação, seja nos domínios mesmos da Educação Especial.