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Perspectiva

Print version ISSN 0102-5473On-line version ISSN 2175-795X

Perspectiva vol.36 no.2 Florianopolis Apr./June 2018  Epub July 24, 2019

https://doi.org/10.5007/2175-795x.2018v36n2p604 

Artigos de Demanda Contínua

A matemática no periódico “O Pequeno Luterano” na década de 1950

The mathematics in the journal The Little Lutheran in the 1950s

La matemática en el periódico El Pequeño Luterano en la década de 1950 (Rio Grande del Sul/Brasil)

1Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense - IFSul Câmpus Lajeado

2Universidade Luterana do Brasil – ULBRA


Resumo

O Sínodo de Missouri, hoje Igreja Evangélica Luterana do Brasil, iniciou sua missão nas colônias alemãs do Rio Grande do Sul em 1900, fundando congregações religiosas e escolas paroquiais. Estas últimas estavam inseridas em um projeto missionário e comunitário que buscava ensinar a língua materna, matemática e valores culturais, sociais e, principalmente, religiosos. Neste contexto, no período de 1939 a 1966, a Igreja Luterana editou o periódico O Pequeno Luterano, direcionado ao público infantil. O principal objetivo dos editores do periódico era, de forma lúdica, inserir as crianças na prática religiosa luterana, por meio de histórias, informações e curiosidades de cunho moral e religioso e de formação geral. Foi usado complementarmente para o ensino das diferentes áreas do conhecimento nas escolas paroquiais luteranas gaúchas do século passado. Este artigo tem por objetivo discutir a matemática presente no periódico na década de 1950. Baseando-se nos aportes metodológicos da pesquisa histórica e da história cultural, investigaram-se as edições do periódico, redigido por pastores luteranos e professores paroquiais e publicado pela Casa Publicadora Concórdia, de Porto Alegre. Constatou-se que os editores integraram histórias de cunho moral e religioso à matemática, com o propósito de manter as crianças inseridas na prática religiosa luterana. Também apresentaram, em forma de atividades lúdicas, curiosidades e desafios matemáticos que valorizavam as habilidades concretas e abstratas do aprendizado matemático, através do raciocínio lógico, do pensamento proporcional, do cálculo escrito e do cálculo mental.

Palavras-chave:  Matemática; O Pequeno Luterano; Escolas Paroquiais Luteranas Gaúchas

Abstract

The Missouri Synod, nowadays Evangelical Lutheran Church of Brazil, started mission in the German colonies of Rio Grande do Sul, in 1900, founding religious congregations and parochial schools. These were inserted in a missionary and community project that sought to teach the mother tongue, mathematics, and cultural, social, and mainly religious values. In this context, the Lutheran Church edited the journal The Little Lutheran for the infantile public, in the period from 1939 to 1966. The main objective of the journal's editors was, in a playful way, insert the children in the Lutheran religious practice through stories, information and curiosities of moral and religious nature and general education. It was used, complementarily, in the teaching of the different areas of knowledge in the gaucho Lutheran parochial schools of the past century. This article aims to discuss the mathematics present in the journal The Little Lutheran in the 1950s. Being based on the methodological approach of the historical research and of the cultural history, the editions of the journal, written by Lutheran pastors and parochial teachers were analyzed and published by Concordia Publishing House of Porto Alegre. It was found that the journal editors have integrated the moral and religious nature stories with mathematics, with the purpose of maintaning the children inserted in the Lutheran religious practice. Curiosities and mathematical challenges were also presented that valued the concrete and abstract skills of the mathematical learning through the logical reasoning, of the proportional thought, of the written calculation and of the mental calculation, in form of playful activities.

Keywords:  Mathematics; The Little Lutheran; Gaucho Lutheran Parochial Schools

Resumen

El Sínodo de Missouri, hoy Iglesia Evangélica Luterana de Brasil, comenzó la misión en las colonias alemanas de Rio Grande do Sul, en 1900, con la fundación de congregaciones religiosas y escuelas parroquiales. Estos se insertaron en un proyecto misionero y comunitario que trataba de enseñar la lengua materna, matemáticas, valores sociales, culturales, y, sobre todo, religiosas. En este contexto, la Iglesia Luterana editó el periódico El Pequeño Luterano para los niños en el período de 1939 a 1966. El principal objetivo de los editores del periódico era, de una forma lúdica, insertar a los niños en la práctica religiosa luterana a través de historias, la información y curiosidades de naturaleza moral y religiosa y educación general. Se utilizaba, también, en la enseñanza de diferentes áreas de conocimiento en las escuelas parroquiales luteranas gauchas del siglo pasado. Este artículo tiene como objetivo discutir la matemática presente en ese periódico en la década de 1950. Con base en el enfoque metodológico de la investigación histórica y la historia cultural, se investigaron las ediciones del periódico escritos por pastores luteranos y los maestros parroquiales y que fueron publicados por la Editorial Concordia de Porto Alegre. Se encontró que los editores de la revista integraron las historias de naturaleza moral y religiosa con la matemática, con el fin de mantener a los niños dentro de la práctica religiosa luterana. También se presentaban las curiosidades y los desafíos matemáticos que valoraban las habilidades concretas y abstractas de aprendizaje de la matemática a través del razonamiento lógico, del pensamiento proporcional, del cálculo escrito y del cálculo mental, en forma de actividades recreativas.

Palabras-clave:  Matemática; Periódico El Pequeño Luterano; Escuelas Parroquiales Luteranas Gauchas

1 Introdução

O movimento migratório no Rio Grade do Sul (RS) tem sido objeto de muitas investigações. No âmbito da História da Educação no estado gaúcho, as pesquisas de Kreutz (1991, 1994, 2008), Rambo (1994, 1996), Lemke (2001), Arendt (2005, 2008) e Weiduschadt (2007, 2012) são destaques. Na História da Educação Matemática no RS, destacam-se os trabalhos de Mauro (2005), Kreutz e Arendt (2007), Wanderer (2007), Silva (2014, 2015a, 2015b) e Kuhn (2015). Registra-se que, em sua tese, Weiduschadt (2012) faz um estudo geral do periódico O Pequeno Luterano, apontando os temas nele abordados, sem detalhar a matemática presente no periódico.

Este artigo tem por objetivo discutir a matemática presente no periódico O Pequeno Luterano durante a década de 1950. Trata-se de um recorte de tese, complementado por pesquisas realizadas durante o estágio pós-doutoral em um Programa de Pós-Graduação.

O periódico O Pequeno Luterano foi produzido pela Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) para o público infantil e publicado pela Casa Publicadora Concórdia1, de Porto Alegre. Teve sua primeira edição publicada em agosto/setembro de 1939. Com publicações mensais, bimestrais ou quadrimestrais, o periódico foi usado de forma complementar por professores paroquiais para o ensino de diferentes áreas do conhecimento nas escolas luteranas do século passado, com 217 edições, totalizando 2061 páginas. Foi editado até junho de 1966 e, posteriormente, passou a circular como encarte de uma página no periódico Mensageiro Luterano.

Como a temática investigada se insere na História da Educação Matemática no RS, busca-se na pesquisa histórica e na história cultural o suporte para discussão. Conforme Prost (1996), os fatos históricos são constituídos a partir de traços deixados no presente pelo passado, como o periódico O Pequeno Luterano. A história cultural (Kulturgeschichte) envolve os elementos das relações familiares, a língua, as tradições e a religião. A análise do periódico O Pequeno Luterano está alicerçada em Chartier (1990), no que se refere à produção/circulação (empreendimento dos editores – IELB) e à apropriação do impresso (diferentes formas com que os leitores se apropriaram da proposta estabelecida pelos editores). Para investigar o periódico, foram realizadas visitas ao Instituto Histórico da IELB, localizado em Porto Alegre, onde se encontram todas as suas edições2. Ao se pesquisar minuciosamente cada edição, compilaram-se os excertos relacionados à matemática para posterior análise à luz do referencial teórico-metodológico.

No estudo do periódico O Pequeno Luterano, além do referencial teórico-metodológico, apresenta-se uma breve caracterização das escolas paroquiais luteranas gaúchas do século XX e uma discussão da matemática presente no periódico na década de 1950.

2 O aporte teórico-metodológico da pesquisa histórica e da história cultural

Certeau (1982) define o fazer história no sentido de pensar a história como uma produção. Para o autor, a história, como uma produção escrita, tem a tripla tarefa de convocar o passado que já não está em um discurso presente, mostrar as competências do historiador (dono das fontes) e convencer o leitor. Desta forma, a prática histórica é prática científica, porquanto inclui a construção de objetos de pesquisa, o uso de uma operação específica de trabalho e um processo de validação dos resultados obtidos por uma comunidade. O trabalho do historiador, de acordo com Certeau (1982), não se limita a produzir documentos ou textos em uma nova linguagem. Isso ocorre porque no seu modo de fazer pesquisa há um diálogo constante do presente com o passado, e o produto desse diálogo consiste na transformação de objetos naturais em cultura.

De acordo com Prost (1996), os fatos históricos são constituídos a partir de traços, de rastros deixados no presente pelo passado. Assim, o trabalho do historiador consiste em efetuar um trabalho sobre esses traços para construir os fatos. Desse modo, um fato não é outra coisa senão o resultado de uma elaboração, de um raciocínio, a partir das marcas do passado. O autor considera o trajeto da produção histórica como um interesse de pesquisa, a formulação de questões históricas legítimas, um trabalho com os documentos (edições do periódico O Pequeno Luterano) e a construção de um discurso que seja aceito pela comunidade.

Como se investiga um periódico utilizado complementarmente por professores e alunos na escola paroquial da IELB, foca-se no papel do periódico O Pequeno Luterano na dinâmica das aulas de matemática. Segundo Chartier (1990), uma questão desafiadora para a história cultural é o uso que as pessoas fazem dos objetos que lhes são distribuídos ou dos modelos que lhes são impostos, uma vez que há sempre uma prática diferenciada na apropriação dos objetos colocados em circulação. No dizer do autor, é importante compreender as práticas escolares como dispositivos de transformação material de outras práticas culturais e de seus produtos. Na perspectiva de Chartier (1990), pode-se dizer que a imprensa pedagógica, aqui representada pelo periódico O Pequeno Luterano, foi um veículo para circulação de ideias que traduzem valores e comportamentos que se deseja ensinar – a ideologia luterana –, postas em convergência com outras estratégias políticas e culturais do estado gaúcho.

Chervel (1990) considera importante o estudo histórico da cultura escolar para a compreensão dos elementos que participam da produção/elaboração/constituição dos saberes escolares e, em particular, da matemática escolar e sua história. Julia (2001) define a cultura escolar como um conjunto de normas que estabelecem conhecimentos a ensinar e condutas a inspirar, como um conjunto de práticas que permite a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos. Isto nos leva a investigar a presença da ideologia luterana nos materiais didáticos editados pela IELB para o ensino da matemática em suas escolas, no século XX.

De acordo com Valente (2007), há uma infinidade de materiais que, com os livros didáticos, permitem compor um quadro da educação matemática de outros tempos. Para o autor, pensar os saberes escolares como elementos da cultura escolar e realizar o estudo histórico da matemática escolar exigem que se levem em consideração os produtos dessa cultura do ensino de matemática, os quais deixam traços que permitem o seu estudo, como o periódico O Pequeno Luterano, principal fonte documental desta investigação.

3 As escolas paroquiais luteranas gaúchas do século passado

No Brasil, os princípios cristãos de Lutero se fizeram presentes a partir de 1824, com a vinda dos primeiros imigrantes alemães. Lutero traçou princípios gerais sobre a educação, os quais se fundamentaram na Bíblia. “A premissa fundamental é de que a Bíblia ensina que Deus criou o universo e mantém, governa e sustenta toda a criação, sendo o homem a obra máxima da criação” (LEMKE, 2001, p. 34).

Nesta perspectiva luterana, o Sínodo Evangélico Luterano Alemão de Missouri3, atualmente IELB, começou sua missão nas colônias alemãs do RS, em 1900, fundando congregações religiosas e escolas paroquiais. Para o Sínodo de Missouri, era necessário consolidar um campo religioso e fortalecê-lo investindo na escola, influenciando o campo familiar dos seus possíveis fiéis. Por isso, os missourianos não somente cuidaram da formação de pastores como também de professores que atuassem de acordo com a filosofia educacional missouriana, para que as escolas paroquiais atingissem seus objetivos como agências missionárias e de educação geral.

Os egressos das escolas paroquiais luteranas gaúchas tinham maior conhecimento da Bíblia e uma formação consistente de crenças e valores cristãos tradicionais que enfatizavam a importância do relacionamento com Deus e com outras pessoas. Tinha-se a preocupação pedagógica para que a espiritualidade fosse vivida no dia a dia e não se reduzisse a ritos religiosos. Como os pais tinham pouco tempo e capacidade, para eles mesmos proporcionarem a seus filhos os devidos ensinamentos, buscavam uma escola paroquial luterana:

Numa escola paroquial, o professor, além das matérias seculares, exigidas pelas leis do Estado, antes de tudo, ensinava a religião. O ensino diário de todas as matérias e de toda a educação deveria estar sob a influência da Palavra de Deus. Numa escola cristã reinava um espírito cristão, e os alunos não estavam em perigo de aprender coisas que não condiziam com a Palavra de Deus e a disciplina cristã. (WARTH, 1979, p. 195).

As escolas paroquiais luteranas estavam inseridas num projeto missionário e comunitário que buscava ensinar a língua materna, a matemática, valores culturais, sociais e, principalmente, religiosos. Tinham uma responsabilidade para com a comunidade no sentido de, com ela, promover o crescimento e o desenvolvimento pessoal de todos que a compõem, focando a cidadania. Se a escola formasse o ser humano com postura ética e moral exemplar, então ele poderia promover transformações sólidas em seu contexto social e seria um verdadeiro colaborador na seara de Deus e para o governo do mundo. As escolas paroquiais luteranas gaúchas foram assim caracterizadas por Weiduschadt (2007):

As escolas eram organizadas de forma multisseriada. As turmas eram compostas de 20 a 40 alunos. Na maioria das vezes, o pastor da comunidade era, ao mesmo tempo, professor. A comunidade sustentava a estrutura física e mantinham o professor da escola. O prédio era muitas vezes o mesmo local do templo. A ligação entre a escola e a igreja era importante, porque logo no início da formação das comunidades o ensino doutrinário e pedagógico era ressaltado e sua suplementação implicava questões econômicas e culturais para a implementação. O projeto escolar dentro da comunidade religiosa era marcante, a orientação e a obrigação de os pais enviarem os filhos à escola eram quase obrigatórias, com sanções econômicas e morais, caso não concordassem. (WEIDUSCHADT, 2007, p. 166-168).

O Sínodo de Missouri também tinha uma preocupação acentuada com os recursos didáticos usados nas escolas paroquiais, pois este material era escasso e a dificuldade era grande em manter um ensino planificado e organizado. De acordo com Weiduschadt (2007, p. 41), “os livros usados nas escolas paroquiais e utilizados pelos alunos foram produzidos pelas instituições religiosas com objetivo de formar e moldar as condutas e as práticas ao fazer a escolarização das comunidades”. Assim, por meio dos livros didáticos e dos periódicos como o periódico O Pequeno Luterano, as escolas paroquiais luteranas gaúchas conseguiram desenvolver uma educação integral cristã em todas as disciplinas. Nas escolas paroquiais luteranas, conforme Lemke (2001, p. 80), “o ensino da Palavra de Deus, através da Bíblia, ficava em primeiro lugar, e as demais disciplinas não eram menosprezadas, mas complementavam a educação para servir no mundo”.

4 O periódico O Pequeno Luterano

O Pequeno Luterano foi produzido pela IELB para as escolas frequentadas por crianças luteranas, visando à formação do futuro fiel adulto (WEIDUSCHADT, 2012). Teve sua primeira edição publicada em agosto/setembro de 1939. Editado em português, devido ao processo de nacionalização do ensino em curso no país, O Pequeno Luterano substituiu o periódico Evangelisch-Lutherisches Kinderblatt für Südamerika (Jornal para crianças da Igreja Evangélica Luterana da América do Sul), editado pela IELB no período de dezembro de 1930 a junho/julho de 1939, em alemão gótico.

A redação do periódico O Pequeno Luterano era realizada por professores paroquiais e/ou pastores que se dispunham a redigir ou adaptar os textos de forma voluntária, ou seja, não eram remunerados para esta função. Eles procuravam divulgar a doutrina luterana através de uma educação religiosa e escolar. O diretor geral do periódico, durante os seus quase 27 anos de circulação, foi Carlos Henrique Warth4. Os redatores do periódico foram: Louis C. Rehefeldt5 (out. 1939 até set. 1940), Walter Hesse6 (out. 1939 até nov. 1942), J. A. Schmidt7 (dez. 1942 até nov. 1945), Gastão Tomé8 (dez. 1945 até jun. 1946), Paulo Fietz9 (jul. 1946 até dez. 1949), George Muller10 (jan. 1954 até dez. 1960), Marthin Flor11 (jan. 1961 até dez. 1961), Alípio Linden12 (jan. 1962 até dez. 1965) e Darci Bauer13 (jan. 1966 até jul. 1966, continuando como redator dos encartes até 1970). Verifica-se que alguns ficaram mais tempo à frente da redação, mas, em períodos turbulentos, como o da nacionalização do ensino, as trocas foram constantes, em função da pressão do Estado Novo sobre os pastores/professores que não eram nascidos no Brasil. Acrescenta-se que, no período de janeiro de 1950 a dezembro de 1953, o periódico ficou sem redator específico, quando passou a contar com a colaboração dos alunos do Seminário Concórdia14, de Porto Alegre.

Os redatores mantinham contato com os leitores, liam as cartas e organizavam o conteúdo do periódico, mas não trabalhavam em regime de dedicação exclusiva como redatores. Em geral, acumulavam a função com o exercício do magistério e do pastorado. “Histórias bíblicas eram resumidas e, para cada uma delas, o redator apresentava uma mensagem, alertando o pequeno leitor, se ele estaria seguindo as indicações e exortações da igreja” (WEIDUSCHADT, 2012, p. 65). A edição e a publicação do periódico ficavam por conta da Casa Publicadora Concórdia. As cartas enviadas pelas crianças e por representantes de escolas paroquiais eram encaminhadas para a sede da entidade, localizada em Porto Alegre, e repassadas aos redatores.

O Pequeno Luterano foi usado nas escolas paroquiais como veículo informativo, educativo e doutrinário, funcionando também como entretenimento para o público infantil. O periódico continha leituras sobre o ensino da Bíblia, do catecismo, da vida de Lutero. Ainda havia textos em formas de histórias que tratavam de assuntos sobre as noções de higiene e de comportamento moral, ao mesmo tempo, apresentando brincadeiras, como charadas e palavras cruzadas sobre textos e conhecimentos bíblicos. (WEIDUSCHADT, 2012, p. 65-66).

As atividades lúdicas envolviam aspectos religiosos na sua centralidade, ou seja, mesmo em charadas, adivinhações e palavras cruzadas, o direcionamento religioso era valorizado. O público infantil valorizava e mantinha a assinatura do periódico, basicamente, devido aos temas de entretenimento, ilustrativos e publicitários. Weiduschadt (2012, p. 93) acrescenta que “o aprendizado das crianças seria através de uma leitura controlada e doutrinária do periódico. A preocupação lúdica era um meio, o fim deveria estar na absorção da doutrina e na conduta de práticas relacionadas à igreja”. Dessa forma, o propósito do periódico em circular no meio escolar, apresentando conhecimento geral e ideológico, buscava interlocução com os leitores através das escolas: primeiro as paroquiais e, após a década de 1960, as escolas dominicais. “Os preceitos ‘conduta das crianças’ e ‘aplicação da história’ eram voltados a orientar a projeção de futuro na formação dos leitores. Ao dirigir-se ao leitor, desejava-se formar o aluno e futuro cidadão/fiel imbricados no mesmo projeto, envolvendo escola, pátria e igreja” (WEIDUSCHADT, 2012, p. 258).

A Figura 1 traz um fragmento da primeira edição do periódico O Pequeno Luterano, no qual se pode ler algumas informações sobre sua identificação:

Fonte: O Pequeno Luterano (ago./set. 1939, p. 1).

Figura 1 – 1ª edição do periódico O Pequeno Luterano 

Além do título do periódico, em O Pequeno Luterano aparece escrito o local da edição, Porto Alegre, e o período, agosto/setembro de 1939. Ainda se observam os nomes do diretor do periódico, Rev. C. H. Warth (diretor do Seminário Concórdia, na época), e o de seu redator, Prof. L. C. Rehefeldt, professor do Seminário Concórdia neste período. Também pode ser vista uma passagem bíblica e uma imagem de Jesus acolhendo as crianças, a qual tem uma relação direta com um dos princípios luteranos, de que a salvação de todos os homens se dá pela fé em Jesus Cristo (LEMKE, 2001). Ressalta-se que houve variações na forma de apresentação inicial das edições do periódico, mas sua edição sempre aconteceu com base em princípios morais e educacionais idealizados pela IELB.

O Pequeno Luterano tinha como principal objetivo inserir as crianças na prática religiosa luterana por meio de textos, histórias, informações e curiosidades de cunho moral e religioso e de formação geral. Os editores usaram a estratégia de elaborar um periódico lúdico, com linguagem e imagens voltadas ao público infantil. Nos fascículos também havia um chamamento para pais, pastores e professores paroquiais incentivarem as crianças a lerem o periódico. “A redação previa que a ajuda de professores e pastores que lidavam diretamente com as crianças era fundamental para o estímulo da leitura. Se as crianças fossem convencidas da importância da leitura do periódico, os pais poderiam se sensibilizar em pagar o periódico” (WEIDUSCHADT, 2012, p. 262).

A estratégia dos editores de receber cartas dos seus leitores, especialmente de alunos das escolas paroquiais, com depoimentos e respostas das charadas e desafios propostos no periódico, além dos relatos dos professores, com informações sobre as escolas paroquiais e o número de alunos, contribuiu para circulação e inserção de O Pequeno Luterano entre o público infantil. Isto foi reforçado pelo uso do periódico pelos professores paroquiais, de forma complementar, no ensino de diferentes conteúdos.

O Quadro 1 reúne informações gerais sobre as edições do periódico O Pequeno Luterano:

Quadro 1 – As edições do periódico O Pequeno Luterano (continua) 

Ano Edições Total de páginas
1 – 1939/40 7 edições mensais e 5 edições bimestrais 68
2 – 1941 8 edições mensais e 2 edições bimestrais 48
3 – 1942 10 edições mensais e 1 edição bimestral 48
4 – 1943 6 edições mensais e 3 edições bimestrais 48
5 – 1944 10 edições mensais e 1 edição bimestral 48
6 – 1945 2 edições bimestrais e 2 edições quadrimestrais 48
7 – 1946 4 edições bimestrais e 1 edição quadrimestral 48
8 – 1947 6 edições mensais e 3 edições bimestrais 48
9 – 1948 2 edições mensais e 5 edições bimestrais 48
10 – 1949 4 edições mensais e 4 edições bimestrais 52
11 – 1950 6 edições mensais e 3 edições bimestrais 95
Ano Edições Total de páginas
12 – 1951 2 edições mensais e 5 edições bimestrais 76
13 – 1952 6 edições bimestrais 52
14 – 1953 4 edições bimestrais (1) 32
15 – 1954 6 edições mensais, 1 edição bimestral e 1 edição quadrimestral 68
16 – 1955 8 edições mensais e 2 edições bimestrais 80
17 – 1956 4 edições mensais e 4 edições bimestrais 100
18 – 1957 2 edições mensais e 5 edições bimestrais 76
19 – 1958 2 edições mensais e 5 edições bimestrais 104
20 – 1959 6 edições bimestrais 98
21 – 1960 6 edições bimestrais 96
22 – 1961 2 edições mensais e 5 edições bimestrais 88
23 – 1962 10 edições mensais e 1 edição bimestral 136
24 – 1963 10 edições mensais e 1 edição bimestral 136
25 – 1964 6 edições mensais e 3 edições bimestrais 120
26 – 1965 8 edições mensais e 2 edições bimestrais 136
27 – 1966 4 edições mensais e 1 edição bimestral 64
Total 123 edições mensais
90 edições bimestrais
4 edições quadrimestrais
217 edições 2061

Fonte: O Pequeno Luterano (1939-1966).

Notas: (1) não foi possível obter informações sobre o período de setembro a dezembro.

Observa-se no Quadro 1 que o periódico O Pequeno Luterano foi editado 217 vezes em seus quase 27 anos de circulação, contando com 123 edições mensais, 90 bimestrais e 4 edições quadrimestrais. O periódico, geralmente, era mensal, mas muitas edições circulavam bimestralmente, especialmente nos meses de janeiro e fevereiro, período das férias escolares. Em momentos de crise, apresentava menor circulação. Na década de 1940, por exemplo, especificamente em 1945-1946, foram editados apenas 9 periódicos – 4 no primeiro ano, e 5 no segundo –, o que demonstra as dificuldades encontradas no período de nacionalização do ensino. Houve um aumento no número de páginas do periódico a cada década de circulação – 504 páginas na década de 1940, 781 páginas na década de 1950 e 776 páginas na década de 1960 (últimos sete anos de edição) –, totalizando 2061 páginas em toda sua história. A última edição do periódico foi publicada em junho de 1966. Posteriormente, passou a circular como encarte de uma página no periódico Mensageiro Luterano.

5 A matemática no periódico O Pequeno Luterano, nas edições da década de 1950

O tema de maior participação no periódico envolvia religião e doutrina, ficando evidente o objetivo a atingir. Os conteúdos de disciplinas seculares que apareceram no impresso complementavam a educação escolar. “Estas disciplinas foram consideradas de conhecimento geral, porém, com certa conotação religiosa, ou seja, mesmo os conteúdos de conhecimento geral, quase sempre vinham acompanhados de elementos religiosos” (WEIDUSCHADT, 2012, p. 259).

Com relação à matemática presente neste periódico, observou-se que os editores apostaram numa estratégia envolvendo uma abordagem mais lúdica, diferente das propostas de ensino apresentadas nas aritméticas da série Ordem e Progresso e da série Concórdia, editadas pela IELB para suas escolas paroquiais na primeira metade do século XX. É importante lembrar que, até mais ou menos 1932, predominava o ensino tradicional no Brasil. De 1932 até 1960, os alunos sofreram as influências do evolucionismo e do pragmatismo, período denominado de Escola Nova

Com relação à matemática presente no periódico O Pequeno Luterano, em todo seu período de circulação, Weiduschadt (2012) escreve que:

De forma lúdica, o conhecimento matemático se dava através de charadas, de brincadeiras e de descoberta de enigmas no intuito de desenvolver o raciocínio lógico. As habilidades concretas e abstratas do aprendizado matemático eram valorizadas, em grande parte, através do cálculo mental em forma de brincadeiras lúdicas e prazerosas. [...] Havia relação dos cálculos com as histórias bíblicas [...]. Entre as histórias de conhecimento geral, as curiosidades envolvendo a matemática são apresentadas de inúmeras maneiras. Algumas ensinam cálculos de jogos de descoberta, outras contam a biografia de matemáticos, o modo como lidaram com o conteúdo. (WEIDUSCHADT, 2012, p. 151-152).

Com o propósito de ilustrar e ampliar essa discussão, nos Quadros de 2 a 10, são apresentados fragmentos envolvendo a matemática publicados no periódico O Pequeno Luterano durante a década de 1950.

Inicialmente, apresenta-se uma história sobre aritmética prática contendo operações comerciais, conforme se pode acompanhar no Quadro 2:

Quadro 2 – Aritmética prática 

Um menino entrou num armazém e perguntou ao negociante: Quanto custa um quilo de café?
- Cr$ 28,00.
E um quilo de açúcar?
- Cr$ 5,00.
Quanto devo gastar para três quilos de café e dois de açúcar?
- Cr$ 94,00.
E se desse ao senhor uma nota de 200 cruzeiros, quanto recebia de troco?
- Cr$ 106,00.
Faça o favor de escrever tudo isso num pedaço de papel.
- Com todo o gosto.
Quando estava pronta e entregue a nota, o negociante pergunta:
- Para que desejas esta nota?
- Foi a professora que marcou todas estas contas para eu fazer em casa, respondeu o vadio, e partiu como uma flecha...

Fonte: O Pequeno Luterano (mar. 1950, p. 18).

A história descrita no Quadro 2, ilustrada com a peraltice de um menino, mostra a facilidade que os negociantes tinham para resolver os cálculos, mentalmente e por escrito, nas operações comerciais. Na edição de março/abril de 1956, o editor do periódico apresenta esta história de forma semelhante, apenas alterando o preço do quilo de café para Cr$ 4,20, e o preço do quilo de açúcar para Cr$ 1,20, resultando num gasto total de Cr$ 15,00 pela compra de 3 quilos de café e 2 quilos de açúcar. Fazendo-se o pagamento com uma nota de Cr$ 20,00, o troco seria Cr$ 5,00. Observa-se que os editores do periódico se valem de histórias lúdicas no desenvolvimento de habilidades para os cálculos escrito e mental em seu público leitor, preparando-o para, no futuro, ter condições de fazer a correta administração do seu orçamento familiar, conforme também apontado por Rambo (1994) em suas pesquisas.

Na edição de julho/agosto de 1950, o editor do periódico O Pequeno Luterano traz uma história curiosa, intitulada Herança indivisível, conforme se pode observar no Quadro 3

Quadro 3 – Herança indivisível (continua) 

Um certo árabe achando-se às portas da morte, chamou os seus três filhos para dar a parte que lhe cabia dos bens que o velho pai deixava. Toda a herança consistia em um certo número de camelos, de que o pai não se lembrava exatamente.
Querendo ser justo, resolveu repartir os animais, conforme a idade de cada um dos filhos. Assim, o mais velho receberia a metade, o segundo um terço e o mais moço um nono.
Algum tempo depois da morte do pai, os filhos foram repartir a herança. Viram então que a conta ia ser difícil, pois encontraram 17 camelos.
Tomaram então os animais e foram consultar um velho sábio que morava lá perto. Apresentaram-lhe a sua questão, e o sábio então deu-lhes de presente um único camelo para dar um número par. Os rapazes não queriam aceitar o presente, mas tanto o homem insistiu que enfim se calaram.
Bem: agora, que havia número par de animais, era fácil de repartir.
Quando chegaram em casa, ajuntaram os animais para contá-los novamente. O mais velho contou nove, a metade de dezoito. O segundo possuía um terço, portanto, seis camelos. O último, o mais moço, teve de contentar-se com dois, ou um nono de dezoito.
Fizeram a soma de todos: 9 mais 6 mais 2 ... 17!...
Estavam ali nada mais do que seus 17 camelos com que tinham partido!... Tiveram que reconhecer que a conta estava certa e que assim mesmo o velho tinha ficado com o seu único camelo...
Procura o conselho dos mais velhos. Eles te serão muito úteis.

Fonte: O Pequeno Luterano (jul./ago. 1950, p. 56).

A história da Herança indivisível, apresentada pelo editor do periódico e descrita no Quadro 3, refere-se à divisão de 17 camelos entre três irmãos, nas proporções definidas pelo falecido pai: o mais velho receberia a metade, o segundo um terço e o mais novo, um nono da quantidade de camelos. Como os irmãos não conseguiram fazer a divisão, recorreram a um velho sábio, que juntou seu camelo à quantidade inicial (17 + 1 = 18), fez a divisão justa para cada um (9, 6 e 2 camelos, respectivamente) e ainda manteve seu camelo.

Este problema da Herança indivísivel envolve uma divisão proporcional. Considerando-se uma herança constituída por 17 camelos, os quais devem ser repartidos de forma proporcional a 12 (filho mais velho), 13 (filho do meio) e 19 (filho mais novo), tem-se:

1712+13+19=17918+618+218=171718=171817=18 camelos (fator de proprocionalidade)
1218=9 camelos (filho mais velho);
1318=6 camelos (filho do meio);
1918=2 camelos (filho mais novo).

Logo, 9 + 6 + 2 = 17 camelos.

Ressalta-se que o editor utiliza o contexto da história da Herança indivisível para incentivar os leitores a procurarem os conselhos úteis das pessoas mais experientes.

O Pequeno Luterano também apresenta curiosidades numéricas, como se observa no Quadro 4:

Quadro 4 – Curiosidades numéricas 

Um número curioso o 37! Algarismos
Vejam só: tomando-se um número e formando com seus algarismos um novo número, a diferença sempre é divisível por 9. Por exemplo, o número 63 dá para formar 36. Tirando-se 36 de 63 dá a diferença 27, que pode ser dividido por 9.
De sua multiplicação por três ou por um múltiplo de três até 27, resulta sempre um produto formado de três algarismos iguais:
37 x 3 = 111
37 x 6 = 222
37 x 9 = 333
37 x 12 = 444
37 x 15 = 555
37 x 18 = 666
37 x 21 = 777
37 x 24 = 888
37 x 27 = 999
A soma dos algarismos de cada produto é igual ao multiplicador do qual ele se originou. Por exemplo: 111: 1 + 1 + 1 = 3.

Fonte: O Pequeno Luterano (set. 1951, p. 44).

Fonte: O Pequeno Luterano (maio/jun. 1953, p. 7).

A primeira curiosidade envolve uma surpreendente multiplicação entre o número 37 e os múltiplos de 3 compreendidos entre 3 e 27. Observa-se que o fragmento apresentado no Quadro 4 apresenta os nove produtos possíveis, fala que a soma dos algarismos repetidos de cada produto é igual ao multiplicador do qual ele se originou e traz um exemplo disto. Ressalta-se que cada produto pode ser obtido, rapidamente, ao se dividir o múltiplo de 3 por 3 e se repetir o quociente obtido três vezes lado a lado. Por exemplo:

    a. 37 x 3 = 111 3 ÷ 3 = 1. Três vezes o 1 lado a lado = 111.

    b. 37 x 15 = 555 15 ÷ 3 = 5. Repete-se o 5 três vezes = 555.

    c. 37 x 24 = 888 24 ÷ 3 = 8. Três vezes o 8 lado a lado = 888.

Complementa-se que, conforme descrito no Quadro 4, a soma dos algarismos de cada produto é igual ao multiplicador do qual ele se originou, ou seja:

    a. 37 x 15 = 555 5 + 5 + 5 = 15.

    b. 37 x 24 = 888 8 + 8 + 8 = 24.

A segunda curiosidade numérica apresentada no Quadro 4 diz que, tomando-se um número e formando com seus algarismos um novo número, a diferença sempre é divisível por 9. Por exemplo:

    a. Com o número 63 se pode formar o número 36.

63 – 36 = 27 ÷ 9 = 3.

    b. A partir do número 92 se pode formar o número 29.

92 – 29 = 63 ÷ 9 = 7.

    c. Com o número 184 se forma o número 148.

184 – 148 = 36 ÷ 9 = 4.

    d. Partindo do número 4123 é possível formar o número 1432.

4123 – 1432 = 2691 ÷ 9 = 299.

Embora o editor do periódico apresente apenas um exemplo com um número formado por dois algarismos, verifica-se que a curiosidade também é válida para números formados por três ou mais algarismos. Ressalta-se que as duas curiosidades descritas no Quadro 4 evidenciam a preocupação dos editores do periódico O Pequeno Luterano em desenvolver habilidades para o cálculo mental e para o cálculo escrito nas crianças.

O fragmento do periódico apresentado no Quadro 5 desafia os leitores a resolver algumas expressões numéricas mentalmente:

Quadro 5 – Quebra cabeça 

6 x 5 + 30 ÷ 10 – 3 =
50 + 20 – 10 ÷ 20 =
9 x 9 – 1 + 20 ÷ 5 =
25 + 75 ÷ 2 x 2 – 50 =
30 – 15 + 5 x 4 ÷ 2 =
Procura fazer os cálculos de cabeça. Escreve os resultados no espaço em branco. Soma os resultados parciais. O total deve ser 116. Se não tiveres obtido este resultado, começa de novo. Não desistas. Que sejas feliz!

Fonte: O Pequeno Luterano (maio/jun. 1951, p. 36).

O quebra cabeça observado no Quadro 5 traz cinco expressões numéricas para serem resolvidas mentalmente, envolvendo as quatro operações elementares com números naturais. Está subentendida a ideia de resolver estas expressões numéricas de forma linear, sem considerar as prioridades na resolução, ou seja, primeiro fazer as multiplicações e as divisões, depois as adições e as subtrações, na ordem em que aparecem. Dessa forma, somando-se os resultados parciais, o total deveria ser 116. No entanto, isto está errado, pois primeiro deveriam ser feitas as operações de multiplicação e de divisão, seguidas das somas e das subtrações, na ordem em que se apresentam em cada expressão numérica. Neste caso, a resolução envolveria também números racionais. No Quadro 6, apresenta-se a resolução do quebra cabeça pela forma linear e pela forma correta, ou seja, considerando-se as prioridades na resolução:

Quadro 6 – Resolução do quebra cabeça 

Pela forma linear Pela forma correta (prioridades)
6 x 5 + 30 ÷ 10 – 3 =
30 + 30 ÷ 10 – 3 =
60 ÷ 10 – 3 =
6 – 3 = 3
6 x 5 + 30 ÷ 10 – 3 =
30 + 3 – 3 = 30
50 + 20 – 10 ÷ 20 =
70 – 10 ÷ 20 =
60 ÷ 20 = 3
50 + 20 – 10 ÷ 20 =
50 + 20 – 0,5 = 69,5
9 x 9 – 1 + 20 ÷ 5 =
81 – 1 + 20 ÷ 5 =
80 + 20 ÷ 5 =
100 ÷ 5 = 20
9 x 9 – 1 + 20 ÷ 5 =
81 – 1 + 4 = 84
25 + 75 ÷ 2 x 2 – 50 =
100 ÷ 2 x 2 – 50 =
50 x 2 – 50 =
100 – 50 = 50
25 + 75 ÷ 2 x 2 – 50 =
25 + 37,5 x 2 – 50 =
25 + 75 – 50 = 50
30 – 15 + 5 x 4 ÷ 2 =
15 + 5 x 4 ÷ 2 =
20 x 4 ÷ 2 =
80 ÷ 2 = 40
30 – 15 + 5 x 4 ÷ 2 =
30 – 15 + 20 ÷ 2 =
30 – 15 + 10 = 25
Soma dos resultados parciais:
3 + 3 + 20 + 50 + 40 = 116
Soma dos resultados parciais:
30 + 69,5 + 84 + 50 + 25 = 258,5

Fonte: Elaborado pelos autores.

Considerando-se as prioridades na resolução, a segunda e a quarta expressões numéricas mostradas no Quadro 6 não poderiam ser resolvidas no conjunto dos números naturais. Além disso, observa-se que somente o resultado da quarta expressão numérica coincide pelas duas formas de resolução. Logo, resolvendo-se pela forma linear, chega-se à soma 116; e resolvendo-se pela forma correta, considerando-se as prioridades na resolução, o resultado final seria 258,5. Mesmo que a resposta do quebra cabeça apresentada pelo editor do periódico esteja incorreta, pela ênfase dada aos cálculos mentais naquela época, no contexto da vida agrária (KREUTZ, 1994), era importante e plausível resolver as expressões numéricas pela linearidade e sem considerar as prioridades na resolução.

Neste contexto ainda se localizou um excerto que fala de um procedimento para se obter a medida da altura de árvores, conforme descrito no Quadro 7:

Quadro 7 – Para medir a altura das árvores 

Quando faz sol é muito fácil medir a altura de uma árvore, por muito alta que esta seja. Não é preciso mais do que colocar uma bengala a prumo na mesma linha da árvore e medir o comprimento da sombra projetada pela bengala. Estabelecendo uma proporção entre o comprimento da bengala e a sua sobra, e a sombra projetada pela árvore, compreende-se com facilidade o modo de proceder. Por exemplo: se a bengala tem um metro de altura e a sua sombra 3 metros de comprimento e a sombra da árvore é de 30 metros, a altura da árvore será de 10 metros, porque 3 está para 1 como 30 está para 10.

Fonte: O Pequeno Luterano (nov./dez. 1952, p. 51).

O procedimento prático para se obter a medida da altura de uma árvore proposto pelo editor do periódico está baseado na ideia de semelhança de triângulos, podendo-se estabelecer a seguinte proporção:

comprimento da bengalasombra da bengala=altura da árvoresombra projetada pela árvore
1 m3 m=x m30 m

3 x = 30

x = 10 metros será a altura da árvore.

Ressalta-se que esta proposta do editor está alicerçada em conhecimentos matemáticos formais, mas é explorada de forma prática e contextualizada, favorecendo a compreensão das crianças e sua possível aplicação em outras situações semelhantes, para determinação de medidas desconhecidas. Com a abordagem da matemática de maneira informativa, utilitária e formativa, esperava-se que os alunos das escolas paroquiais luteranas gaúchas do século passado se apropriassem desses conhecimentos, para que, futuramente, realizassem o gerenciamento correto da sua propriedade rural.

Os editores do periódico O Pequeno Luterano também se valiam da estratégia de propor uma matemática mais lúdica para o seu público leitor, através de charadas e desafios, conforme se pode observar no Quadro 8:

Quadro 8 – Charadas e desafios 

Desafios e charadas Respostas
1) Se um madeireiro cobrar cinco cruzeiros para cortar um tronco em dois pedaços, quanto cobrará para cortar o mesmo tronco em quatro partes?
(maio 1950, p. 35).
1) 15 Cruzeiros, pois serão necessários fazer três cortes. (maio 1950, p. 35).
2) O que é invertido perde um terço de valor?
(jan./fev. 1952, p. 9).
2) 9, pois invertido fica 6. (jan./fev. 1952, p. 9).
3) Dividiram-se entre 50 crianças Cr$ 14,50, recebendo cada menina Cr$ 0,25 e cada menino Cr$ 0,30. Quantas eram as meninas?
4) Uma das perguntas que mais intrigou os nossos pais é a dum homem que olhava para um retrato, dizendo: “Não tem nem irmãos, nem irmãs, mas o pai deste homem é filho de meu pai.” De quem é o retrato?
5) Pegue-se em doze fósforos e ponham-se de modo que sejam vinte.
6) Pegue-se em nove fósforos e ponham-se de modo que sejam três dúzias. (mar./abr. 1952, p. 15).
3) 10 meninas, pois:
10 x 0,25 = 2,50 e
40 x 0,30 = 12,00.
4) Do próprio homem.
5) X x II = XX.
6) XXXVI.
Observação: A solução deste bloco de charadas/desafios não foi localizada no periódico.
7) Você é bom na aritmética? Bem, então, este problema não lhe devia causar muita dificuldade. Quanta terra há num buraco que mede seis metros de largura, seis de comprimento e seis de profundidade?
(jan./fev. 1955, p. 8).
7).Não há terra alguma em buraco de qualquer tamanho. (jan./fev. 1955, p. 8).
8) Quais os três algarismos que, somados ou multiplicados, dão o mesmo resultado?
9) Em São Paulo vive um açougueiro que tem 29 anos de idade, mede 1m e 62cm de altura e veste camisa número 40. O que é que ele pesa? (set. 1956, p. 10).
8) 1, 2 e 3, pois 1 + 2 + 3 = 6 e 1 x 2 x 3 = 6.
9) Carne. (set. 1956, p. 10).
10) Um cão ganhou 9 orelhas de porco dum açougueiro. Cada dia trazia 3 orelhas para casa. Em quantos dias trouxe as 9 orelhas?
11) De 20 tira 99 e faze sobrar 11.
12).Resolve este problema: Um barco pode carregar somente 100 quilos de carga. Um pai e seus dois filhos querem atravessar o rio. O pai só pesa 100 quilos e cada filho 50 quilos. Como fizeram para atravessar o rio? (jul./ago. 1958, p. 12).
10).Como o cachorro trazia suas próprias 2 orelhas fora as do porco, levou 9 dias para trazer as 9 orelhas de porco.
11) XX – 99 = 11.
12).Primeiro passam os dois filhos. Um fica do outro lado e um volta. Depois passa o pai e fica do outro lado, e o filho volta para buscar o irmão que ficou.
(jul./ago. 1958, p. 13).

Fonte: O Pequeno Luterano (1950-1958).

O foco das charadas e dos desafios apresentados no Quadro 8 é desenvolver o pensamento lógico das crianças e explorar conhecimentos matemáticos envolvendo as quatro operações elementares com números naturais, os números fracionários, os números decimais e a numeração romana. O terceiro desafio descrito no Quadro 8, por exemplo, pode ser resolvido por meio de tentativas ou através de um sistema formado por duas equações do 1º grau com duas incógnitas. Chamando-se o número de meninas de x e o número de meninos de y, pode-se escrever e resolver, pelo método da substituição, o seguinte sistema:

x+y=50x=50y0,25x+0,30y=14,50

Substituindo-se x por (50 – y) na segunda equação:

0,25(50y)+0,30y=14,5012,500,25y+0,30x=14,5012,50+0,05y=14,500,05y=14,5012,50y=20,05y=40

Como x = 50 – y e y = 40, tem-se que x = 50 – 40 = 10.

Portanto, são 10 meninas e 40 meninos (10 + 40 = 50 e 0,25 x 10 + 0,30 x 40 = 14,50).

Ressalta-se a intenção dos editores do periódico de desenvolver conhecimentos matemáticos para seu público leitor por meio de atividades lúdicas e prazerosas. Os editores d’O Pequeno Luterano ainda apresentam charadas, enigmas e desafios relacionados com outras áreas do conhecimento.

Além de curiosidades e de desafios matemáticos, o periódico traz histórias de cunho moral e religioso associadas à matemática. A história descrita no Quadro 9, por exemplo, envolve a operação de adição numa conta:

Quadro 9 – Uma conta original, mas certa (continua) 

Carlinhos quis ser esperto. Via o pai diariamente trabalhar no escritório tirando contas, calculando preços, etc. e daí surgiu-lhe a ideia de apresentar a sua mãe uma conta dos servicinhos que lhe prestava.
Ao sentar-se uma manhã à mesa para tomar café, a mãe encontra ao lado da xícara esta conta:
Mamãe deve a seu filho:
Por ter ido ao açougue Cr$ 1,00
Por ter ido 2 vezes à venda Cr$ 2,00
Pelo trabalho com a lenha Cr$ 2,00
Por se ter comportado bem durante a semana Cr$ 1,00
Total Cr$ 6,00
A mãe leu a conta sem nada dizer. À noite, Carlinhos recebeu seus 6 cruzeiros e ficou contente.
Noutra manhã, quem desta vez achou uma conta ao lado da xícara, foi o nosso Carlinhos. Ele lia:
Carlinhos deve a sua mãe:
Por dez anos felizes em sua casa Nada
Por dez anos de comida, bebida e roupa Nada
Por cuidados, dia e noite, quando estava doente Nada
Por ter uma mãe que o quer muito Nada
Total. Nada
O menino acabou de ler esta conta, quando os seus olhos se encheram de lágrimas. Foi correndo para cair nos braços de sua querida mãezinha, devolveu-lhe o dinheiro e disse: “Mãezinha querida, perdoa-me. Sou eu que te devo mil cruzeiros e muito mais, o que nunca poderei pagar-te nem agradecer quanto mereces.”

Fonte: O Pequeno Luterano (jul./ago. 1953, p. 5).

A história descrita no Quadro 9 apresenta a conta dos serviços prestados pelo filho à sua mãe e a conta dos serviços prestados pela mãe ao seu filho, finalizando com uma lição de cunho moral, o que evidencia a preocupação dos editores em difundir os princípios morais e educacionais idealizados pela IELB entre o público infantil. Ainda de acordo com Rambo (1994), a família como núcleo social embrionário representava para a criança o palco sobre o qual ela iria desenvolver as suas primeiras experiências de relacionamento social. Caso fosse bem-sucedida, resultaria uma personalidade equilibrada, segura e positivamente bem integrada.

No Quadro 10, apresenta-se outra história de cunho moral e religioso, contextualizada com a operação de multiplicação:

Quadro 10 – Uma multiplicação 

Vamos fazer uma multiplicação. Se nossos pais gastaram somente Cr$ 20,00 por dia para nos sustentar e educar – (isto é muito pouco; hoje em dia muita gente não daria pensão a uma criança por Cr$ 600,00 por mês!); digo, se os pais gastaram 20 cruzeiros por dia até o fim do nosso 15º ano, despenderam um total de Cr$ 122.060,00. Quando é que vamos lhes devolver isto? E esta soma não inclui o amor que nos dedicaram; amor não se pode pagar com dinheiro.
Refleti bem: Se Jesus serviu a nós, suas criaturas, de tal modo que não somente viveu uma vida de extrema pobreza para nos salvar, mas ainda morreu na cruz, não devemos nós servir também ao próximo? Ora, o próximo mais chegado a nós é o pai, é a mãe. E se os dois serviram a nós por espaço de 15 ou mais anos, não devemos nós também servi-los quando já não podem trabalhar e se governar a si mesmos?
Como Deus gosta dos filhos que estimam os pais e lhes servem com espírito de gratidão! Disse ele: Recompensar a seus progenitores, isto é aceitável diante de Deus.

Fonte: O Pequeno Luterano (set. 1958, p. 6).

No fragmento descrito no Quadro 10, o editor utiliza a operação de multiplicação para exemplificar os valores que os pais empregavam no sustento e na educação dos seus filhos. Embora esta associação fosse interessante, verifica-se que o valor total de Cr$ 122.060,00 não está correto, pois, gastando-se Cr$ 20,00 por dia durante 16 anos, tem-se 20 x 365 x 16 = Cr$ 116.800,00, arredondados para Cr$ 117.000,00 em virtude dos anos bissextos. O editor conclui o texto fazendo uma importante reflexão sobre o dever dos filhos de servir aos pais quando estes necessitarem. A estratégia empregada pelo editor do periódico O Pequeno Luterano reforça a ideia de Lemke (2001), de que o ensino da Palavra de Deus, através da Bíblia, ficava em primeiro lugar, e as demais disciplinas complementavam a educação para servir no mundo.

6 Considerações finais

Como as escolas paroquiais luteranas gaúchas do século XX estavam inseridas num projeto missionário e comunitário que buscava ensinar a língua materna, a matemática, valores culturais, sociais e, principalmente, religiosos, a IELB se preocupou em produzir materiais pedagógicos para suas escolas paroquiais. Através da Casa Publicadora Concórdia, de Porto Alegre, a IELB editou e publicou livros didáticos e periódicos, como O Pequeno Luterano, de acordo com seus princípios morais e educacionais. Além de educarem e doutrinarem pela Palavra de Deus, os periódicos editados pela Igreja Luterana se direcionavam ao ensino das crianças nas escolas paroquiais, trazendo artigos com orientações didáticas e informações sobre conteúdos formais.

O Pequeno Luterano teve 217 edições (mensais/bimestrais/quadrimestrais) no período de agosto/setembro de 1939 a junho de 1966, quando passou a circular como encarte de uma página no periódico Mensageiro Luterano. O principal objetivo dos editores do periódico era, de forma lúdica, inserir as crianças na prática religiosa luterana por meio de textos, histórias, informações e curiosidades de cunho moral e religioso e de formação geral. Dessa forma, foi usado complementarmente pelos professores paroquiais para o ensino das diferentes áreas do conhecimento nas escolas paroquiais luteranas gaúchas do século passado.

Fundamentando-se no referencial teórico-metodológico da pesquisa histórica e da história cultural, investigou-se a matemática presente no periódico O Pequeno Luterano durante a década de 1950. O conteúdo lúdico e outros similares foram usados pelos editores como estratégia para atrair a atenção das crianças. Contudo, ao mesmo tempo em que tais publicações envolviam curiosidades e desafios, continham elementos doutrinários, principalmente de aprendizado da Bíblia e da vida de Lutero.

Constatou-se que os editores do periódico integraram histórias de cunho moral e religioso à matemática, com o propósito de manter as crianças inseridas na prática religiosa luterana. Além disso, apresentaram curiosidades e desafios matemáticos que valorizavam as habilidades concretas e abstratas do aprendizado matemático, através do raciocínio lógico, do pensamento proporcional, do cálculo escrito e do cálculo mental, em forma de atividades lúdicas e prazerosas. Curiosidades e desafios matemáticos semelhantes aos localizados no periódico O Pequeno Luterano estão presentes nos livros de matemática atuais e em publicações como as de Malba Tahan. Com este estudo histórico sobre a matemática presente no periódico O Pequeno Luterano durante a década de 1950, pretende-se contribuir para a História da Educação Matemática.

1Fundada em 1923, atuava na edição de livros e de periódicos relacionados à literatura religiosa e escolar da IELB. Foi a primeira e a única editora da IELB, existente até os dias atuais. Antes de sua fundação, os livros e os periódicos eram impressos pela Concordia Publishing House, nos Estados Unidos, e enviados ao Brasil.

2No Instituto Histórico da IELB, não foram encontradas edições do periódico ou referências a sua publicação no período de setembro a dezembro de 1953. Em sua tese, Weiduschadt (2012) também destaca a não localização de edições neste mesmo período.

3Em 1847, um grupo de imigrantes luteranos alemães da Saxônia fundou, no estado de Missouri (EUA), o Sínodo Evangélico Luterano Alemão de Missouri, Ohio e Outros Estados, atualmente Igreja Luterana - Sínodo de Missouri (WARTH, 1979).

4Nasceu no Brasil, foi pastor e redator de outros periódicos como Jovem Luterano e Lutherkalender. Além de cronista e estatístico da igreja, ainda ocupou cargos administrativos, também na igreja (WARTH, 1979).

5Nasceu nos Estados Unidos, foi diretor do Seminário Concórdia e redator do Mensageiro Luterano e Lar Cristão. Também ocupou cargos administrativos na igreja (WARTH, 1979).

6Nasceu na Alemanha, formou-se no Seminário Concórdia em 1941. Foi redator do periódico ao mesmo tempo em que ocupou a função de pastor em Barros Cassal/RS (WARTH, 1979).

7Formou-se como professor no Seminário Concórdia em 1919. Foi conselheiro escolar nos primórdios da fundação da igreja (WARTH, 1979).

8Formou-se como professor no Seminário Concórdia em 1933, onde também trabalhou durante o período de 1944-1968 (WARTH, 1979).

9Formou-se como professor no Seminário Concórdia em 1945 (WARTH, 1979).

10Formou-se como pastor em 1937, nos Estados Unidos, atuou como professor no Seminário Concórdia e, posteriormente, voltou aos Estados Unidos (WARTH, 1979). Foi o redator que permaneceu mais tempo na redação do periódico.

11Formou-se no Seminário Concórdia em 1944, especializou-se mais tarde em Saint Louis, Estados Unidos (WARTH, 1979).

12Formou-se como professor no Seminário Concórdia em 1954 (WARTH, 1979). Auxiliou no curso pedagógico do Seminário Concórdia e foi diretor de uma escola paroquial em Novo Hamburgo/RS.

13Formou-se como professor no Seminário Concórdia em 1953 (WARTH, 1979).

14Instituto pedagógico-teológico que atuou na formação de pastores e de professores paroquiais para IELB.

REFERÊNCIAS

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Recebido: 22 de Agosto de 2016; Aceito: 13 de Outubro de 2018

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