1 Introdução
O movimento migratório no Rio Grade do Sul (RS) tem sido objeto de muitas investigações. No âmbito da História da Educação no estado gaúcho, as pesquisas de Kreutz (1991, 1994, 2008), Rambo (1994, 1996), Lemke (2001), Arendt (2005, 2008) e Weiduschadt (2007, 2012) são destaques. Na História da Educação Matemática no RS, destacam-se os trabalhos de Mauro (2005), Kreutz e Arendt (2007), Wanderer (2007), Silva (2014, 2015a, 2015b) e Kuhn (2015). Registra-se que, em sua tese, Weiduschadt (2012) faz um estudo geral do periódico O Pequeno Luterano, apontando os temas nele abordados, sem detalhar a matemática presente no periódico.
Este artigo tem por objetivo discutir a matemática presente no periódico O Pequeno Luterano durante a década de 1950. Trata-se de um recorte de tese, complementado por pesquisas realizadas durante o estágio pós-doutoral em um Programa de Pós-Graduação.
O periódico O Pequeno Luterano foi produzido pela Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) para o público infantil e publicado pela Casa Publicadora Concórdia1, de Porto Alegre. Teve sua primeira edição publicada em agosto/setembro de 1939. Com publicações mensais, bimestrais ou quadrimestrais, o periódico foi usado de forma complementar por professores paroquiais para o ensino de diferentes áreas do conhecimento nas escolas luteranas do século passado, com 217 edições, totalizando 2061 páginas. Foi editado até junho de 1966 e, posteriormente, passou a circular como encarte de uma página no periódico Mensageiro Luterano.
Como a temática investigada se insere na História da Educação Matemática no RS, busca-se na pesquisa histórica e na história cultural o suporte para discussão. Conforme Prost (1996), os fatos históricos são constituídos a partir de traços deixados no presente pelo passado, como o periódico O Pequeno Luterano. A história cultural (Kulturgeschichte) envolve os elementos das relações familiares, a língua, as tradições e a religião. A análise do periódico O Pequeno Luterano está alicerçada em Chartier (1990), no que se refere à produção/circulação (empreendimento dos editores – IELB) e à apropriação do impresso (diferentes formas com que os leitores se apropriaram da proposta estabelecida pelos editores). Para investigar o periódico, foram realizadas visitas ao Instituto Histórico da IELB, localizado em Porto Alegre, onde se encontram todas as suas edições2. Ao se pesquisar minuciosamente cada edição, compilaram-se os excertos relacionados à matemática para posterior análise à luz do referencial teórico-metodológico.
No estudo do periódico O Pequeno Luterano, além do referencial teórico-metodológico, apresenta-se uma breve caracterização das escolas paroquiais luteranas gaúchas do século XX e uma discussão da matemática presente no periódico na década de 1950.
2 O aporte teórico-metodológico da pesquisa histórica e da história cultural
Certeau (1982) define o fazer história no sentido de pensar a história como uma produção. Para o autor, a história, como uma produção escrita, tem a tripla tarefa de convocar o passado que já não está em um discurso presente, mostrar as competências do historiador (dono das fontes) e convencer o leitor. Desta forma, a prática histórica é prática científica, porquanto inclui a construção de objetos de pesquisa, o uso de uma operação específica de trabalho e um processo de validação dos resultados obtidos por uma comunidade. O trabalho do historiador, de acordo com Certeau (1982), não se limita a produzir documentos ou textos em uma nova linguagem. Isso ocorre porque no seu modo de fazer pesquisa há um diálogo constante do presente com o passado, e o produto desse diálogo consiste na transformação de objetos naturais em cultura.
De acordo com Prost (1996), os fatos históricos são constituídos a partir de traços, de rastros deixados no presente pelo passado. Assim, o trabalho do historiador consiste em efetuar um trabalho sobre esses traços para construir os fatos. Desse modo, um fato não é outra coisa senão o resultado de uma elaboração, de um raciocínio, a partir das marcas do passado. O autor considera o trajeto da produção histórica como um interesse de pesquisa, a formulação de questões históricas legítimas, um trabalho com os documentos (edições do periódico O Pequeno Luterano) e a construção de um discurso que seja aceito pela comunidade.
Como se investiga um periódico utilizado complementarmente por professores e alunos na escola paroquial da IELB, foca-se no papel do periódico O Pequeno Luterano na dinâmica das aulas de matemática. Segundo Chartier (1990), uma questão desafiadora para a história cultural é o uso que as pessoas fazem dos objetos que lhes são distribuídos ou dos modelos que lhes são impostos, uma vez que há sempre uma prática diferenciada na apropriação dos objetos colocados em circulação. No dizer do autor, é importante compreender as práticas escolares como dispositivos de transformação material de outras práticas culturais e de seus produtos. Na perspectiva de Chartier (1990), pode-se dizer que a imprensa pedagógica, aqui representada pelo periódico O Pequeno Luterano, foi um veículo para circulação de ideias que traduzem valores e comportamentos que se deseja ensinar – a ideologia luterana –, postas em convergência com outras estratégias políticas e culturais do estado gaúcho.
Chervel (1990) considera importante o estudo histórico da cultura escolar para a compreensão dos elementos que participam da produção/elaboração/constituição dos saberes escolares e, em particular, da matemática escolar e sua história. Julia (2001) define a cultura escolar como um conjunto de normas que estabelecem conhecimentos a ensinar e condutas a inspirar, como um conjunto de práticas que permite a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos. Isto nos leva a investigar a presença da ideologia luterana nos materiais didáticos editados pela IELB para o ensino da matemática em suas escolas, no século XX.
De acordo com Valente (2007), há uma infinidade de materiais que, com os livros didáticos, permitem compor um quadro da educação matemática de outros tempos. Para o autor, pensar os saberes escolares como elementos da cultura escolar e realizar o estudo histórico da matemática escolar exigem que se levem em consideração os produtos dessa cultura do ensino de matemática, os quais deixam traços que permitem o seu estudo, como o periódico O Pequeno Luterano, principal fonte documental desta investigação.
3 As escolas paroquiais luteranas gaúchas do século passado
No Brasil, os princípios cristãos de Lutero se fizeram presentes a partir de 1824, com a vinda dos primeiros imigrantes alemães. Lutero traçou princípios gerais sobre a educação, os quais se fundamentaram na Bíblia. “A premissa fundamental é de que a Bíblia ensina que Deus criou o universo e mantém, governa e sustenta toda a criação, sendo o homem a obra máxima da criação” (LEMKE, 2001, p. 34).
Nesta perspectiva luterana, o Sínodo Evangélico Luterano Alemão de Missouri3, atualmente IELB, começou sua missão nas colônias alemãs do RS, em 1900, fundando congregações religiosas e escolas paroquiais. Para o Sínodo de Missouri, era necessário consolidar um campo religioso e fortalecê-lo investindo na escola, influenciando o campo familiar dos seus possíveis fiéis. Por isso, os missourianos não somente cuidaram da formação de pastores como também de professores que atuassem de acordo com a filosofia educacional missouriana, para que as escolas paroquiais atingissem seus objetivos como agências missionárias e de educação geral.
Os egressos das escolas paroquiais luteranas gaúchas tinham maior conhecimento da Bíblia e uma formação consistente de crenças e valores cristãos tradicionais que enfatizavam a importância do relacionamento com Deus e com outras pessoas. Tinha-se a preocupação pedagógica para que a espiritualidade fosse vivida no dia a dia e não se reduzisse a ritos religiosos. Como os pais tinham pouco tempo e capacidade, para eles mesmos proporcionarem a seus filhos os devidos ensinamentos, buscavam uma escola paroquial luterana:
Numa escola paroquial, o professor, além das matérias seculares, exigidas pelas leis do Estado, antes de tudo, ensinava a religião. O ensino diário de todas as matérias e de toda a educação deveria estar sob a influência da Palavra de Deus. Numa escola cristã reinava um espírito cristão, e os alunos não estavam em perigo de aprender coisas que não condiziam com a Palavra de Deus e a disciplina cristã. (WARTH, 1979, p. 195).
As escolas paroquiais luteranas estavam inseridas num projeto missionário e comunitário que buscava ensinar a língua materna, a matemática, valores culturais, sociais e, principalmente, religiosos. Tinham uma responsabilidade para com a comunidade no sentido de, com ela, promover o crescimento e o desenvolvimento pessoal de todos que a compõem, focando a cidadania. Se a escola formasse o ser humano com postura ética e moral exemplar, então ele poderia promover transformações sólidas em seu contexto social e seria um verdadeiro colaborador na seara de Deus e para o governo do mundo. As escolas paroquiais luteranas gaúchas foram assim caracterizadas por Weiduschadt (2007):
As escolas eram organizadas de forma multisseriada. As turmas eram compostas de 20 a 40 alunos. Na maioria das vezes, o pastor da comunidade era, ao mesmo tempo, professor. A comunidade sustentava a estrutura física e mantinham o professor da escola. O prédio era muitas vezes o mesmo local do templo. A ligação entre a escola e a igreja era importante, porque logo no início da formação das comunidades o ensino doutrinário e pedagógico era ressaltado e sua suplementação implicava questões econômicas e culturais para a implementação. O projeto escolar dentro da comunidade religiosa era marcante, a orientação e a obrigação de os pais enviarem os filhos à escola eram quase obrigatórias, com sanções econômicas e morais, caso não concordassem. (WEIDUSCHADT, 2007, p. 166-168).
O Sínodo de Missouri também tinha uma preocupação acentuada com os recursos didáticos usados nas escolas paroquiais, pois este material era escasso e a dificuldade era grande em manter um ensino planificado e organizado. De acordo com Weiduschadt (2007, p. 41), “os livros usados nas escolas paroquiais e utilizados pelos alunos foram produzidos pelas instituições religiosas com objetivo de formar e moldar as condutas e as práticas ao fazer a escolarização das comunidades”. Assim, por meio dos livros didáticos e dos periódicos como o periódico O Pequeno Luterano, as escolas paroquiais luteranas gaúchas conseguiram desenvolver uma educação integral cristã em todas as disciplinas. Nas escolas paroquiais luteranas, conforme Lemke (2001, p. 80), “o ensino da Palavra de Deus, através da Bíblia, ficava em primeiro lugar, e as demais disciplinas não eram menosprezadas, mas complementavam a educação para servir no mundo”.
4 O periódico O Pequeno Luterano
O Pequeno Luterano foi produzido pela IELB para as escolas frequentadas por crianças luteranas, visando à formação do futuro fiel adulto (WEIDUSCHADT, 2012). Teve sua primeira edição publicada em agosto/setembro de 1939. Editado em português, devido ao processo de nacionalização do ensino em curso no país, O Pequeno Luterano substituiu o periódico Evangelisch-Lutherisches Kinderblatt für Südamerika (Jornal para crianças da Igreja Evangélica Luterana da América do Sul), editado pela IELB no período de dezembro de 1930 a junho/julho de 1939, em alemão gótico.
A redação do periódico O Pequeno Luterano era realizada por professores paroquiais e/ou pastores que se dispunham a redigir ou adaptar os textos de forma voluntária, ou seja, não eram remunerados para esta função. Eles procuravam divulgar a doutrina luterana através de uma educação religiosa e escolar. O diretor geral do periódico, durante os seus quase 27 anos de circulação, foi Carlos Henrique Warth4. Os redatores do periódico foram: Louis C. Rehefeldt5 (out. 1939 até set. 1940), Walter Hesse6 (out. 1939 até nov. 1942), J. A. Schmidt7 (dez. 1942 até nov. 1945), Gastão Tomé8 (dez. 1945 até jun. 1946), Paulo Fietz9 (jul. 1946 até dez. 1949), George Muller10 (jan. 1954 até dez. 1960), Marthin Flor11 (jan. 1961 até dez. 1961), Alípio Linden12 (jan. 1962 até dez. 1965) e Darci Bauer13 (jan. 1966 até jul. 1966, continuando como redator dos encartes até 1970). Verifica-se que alguns ficaram mais tempo à frente da redação, mas, em períodos turbulentos, como o da nacionalização do ensino, as trocas foram constantes, em função da pressão do Estado Novo sobre os pastores/professores que não eram nascidos no Brasil. Acrescenta-se que, no período de janeiro de 1950 a dezembro de 1953, o periódico ficou sem redator específico, quando passou a contar com a colaboração dos alunos do Seminário Concórdia14, de Porto Alegre.
Os redatores mantinham contato com os leitores, liam as cartas e organizavam o conteúdo do periódico, mas não trabalhavam em regime de dedicação exclusiva como redatores. Em geral, acumulavam a função com o exercício do magistério e do pastorado. “Histórias bíblicas eram resumidas e, para cada uma delas, o redator apresentava uma mensagem, alertando o pequeno leitor, se ele estaria seguindo as indicações e exortações da igreja” (WEIDUSCHADT, 2012, p. 65). A edição e a publicação do periódico ficavam por conta da Casa Publicadora Concórdia. As cartas enviadas pelas crianças e por representantes de escolas paroquiais eram encaminhadas para a sede da entidade, localizada em Porto Alegre, e repassadas aos redatores.
O Pequeno Luterano foi usado nas escolas paroquiais como veículo informativo, educativo e doutrinário, funcionando também como entretenimento para o público infantil. O periódico continha leituras sobre o ensino da Bíblia, do catecismo, da vida de Lutero. Ainda havia textos em formas de histórias que tratavam de assuntos sobre as noções de higiene e de comportamento moral, ao mesmo tempo, apresentando brincadeiras, como charadas e palavras cruzadas sobre textos e conhecimentos bíblicos. (WEIDUSCHADT, 2012, p. 65-66).
As atividades lúdicas envolviam aspectos religiosos na sua centralidade, ou seja, mesmo em charadas, adivinhações e palavras cruzadas, o direcionamento religioso era valorizado. O público infantil valorizava e mantinha a assinatura do periódico, basicamente, devido aos temas de entretenimento, ilustrativos e publicitários. Weiduschadt (2012, p. 93) acrescenta que “o aprendizado das crianças seria através de uma leitura controlada e doutrinária do periódico. A preocupação lúdica era um meio, o fim deveria estar na absorção da doutrina e na conduta de práticas relacionadas à igreja”. Dessa forma, o propósito do periódico em circular no meio escolar, apresentando conhecimento geral e ideológico, buscava interlocução com os leitores através das escolas: primeiro as paroquiais e, após a década de 1960, as escolas dominicais. “Os preceitos ‘conduta das crianças’ e ‘aplicação da história’ eram voltados a orientar a projeção de futuro na formação dos leitores. Ao dirigir-se ao leitor, desejava-se formar o aluno e futuro cidadão/fiel imbricados no mesmo projeto, envolvendo escola, pátria e igreja” (WEIDUSCHADT, 2012, p. 258).
A Figura 1 traz um fragmento da primeira edição do periódico O Pequeno Luterano, no qual se pode ler algumas informações sobre sua identificação:
Além do título do periódico, em O Pequeno Luterano aparece escrito o local da edição, Porto Alegre, e o período, agosto/setembro de 1939. Ainda se observam os nomes do diretor do periódico, Rev. C. H. Warth (diretor do Seminário Concórdia, na época), e o de seu redator, Prof. L. C. Rehefeldt, professor do Seminário Concórdia neste período. Também pode ser vista uma passagem bíblica e uma imagem de Jesus acolhendo as crianças, a qual tem uma relação direta com um dos princípios luteranos, de que a salvação de todos os homens se dá pela fé em Jesus Cristo (LEMKE, 2001). Ressalta-se que houve variações na forma de apresentação inicial das edições do periódico, mas sua edição sempre aconteceu com base em princípios morais e educacionais idealizados pela IELB.
O Pequeno Luterano tinha como principal objetivo inserir as crianças na prática religiosa luterana por meio de textos, histórias, informações e curiosidades de cunho moral e religioso e de formação geral. Os editores usaram a estratégia de elaborar um periódico lúdico, com linguagem e imagens voltadas ao público infantil. Nos fascículos também havia um chamamento para pais, pastores e professores paroquiais incentivarem as crianças a lerem o periódico. “A redação previa que a ajuda de professores e pastores que lidavam diretamente com as crianças era fundamental para o estímulo da leitura. Se as crianças fossem convencidas da importância da leitura do periódico, os pais poderiam se sensibilizar em pagar o periódico” (WEIDUSCHADT, 2012, p. 262).
A estratégia dos editores de receber cartas dos seus leitores, especialmente de alunos das escolas paroquiais, com depoimentos e respostas das charadas e desafios propostos no periódico, além dos relatos dos professores, com informações sobre as escolas paroquiais e o número de alunos, contribuiu para circulação e inserção de O Pequeno Luterano entre o público infantil. Isto foi reforçado pelo uso do periódico pelos professores paroquiais, de forma complementar, no ensino de diferentes conteúdos.
O Quadro 1 reúne informações gerais sobre as edições do periódico O Pequeno Luterano:
Ano | Edições | Total de páginas | |
---|---|---|---|
1 – 1939/40 | 7 edições mensais e 5 edições bimestrais | 68 | |
2 – 1941 | 8 edições mensais e 2 edições bimestrais | 48 | |
3 – 1942 | 10 edições mensais e 1 edição bimestral | 48 | |
4 – 1943 | 6 edições mensais e 3 edições bimestrais | 48 | |
5 – 1944 | 10 edições mensais e 1 edição bimestral | 48 | |
6 – 1945 | 2 edições bimestrais e 2 edições quadrimestrais | 48 | |
7 – 1946 | 4 edições bimestrais e 1 edição quadrimestral | 48 | |
8 – 1947 | 6 edições mensais e 3 edições bimestrais | 48 | |
9 – 1948 | 2 edições mensais e 5 edições bimestrais | 48 | |
10 – 1949 | 4 edições mensais e 4 edições bimestrais | 52 | |
11 – 1950 | 6 edições mensais e 3 edições bimestrais | 95 | |
Ano | Edições | Total de páginas | |
12 – 1951 | 2 edições mensais e 5 edições bimestrais | 76 | |
13 – 1952 | 6 edições bimestrais | 52 | |
14 – 1953 | 4 edições bimestrais (1) | 32 | |
15 – 1954 | 6 edições mensais, 1 edição bimestral e 1 edição quadrimestral | 68 | |
16 – 1955 | 8 edições mensais e 2 edições bimestrais | 80 | |
17 – 1956 | 4 edições mensais e 4 edições bimestrais | 100 | |
18 – 1957 | 2 edições mensais e 5 edições bimestrais | 76 | |
19 – 1958 | 2 edições mensais e 5 edições bimestrais | 104 | |
20 – 1959 | 6 edições bimestrais | 98 | |
21 – 1960 | 6 edições bimestrais | 96 | |
22 – 1961 | 2 edições mensais e 5 edições bimestrais | 88 | |
23 – 1962 | 10 edições mensais e 1 edição bimestral | 136 | |
24 – 1963 | 10 edições mensais e 1 edição bimestral | 136 | |
25 – 1964 | 6 edições mensais e 3 edições bimestrais | 120 | |
26 – 1965 | 8 edições mensais e 2 edições bimestrais | 136 | |
27 – 1966 | 4 edições mensais e 1 edição bimestral | 64 | |
Total | 123 edições mensais 90 edições bimestrais 4 edições quadrimestrais |
217 edições | 2061 |
Fonte: O Pequeno Luterano (1939-1966).
Notas: (1) não foi possível obter informações sobre o período de setembro a dezembro.
Observa-se no Quadro 1 que o periódico O Pequeno Luterano foi editado 217 vezes em seus quase 27 anos de circulação, contando com 123 edições mensais, 90 bimestrais e 4 edições quadrimestrais. O periódico, geralmente, era mensal, mas muitas edições circulavam bimestralmente, especialmente nos meses de janeiro e fevereiro, período das férias escolares. Em momentos de crise, apresentava menor circulação. Na década de 1940, por exemplo, especificamente em 1945-1946, foram editados apenas 9 periódicos – 4 no primeiro ano, e 5 no segundo –, o que demonstra as dificuldades encontradas no período de nacionalização do ensino. Houve um aumento no número de páginas do periódico a cada década de circulação – 504 páginas na década de 1940, 781 páginas na década de 1950 e 776 páginas na década de 1960 (últimos sete anos de edição) –, totalizando 2061 páginas em toda sua história. A última edição do periódico foi publicada em junho de 1966. Posteriormente, passou a circular como encarte de uma página no periódico Mensageiro Luterano.
5 A matemática no periódico O Pequeno Luterano, nas edições da década de 1950
O tema de maior participação no periódico envolvia religião e doutrina, ficando evidente o objetivo a atingir. Os conteúdos de disciplinas seculares que apareceram no impresso complementavam a educação escolar. “Estas disciplinas foram consideradas de conhecimento geral, porém, com certa conotação religiosa, ou seja, mesmo os conteúdos de conhecimento geral, quase sempre vinham acompanhados de elementos religiosos” (WEIDUSCHADT, 2012, p. 259).
Com relação à matemática presente neste periódico, observou-se que os editores apostaram numa estratégia envolvendo uma abordagem mais lúdica, diferente das propostas de ensino apresentadas nas aritméticas da série Ordem e Progresso e da série Concórdia, editadas pela IELB para suas escolas paroquiais na primeira metade do século XX. É importante lembrar que, até mais ou menos 1932, predominava o ensino tradicional no Brasil. De 1932 até 1960, os alunos sofreram as influências do evolucionismo e do pragmatismo, período denominado de Escola Nova
Com relação à matemática presente no periódico O Pequeno Luterano, em todo seu período de circulação, Weiduschadt (2012) escreve que:
De forma lúdica, o conhecimento matemático se dava através de charadas, de brincadeiras e de descoberta de enigmas no intuito de desenvolver o raciocínio lógico. As habilidades concretas e abstratas do aprendizado matemático eram valorizadas, em grande parte, através do cálculo mental em forma de brincadeiras lúdicas e prazerosas. [...] Havia relação dos cálculos com as histórias bíblicas [...]. Entre as histórias de conhecimento geral, as curiosidades envolvendo a matemática são apresentadas de inúmeras maneiras. Algumas ensinam cálculos de jogos de descoberta, outras contam a biografia de matemáticos, o modo como lidaram com o conteúdo. (WEIDUSCHADT, 2012, p. 151-152).
Com o propósito de ilustrar e ampliar essa discussão, nos Quadros de 2 a 10, são apresentados fragmentos envolvendo a matemática publicados no periódico O Pequeno Luterano durante a década de 1950.
Inicialmente, apresenta-se uma história sobre aritmética prática contendo operações comerciais, conforme se pode acompanhar no Quadro 2:
Um menino entrou num armazém e perguntou ao negociante: Quanto custa um quilo de café? - Cr$ 28,00. E um quilo de açúcar? - Cr$ 5,00. Quanto devo gastar para três quilos de café e dois de açúcar? - Cr$ 94,00. E se desse ao senhor uma nota de 200 cruzeiros, quanto recebia de troco? |
- Cr$ 106,00. Faça o favor de escrever tudo isso num pedaço de papel. - Com todo o gosto. Quando estava pronta e entregue a nota, o negociante pergunta: - Para que desejas esta nota? - Foi a professora que marcou todas estas contas para eu fazer em casa, respondeu o vadio, e partiu como uma flecha... |
Fonte: O Pequeno Luterano (mar. 1950, p. 18).
A história descrita no Quadro 2, ilustrada com a peraltice de um menino, mostra a facilidade que os negociantes tinham para resolver os cálculos, mentalmente e por escrito, nas operações comerciais. Na edição de março/abril de 1956, o editor do periódico apresenta esta história de forma semelhante, apenas alterando o preço do quilo de café para Cr$ 4,20, e o preço do quilo de açúcar para Cr$ 1,20, resultando num gasto total de Cr$ 15,00 pela compra de 3 quilos de café e 2 quilos de açúcar. Fazendo-se o pagamento com uma nota de Cr$ 20,00, o troco seria Cr$ 5,00. Observa-se que os editores do periódico se valem de histórias lúdicas no desenvolvimento de habilidades para os cálculos escrito e mental em seu público leitor, preparando-o para, no futuro, ter condições de fazer a correta administração do seu orçamento familiar, conforme também apontado por Rambo (1994) em suas pesquisas.
Na edição de julho/agosto de 1950, o editor do periódico O Pequeno Luterano traz uma história curiosa, intitulada Herança indivisível, conforme se pode observar no Quadro 3
Um certo árabe achando-se às portas da morte, chamou os seus três filhos para dar a parte que lhe cabia dos bens que o velho pai deixava. Toda a herança consistia em um certo número de camelos, de que o pai não se lembrava exatamente. |
Querendo ser justo, resolveu repartir os animais, conforme a idade de cada um dos filhos. Assim, o mais velho receberia a metade, o segundo um terço e o mais moço um nono. |
Algum tempo depois da morte do pai, os filhos foram repartir a herança. Viram então que a conta ia ser difícil, pois encontraram 17 camelos. |
Tomaram então os animais e foram consultar um velho sábio que morava lá perto. Apresentaram-lhe a sua questão, e o sábio então deu-lhes de presente um único camelo para dar um número par. Os rapazes não queriam aceitar o presente, mas tanto o homem insistiu que enfim se calaram. |
Bem: agora, que havia número par de animais, era fácil de repartir. |
Quando chegaram em casa, ajuntaram os animais para contá-los novamente. O mais velho contou nove, a metade de dezoito. O segundo possuía um terço, portanto, seis camelos. O último, o mais moço, teve de contentar-se com dois, ou um nono de dezoito. |
Fizeram a soma de todos: 9 mais 6 mais 2 ... 17!... |
Estavam ali nada mais do que seus 17 camelos com que tinham partido!... Tiveram que reconhecer que a conta estava certa e que assim mesmo o velho tinha ficado com o seu único camelo... |
Procura o conselho dos mais velhos. Eles te serão muito úteis. |
Fonte: O Pequeno Luterano (jul./ago. 1950, p. 56).
A história da Herança indivisível, apresentada pelo editor do periódico e descrita no Quadro 3, refere-se à divisão de 17 camelos entre três irmãos, nas proporções definidas pelo falecido pai: o mais velho receberia a metade, o segundo um terço e o mais novo, um nono da quantidade de camelos. Como os irmãos não conseguiram fazer a divisão, recorreram a um velho sábio, que juntou seu camelo à quantidade inicial (17 + 1 = 18), fez a divisão justa para cada um (9, 6 e 2 camelos, respectivamente) e ainda manteve seu camelo.
Este problema da Herança indivísivel envolve uma divisão proporcional. Considerando-se uma herança constituída por 17 camelos, os quais devem ser repartidos de forma proporcional a
Logo, 9 + 6 + 2 = 17 camelos.
Ressalta-se que o editor utiliza o contexto da história da Herança indivisível para incentivar os leitores a procurarem os conselhos úteis das pessoas mais experientes.
O Pequeno Luterano também apresenta curiosidades numéricas, como se observa no Quadro 4:
Um número curioso o 37! |
Algarismos Vejam só: tomando-se um número e formando com seus algarismos um novo número, a diferença sempre é divisível por 9. Por exemplo, o número 63 dá para formar 36. Tirando-se 36 de 63 dá a diferença 27, que pode ser dividido por 9. |
De sua multiplicação por três ou por um múltiplo de três até 27, resulta sempre um produto formado de três algarismos iguais: | |
37 x 3 = 111 | |
37 x 6 = 222 | |
37 x 9 = 333 | |
37 x 12 = 444 | |
37 x 15 = 555 | |
37 x 18 = 666 | |
37 x 21 = 777 | |
37 x 24 = 888 | |
37 x 27 = 999 | |
A soma dos algarismos de cada produto é igual ao multiplicador do qual ele se originou. Por exemplo: 111: 1 + 1 + 1 = 3. | |
Fonte: O Pequeno Luterano (set. 1951, p. 44).
Fonte: O Pequeno Luterano (maio/jun. 1953, p. 7).
A primeira curiosidade envolve uma surpreendente multiplicação entre o número 37 e os múltiplos de 3 compreendidos entre 3 e 27. Observa-se que o fragmento apresentado no Quadro 4 apresenta os nove produtos possíveis, fala que a soma dos algarismos repetidos de cada produto é igual ao multiplicador do qual ele se originou e traz um exemplo disto. Ressalta-se que cada produto pode ser obtido, rapidamente, ao se dividir o múltiplo de 3 por 3 e se repetir o quociente obtido três vezes lado a lado. Por exemplo:
a. 37 x 3 = 111 3 ÷ 3 = 1. Três vezes o 1 lado a lado = 111.
b. 37 x 15 = 555 15 ÷ 3 = 5. Repete-se o 5 três vezes = 555.
c. 37 x 24 = 888 24 ÷ 3 = 8. Três vezes o 8 lado a lado = 888.
Complementa-se que, conforme descrito no Quadro 4, a soma dos algarismos de cada produto é igual ao multiplicador do qual ele se originou, ou seja:
A segunda curiosidade numérica apresentada no Quadro 4 diz que, tomando-se um número e formando com seus algarismos um novo número, a diferença sempre é divisível por 9. Por exemplo:
63 – 36 = 27 ÷ 9 = 3.
92 – 29 = 63 ÷ 9 = 7.
184 – 148 = 36 ÷ 9 = 4.
4123 – 1432 = 2691 ÷ 9 = 299.
Embora o editor do periódico apresente apenas um exemplo com um número formado por dois algarismos, verifica-se que a curiosidade também é válida para números formados por três ou mais algarismos. Ressalta-se que as duas curiosidades descritas no Quadro 4 evidenciam a preocupação dos editores do periódico O Pequeno Luterano em desenvolver habilidades para o cálculo mental e para o cálculo escrito nas crianças.
O fragmento do periódico apresentado no Quadro 5 desafia os leitores a resolver algumas expressões numéricas mentalmente:
6 x 5 + 30 ÷ 10 – 3 = |
50 + 20 – 10 ÷ 20 = |
9 x 9 – 1 + 20 ÷ 5 = |
25 + 75 ÷ 2 x 2 – 50 = |
30 – 15 + 5 x 4 ÷ 2 = |
Procura fazer os cálculos de cabeça. Escreve os resultados no espaço em branco. Soma os resultados parciais. O total deve ser 116. Se não tiveres obtido este resultado, começa de novo. Não desistas. Que sejas feliz! |
Fonte: O Pequeno Luterano (maio/jun. 1951, p. 36).
O quebra cabeça observado no Quadro 5 traz cinco expressões numéricas para serem resolvidas mentalmente, envolvendo as quatro operações elementares com números naturais. Está subentendida a ideia de resolver estas expressões numéricas de forma linear, sem considerar as prioridades na resolução, ou seja, primeiro fazer as multiplicações e as divisões, depois as adições e as subtrações, na ordem em que aparecem. Dessa forma, somando-se os resultados parciais, o total deveria ser 116. No entanto, isto está errado, pois primeiro deveriam ser feitas as operações de multiplicação e de divisão, seguidas das somas e das subtrações, na ordem em que se apresentam em cada expressão numérica. Neste caso, a resolução envolveria também números racionais. No Quadro 6, apresenta-se a resolução do quebra cabeça pela forma linear e pela forma correta, ou seja, considerando-se as prioridades na resolução:
Pela forma linear | Pela forma correta (prioridades) |
---|---|
6 x 5 + 30 ÷ 10 – 3 = 30 + 30 ÷ 10 – 3 = 60 ÷ 10 – 3 = 6 – 3 = 3 |
6 x 5 + 30 ÷ 10 – 3 = 30 + 3 – 3 = 30 |
50 + 20 – 10 ÷ 20 = 70 – 10 ÷ 20 = 60 ÷ 20 = 3 |
50 + 20 – 10 ÷ 20 = 50 + 20 – 0,5 = 69,5 |
9 x 9 – 1 + 20 ÷ 5 = 81 – 1 + 20 ÷ 5 = 80 + 20 ÷ 5 = 100 ÷ 5 = 20 |
9 x 9 – 1 + 20 ÷ 5 = 81 – 1 + 4 = 84 |
25 + 75 ÷ 2 x 2 – 50 = 100 ÷ 2 x 2 – 50 = 50 x 2 – 50 = 100 – 50 = 50 |
25 + 75 ÷ 2 x 2 – 50 = 25 + 37,5 x 2 – 50 = 25 + 75 – 50 = 50 |
30 – 15 + 5 x 4 ÷ 2 = 15 + 5 x 4 ÷ 2 = 20 x 4 ÷ 2 = 80 ÷ 2 = 40 |
30 – 15 + 5 x 4 ÷ 2 = 30 – 15 + 20 ÷ 2 = 30 – 15 + 10 = 25 |
Soma dos resultados parciais: 3 + 3 + 20 + 50 + 40 = 116 |
Soma dos resultados parciais: 30 + 69,5 + 84 + 50 + 25 = 258,5 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Considerando-se as prioridades na resolução, a segunda e a quarta expressões numéricas mostradas no Quadro 6 não poderiam ser resolvidas no conjunto dos números naturais. Além disso, observa-se que somente o resultado da quarta expressão numérica coincide pelas duas formas de resolução. Logo, resolvendo-se pela forma linear, chega-se à soma 116; e resolvendo-se pela forma correta, considerando-se as prioridades na resolução, o resultado final seria 258,5. Mesmo que a resposta do quebra cabeça apresentada pelo editor do periódico esteja incorreta, pela ênfase dada aos cálculos mentais naquela época, no contexto da vida agrária (KREUTZ, 1994), era importante e plausível resolver as expressões numéricas pela linearidade e sem considerar as prioridades na resolução.
Neste contexto ainda se localizou um excerto que fala de um procedimento para se obter a medida da altura de árvores, conforme descrito no Quadro 7:
Fonte: O Pequeno Luterano (nov./dez. 1952, p. 51).
O procedimento prático para se obter a medida da altura de uma árvore proposto pelo editor do periódico está baseado na ideia de semelhança de triângulos, podendo-se estabelecer a seguinte proporção:
3 x = 30
x = 10 metros será a altura da árvore.
Ressalta-se que esta proposta do editor está alicerçada em conhecimentos matemáticos formais, mas é explorada de forma prática e contextualizada, favorecendo a compreensão das crianças e sua possível aplicação em outras situações semelhantes, para determinação de medidas desconhecidas. Com a abordagem da matemática de maneira informativa, utilitária e formativa, esperava-se que os alunos das escolas paroquiais luteranas gaúchas do século passado se apropriassem desses conhecimentos, para que, futuramente, realizassem o gerenciamento correto da sua propriedade rural.
Os editores do periódico O Pequeno Luterano também se valiam da estratégia de propor uma matemática mais lúdica para o seu público leitor, através de charadas e desafios, conforme se pode observar no Quadro 8:
Desafios e charadas | Respostas |
---|---|
1) Se um madeireiro cobrar cinco cruzeiros para cortar um tronco em dois pedaços, quanto cobrará para cortar o mesmo tronco em quatro partes? (maio 1950, p. 35). |
1) 15 Cruzeiros, pois serão necessários fazer três cortes. (maio 1950, p. 35). |
2) O que é invertido perde um terço de valor? (jan./fev. 1952, p. 9). |
2) 9, pois invertido fica 6. (jan./fev. 1952, p. 9). |
3) Dividiram-se entre 50 crianças Cr$ 14,50, recebendo cada menina Cr$ 0,25 e cada menino Cr$ 0,30. Quantas eram as meninas? 4) Uma das perguntas que mais intrigou os nossos pais é a dum homem que olhava para um retrato, dizendo: “Não tem nem irmãos, nem irmãs, mas o pai deste homem é filho de meu pai.” De quem é o retrato? 5) Pegue-se em doze fósforos e ponham-se de modo que sejam vinte. 6) Pegue-se em nove fósforos e ponham-se de modo que sejam três dúzias. (mar./abr. 1952, p. 15). |
3) 10 meninas, pois: 10 x 0,25 = 2,50 e 40 x 0,30 = 12,00. 4) Do próprio homem. 5) X x II = XX. 6) XXXVI. Observação: A solução deste bloco de charadas/desafios não foi localizada no periódico. |
7) Você é bom na aritmética? Bem, então, este problema não lhe devia causar muita dificuldade. Quanta terra há num buraco que mede seis metros de largura, seis de comprimento e seis de profundidade? (jan./fev. 1955, p. 8). |
7).Não há terra alguma em buraco de qualquer tamanho. (jan./fev. 1955, p. 8). |
8) Quais os três algarismos que, somados ou multiplicados, dão o mesmo resultado? 9) Em São Paulo vive um açougueiro que tem 29 anos de idade, mede 1m e 62cm de altura e veste camisa número 40. O que é que ele pesa? (set. 1956, p. 10). |
8) 1, 2 e 3, pois 1 + 2 + 3 = 6 e 1 x 2 x 3 = 6. 9) Carne. (set. 1956, p. 10). |
10) Um cão ganhou 9 orelhas de porco dum açougueiro. Cada dia trazia 3 orelhas para casa. Em quantos dias trouxe as 9 orelhas? 11) De 20 tira 99 e faze sobrar 11. 12).Resolve este problema: Um barco pode carregar somente 100 quilos de carga. Um pai e seus dois filhos querem atravessar o rio. O pai só pesa 100 quilos e cada filho 50 quilos. Como fizeram para atravessar o rio? (jul./ago. 1958, p. 12). |
10).Como o cachorro trazia suas próprias 2 orelhas fora as do porco, levou 9 dias para trazer as 9 orelhas de porco. 11) XX – 99 = 11. 12).Primeiro passam os dois filhos. Um fica do outro lado e um volta. Depois passa o pai e fica do outro lado, e o filho volta para buscar o irmão que ficou. (jul./ago. 1958, p. 13). |
Fonte: O Pequeno Luterano (1950-1958).
O foco das charadas e dos desafios apresentados no Quadro 8 é desenvolver o pensamento lógico das crianças e explorar conhecimentos matemáticos envolvendo as quatro operações elementares com números naturais, os números fracionários, os números decimais e a numeração romana. O terceiro desafio descrito no Quadro 8, por exemplo, pode ser resolvido por meio de tentativas ou através de um sistema formado por duas equações do 1º grau com duas incógnitas. Chamando-se o número de meninas de x e o número de meninos de y, pode-se escrever e resolver, pelo método da substituição, o seguinte sistema:
Substituindo-se x por (50 – y) na segunda equação:
Como x = 50 – y e y = 40, tem-se que x = 50 – 40 = 10.
Portanto, são 10 meninas e 40 meninos (10 + 40 = 50 e 0,25 x 10 + 0,30 x 40 = 14,50).
Ressalta-se a intenção dos editores do periódico de desenvolver conhecimentos matemáticos para seu público leitor por meio de atividades lúdicas e prazerosas. Os editores d’O Pequeno Luterano ainda apresentam charadas, enigmas e desafios relacionados com outras áreas do conhecimento.
Além de curiosidades e de desafios matemáticos, o periódico traz histórias de cunho moral e religioso associadas à matemática. A história descrita no Quadro 9, por exemplo, envolve a operação de adição numa conta:
Carlinhos quis ser esperto. Via o pai diariamente trabalhar no escritório tirando contas, calculando preços, etc. e daí surgiu-lhe a ideia de apresentar a sua mãe uma conta dos servicinhos que lhe prestava. | |
Ao sentar-se uma manhã à mesa para tomar café, a mãe encontra ao lado da xícara esta conta: | |
Mamãe deve a seu filho: | |
Por ter ido ao açougue | Cr$ 1,00 |
Por ter ido 2 vezes à venda | Cr$ 2,00 |
Pelo trabalho com a lenha | Cr$ 2,00 |
Por se ter comportado bem durante a semana | Cr$ 1,00 |
Total | Cr$ 6,00 |
A mãe leu a conta sem nada dizer. À noite, Carlinhos recebeu seus 6 cruzeiros e ficou contente. | |
Noutra manhã, quem desta vez achou uma conta ao lado da xícara, foi o nosso Carlinhos. Ele lia: | |
Carlinhos deve a sua mãe: | |
Por dez anos felizes em sua casa | Nada |
Por dez anos de comida, bebida e roupa | Nada |
Por cuidados, dia e noite, quando estava doente | Nada |
Por ter uma mãe que o quer muito | Nada |
Total. | Nada |
O menino acabou de ler esta conta, quando os seus olhos se encheram de lágrimas. Foi correndo para cair nos braços de sua querida mãezinha, devolveu-lhe o dinheiro e disse: “Mãezinha querida, perdoa-me. Sou eu que te devo mil cruzeiros e muito mais, o que nunca poderei pagar-te nem agradecer quanto mereces.” |
Fonte: O Pequeno Luterano (jul./ago. 1953, p. 5).
A história descrita no Quadro 9 apresenta a conta dos serviços prestados pelo filho à sua mãe e a conta dos serviços prestados pela mãe ao seu filho, finalizando com uma lição de cunho moral, o que evidencia a preocupação dos editores em difundir os princípios morais e educacionais idealizados pela IELB entre o público infantil. Ainda de acordo com Rambo (1994), a família como núcleo social embrionário representava para a criança o palco sobre o qual ela iria desenvolver as suas primeiras experiências de relacionamento social. Caso fosse bem-sucedida, resultaria uma personalidade equilibrada, segura e positivamente bem integrada.
No Quadro 10, apresenta-se outra história de cunho moral e religioso, contextualizada com a operação de multiplicação:
Vamos fazer uma multiplicação. Se nossos pais gastaram somente Cr$ 20,00 por dia para nos sustentar e educar – (isto é muito pouco; hoje em dia muita gente não daria pensão a uma criança por Cr$ 600,00 por mês!); digo, se os pais gastaram 20 cruzeiros por dia até o fim do nosso 15º ano, despenderam um total de Cr$ 122.060,00. Quando é que vamos lhes devolver isto? E esta soma não inclui o amor que nos dedicaram; amor não se pode pagar com dinheiro. |
Refleti bem: Se Jesus serviu a nós, suas criaturas, de tal modo que não somente viveu uma vida de extrema pobreza para nos salvar, mas ainda morreu na cruz, não devemos nós servir também ao próximo? Ora, o próximo mais chegado a nós é o pai, é a mãe. E se os dois serviram a nós por espaço de 15 ou mais anos, não devemos nós também servi-los quando já não podem trabalhar e se governar a si mesmos? |
Como Deus gosta dos filhos que estimam os pais e lhes servem com espírito de gratidão! Disse ele: Recompensar a seus progenitores, isto é aceitável diante de Deus. |
Fonte: O Pequeno Luterano (set. 1958, p. 6).
No fragmento descrito no Quadro 10, o editor utiliza a operação de multiplicação para exemplificar os valores que os pais empregavam no sustento e na educação dos seus filhos. Embora esta associação fosse interessante, verifica-se que o valor total de Cr$ 122.060,00 não está correto, pois, gastando-se Cr$ 20,00 por dia durante 16 anos, tem-se 20 x 365 x 16 = Cr$ 116.800,00, arredondados para Cr$ 117.000,00 em virtude dos anos bissextos. O editor conclui o texto fazendo uma importante reflexão sobre o dever dos filhos de servir aos pais quando estes necessitarem. A estratégia empregada pelo editor do periódico O Pequeno Luterano reforça a ideia de Lemke (2001), de que o ensino da Palavra de Deus, através da Bíblia, ficava em primeiro lugar, e as demais disciplinas complementavam a educação para servir no mundo.
6 Considerações finais
Como as escolas paroquiais luteranas gaúchas do século XX estavam inseridas num projeto missionário e comunitário que buscava ensinar a língua materna, a matemática, valores culturais, sociais e, principalmente, religiosos, a IELB se preocupou em produzir materiais pedagógicos para suas escolas paroquiais. Através da Casa Publicadora Concórdia, de Porto Alegre, a IELB editou e publicou livros didáticos e periódicos, como O Pequeno Luterano, de acordo com seus princípios morais e educacionais. Além de educarem e doutrinarem pela Palavra de Deus, os periódicos editados pela Igreja Luterana se direcionavam ao ensino das crianças nas escolas paroquiais, trazendo artigos com orientações didáticas e informações sobre conteúdos formais.
O Pequeno Luterano teve 217 edições (mensais/bimestrais/quadrimestrais) no período de agosto/setembro de 1939 a junho de 1966, quando passou a circular como encarte de uma página no periódico Mensageiro Luterano. O principal objetivo dos editores do periódico era, de forma lúdica, inserir as crianças na prática religiosa luterana por meio de textos, histórias, informações e curiosidades de cunho moral e religioso e de formação geral. Dessa forma, foi usado complementarmente pelos professores paroquiais para o ensino das diferentes áreas do conhecimento nas escolas paroquiais luteranas gaúchas do século passado.
Fundamentando-se no referencial teórico-metodológico da pesquisa histórica e da história cultural, investigou-se a matemática presente no periódico O Pequeno Luterano durante a década de 1950. O conteúdo lúdico e outros similares foram usados pelos editores como estratégia para atrair a atenção das crianças. Contudo, ao mesmo tempo em que tais publicações envolviam curiosidades e desafios, continham elementos doutrinários, principalmente de aprendizado da Bíblia e da vida de Lutero.
Constatou-se que os editores do periódico integraram histórias de cunho moral e religioso à matemática, com o propósito de manter as crianças inseridas na prática religiosa luterana. Além disso, apresentaram curiosidades e desafios matemáticos que valorizavam as habilidades concretas e abstratas do aprendizado matemático, através do raciocínio lógico, do pensamento proporcional, do cálculo escrito e do cálculo mental, em forma de atividades lúdicas e prazerosas. Curiosidades e desafios matemáticos semelhantes aos localizados no periódico O Pequeno Luterano estão presentes nos livros de matemática atuais e em publicações como as de Malba Tahan. Com este estudo histórico sobre a matemática presente no periódico O Pequeno Luterano durante a década de 1950, pretende-se contribuir para a História da Educação Matemática.