Introdução
Atrair jovens para a docência. Formar bons professores. Assegurar a permanência na profissão. Esses são alguns dos vários desafios que perfazem o atual cenário educacional brasileiro. No intento de contribuir para este debate, analisamos os motivos que levam professores iniciantes na carreira, atuantes na educação básica, a permanecer na docência. A análise encontra suporte em dados de pesquisa qualitativa empírica, tendo como referência pedagogos egressos do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid) de uma universidade pública situada no Nordeste brasileiro. Partimos do pressuposto de que a participação em programas de apoio à aprendizagem da docência durante a formação inicial produz um efeito de permanência na profissão.
Discutir a permanência no magistério é um tema urgente no campo educacional. Vivemos tempos de mudanças quanto ao profissionalismo docente em que é exigido do professor que seja autorregulado e “autônomo”, ou seja, uma verdadeira “arena de lutas políticas” (BALL; BAILEY; MENA; DEL MONTE; SANTORI; TSENG; OLMEDO, 2013). É axiomática a precarização em que vive o docente em sua atividade de trabalho, o que tem gerado adoecimento (CODO, 1999; ESTEVE, 1999; JESUS, 1998) e contribuído para o crescente absenteísmo e evasão de professores das escolas.
Silva (2015) define o absenteísmo como o afastamento justificado ou injustificado da atividade de trabalho, favorecendo um excessivo número de faltas, sem a perda do vínculo profissional. O autor descreve a evasão docente como o afastamento sazonal ou definitivo do indivíduo do seu trabalho, ou seja, o professorado pode realizar a migração da atividade e, portanto, preservar o mesmo ofício, ou ainda, evadir da categoria profissional para outra profissão/ocupação. Um outro conceito comumente adotado é o abandono docente, no entanto, recorremos ao conceito “evasão” por não atribuir a responsabilidade única do afastamento ao indivíduo.
Independentemente dos termos utilizados, o fato é que há uma dificuldade em reter os docentes da educação básica na profissão (BARBOSA, 2012; PEREIRA JUNIOR; OLIVEIRA, 2016; LEMOS, 2009; TARTUCE; NUNES; ALMEIDA, 2010). O excessivo número de faltas e desistência por parte desses profissionais gera uma rotatividade prejudicial ao contexto escolar e ao rendimento discente, assim como atesta que o cenário precisa ser discutido e modificado.
Alguns dos estudos que abordam, diretamente ou indiretamente, a questão da evasão docente (GARCIA, 2010; LAPO; BUENO, 2000; 2001; 2003; LEMOS, 2009; SILVA, 2015; BAUER; CASSETTARI; OLIVEIRA, 2017, entre outros) indicam que a ação é um movimento gradual construído a partir das aproximações e experiências com a profissão. É uma decisão processual que se inicia na constituição do ser professor (escolha da profissão e formação inicial) e finda com a vivência efetiva na carreira docente.
O período de iniciação docente, que abrange, do primeiro ao quinto ano de atuação profissional, de acordo com Garcia (2010), é uma fase que se distingue das demais por poder ser decisiva na escolha entre permanecer ou desistir do magistério. No entanto, é importante dizer que não há consenso entre os autores sobre essa delimitação, pois, como anota Hubermas (2007), o desenvolvimento na carreira é um processo, e como tal, pode ocorrer regressões e descontinuidades.
A transição de aluno para professor não tem data, nem é marcado de forma pontual. É uma fase de adaptação, medos, descobertas e aprendizagens, pois os conhecimentos adquiridos e a capacidade de articulação destes com a realidade são postos em relevo, o que implica colocar “em prática” o que foi aprendido durante a formação inicial, e também lidar com as demais situações contingentes e imprevisíveis que acontecem no cotidiano da escola.
Sobre o período de iniciação profissional, Gatti, Tarturce, Nunes e Almeida (2009, p. 15) adverte que “[...] os melhores e os mais brilhantes no contexto acadêmico são os mais propensos a sair”. A constatação confirma a ideia de que existe uma tendência a evasão da carreira após o choque com a realidade concreta de trabalho ou com a possibilidade de galgar outros horizontes?. Por qual motivo? A deserção do magistério no início da carreira não é um fenômeno aleatório. É necessário considerar o que representa esse momento e as condições que são oferecidas àqueles que ingressam em suas atividades.
É consensual o impacto dos primeiros anos da profissão na constituição do “ser professor” (GARCIA, 2010; ALMEIDA; NORONHA, 2015; DARLING-HAMMOND, 2014) e na perspectiva de futuro na carreira, no que diz respeito à permanência na atividade. Evidentemente, múltiplos outros fatores influenciam nessa decisão, como por exemplo, a experiência em programas de iniciação à docência, a exemplo do Pibid. André (2015, p. 72) destaca esse Programa como uma iniciativa que “[...] gera algum efeito de permanência desse profissional [...]”, o que reforça o foco sobre professores pedagogos iniciantes que deste egressaram.
O Pibid é uma ação que visa o aperfeiçoamento e a valorização da formação inicial do professor por meio do fomento a iniciação à docência. A iniciativa insere os licenciandos no contexto da escola de educação básica, acompanhados e supervisionados por professores experientes da rede pública de ensino sob a orientação de professores da universidade. O Pibid promove o diálogo e a socialização de saberes entre universidade e escola, demarcando esta última como importante lócus de aprendizagem e formação profissional (FARIAS; JARDILINO; SILVESTRE; ARAÚJO, 2018). O movimento projetou o Pibid como importante ação no âmbito do fortalecimento da formação inicial de professores no contexto educacional brasileiro.
O que leva professores pedagogos iniciantes, egressos do Pibid, a permanecerem na carreira docente? O questionamento norteador das discussões apresentadas neste artigo parte das considerações explicitadas até aqui, considerando a experiência de profissionais que estão em pleno exercício da docência na educação básica.
A discussão recorre a dados de pesquisa de campo, cujo enfoque priorizou a compreensão do significado de experiências de um grupo de pessoas sobre um determinado fenômeno (ESTEBAN, 2010). Participaram do estudo quatro professores iniciantes com perfil similar: licenciados em Pedagogia de uma universidade pública estadual cearense; egressos do Pibid por, no mínimo, dois anos; atuantes no ensino fundamental com vinculação efetiva no município (concursados); e experiência de dois e quatro anos na docência.
Realizamos entrevistas individuais semiestruturadas com esses quatro professores iniciantes com o objetivo de explicitar os motivos que levam os professores iniciantes da educação básica a permanecer na docência.
É importante destacar que partimos da premissa de que o trabalho docente é uma atividade dinâmica de mediação do aprendizado, carregada de intencionalidade. Ensinar não é uma ação mecânica, neutra, linear, fechada. Exige envolvimento, interação, troca, e, através desta, criam-se laços. O aprendizado da docência não é imediato, leva tempo.
Assim, ser professor reúne fatores que atraem e afastam, como também pode ocorrer em outras profissões. Se de um lado existe o fato de lidar com o aprendizado do outro, enquanto agente ativo, e, com isso, fazer emergir um sentimento de satisfação, por outro há a desvalorização, acompanhada do esgotamento físico e mental que a atividade acarreta. No próximo tópico, discutiremos algumas das possibilidades que podem implicar na escolha de permanecer ou evadir da carreira, cientes de que existem diversas motivações que não tornam necessariamente decisivos nenhum dos elementos apresentados.
Ser professor: um trabalho desvalorizado, mas sedutor
O trabalho docente reúne fatores que atraem e outros que desanimam o professor. Por um lado, existe o fato de lidar com o aprendizado do outro, enquanto agente ativo, e com isso emergir um sentimento de satisfação; por outro, há a desvalorização, acompanhada do esgotamento físico e mental. Duas faces da profissão que tencionam a decisão de permanecer ou não na docência, conforme buscamos evidenciar a seguir.
Tornar-se e permanecer como professor no contexto educacional contemporâneo é uma escolha desafiadora, considerando as condições adversas de trabalho, a dura carga cognitiva e emocional envolvida na gestão do ensino e da aprendizagem e a desvalorização social e econômica da profissão. Com isso, há uma progressiva redução do índice de jovens que pretendem seguir a carreira na docência (BRANDÃO; PARDO, 2016). Para Gatti, Tarturce, Nunes e Almeida (2009, p. 13), o processo de escolha pela profissão docente, muitas vezes, surge “[...] como uma alternativa profissional provisória, ou a única viável em determinado momento”. O fenômeno da transitoriedade fortalece a desvalorização docente por meio da prerrogativa de ser uma atividade acessível, de complementação da renda. Assim, não é raro o fato de existir profissionais que são professores, mas não se reconhecem como tais. Fazem parte do grupo com forte possibilidade de evasão, sobretudo, quando se deparam com os desafios inerentes ao ato de ensinar.
Ensinar é subjetivo, pois o modo como cada sujeito reage ao contexto é particular. Não é possível estabelecer “fórmulas” nem “receitas” que direcionem a forma de lidar com exatidão com as situações diversas que permeiam a atividade docente, pois o que acontece na sala de aula é imprevisível e multidimensional.
A condução desse processo, e o papel do professor, significa caminhar por um terreno delicado. Para quem ingressa na docência, as dificuldades se agigantam, sobretudo porque os professores iniciantes, em geral, são encaminhados para as piores escolas; “disputam” por direitos e horários com os professores mais antigos; há falta de organização da escola para a troca de conhecimento e experiências entre professores, o que dificulta o sentimento de pertencimento ao grupo profissional (GIOVANNI; GUARNIERI, 2014).
Somado a isso, o professor também acaba por desempenhar outros papeis dentro na escola, de ordem social, familiar, psicológica etc. Formosinho (2009) adverte que essas novas atribuições da função docente acabaram produzindo um discurso de professor ideal, o denominado “super professor”, que pressupõe um docente indiferenciado, que pode desempenhar qualquer papel na escola, o que resulta em sobrecarga e tende a assustar e gerar muita insegurança no professor iniciante.
É necessário informar que não defendemos que o professor não deve se envolver com as demais demandas da escola, afinal, a prática educativa não se efetiva somente no espaço de sala de aula. O que pretendemos colocar em evidência é que o docente se encontra sobrecarregado em meio às demandas a que deve atender. Criou-se uma imagem do professor como alguém que pode, caso se “empenhe”, transformar o atual quadro da Educação, independente de apoio, condições sociais e materiais de trabalho. Para quem começa a ensinar, essa expectativa significa um desafio a mais nos seus primeiros anos de exercício como profissional docente.
Não se trata de “apregoar” a ideia de um profissional que é “vítima” da sociedade, mas sim de recuperarmos a sua função dentro do contexto escolar. Nóvoa (2009) adverte que se faz necessário voltarmos ao que é central na escola: o ensino e a aprendizagem; uma vez que a instituição transborda de funções sociais e, nesse cenário, quem assume a linha de frente é o professor.
Essa é uma situação complexa, reflexo de contradições estruturais e sócio-históricas. Charlot (2011) chama atenção para essas tensões ao apontar os extremismos com que os professores são vistos na sociedade e nos incita a refletir e lembrar que estes são profissionais normais, como qualquer outro. O excesso de cobrança e o trabalho difícil, com baixa remuneração e pouco reconhecimento, reduz a autoestima e aumenta a exaustão, isso, somado à desvalorização da categoria.
A desvalorização da profissão se reflete tanto em aspectos de ordem social quanto econômicos. Trata-se de uma classe com salários aviltantes (BAUER; CASSETTARI; OLIVEIRA, 2017; BARBOSA, 2012; SILVA, 2015; PEREIRA; ALVES, 2015), dada a função realizada e as condições de trabalho existente. O salário do professor é um tema sempre em destaque devido ao consenso de que não condiz com o trabalho e a necessidade docente. Espera-se que o professor seja uma pessoa bem informada, atualizada, que se qualifique constantemente, leia bons livros, viaje, frequente cinemas e teatros. Deve, com isso, constituir uma bagagem prenhe de experiências, que repercuta no modo como compreende o mundo, na mediação da aprendizagem, criatividade e desenvoltura. Uma pesquisa da Organização para a Cooperação Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2018), entretanto, divulgou que os salários dos professores brasileiros estão entre um dos piores do mundo. O fato nos leva a pensar que, apesar de ter ocorrido um acréscimo nos salários da categoria nos últimos anos, ainda são necessários maiores investimentos.
O salário configura um reconhecimento “concreto” do trabalho, é um elemento fundamental na definição da posição social e valorização frente à sociedade. Nessa direção, uma constatação evidente é que não há uma incidência elevada de evasão entre as profissões com alta remuneração, mesmo que também apresentem um contexto de trabalho difícil. Será essa uma “coincidência ou evidência” de que o salário seria, fazendo uma referência a mitologia grega, o “fio de Ariadne” para a saída deste labirinto que é o fenômeno da evasão da profissão?
Mesmo sem respostas definitivas, entendemos que não se trata apenas da busca por melhores salários, mas também da própria essência do trabalho interativo que caracteriza a docência, que é em si intenso, cansativo e desgastante física, cognitiva e emocionalmente (FARIAS, 2006). A escola é um ambiente de múltiplas relações, nem sempre fáceis de lidar. A relação entre os professores, por exemplo, pode ser de cooperação mútua, mas também de competição e individualismo. Assim como o relacionamento com a coordenação pode ser de apoio ou de cobranças por resultados.
Um estudo realizado por Rausch e Dubiella (2013) indica que os professores apontam fatores externos à profissão, de natureza organizacionais, interpessoais e sociais, como aqueles que mais lhes tensionam quando se referem ao mal-estar docente. A exemplo do número de alunos por sala de aula, salário, estrutura física das instituições educacionais, ausência da família no apoio educacional e acompanhamento dos educandos, além da falta de limites dos alunos. Esses fatores tendem a gerar a sensação de “impotência” nos docentes.
No que se refere aos fatores de bem-estar desse mesmo grupo, os aspectos internos destacados são: as relações professor-aluno e professor-professor, a formação contínua de qualidade, o sentimento de valorização, a aprendizagem dos alunos e o sentimento de ser sujeito ativo na construção histórica da sociedade. Os fatores de mal-estar docente, ainda conforme as autoras, se sobressaem e 44% dos professores indicaram que escolheriam outra profissão. Entendemos que o “sentir-se bem” no ambiente escolar é fundamental, porém, apresenta-se como uma tarefa cada vez mais difícil.
O estresse, as doenças e a violência têm afastado professores de seus cargos, até que esse distanciamento, que inicialmente é apenas da função, torna-se definitivo. Em resumo, o cenário que se desenha é preocupante e não se trata apenas da evasão e adoecimento docente, mas, sim, da forma como o País lida com a educação e como os professores são tratados pelas instâncias que o cercam.
O contorno delineado até aqui revela a dura face da profissão docente e nos mobilizou a compreender neste texto o porquê permanecer numa profissão tão desvalorizada e que oferece condições tão adversas aos seus profissionais. É nessa direção que se situa o argumento de que a profissão professor é também uma atividade prazerosa, que possui aspectos que podem atrair para o exercício da atividade e contribuir para a permanência.
Um trabalho que, mesmo para aqueles que não possuem nenhuma experiência professoral efetiva, não lhes é estranho. Vivenciamos de perto essa atividade, mesmo como alunos e por meio da observação, e temos contato com o que ocorre durante um período significativo de nossas vidas. Ela nos deixa marcas, nos dá ideia do que é ser professor. Por esse motivo, Garcia (2010, p. 12), diz “[...] que a docência é a única das profissões nas quais os futuros profissionais se veem expostos a um período mais prolongado de socialização prévia”. Desse modo, ainda quando se é aluno da educação básica já é possível ter uma ideia do trabalho docente, o que pode resultar em uma identificação.
Ser professor é uma atividade que possui baixo índice de desemprego, como bem salienta Louzano, Rocha, Moriconi e Oliveira (2010, p. 6): “[...] os professores raramente ficam desempregados por longos períodos de tempo”. A demanda de profissionais é vasta, além da necessidade de atendimento de um universo extenso de pessoas que acessam a educação básica, um direito público subjetivo, há certa rotatividade dentre esses profissionais, em virtude de licenças, aposentadorias e exonerações. O fato é que, apesar de não ser positivo para a categoria de um modo geral, o magistério pode ser uma área profissional atrativa. Afinal, há uma alta probabilidade de se conseguir um emprego “rápido”, sobretudo, num contexto social de difícil empregabilidade. O emprego pode inclusive ocorrer antes mesmo da obtenção do título de licenciado, principalmente, quando se trata do curso de Pedagogia que permite que as pessoas da área atuem em outros espaços escolares além da sala de aula. Isso pode ser algo a ser considerado pelos jovens, sobretudo quando existe uma necessidade urgente em ingressar no mercado de trabalho.
Associada a essa demanda de profissionais, a existência de um Plano de Carreira, Cargos e Remuneração (PCCR), que garante uma carreira única entre os professores, baseada em promoções salariais de acordo com o nível de escolaridade e experiência na atividade, é algo visto como atraente. Desde a implantação da Lei n° 11.738/2008, que determina que 1/3 da carga horária de trabalho dos docentes da rede pública seja destinada para o planejamento fora de sala de aula, houve um ganho nas condições de trabalho desses profissionais. A Lei determinou um tempo específico e remunerado para planejamento, elaboração e correção de atividade e avaliações, estudo e compartilhamento de ideias e conhecimentos com os pares e comunidade escolar. Uma ação que reconhece o trabalho do professor e o valoriza, assegurando-Ihe condições de atuação mais favoráveis ao seu engajamento no avanço da qualidade da prática pedagógica na escola.
Outro ponto que merece destaque é a satisfação de integrar um grupo profissional, trocar conhecimentos, estabelecer relações, ter autonomia em sala de aula. Na primeira experiência como docente, por exemplo, os sentimentos de alegria e satisfação se afloram, por ser chegada a hora de estar em contato com os “seus alunos”, com os quais deve-se construir uma relação que visa ao aprendizado, consolidada a partir da troca, da afetividade, do envolvimento e da imprevisibilidade. É diante do inesperado que se é surpreendido, a exemplo de uma demonstração de afeto – o recebimento de um abraço ou uma palavra de agradecimento ao final do dia –, ações que geram uma sensação de reconhecimento e criação de laços.
Um sentimento que não fica restrito ao cotidiano e aos pequenos gestos, faz parte de uma ideia de futuro, de estar de alguma forma impactando a vida de outras pessoas, mesmo que os resultados possam ser revelados somente a longo prazo e nem sempre sejam perceptíveis. O fato de participar efetivamente da vida de outras pessoas e nela ter um papel importante é motivador. A certeza da sua contribuição para o contexto social se sobressai como forte elemento mobilizador e incentivador do apreço pela docência.
Assim, existe uma dupla realidade que instiga, mobiliza e faz pesar na realidade escolar no que se refere à permanência na profissão: de um lado, vivenciar, no dia a dia, o crescimento e a evolução do aprendizado dos alunos. Afinal, quanta satisfação não sente um professor ao ver um aluno ler pela primeira vez? De outro lado, saber que sua contribuição extrapola as experiências do ano letivo e pode reverberar no futuro de seus discentes. É inconteste que um professor pode servir de exemplo para alguém por toda a sua vida e ter implicações profundas na vida dessa pessoa. Saber a sua importância e colher os resultados do seu empenho e dedicação é um sentimento que anima e mobiliza o professor. Nesse sentido, os professores têm uma motivação que é inerente e intrínseca à profissão. Com relação a essa ideia, Garcia (2010, p. 17) acrescenta que “[...] existe uma acentuada tendência que coloca a realização dos objetivos previstos (de aprendizagem e de formação dos alunos) como uma das experiências mais positivas e gratificantes da profissão”.
Para esse autor espanhol, as outras fontes de motivação profissional (aumentos salariais, prêmios, reconhecimentos etc.) servem de incentivo para os professores na medida em que contribuem para a formação de uma melhor relação entre os docentes e os alunos no desenvolvimento de suas capacidades e aprendizagem. Nesse sentido, a principal e mais forte motivação dos docentes para ensinar e permanecer na função está relacionada à sua satisfação em acompanhar e colaborar diretamente para o avanço e crescimento dos seus alunos.
Considerando o exposto, podemos dizer que o magistério, embora marcado por inúmeros desafios, também apresenta fatores que geram prazer e motivação para permanência na profissão. Para ampliar essa ideia, apresentaremos a seguir as falas dos quatro professores pedagogos iniciantes egressos do Pibid participantes desse estudo, buscando evidenciar os fatores, desafios ou prazeres, que podem ser decisivos em suas perspectivas de futuro na docência.
Permanecer na docência? Entre o prazer do agora e a esperança no amanhã
Nesse tópico discutimos os fatores que levam os professores iniciantes participantes do estudo a pensarem em desistir ou permanecer na carreira. Dos quatro participantes, que receberam nomes fictícios (Ágata; Jade; Perola; Jacinto), apenas um se mostrou indeciso, os demais afirmaram a intenção de permanecer no magistério, bem como o interesse em galgar outras experiências dentro da profissão. Em seus discursos, os prazeres de ensinar são recorrentes, embora estejam entremeados por aspectos de desvalorização da profissão, fator central das principais dificuldades apontadas. Esses, aliás, são dois aspectos opostos que estão presentes em uma mesma profissão e que podem contribuir diretamente para a permanência ou evasão de seus profissionais.
A desvalorização na carreira docente se sobressai com recorrência nos depoimentos dos professores e se mostra como o principal desafio enfrentado para se manter na carreira. Esta advém de diferentes segmentos e impacta no modo como esses profissionais se relacionam com a docência, a sentem e a vivenciam. Para Ens, Eyng, Gisi e Ribas (2014), a desvalorização é um dos fatores que corroboram para a desmotivação e/ou desistência da profissão. Identificamos três vertentes dessa desvalorização do magistério entre os participantes da pesquisa, elas são de ordem institucional, social e financeira. A classificação ocorreu após percebermos que, apesar de tratar-se de uma única temática, assume conotações diferentes nos discursos dos professores e no contexto educacional brasileiro.
Entendemos que a desvalorização institucional vem das instituições escolares, das secretarias de educação e, principalmente, do Estado. O descrédito parte, então, de um grupo que deveria respeitar e valorizar essa prática social. Os relatos dos professores iniciantes evidenciam como essa desvalorização da carreira é forte entre os próprios docentes, na secretaria de educação e no governo.
[...] eu escuto todos os dias de outros professores: ‘você é novo’, você ainda é jovem’, ‘vai embora do país’, ‘procura outra profissão’ [...]. E a gente vai lutando contra o desgaste, vai tentando lutar pra não desistir, pra não se desestimular [...]. Fiz uma pós e quero voltar pra academia, mas a prefeitura não permite. É quase impossível hoje isso acontecer, a prefeitura está massacrando os professores, estamos sendo massacrados! (JACINTO, 2018).
[...]
Aqui, pela minha realidade, eu vejo o cansaço mesmo, de entregar os pontos, porque todo dia na vida do professor é uma superação. Você tem que vir com aquele pensamento de que sempre alguma coisa vai dá errado [...]. Tem professor que já desistiu mesmo e está na profissão só porque precisa. Muita gente vê o ensino público, a docência, como uma maneira de se estabilizar financeiramente (JADE, 2018).
Os relatos evidenciam que a desvalorização está presente no seio escolar, a começar pelo próprio corpo docente. Quais motivações podem ter professores que são incentivados pelos próprios colegas de trabalho a deixar a profissão? Seus discursos indicam que não são raros os professores desmotivados com a docência e que estimulam os mais jovens a sair da carreira, pois acreditam que ainda têm outras oportunidades e, portanto, não devem permanecer na profissão.
Os docentes destacam, ainda, que a cobrança para com aqueles que não são concursados, que assumem a função na condição de temporário ou substituto, é ainda mais grave, uma vez que há, conforme registra Ágata (2018): “ameaças silenciosas”. Pérola (2018) completa com um exemplo dessas ameaças indicadas por Ágata (2018): “[...] um dia desses, teve uma paralisação e aqui na escola foi uma pressão tão grande do distrito, dizendo que, se eles parassem, corriam o risco de perder o emprego. Ele não tem o mesmo direito de fazer greve? É algo que impede você de defender a sua própria categoria”. Com efeito, na luta por indicadores, se perde a essência do que deveria ser central na prática educativa. A angústia dos professores é evidente, o que demonstra que se sentem pressionados por “uma instância maior”, conforme complementa Pérola (2018): “[...] essas cobranças por parte dos coordenadores é porque eles são cobrados assim”.
Três dos professores iniciantes participantes do estudo apresentam discursos alinhados. Jade é a única que registra está satisfeita com seu salário e formações oferecidas. O fato chama atenção por seu discurso ser tão distinto dos demais professores que, apesar do entusiasmo com a profissão, se mostram insatisfeitos com a realidade de trabalho, o que não implica necessariamente num desejo de evadir.
No que se refere ao olhar da sociedade para o professor, Jacinto destaca como se sente, ao mesmo tempo em que tenta explicar o motivo dos professores mais experientes estarem tão desmotivados em seus trabalhos. Ele diz que:
[...] você é visto como um tio, mas a questão não é a palavra em si, é o que vem embutido, é como se fosse babá. Então, é essa desvalorização que vai matando o sentimento de ser professor, cada vez um pouco mais. Você estuda tanto, você, você empenha, mas têm professores que se cansam e dizem: ‘Ah, o aluno não quer, tanto faz como tanto fez’, isso acontece porque não tem valorização! Então, fica no automático, não há competitividade porque não há valorização, está todo mundo no mesmo barco (JACINTO, 2018).
Paulo Freire (1997, p. 18) em seu livro “Professora sim, tia não – cartas a quem ousa ensinar”, conclui que o termo “[...] tia”, está enraizado em todo o país, é uma “inocente armadilha ideológica [...]”, com o objetivo de suavizar a vida dos professores e a sua capacidade de luta. Freire (1997, p. 10), ainda questiona: “Quem já viu dez mil ‘tias’ fazendo greve, sacrificando seus sobrinhos [grifo do autor], prejudicando-os no seu aprendizado?”.
O fato é que os docentes consideram a sua profissão desvalorizada, conforme pontua Souza (2011), mesmo que, contraditoriamente, essa situação profissional seja precedida por um discurso de que a qualidade educacional depende do ensino ofertado nas escolas do país. O que se explicita é a progressiva perda de prestígio da profissão (JESUS, 2004), e um declínio quanto à sua valorização nas últimas décadas. Essa “[...] forma de ver a educação, a formação e o papel do professorado e alunado [...]” (IMBERNÓN, 2009, p. 16), ao fim da segunda década do século XXI, apenas tem-se aprofundado, especialmente no contexto da crise política enfrentada desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e da onda neoconservadora que tem assolado o País (FARIAS, 2019; HYPOLITO, 2019).
As greves são um fenômeno marcante na carreira dos professores e sua recorrência (todos os anos nos deparamos com essa situação no país) é emblemática da desvalorização da profissão. Com efeito, as manifestações, paralisações e greves são as possibilidades encontradas para reivindicar e conseguir garantir direitos. Ao abordarem essa temática, os professores iniciantes mostraram-se insatisfeitos com seus salários:
Quando a gente está na universidade e vê o valor do salário, pensa: “Nossa!”, mas depois vê que não é nada, principalmente nesse período agora que teve reajuste 0%. Qual o reconhecimento que você tem por parte de um governo que dá reajuste 0%? O salário poderia ser melhor (PÉROLA, 2018).
[...]
[...] eu acho que falta esse PCCR, porque com o tempo o nosso salário fica muito defasado. Eu tenho uma pós, aumenta 20% e pronto, vai aumentando 1% todo ano. A pessoa faz cursos e não conta nada (JADE, 2018).
A professora Jade informou que os docentes que se encontravam em greve no município em que atua, reivindicavam o Plano de Cargos, Carreira e Remuneração (PCCR) e, para isso, paralisaram suas atividades docentes por 48 dias, ocupando a sede da Câmara Municipal durante 15 dias. O movimento conquistou a implantação da progressão do PCCR (aprovada pela Lei municipal nº 2.567/2016) e a restituição dos salários e dos vales transporte e alimentação. Garcia (2010) assevera que o salário é um dos motivos de muitos professores abandonarem a profissão e que a realidade na docência está mudando em muitos países, mas, em geral, a docência ainda pode ser caracterizada como uma profissão “plana”, que tem poucos incentivos de progressão.
A despeito de todos os desafios apresentados até aqui, os professores também destacam que se sentem reconhecidos por seus alunos, o que gera uma sensação de prazer e de estar fazendo algo importante, contribuindo no desenvolvimento de outras pessoas e, consequentemente, da sociedade. Jade reforça que está se identifica e gosta da profissão, enquanto Ágata diz o que gosta no exercício da docência:
Eu gosto quando eles participam, eu venho sempre com pensamentos positivos de que tudo vai dar certo. O que me deixa mais feliz é ver eles bem, que eles querem estar na sala, que eles estão aprendendo, nada mais gratificante do que ver uma criança aprender (ÁGATA, 2018).
É visível a satisfação da professora com seu trabalho. Os demais docentes, Pérola e Jacinto, destacam o reconhecimento que recebem por parte de seus alunos. Ao que parece, o “prazer” que sentem em ensinar é maior que os desafios presentes no exercício docente. Apesar de toda a responsabilidade e cobranças do exercício docente, o fato de ter a própria turma, criar vínculos, acompanhar o desenvolvimento dos alunos e ser agente ativo nesse processo geram uma sensação de bem-estar, tal como anotam Jesus (1998), Rausch e Dubiella (2013).
Para o pesquisador espanhol Marcelo Garcia, a motivação para ensinar e permanecer ensinando está atrelada à satisfação de conseguir que os alunos aprendam, evoluam e cresçam. O autor identifica na literatura que “[...] os mestres encontram a maior satisfação na atividade de ensino em si mesma e no vínculo afetivo com os alunos, de modo que muitos docentes citam como principal fonte de satisfação o cumprimento da tarefa e os sucessos pedagógicos dos alunos” (GARCIA, 2010, p. 17). Essa asserção encontra eco nos relatos dos professores iniciantes desse estudo:
Apesar de tanta coisa ruim que cai sobre você, mas conseguir sentir: ‘Poxa, eu não mudei o mundo, mas eu consegui transformar 1% ou 0,001%’. É gratificante saber que está sendo a diferença, uma referência para uma pessoa que, muitas vezes, não tem nada, só você (JACINTO, 2018).
[...]
O prazer de você ver uma criança lendo, ela escrevendo uma cartinha pra você, mesmo que cheio de erros, mas você perceber que está contribuindo para o aprendizado daquela criança, eu acho que é o que mais motiva você a cada dia (PÉROLA, 2018).
Diante dos relatos dos professores, cabe questionar sobre a pergunta que alicerça esta análise: qual a perspectiva de permanência na profissão de professores iniciantes egressos do Pibid? Apenas Jacinto mostrou ter dúvidas sobre o seu futuro na carreira do magistério, levando em conta a possibilidade de migrar para universidade ou ainda ingressar em outra profissão.
[...] com a nova lei, eu já fiz os meus cálculos, vou me aposentar com 72 anos. Eu fico pensando: Será que vai compensar eu me aposentar enquanto professor? Será que daqui pra lá eu não vou ser professor universitário? Ou sei lá, eu vou atrás de outra profissão que me realize. Eu realmente não sei, eu vou vivendo, estou sendo professor (JACINTO, 2018).
Diferente de Jacinto, Pérola e Ágata não cogitam outras profissões, mas também sugerem a possibilidade de lecionar na educação superior, conforme evidenciam os trechos selecionados.
Pretendo permanecer na docência, o mestrado é mais uma questão de conhecimento. [...] Eu poderia ensinar no ensino superior, mas a contribuição muito maior é aqui. Poderia até atuar, mas eu acho que o meu campo mesmo é a sala de aula, é a escola (ÁGATA, 2018).
[...]
Eu já pensei muito em ser professora universitária, não sei o que me aguarda, mas eu ainda não pensei no mestrado. Eu só sonho em fazer o mestrado, de aprender mais, principalmente nessa área da alfabetização (PÉROLA, 2018).
Os professores da educação básica idealizam à docência na educação superior como uma oportunidade dentro da profissão para uma carreira com mais prestígio e melhores condições de trabalho, mesmo sabendo que esse nível educacional também enfrenta inúmeros desafios. Ao ser indagada sobre a sua permanência na carreira docente, Jade (2018), é incisiva: “[...] eu me identifiquei com a docência, eu nunca pensei em desistir. Eu sempre tive o pensamento de que era isso que eu queria, apesar das dificuldades, eu nunca tive o pensamento ‘ah, quero sair dessa vida’.
Os relatos revelam à docência universitária como um campo de atuação almejado como uma perspectiva de futuro, pensamento que, de acordo com Pimenta e Anastasiou (2014), ao ressignificar a ideia do que é ser professor e de um exercício profissional melhor valorizado, faz emergir a vontade de dar continuidade aos estudos e migrar para essa outra etapa da educação nacional.
Considerações finais
Diante da realidade educacional que vivemos, na qual os sistemas de educação são “forçados a responder às novas exigências sociais e culturais dos cidadãos” (CHIZZOTTI, 2020, p. 2) e os professores são colocados como agentes diretos, responsáveis pelo processo de ensino e aprendizagem, o presente artigo buscou analisar a inserção na carreira e a perspectiva de permanência na profissão de docentes iniciantes, temáticas que demandam urgente atenção no âmbito das políticas públicas de formação de professores.
Os achados da pesquisa evidenciam que as falas dos quatro professores iniciantes demonstram expectativas positivas quanto à permanência na carreira docente, constatação que reforça o argumento de André (2015) de que a participação em ações de iniciação à docência em contexto de formação inicial, a exemplo do PIBID, tende a produzir “algum efeito de permanência”.
Esse “período de tensões e aprendizagens intensivas” (GARCIA, 2010, p. 28), caracterizado como início na docência, é decisivo na história profissional do professor, inclusive com repercussões determinantes no seu futuro e na sua relação com o trabalho. Ações de apoio desde a formação inicial e, principalmente, durante os primeiros anos de atuação profissional que forneçam vivências mais ricas e integradoras de socialização profissional podem fazer toda a diferença entre evadir ou permanecer na docência (DARLINGHAMMOND, 2014).
Corroborando a análise de André (2012) e Vaillant (2009) de que, embora seja fundamental no desenvolvimento profissional dos professores, o período de iniciação profissional é também o mais carente de atenção no plano das políticas educacionais destinadas à formação profissional. São inúmeros e duros os desafios que recaem diariamente sobre os professores na escola, especialmente sobre aqueles que estão começando na carreira e aprendendo a ensinar.
Os participantes da pesquisa indicam desvalorização de várias naturezas – política, social, econômica e institucional – como fatores geradores de certa desmotivação quanto à profissão, o que a literatura sobre o assunto indica ser um aspecto que repercute em toda a esfera escolar, tal como asseveram Oliveri e Jardilino (2015). Ademais, como adverte Garcia (2010, p. 31), ainda que “os professores iniciantes não abandonem o ensino, um começo de sua carreira docente com dificuldades pode reduzir sua confiança na profissão e pode fazer com que os alunos e as escolas se ressintam”.
O gosto, a identificação com o trabalho e os sentimentos de satisfação são motores fortes, mas não suficientes para consolidar a intencionalidade de sobreviver às dificuldades dos primeiros anos e de manter-se na docência, bem como desenvolver-se contínua e progressivamente. Políticas de apoio e acompanhamento do professor no início da carreira, tal como empreendidas por países latino-americanos e europeus (ANDRÉ, 2012; VAILLANT, 2009), certamente potencializarão a intencionalidade aqui manifesta pelos quatro docentes participantes desse estudo, mas que se somam a evidências de vários outros estudos (GARCIA, 2010; MIRA; ROMANOWSKI, 2015; ANDRÉ, 2018).
A falta de apoio e os desafios existente nos primeiros anos de atuação profissional contribuem para os professores pensarem formas de migrar da docência na educação básica para outras atividades que envolvam a mobilização do conhecimento pedagógico que a formação inicial oferece (buscar atuar em funções de coordenação, por exemplo) ou mesmo ingressar na educação superior. Ou seja, buscam vias alternativas consideradas profissionalmente mais favoráveis para permanecer no magistério. É nessa direção que Pimenta e Anastasiou (2014) apontam que um exercício profissional melhor valorizado tanto potencializa a vontade de estudar como de migrar para outra etapa da educação (no caso, o ensino superior).
Considerando os dados evidenciados e analisados, um indicativo que se sobressai é que, embora os participantes da pesquisa reconheçam à docência como uma atividade prazerosa, é preciso avançar com relação à valorização profissional docente. Políticas mais robustas que contemplem esse aspecto são basilares para alcançarmos uma educação pública com qualidade e socialmente referenciada.