As investigações sobre docência no Brasil são variadas e, por isto, a discussão apresentada pelos organizadores do livro intitulado “Modos de ser do docente no Brasil contemporâneo: articulações entre pesquisa e formação” é pertinente na contemporaneidade, pois convida o leitor a refletir sobre formação, profissionalização, identidade docente e emergência de saberes necessários ao exercício da profissão de professor.
O livro, lançado em 2018, com um total de 200 páginas, é estruturado em 10 capítulos produzidos por pesquisadores de várias Instituições de ensino superior. Os referidos capítulos enfocam temáticas sobre a docência, tais como os processos de ensino e de aprendizagem, as perspectivas de formação e as práticas pedagógicas desenvolvidas na educação básica e superior. Além dessas, traz um magnifico prefácio escrito pela professora doutora Carlinda Leite, da Universidade do Porto (Portugal), fundamentado nos pilares apresentados no Relatório da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI elaborado para a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Os sentidos da professoralidade, segundo os autores na obra, são capazes de propiciar relações construtivas, práticas pedagógicas e processos de avaliação comprometidos com o reconhecimento da complexidade e da heterogeneidade. Essas relações, caracterizam as vivências sociais nas/das relações pedagógicas.
A introdução do livro intitulada “A docência em perspectiva” enuncia o convite à reflexão sobre a natureza da função docente e mostra haver consenso entre pesquisadores da necessidade de se questionar o que caracteriza a docência e qual a especificidade dessa ação profissional que se tipifica por vínculos que valorizam não somente no ensino, mas também saberes que se constroem e se refazem por múltiplos referenciais. São tecidas considerações sobre como ambientes educacionais genuínos apresentam oportunidades para investigar aspectos da formação, da atuação, da profissionalização e da aprendizagem da docência.
Na sequência, a questão: “Há a necessidade de (re)descobrir o ensino?”, assinalada por Gert Biesta no capítulo 1, é referência para a argumentação da necessidade premente de redescoberta do ensino vis a vis teorizações e políticas educacionais.
“A docência design na Educação Infantil” é tema do capítulo 2, que descreve o cenário de emergência da constituição de uma docência design no Brasil a partir de referenciais italianos para a educação da infância em relação aos modos de ser docente, à gestão e aos registros de aprendizagem e analisa o que eles promovem nas crianças.
O texto do capítulo 3, elaborado acerca da “Docência S/A: gênero e flexibilidade em tempos de educação customizada”, descreve e analisa o processo de generificação da docência contemporânea no qual competências tácitas são acionadas por docentes na constituição do trabalho que assumem.
No capítulo 4, “Educação das relações étnico-raciais na constituição da docência contemporânea: uma análise a partir de narrativas de professoras negras”, as autoras relatam o trabalho desenvolvido na docência por mulheres negras com o intuito de inclusive revelar o compromisso com a educação antirracista, ao publicizar narrativas autobiográficas que elucidam a opção por dedicação ao exercício da docência.
O capítulo 5 intitulado “O imperativo da inovação e a produção da docência: modos de ser professor(a)” examina os processos de constituição da docência e as relações desses processos com a educação básica, tendo como referência uma proposta nacional de articular a formação compartilhada entre universidade e escola, que tem produzido um modo de ser professor(a) com características distintas.
No capítulo 6, ao destacar “Socialização e desejos: a docência terapêutica em dois atos”, as autoras tratam de modo peculiar, que designam por processo de psicologização da Pedagogia, o esmaecimento do ensino, a centralidade e a nova linguagem da aprendizagem da língua inglesa no Brasil.
Com a constatação e título “Teoria e prática na formação de professores como mobilizadoras da qualidade na educação”, as autoras apresentam, no capítulo 7, o resultado da pesquisa apoiada nos estudos foucaultianos sobre docências na esteira das discussões recentes, e propõem uma reflexão sobre os entrelaçamentos entre qualidade da educação e formação de professores.
O capítulo 8, intitulado “Modos de (in)formar o professor para ensinar matemática(s) nos anos iniciais em cursos de Pedagogia”, direciona a reflexão dos leitores para práticas e metodologias em educação matemática ao apresentar a análise dos planos de ensino de componentes curriculares voltados a essa área do conhecimento e problematizar modos que (in)formam os professores em formação a partir dos objetivos dos referidos componentes.
O capítulo 9 é reservado às “Experiências de docência e pesquisa em uma universidade pública”. Nele, são apresentadas as experiências da autora ao longo de sua trajetória profissional no intuito de problematizar os desafios emergentes levantados no campo da educação e da formação de professores acerca da pesquisa universitária e da reconfiguração sobre a docência, ou as docências, na contemporaneidade.
O capítulo 10 demonstra como o planejamento orienta o trabalho dos professores em sala de aula ao abordar “Três questões para pensar sobre planejamento pedagógico na Educação Básica” e apresenta, por uma reconstituição histórica numa base empírica, as estratégias e os sentidos compartilhados num trabalho desenvolvido em prol de práticas pedagógicas comprometidas com a qualidade social e que garantam seu acesso a formas diferenciadas de conhecimento.
Pode-se afirmar sobre a intensidade das narrativas e das análises críticas feitas pelos autores da obra em relação a cursos e instituições voltados à formação inicial e às necessidades de se avançar neste campo de estudo e investigação. Nos capítulos que compõem o livro, evidencia-se que os contextos de uma sociedade, essencialmente desigual e contraditória, influenciam os modos de ser professor que, historicamente, são produzidos e reproduzidos nas trajetórias de formação e atuação profissional.
Assim, os autores deixam uma mensagem subliminar de que pesquisas futuras precisam formalizar melhor a metodologia e as estratégias para identificar o sentido do que é vivido e os elementos que caracterizam as boas práticas pedagógicas presentes na sala de aula. Engendram uma defesa da docência e de estudos tanto sobre a forma de ensinar quanto a respeito da tarefa pública de valorização e reconhecimento do trabalho dos professores. Também alertam para a importância de compreender, no contexto escolar, as dimensões autônoma e relacional do ser para investigar as interações ocorridas entre os diversos atores escolares envolvidos.
Enfim, o livro lança luzes aos acadêmicos, estudiosos, pesquisadores e demais interessados sobre os “Modos de ser docente no Brasil Contemporâneo” em consonância com “articulações entre pesquisa e formação”, configurando-se numa leitura significativa e ampla para uma reflexão sobre a profissionalidade e a professoralidade docente. Em últimas palavras, a obra, na sua gênese, clama por uma nova agenda de pesquisa e de formação concernentes às docências na educação básica e no ensino superior no Brasil.