Introdução
Estudos sobre as emoções no meio acadêmico e escolar ainda são escassos no Brasil, apesar de reconhecidamente importantes (BORTOLETTO; BORUCHOVITCH, 2013; FERREIRA; OLIVEIRA; ALVES, 2019). Por ser um ambiente de constante interação social, a escola possui particularidades capazes de despertar nos estudantes emoções de natureza e intensidade diversas, que afetam diretamente a motivação para o aprendizado e, por conseguinte, para o sucesso escolar. Emoções positivas, como o deslumbramento pela aprendizagem, promovem a criatividade para a resolução de problemas; já emoções negativas, como a desesperança, o tédio ou a ansiedade em excesso, são barreiras às realizações escolares e exercem impactos negativos também na saúde física e emocional dos estudantes (BZUNECK, 2018; PEKRUN, 2018). Há evidências de que existe uma relação curvilínea entre ansiedade e aprendizagem. Tanto a alta como a baixa ansiedade são prejudiciais, pois têm efeitos paralisantes nos estudantes, afetando sobremaneira as ações e o processamento da informação. Assim, possuir um nível moderado de ansiedade é necessário, pois ela conduz à ação e tem efeitos benéficos à aprendizagem (SPIELBERGER; GORSUCH; LUSHENE, 1970). A literatura mostra que a ansiedade está associada a problemas de relacionamento, baixa habilidade de enfrentamento, solidão, baixa estima, dificuldade para formação de amizade, entre outros (BZUNECK, 2018; DANTHONY; MASCRET; CURY, 2020).
Segundo Deb, Chatterjee e Walsh (2010), a ansiedade é um dos distúrbios psicológicos mais comuns entre crianças e adolescentes em idade escolar em todo o mundo. As taxas de prevalência podem variar de 4,0 % a 25,0 %, com uma média em torno de 8,0 %. Todavia, para Tomb e Hunter (2004), esses números podem estar subestimados devido à natureza internalizada dos sintomas de ansiedade. A ansiedade é definida como uma sensação associada à preocupação, à angústia ou ao medo. Alguns autores a consideram como uma emoção negativa, capaz de prejudicar a saúde física e psíquica, bem como o desempenho em tarefas a realizar (ABRAMOWITZ; DEACON; WHITESIDE, 2019). Outros autores argumentam que a ansiedade é um estado natural e necessário de autopreservação (CLAUDINO; CORDEIRO, 2006). Apesar de certa discordância, existe consenso de que a ansiedade é um fenômeno universal, influenciado por hábitos e práticas culturais e, quando presente por longos períodos, pode acarretar consequências negativas, limitando e dificultando a capacidade de adaptação do indivíduo (JATOBÁ; BASTOS, 2007).
Com base nos estudos de Cattell e Scheier (1961), Spielberger, Gorsuch e Lushene (1970) propuseram uma distinção entre ansiedade estado e ansiedade traço. Para os autores, ansiedade estado refere-se a um estado, uma condição emocional esporádica caracterizada por sentimentos de tensão ou apreensão que variam em intensidade, ao longo de períodos relativamente curtos. Já a ansiedade traço diz respeito às diferenças individuais, parcialmente estáveis, que avaliam e atribuem mais ou menos importância às situações potencialmente perigosas ou ameaçadoras.
Pesquisadores cognitivistas enfatizam que a utilização de estratégias de aprendizagem adequadas e a manutenção de um estado interno satisfatório favorecem o desempenho escolar (COSTA; BORUCHOVITCH, 2004; WEINSTEIN; ACEE, 2018). Essa abordagem, baseada na Teoria do Processamento da Informação, considera a ansiedade um constructo constituído por dois aspectos distintos e não excludentes: um relacionado à preocupação e outro à emotividade. A preocupação se refere ao componente cognitivo, às expectativas sobre possíveis consequências negativas de um mau desempenho, e a emotividade diz respeito ao aspecto afetivo, à fisiologia, aos sintomas físicos de nervosismo e tensão (ABRAMOWITZ; DEACON; WHITESIDE, 2019; WIGFIELD; ECCLES, 1989).
Wigfield e Eccles (1989) relataram situações responsáveis por gerar ansiedade nos estudantes. Expectativas não realistas, próprias de pais ou colegas, bem como desempenho insatisfatório reincidente, foram apontadas como possíveis fontes geradoras de ansiedade. Silveira, Santos, Paschoal e Moraes (2020) realizaram uma revisão da literatura com o objetivo de compreender quais são os medos, as angústias e as preocupações enfrentadas por alunos do ensino médio. Examinaram também o modo como os estudantes lidam com os ciclos de encerramento com pessoas de seus convívios diários e com os ciclos que se iniciarão em breve com situações e pessoas novas. Os autores concluíram que, entre outros fatores, contribuem para que os estudantes do ensino médio sejam vulneráveis ao transtorno de ansiedade: a pressão psicológica, a sobrecarga de atividades escolares; fatores como a pressão familiar relativa à escolha profissional ou a própria indecisão do aluno acerca do seu futuro; a insatisfação e a dificuldade para estabelecer a própria identidade.
A ansiedade em relação a testes consiste num sentimento desagradável de apreensão ou angústia, acompanhado de manifestações fisiológicas, experimentado em ocasiões de provas formais ou outras situações de avaliação (BZUNECK, 2018; TOBIAS,1985). Duas interpretações complementares explicam o baixo rendimento em provas devido a esse estado. A primeira delas leva em conta o momento da avaliação, no qual pensamentos distratores irrelevantes interferem na capacidade de concentração, de recordação de um conteúdo ou de elaboração de um raciocínio. Pode ocorrer que o aluno ansioso esteja bem preparado para a prova, porém não seja capaz de demonstrar seu preparo devido à ansiedade pela própria situação de estar sendo avaliado. A segunda interpretação considera que os hábitos e as estratégias de estudos inadequados geram déficits tanto na aquisição como no armazenamento das informações. A ansiedade do aluno aumenta pela percepção de que não domina os conteúdos e de que não sabe utilizar de forma adequada as estratégias de aprendizagem. Para Costa e Boruchovitch (2004), a alta ansiedade também está associada a um desconhecimento por parte dos estudantes acerca das estratégias de preparação para exames.
Vários trabalhos foram conduzidos para investigar a ansiedade com relação a disciplinas específicas. Ansiedade em matemática (MUTEGI; GITONGA; RUGANO, 2021; SILVA; SILVA; GOMES, 2018), em ciências (COOPER; DOWNING; BROWNELL, 2018; OSBUGUTU, 2021; PERICO; KRUSZIELSKI; SOUZA, 2021) e no aprendizado de uma língua estrangeira (MORAIS; MUKAI, 2020; ZHANG; DAI; ARDASHEVA, 2020) são alguns exemplos de pesquisas na educação básica sobre o impacto da ansiedade em disciplinas específicas. Ademais, a literatura mostra ainda que variáveis como gênero e escolaridade, entre outras, estão associadas às experiências de ansiedade no contexto escolar (GERMAIN; MARCOTTE, 2016; JANEIRO, 2013). Como essas variáveis são as de interesse do presente estudo, essas relações serão examinadas em detalhes a seguir.
Ansiedade e gênero
De modo geral, ao se examinarem as relações da ansiedade com o gênero, a maioria das pesquisas descritas na literatura aponta para maiores índices de ansiedade no gênero feminino (GOETZ; BIEG; LUDTKE, 2013; JANEIRO, 2013; RODRIGUES; PELISOLI, 2008). Estudos epidemiológicos (BOSQUET; EGELAND, 2006) ou com base na predisposição genética (SILBERG; RUTTER; NEALE; EAVES, 2001) identificaram também essa diferença. De modo semelhante, indivíduos do sexo feminino apresentaram níveis mais elevados de ansiedade, quando analisados aspectos específicos ou correlatos à ansiedade em testes (AYDIN, 2017) na transição para o ensino superior (RODRIGUES; PELISOLI, 2008) ou vinculados à aprendizagem de matemática (GOETZA BIEG; LUDTKE, 2013), de ciências (UDO; RAMSEY; MALLOW, 2004) ou de línguas estrangeiras (ABU-RABIA, 2004), entre outras situações.
Todavia, Goetz, Bieg e Ludtke (2013) questionaram se realmente as alunas apresentam maior ansiedade que os alunos com relação à disciplina de matemática. Baseados na teoria de estado-traço (SPIELBERGER; GORSUCH; LUSHENE, 1970), dois estudos foram conduzidos, o primeiro com 584 estudantes e o segundo com 111. Os autores concluíram que as alunas relataram maiores níveis de ansiedade traço em matemática. Entretanto, ao se analisar a ansiedade estado, não foram obtidas diferenças significativas entre os gêneros.
Rodrigues e Pelisoli (2008) investigaram a prevalência de indicadores de ansiedade entre 1046 estudantes de cursos pré-vestibulares em Porto Alegre (RS), sendo 390 (37,3 %) do sexo masculino e 656 (62,7 %) do sexo feminino (média com 18 anos de idade) por meio de um questionário e da escala Beck de ansiedade-BAI (BECK; BROWN; EPSTEIN; STEER, 1988). Para os autores, a complexidade do momento de vida em que os candidatos ao vestibular se encontram e a obrigatoriedade da escolha de uma carreira profissional são fatores ansiogênicos que tornam relevantes os estudos dessa população em particular. Quando a ansiedade total foi comparada por gênero, verificou-se uma diferença significativa, mostrando que as alunas reportam sofrer mais de ansiedade que os alunos, nos níveis leve, moderado e grave.
Investigações desenvolvidas em países orientais acerca do impacto no gênero das experiências de ansiedade apresentam resultados contrastantes com os obtidos no Ocidente. Na (2007) investigou a ansiedade em língua estrangeira entre 115 estudantes chineses da educação básica, utilizando o Foreign Language Classroom Anxiety Scale – FLCAS – (HORWITZ; HORWITZ; COPE, 1986). O FLCAS apresenta quatro dimensões, relacionadas: à ansiedade de comunicação, ao receio de uma avaliação negativa, à ansiedade em testes e à ansiedade em aulas de inglês. Os resultados obtidos apresentaram, em todas as dimensões do instrumento, médias superiores para os alunos, com significância estatística verificada somente na dimensão aulas de inglês. A autora observa que, de modo geral, as alunas têm melhor rendimento que os alunos em língua estrangeira e se mostram mais confiantes do que eles em suas habilidades nessa disciplina. Já os alunos que possuem mais experiências de insucesso escolar tendem a atribuir seu mau desempenho em língua estrangeira à sua baixa capacidade, o que pode gerar mais preocupação e ansiedade.
Deb, Chatterjee e Walsh (2010) investigaram a ansiedade em 460 estudantes, entre 13 e 17 anos, de Calcutá, Índia. Utilizando um questionário com informações demográficas e socioculturais e o State-Trait Anxiety Inventory − STAI − (SPIELBERGER; GORSUCH; LUSHENE, 1970), os autores examinaram a influência do gênero, do tipo da escola, do nível socioeconômico, do tipo de trabalho e do relacionamento com os pais no nível de ansiedade relatado pelos estudantes. De modo semelhante ao estudo de Na (2007), os resultados revelaram que, independentemente do tipo de escola, do nível socioeconômico e do relacionamento com os pais, o nível de ansiedade difere significativamente entre indivíduos do sexo masculino e indivíduos do sexo feminino com maiores níveis de ansiedade entre os alunos. Os autores interpretaram esses resultados a partir das particularidades culturais da sociedade indiana, em que persiste ainda uma forte estrutura patriarcal no núcleo familiar. Tradicionalmente, as famílias têm expectativas diferentes a respeito do investimento em educação de meninos e de meninas. Enquanto a expectativa de retorno para uma boa educação das meninas se fixa principalmente na perspectiva de um bom casamento, para os meninos elas giram em torno do futuro e visam à obtenção de um bom emprego, que garanta a provisão da família. O peso da responsabilidade pelo sucesso escolar e acadêmico recai principalmente sobre os meninos, o que, possivelmente, gera maior ansiedade entre eles.
Assim, é possível constatar que não se podem generalizar os resultados dos estudos sobre ansiedade e gênero no ambiente escolar sem levar em conta as especificidades contextuais do público investigado. Em função dessas variáveis contextuais, diferenças significativas podem emergir com propensão maior de ansiedade entre o gênero feminino do que masculino. O inverso pode também ocorrer. Essas diferenças, em alguns casos, podem ser atribuídas às práticas sociais – estereótipos de gênero – as quais permitem que as pessoas do gênero feminino expressem mais livremente suas emoções, enquanto estimulam as do gênero masculino a demonstrar um comportamento reservado quanto à aceitação e à expressão de suas reações afetivas (BODAS; OLLENDICK; SOVANI, 2008).
Ansiedade e escolaridade
Quando comparados aos trabalhos que tratam da ansiedade e gênero no contexto escolar, aqueles que investigam a ansiedade em função dos anos de escolaridade são menos frequentes. Germain e Marcotte (2016) estudaram os sintomas de depressão e ansiedade na transição do ensino secundário para o médio entre estudantes canadenses. Os resultados mostraram que o nível de ansiedade diminui na transição para o 1° ano do ensino médio, que, para as autoras, parece ser vivenciada de maneira positiva pelos alunos. Ao longo dos anos do ensino médio, os sintomas de ansiedade podem aumentar, devido ao nível mais alto de estresse dos alunos, pelo fato de que precisam decidir sobre seu futuro vocacional.
Rosário e Soares (2003) investigaram os níveis de ansiedade em relação aos testes – nas dimensões pensamentos em competição e tensão –, em alunos do 2° e 3° ciclos do ensino básico de português. Os resultados mostraram que os níveis de ansiedade aumentam do 5° ao 7° ano e decrescem posteriormente. Para os autores, ao ingressar no 5° ano de escolaridade, os alunos são confrontados com um número elevado de disciplinas e professores e com maiores níveis de exigências, fatos que justificam os resultados encontrados. A redução da ansiedade verificada nos 8° e 9° anos pode ser explicada pela familiaridade adquirida com o sistema de ensino, pelo relaxamento típico associado aos adolescentes e também pela eventual baixa de exigência de avaliação.
No Brasil, Jatobá e Bastos (2007) investigaram sintomas de depressão e ansiedade em 242 adolescentes com 14 a 16 anos, matriculados em escolas públicas e privadas de Recife (PE). Os sintomas de depressão e ansiedade foram medidos pelas escalas de Hamilton (MAIER; BULLER; PHILIPP; HEUSER, 1988). A ansiedade de grau leve foi encontrada em 194 (80,2 %) estudantes, seguindo-se o grau moderado em 27 (11,2 %) estudantes e o severo em 21 (8,7 %). Para os autores, o fato de 80,2 % dos jovens pesquisados apresentarem ansiedade de grau leve relaciona-se a um processo motivacional adequado para essa fase de vida, marcada pela descoberta de um mundo novo, o que não deve ser preocupante. No entanto, a prevalência de 19,9 % de adolescentes com ansiedade de graus moderado e severo pode indicar um risco maior de desenvolvimento de transtorno ansioso, cuja prevalência varia, em adolescentes em torno de 4,0 %. O entorno – meio ambiente e convívio – pode também contribuir para essa prevalência alta. Entre os participantes que apresentaram ansiedade leve e moderada predominam os estudantes com 14 anos. Já a ansiedade foi mais frequente entre os com 16 anos.
Pesquisadores holandeses conduziram estudos longitudinais com adolescentes, investigando sintomas relacionados à ansiedade, tais como transtorno obsessivo-compulsivo, síndrome do pânico, transtorno geral de ansiedade, fobia social, ansiedade escolar e ansiedade de separação (HALE III; RAAIJMAKERS; MURIS; VAN HOOF; MEEUS, 2008; VAN OORT; GRAVES-LORD; ORMEL; HUIZINK; VERHULST, 2009). Hale, Raaijmakers, Muris, Van Hoof e MEEUS (2008) identificaram um leve decréscimo em todos os sintomas ao longo das faixas etárias de 12 a 16 anos, com exceção para a fobia social, que permaneceu estável. Além disso, os sintomas de transtorno geral de ansiedade apresentaram um leve aumento para as adolescentes. Num estudo semelhante, Van Oort, Graves-Lord, Ormel, Huizink e Verhulst (2009) obtiveram resultados diferentes. Para esses autores, sintomas de fobia social e transtorno geral de ansiedade revelaram um leve decréscimo na fase inicial da adolescência, até aproximadamente os 15 anos de idade, e aumentaram até os 17 anos. Esses dados foram explicados considerando-se as alterações fisiológicas na transição da infância para a adolescência aliadas às mudanças na passagem da escola primária para a secundária. Para os autores, os jovens passam por importantes alterações físicas e sociais que geram incertezas e estresse em torno dos 11 ou 12 anos de idade. Posteriormente, a gradual adaptação aos novos desafios pessoais e sociais acarreta na redução dos níveis de ansiedade até aproximadamente os 15 anos. No período final da adolescência, entre 15 e 17 anos, as expectativas e preocupações com a proximidade da fase adulta, a intensificação dos relacionamentos pessoais, a necessidade de uma escolha profissional e a entrada na universidade ou no mundo do trabalho são os possíveis responsáveis pelo aumento dos sintomas de ansiedade.
A adolescência é uma etapa complexa e diversificada do desenvolvimento humano. As diferenças contextuais são muito importantes e devem ser sempre consideradas. Tal como ocorreu em relação à variável gênero, constata-se que os resultados dos estudos que relacionam ansiedade e escolaridade também não são passíveis de generalização. Há que se levar em conta as especificidades contextuais do público investigado. Aspectos fisiológicos característicos da adolescência, expectativas de continuidade ou não dos estudos, características socioeconômicas e cobranças da família podem afetar os níveis de ansiedade entre os jovens ao longo dos anos escolares do ensino médio.
Considerando o impacto que a ansiedade exerce na aprendizagem, as diferenças nas experiências de ansiedade em razão do gênero e da escolaridade e a escassez de estudos sobre o tema, sobretudo no ensino médio brasileiro, o presente trabalho tem como objetivo investigar a ansiedade entre estudantes do ensino médio em relação ao gênero e à escolaridade. Mais precisamente, pretende-se responder às seguintes questões: (i) Existem diferenças nos níveis de ansiedade entre os estudantes dos gêneros masculino e feminino, independente dos anos de escolaridade? e (ii) Existem diferenças nos níveis de ansiedade ao longo dos anos escolares do ensino médio, independente do gênero? Espera-se que os dados obtidos possam contribuir para o avanço das pesquisas sobre o tema, bem como para nortear ações psicopedagógicas que reduzam a ansiedade no contexto educativo e conduzam à uma aprendizagem de maior qualidade nesse segmento de escolarização.
Metodologia
A amostra foi composta de 957 estudantes de ensino médio oriundos de 4 escolas públicas e 1 particular do município do Rio de Janeiro (RJ) e 2 escolas públicas do município de Juiz de Fora (MG). Foram excluídos da amostra 51 participantes, por não terem respondido todos os itens do instrumento de coleta de dados. Com isso, foram analisados 906 questionários, dos quais 490 (54,0 %) eram de meninas e 280 (30,9 %), 315 (34,8 %) e 311 (34,3 %) se referiam, respectivamente, aos 1°, 2° e 3° anos.
O projeto que deu origem ao presente artigo foi aprovado em parecer de Comitê de Ética em Pesquisa (CEP-UNICAMP) no 3.122.482. A participação na pesquisa foi condicionada à apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelo aluno ou por seu responsável legal, no caso de menor de idade. Para a coleta dos dados, após o agendamento prévio com a direção escolar e o professor regente da turma, o pesquisador se apresentava, esclarecia a pesquisa em curso e fornecia instruções gerais de como preencher o inventário aplicado em papel. Os alunos eram assegurados acerca do caráter confidencial da pesquisa, de que não valeria nota, nem haveria qualquer problema caso não desejassem participar. A coleta de dados durou entre 15 e 20 minutos.
Os dados foram coletados por meio da escala de ansiedade, que compõe o Inventário Learning and Study Strategies Inventory – LASSI (WEINSTEIN; PALMER; ACEE, 2016), traduzido e adaptado para o uso no Brasil por Boruchovitch; Góes; Felicori e ACEE (2019). Em amostras de estudantes americanos, o LASSI apresentou alta consistência interna estimada pelo Alfa de Cronbach (α = 0,87). Esse instrumento é composto por 60 itens em escala de Likert de 5 níveis, distribuídos em 10 escalas: ansiedade, atitudes, concentração, processamento da informação, motivação, seleção de ideias principais, autotestagem, estratégias de avaliação, gerenciamento do tempo e utilização de recursos acadêmicos. As opções de resposta variam de “Raramente se parece comigo” a “Quase sempre se parece comigo”. A escala de ansiedade utilizada no presente estudo possui 8 itens e avalia as preocupações dos respondentes com a escola e com seu desempenho acadêmico. O item: Preocupo-me com a possibilidade de não me sair bem nas minhas aulas constitui um exemplo da escala de ansiedade. A pontuação mínima e máxima da escala varia de 8 até 40.
Para a análise dos resultados, foi utilizado o Statistical Package for the Social Science – SPSS, versão 22.0. Foram realizadas análises descritivas e comparativas em função das variáveis gênero e escolaridade. Após verificar que os dados não apresentavam distribuição normal pelos valores obtidos nos testes de Kolmogorov-Smirnov, foi utilizado o teste de Mann-Whitney para comparar as variáveis entre os grupos. A consistência interna da escala de ansiedade foi aferida por meio do coeficiente Alpha de Cronbach (α).
Resultados e discussão
A aderência à distribuição normal dos dados foi avaliada, em um nível de significância de 5,0 % (p < 0,05), para todo o conjunto de resultados, bem como para cada variável em análise: gênero (feminino e masculino) e escolaridade (1°, 2° e 3° anos). Para todos os casos, a hipótese de distribuição normal não foi verificada. A consistência interna da escala foi aferida mediante o coeficiente Alpha de Cronbach (α). Considerando-se os 906 respondentes, o valor de α obtido foi de 0,75, o que confere ao instrumento uma boa confiabilidade (HAIR; BABIN; MONEY; SAMOUEL, 2005).
As Tabelas 1 e 2 apresentam os resultados referentes à variável gênero em termos de média (M), desvio padrão (DP) e probabilidade de significância (p). Os itens dessa escala foram elaborados de forma que a menor pontuação representa maior ansiedade.
Variável | M | DP | p* | |
---|---|---|---|---|
Gênero | Feminino | 2,42 | 1,26 | |
Masculino | 3,00 | 1,36 | <0,001** |
*Teste de Mann-Whitney; **valor significativo.
Item | Gênero | M | DP | p* |
---|---|---|---|---|
1 | Feminino | 2,30 | 1,25 | <0,001** |
Masculino | 2,65 | 1,31 | ||
2 | Feminino | 1,78 | 1,04 | <0,001** |
Masculino | 2,43 | 1,37 | ||
3 | Feminino | 2,86 | 1,37 | <0,001** |
Masculino | 3,44 | 1,36 | ||
4 | Feminino | 2,75 | 1,44 | <0,001** |
Masculino | 3,25 | 1,38 | ||
5 | Feminino | 2,25 | 1,28 | <0,001** |
Masculino | 2,89 | 1,45 | ||
6 | Feminino | 2,38 | 1,10 | <0,001** |
Masculino | 2,88 | 1,22 | ||
7 | Feminino | 2,37 | 1,33 | <0,001** |
Masculino | 3,20 | 1,40 | ||
8 | Feminino | 2,68 | 1,28 | <0,001** |
Masculino | 3,27 | 1,35 |
*Teste de Mann-Whitney; **valor significativo
Constata-se, a partir dos resultados das Tabelas 1 e 2, e em consonância com a maioria dos trabalhos da literatura (GOETZ; BIEG; LUDTKE, 2013; JANEIRO, 2013; RODRIGUES; PELISOLI, 2008), que as alunas relatam significativamente maiores níveis de ansiedade. Possíveis justificativas para esses resultados são atribuídas às práticas sociais – estereótipos de gênero – que permitem às meninas expressarem mais livremente suas emoções, mas que estimulam os meninos a demonstrar um comportamento mais reservado quanto à aceitação e à expressão de suas reações afetivas (BODAS; OLLENDICK; SOVANI, 2008).
A tabela 3 apresenta os resultados referentes à variável escolaridade. As médias obtidas para o 1° e para o 2° anos foram bem próximas. A média obtida para o 3° ano indica um menor nível de ansiedade para esses alunos concluintes do ensino médio. De fato, valores significativos foram obtidos somente quando comparados os resultados entre o 3° ano e os demais.
Escolaridade | M | DP | p* | |
---|---|---|---|---|
1° ano | 2,62 | 1,35 | 1º/2° | 0,327 |
2°ano | 2,60 | 1,31 | 1°/3° | 0,001** |
3° ano | 2,75 | 1,32 | 2°/3° | 0,012** |
*Teste de Mann-Whitney; **valor significativo
Ao se considerar a realidade vivenciada pela maioria dos estudantes concluintes do ensino médio das escolas que participaram da pesquisa, podemos aventar algumas hipóteses que justifiquem esses resultados. Inicialmente, por já terem cursado dois anos na escola, esses estudantes a conhecem melhor e se encontram mais ambientados com o corpo docente e com a equipe que compõe a direção escolar em comparação aos demais. Além disso, estão cientes de que o terceiro ano do ensino médio deverá ser o último ano de escolarização, uma vez que, em sua maioria, não ambicionam cursar o ensino superior. Por outro lado, constatam a grande evasão que ocorre ao longo do ensino médio em estatísticas oficiais e trabalhos publicados.
Até por volta dos 14 anos é bem reduzida a proporção de crianças e jovens fora da escola; a partir dessa idade, e principalmente quando chegamos em torno dos 16 anos, a frequência à escola cai de modo acentuado, desacelerando apenas por volta dos 20 anos. Verificamos, portanto, que a faixa etária tratada neste artigo, dos 15 aos 17 anos, é crucial nesse processo, já que é ali que um movimento mais proeminente de afastamento em relação à escola começa a ser observado (SALATA, 2019, p. 103).
Assim, como estratégia para conter a crescente evasão que ocorre ao longo dos três anos do ensino médio – e que se acentua no 3o ano –, as exigências por parte de professores e direção quanto ao rendimento e à assiduidade são mais flexíveis se comparadas aos demais anos escolares. Todo esse contexto pode colaborar para o menor nível de ansiedade entre os alunos concluintes do ensino médio. No entanto, recomenda-se que essas hipóteses sejam confirmadas em pesquisas posteriores, que possam também incorporar outros instrumentos de coleta de dados, como entrevistas e observações.
Em síntese, respondendo à primeira questão da pesquisa, os resultados obtidos confirmam a maioria dos trabalhos descritos na literatura e permitem concluir que as alunas, independentemente da escolaridade, reportam níveis de ansiedade significativamente maiores que os alunos. Trabalhos que empregaram metodologias distintas, tais como estudos epidemiológicos (BOSQUET; EGELAND, 2006) ou com base na predisposição genética (SILBERG; RUTTER; NEALE; EAVES, 2001), chegaram a conclusões semelhantes. Por outro lado, a maneira como elas encaram as situações de avaliação também afeta o nível de ansiedade, pois, para Magalhães (2007), enquanto os meninos tendem a considerar avaliações como desafios a serem vencidos, as meninas percebem a situação como ameaçadora, capaz de gerar medo e ansiedade.
Com relação à segunda questão da pesquisa, os resultados obtidos não mostraram diferença entre os níveis de ansiedade dos estudantes do 1o e do 2o anos. No entanto, ao comparar esses últimos com os estudantes do 3o ano, diferenças significativas foram detectadas. Esses resultados foram interpretados a partir da realidade vivenciada nas escolas participantes da pesquisa. A escola, representada por seu corpo docente e direção pedagógica, na tentativa de amenizar a grave situação de evasão ao longo dos anos escolares do ensino médio (SALATA, 2019), intencionalmente ou não, adota práticas que flexibilizam cobranças e exigências para a avaliação do rendimento e assiduidade. Por outro lado, os estudantes que chegam ao 3° ano encontram-se mais ambientados ao ambiente escolar que seus colegas mais novos e, em sua maioria, não almejam ingressar no ensino superior. Essas justificativas, embora careçam de estudos mais aprofundados, podem ser explicações plausíveis para os resultados obtidos.
Considerações finais
O presente trabalho teve como objetivo investigar as relações da ansiedade com o gênero e a escolaridade entre estudantes do ensino médio. Foram, de fato, encontradas diferenças nos escores de ansiedade em relação às variáveis investigadas que revelaram que estudantes do gênero feminino e estudantes do 1° e 2° anos do ensino médio tendem a sofrer mais de ansiedade do que os do gênero masculino e os alunos mais avançados na escolarização. Esses dados são valiosos, pois revelam como estudantes brasileiros desse segmento da escolarização, ainda muito pouco investigado em nosso meio, parecem lidar com sua ansiedade, variável-chave para maior compreensão do desempenho escolar e acadêmico. Mostram também que estudantes do gênero feminino e dos primeiros anos do ensino médio precisam receber mais atenção de professores e gestores, de forma a aumentar o seu bem-estar e diminuir o impacto da ansiedade no seu rendimento escolar.
As práticas docentes podem contribuir para aumentar ou diminuir a ansiedade entre os alunos. De fato, Özbuğutu (2021) aponta que atitudes e questões dos professores podem constituir importantes fontes de estresse e ansiedade para os estudantes. Os professores precisam atentar para a ansiedade de alunos em sala de aula, como preveni-la, ajudando-os a exercer um controle maior sobre ela, diminuindo seus efeitos negativos para a aprendizagem e para o rendimento. Na prática, certas atitudes podem resultar num ambiente harmonioso, inclusivo e equitativo em sala de aula, capaz de colaborar para a redução da ansiedade. Entre elas, a escola pode prover os alunos com instruções sobre as formas adequadas de estudar; possibilitar oportunidades para que alunos ansiosos possam falar ou responder a perguntas com respostas curtas (como “sim” ou “não”); promover atividades que envolvam aprendizagem cooperativa; esclarecer o objetivo das provas; evitar pressões durante as provas; diversificar os tipos de avaliação; ampliar o tempo concedido para a realização de avaliações, atentar para os conteúdos que apresentem maiores dificuldades por parte dos estudantes, adotar estratégias orientadas para a promoção da aprendizagem significativa, ao invés das orientadas à aprendizagem mecânica, entre outras ações (ALTUNDAĞ; BULUT, 2019; BZUNECK, 2018; BZUNECK; SILVA, 1989; HSU; GOLDSMITH, 2021; ÖZBUĞUTU; 2021).
No que concerne aos alunos, a literatura mostra que a adoção de estratégias de aprendizagem, por meio da organização das demandas cognitivas e práticas, resulta na redução da capacidade exigida na aprendizagem dos conteúdos disciplinares. Alunos que adotam estratégias eficientes de aprendizagem se beneficiam quanto ao rendimento escolar e podem, como consequência, reduzir seus níveis de ansiedade (FUNG, 2020; WEINSTEIN; ACEE, 2018). Igualmente importante é a escola orientar a família no sentido de atuar para ajudar no processo de aprendizagem do jovem, prevenindo o desenvolvimento do estado ansioso. Indicar a importância de estruturar o ambiente físico e social no momento de estudar, identificar os aspectos que podem interferir ou dar um suporte positivo ao estudo, desenvolver a consciência de que mais importante do que o tempo gasto para estudar é a forma como se estuda e evitar expectativas irrealistas são pontos importantes no controle da ansiedade do aluno em que a parceria família-escola se torna fundamental (BZUNECK, 2018; SIMPKINS; LIU; HSIEH; ESTRELLA, 2019).
Se, por um lado, a presente pesquisa traz dados importantes para o avanço do conhecimento científico na temática e para nortear práticas pedagógicas especificamente orientadas aos grupos de alunos ora identificados como mais ansiosos, por outro, também apresenta limitações que devem ser superadas por pesquisas futuras. Embora a amostra tenha sido grande, o estudo contou apenas com instrumentos baseados no autorrelato e investigou apenas correlatos sociodemográficos da ansiedade. Assim, espera-se que novos estudos sejam conduzidos, valendo-se de observações do comportamento e que incluam também variáveis outras como as de natureza psicológica, muito associadas à ansiedade no contexto educativo, de forma a melhor desvelar outros fatores que se relacionam à ansiedade e ponderar como pode ser melhor trabalhada no contexto educativo.