É, por exemplo, sabida a falta de estabilidade dos professores, mormente nas aulas rurais, várias causas atuam nesse sentido, não sendo a menor a exiguidade dos vencimentos [trecho do relatório apresentado ao presidente do estado do Rio Grande do Sul, em 1912] (RIO GRANDE DO SUL, 1912, p. ix).
[...]
Reclamam, de há muito, e com justíssima razão, os professores públicos, o aumento dos seus vencimentos, reconhecidamente insuficientes para uma manutenção compatível com a posição social que ocupam [...]. Presentemente, reconheço que é impossível o Estado atender a esse merecido reclamo [...]. Estou convencido, porém, que, desde que passe a crise tremenda em que nos achamos, melhoradas serão as condições do professorado [trecho do Anuário do Ensino do Estado de São Paulo, em 1914] (SÃO PAULO, p. 18-19).
[...]
Para Mercadante [ministro da Educação], o alto índice de professores com formação inadequada está relacionado ao que define como baixos salários e à falta de atratividade para a carreira. Ele cita pesquisa da Fundação Carlos Chagas que cita que apenas 12% dos estudantes do ensino médio querem ser professores. "A grande maioria [dos estudantes] não quer ir para a sala de aula. Estamos distantes ainda de motivar os jovens para isso", afirma [trecho de matéria publicada no jornal Folha de S. Paulo, em 2016] (QUASE..., 2016).
[...]
A expectativa é de que até 2020, sexto ano da vigência da lei do Plano Nacional de Educação (PNE), os salários dos professores da educação básica pública estejam equiparados aos salários de outros profissionais com escolaridade equivalente [trecho da matéria publicada no Jornal Correio do Povo, em 2017] (ENTENDA..., 2017).
Os excertos acima remetem à reflexão sobre a remuneração e as condições de trabalho vivenciadas pelos professores. A despeito do intervalo de pouco mais de cem anos, a situação mantém-se lamentavelmente semelhante: o professorado não é valorizado nem pago de modo condizente para exercer a dita nobre profissão.
É, de fato, a atualidade do tema que nos instiga a recuar no tempo para conhecer aspectos da história da carreira e da remuneração docente que contribuem na compreensão de como se deu a (des)valorização do magistério. Ao contrário do que se encontra no discurso corrente – mas concordando com a literatura especializada no tema – não nos parece, pela análise documental, que a profissão docente foi desvalorizada com o passar das décadas. O professor foi, ao menos desde o Brasil do século XIX, de modo geral valorizado e remunerado aquém do esperado em vista da sua formação e função social. O processo se anuncia efetivamente mais complexo do que uma rápida mirada sugere concluir. Paula Vicentini e Rosario Lugli, concentradas em explicar o processo histórico de profissionalização do magistério, afirmam que
[...] a história da profissão docente, ao menos no Brasil, não corresponde a uma história contínua, de progressiva e crescente profissionalização: há momentos de perda de autonomia, há momentos de perda de controle sobre algum elemento do campo, que corresponderia, grosso modo, à desprofissionalização (ou proletarização, como querem alguns autores). Para além disso, como se trata de um grupo social tão diverso em seu interior e submetido a condições tão distintas por todo o país, o que se pode dizer é que essa história contém ao mesmo tempo processos profissionais e não profissionais, dependendo do lugar e do grupo para o qual se atente (VICENTINI; LUGLI, 2009, p. 24).
Diante da dificuldade em aferir de modo objetivo o poder de compra da remuneração docente em cada época tem sido mais recorrente, na historiografia, a determinação dos níveis de satisfação dos professores com os valores recebidos (VICENTINI; LUGLI, 2009). Nesse sentido, importa destacar a existência de menção nas fontes documentais de diferentes épocas acerca da existência de um “período áureo” em que os professores teriam ganhado muito melhor. Fugidio, esse período se desloca, no entanto, sempre aquém do momento em que é evocado, constituindo-se em idealização da memória que projeta ao passado tempos percebidos como melhores que os vivenciados no presente.
Pesquisas realizadas no campo de História da Educação acerca da remuneração e da carreira das professoras primárias no Brasil corroboram com a compreensão de trajetórias profissionais marcadas por contínuos processos de desvalorização do magistério. É o caso, por exemplo, de pesquisas acerca das formas de contrato, condição de vida e exercício dos docentes no Município da Corte (CAMPOS, 2002; SCHUELER, 2005; LEMOS, 2011) sobre diferenças de trajetória na carreira e na remuneração percebidas por professoras mulheres em comparação aos professores homens nas diferentes províncias e/ou estados do país (LOURO, 1989; DEMARTINI; ANTUNES, 1993; ALMEIDA, 1998; DURÃES, 2007), bem como estudos acerca da perda de autonomia dos docentes frente ao seu trabalho (COSTA, 1995; MATE, 2011; PAULILO, 2015). Há, ainda, estudos referentes às associações de professores (LUGLI, 2002; CATANI, 2003; LEMOS, 2018) que observam movimentos de disputas decorrentes da perda de valor – econômico e social – do magistério perante à sociedade.
Ao pretender contribuir com esse debate e tendo em vista a relevância de compreender a especificidade de processos localizados, no presente artigo analisamos um conjunto de aspectos que se referem ao valor (ou ao desvalor) dos professores – e que não se restringem ao pagamento pelo trabalho realizado . Assim, pelo exame da escrituração escolar e da legislação, realizamos a análise da carreira e da remuneração dos professores municipais em São Sebastião do Caí, no estado do Rio Grande do Sul (RS), entre 1932 e 1964. Desse modo, foi possível caracterizar as formas de ingresso no magistério naquele contexto, o que aponta para a coexistência de vínculos estabelecidos por subvenção municipal, contrato e concurso público. Até 1961, não havia plano de carreira regulamentado para os professores do município, mas isso não significou a ausência de formas de organização e classificação desses trabalhadores, com implicações na remuneração percebida por docentes que atuavam em diferentes localidades. Também se destacaram na análise as formas de desligamento do magistério, cuja diferença de gênero contribui para compreensão dos modos pelos quais homens e mulheres conduziram suas carreiras profissionais. Por fim, interessou-nos observar as diferenças de valor recebido por professores e outros trabalhadores do município.
Professores municipais em São Sebastião do Caí/RS
Optamos por observar a situação do município de São Sebastião do Caí, Rio Grande do Sul para compreender como se organizou a carreira docente e as características da remuneração de professores no período de expansão da escola elementar no Brasil. O vale do rio Caí é uma região propícia para análises por causa de seu processo histórico: fundado em 1875, São Sebastião do Caí é o 14º município emancipado na então Província de São Pedro do Rio Grande do Sul e dele se originaram vários outros municípios gaúchos, como Caxias do Sul (1889), Nova Petrópolis (1954) e Portão (1963). Outro elemento que se apresenta e justifica a investigação sobre São Sebastião do Caí é conhecer o processo de consolidação da rede municipal de Instrução Pública. Segundo Masson (1940), a primeira aula mista subvencionada integralmente pela municipalidade caiense foi criada no ano de 1909. Em 1912, cinco professores são contratados para lecionar na língua oficial (português), além da referida aula municipal. Entre 1920 (posse do prefeito Candal Jr.) e 1922, vinte e duas aulas públicas são subvencionadas exclusivamente pela municipalidade. No ano de 1928, o prefeito Alberto Barbosa criou vinte e uma escolas municipais, incluindo o objetivo de alfabetizar adultos. Nesse mesmo ano, todos os docentes atuantes (e quem se dispusesse a servir ao magistério público municipal) foram submetidos a concurso público (MASSON, 1940). Com a capilarização da rede municipal de instrução pública, tem-se a criação do cargo de professor municipal.
O período estabelecido para análise está relacionado à documentação localizada. As fontes constituídas para a realização deste estudo vão de 1932 a 1961, período no qual a rede municipal de instrução pública está em expansão, estruturando e regulamentando o magistério como uma carreira pública municipal. É necessário apontar, ainda, que a rede de ensino e a categoria de docente municipal de São Sebastião do Caí dizem respeito à educação primária, coerentemente com as preocupações estatais e dos discursos oficiais, comuns naquele momento, sobre a educação para todos.
O corpus documental é integrado por um conjunto de cinco livros-folha, manuscritos, que contêm os registros de pagamentos feitos aos docentes municipais. Tais documentos, numerados 05, 09, 14, 28, 171, foram produzidos como registro burocrático e escriturístico da municipalidade caiense e encontram-se guardados no Arquivo Histórico Municipal Bernardo Mateus, em São Sebastião do Caí. Nesse conjunto, é possível estabelecer duas classificações para os livros: o livro 171, que compreende os anos de 1932 e 1933, contém os registros de todos os funcionários da municipalidade; os demais livros – 05, 09, 14, 28 – englobam os anos de 1936 a 1961 e registram exclusivamente os pagamentos destinados ao magistério municipal.
Além de registros dos valores pagos, esses livros-folha são valiosos como fonte também por registrarem outras informações, incluindo o nome do profissional e ano em que foram realizados os pagamentos, a permanência (e o desligamento) dos professores na rede de ensino, observações referentes a turnos e local de trabalho, complementos à remuneração percebidos por docentes e destinação de inspetoria escolar.
Vários pesquisadores têm destacado as potencialidades da escrituração escolar para o conhecimento da história da educação (VIDAL, 2008; VEIGA, 2005; GIL; HAWAT, 2015). O aperfeiçoamento das práticas de inspeção escolar e a crescente burocratização das relações entre as escolas e as instâncias centralizadas de gestão educacional suscitou a produção de profuso registro escrito cuja finalidade era pragmática, visto que servia para colocar em funcionamento o aparato escolar. Mapas de frequência, registros de matrícula, atas de inspeção são alguns desses documentos que pretendiam controlar o que se passava nas instituições e, não raro, vinculavam-se à operacionalização do pagamento do trabalho dos professores. Desse conjunto documental, os livros-folha são especialmente importantes para compreensão de aspectos organizacionais da profissão docente.
Outros documentos também compõem o conjunto de fontes. A legislação municipal do período estudado e o Índice de Leis, Atos e Decretos foram igualmente examinados com a intenção de apoiar a compreensão e adensar a análise. A Monografia – Caí, texto escrito por Alceu Masson em 1940, também compõe o corpus documental analisado. A Monografia – Caí traz em suas páginas um relatório sobre a gestão municipal entre os anos de 1936 e 1940 (da qual o autor foi Secretário Municipal) e um suplemento histórico, também elaborado por Masson, acerca do município.
A preocupação do município em manter registros escriturísticos, em elaborar livros escritos por intelectuais locais, em organizar burocraticamente a máquina pública e em capilarizar a instrução primária, com a criação da categoria docente municipal, denota a orientação positivista vigente no período, na busca pela modernização conservadora da sociedade (CORSETTI, 2004). Nessa forma de modernização da sociedade, buscava-se um modelo de burocratização das esferas públicas visando ao desenvolvimento econômico e ao bem estar geral – porém, dentro daquilo que era considerado pela elite dirigente como ordem (FAUSTO, 2000).
É importante ressaltar que, como pretendemos evidenciar a seguir, compusemos aqui um conjunto bastante rico em possibilidades de análise histórica, com cuidado em relação aos limites do que cada tipo de fonte nos permite conhecer sobre o passado.
Carreira e remuneração de professores
O Índice dos Livros de Leis, Atos e Decretos apresenta 220 Decretos Individuais relativos a docentes (de um total de 422 Decretos Individuais registrados) publicados entre os anos de 1932 e 1961. Tal informação permite notar a expressão quantitativa dessa categoria profissional entre as questões de importância para a municipalidade. Mesmo que não se tenha acesso ao número absoluto de professores(as) em atividade, percebe-se que o magistério consistia em uma categoria profissional numerosa, principalmente quando comparado às demais categorias de servidores municipais.
Até o ano de 1961, o ingresso no magistério municipal caiense ocorria por três diferentes formas: subvenção, contrato e concurso público. A subvenção consistia em um valor repassado a instituições de ensino e docentes particulares para que estes ofertassem educação nos locais onde não houvesse instituições públicas de ensino. Ao analisar o caso do Rio de Janeiro quando era capital do Império, Limeira (2011) observou a existência de professores subsidiados e afirma que tal medida (paliativa e menos onerosa que a criação de escolas públicas) teve início em 1854. Não temos a informação sobre a data de início dessa prática em São Sebastião do Caí, mas sabe-se que os subsídios aos professores também estiveram presentes no Rio Grande do Su no período imperial (SCHNEIDER, 1993). Tal forma de ingresso no magistério municipal caiense ocorreu até o ano de 1945, quando o último decreto de concessão de subvenção foi emitido pela municipalidade. Não é conhecido o número de professores subvencionados pelo poder público municipal, mas podemos crer que era um número maior do que a quantidade de decretos que localizamos. Isso porque, na súmula dos nove decretos referentes a subvenções enumerados no Índice de Leis, Atos e Decretos, o termo utilizado é subvenções – possível indicador de mais de uma concessão por vez.
Os contratos de docentes ocorreram em dois momentos e processos distintos. Entre os anos de 1932 e 1933, treze docentes foram contratados pelo poder público municipal – não há informações complementares, seja pela razão do contrato ou o tipo de acordo firmado. Em 1952, entrou em vigência a Lei nº 132, datada de 27 de março do referido ano. Essa lei criou o quadro especial de docentes contratados, destinando tais profissionais para escolas de difícil acesso – sempre que nenhum professor municipal, concursado ou interino, se dispusesse a atuar nesses locais. No corpo do texto legal, artigo 4º, está escrito que a regulamentação do novo quadro especial do magistério municipal seria assunto de lei futura. Entretanto, até 1961, nenhuma lei, ato ou decreto versa sobre esse tema.
Os concursos seletivos para funcionários públicos são uma prática marcadamente moderna e são considerados processos de avaliação racional, científica e meritocrática, operadas através de provas e títulos, para selecionar os candidatos considerados adequados. No Estado do Rio Grande do Sul, os concursos para cargos públicos são previstos desde a Constituição Estadua de 1891 (TAMBARA, 2002), entretanto, sem o requerimento de títulos, apenas provas de virtudes e aptidão (Art. 71, §6; § 19 apud RIO GRANDE DO SUL, 1891). A obrigatoriedade das provas de títulos como parte do concurso para o magistério está presente a partir da Constituição Estadual sul-rio-grandense de 1935 (Art. 109 apud RIO GRANDE DO SUL, 1963), permanecendo também na Constituição Estadual de 1947 (Art. 201; Art. 202 apud RIO GRANDE DO SUL, 1963). Cabe assinalar que a lei estadual de 1935 aponta para o concurso de provas e títulos, porém, no ano de 1947, foi acrescido a exigência de boa conduta pública e privada dos servidores estaduais na nova Constituição Estadual.
O primeiro concurso para o magistério municipal de São Sebastião do Caí foi realizado no ano de 1928, como anteriormente mencionado, quando todos os docentes municipais foram submetidos a concurso – realizado em três diferentes momentos. Egydio Michaelsen, prefeito caiense entre os anos de 1936 e 1940, definia, no relatório do exercício de 1936 (parcialmente transcrito por Alceu Masson), o processo seletivo para docentes como “[...] prova de suficiência, estabilizador das funções e selecionador de valores” (MICHAELSEN apud MASSON, 1940, p. 146). Na legislação municipal referente ao período ao qual tivemos acesso , os professores integravam o quadro técnico dos funcionários municipais e deveriam ser nomeados mediante concurso público.
Entretanto, somente em 1945 com a formalização do aparato legal (Decreto-executivo nº 77, de 25 de abril de 1945), a inserção de novos docentes no magistério municipal passou a se dar pela via preferencial do concurso público. O mesmo Decreto-executivo criou um órgão específico para a organização e a realização de concursos públicos municipais. A contar da data de lançamento do referido decreto, passaram-se quase dois anos até que uma nova professora fosse nomeada em São Sebastião do Caí, o que ocorreu em 16 de janeiro de 1947. Entre os anos de 1945 e 1957, foram contabilizados 78 decretos de nomeação (dos quais, um contempla cinco docentes). Além destes, outros dois decretos regulamentam entradas no magistério municipal: uma declaração de admissão para estágio probatório de doze novas docentes e uma declaração de efetivação de vinte e duas professoras que encerraram seus estágios probatórios.
Após a inserção no magistério municipal, as possibilidades de percurso na carreira apresentavam aos docentes possibilidades equânimes – o trajeto realizado, por sua vez, variava individualmente. Inicialmente, importa afirmar que a carga horária realizada pelos professores se referia a meio turno diário. Assim, tomamos por hipótese que 24 horas semanais eram destinadas ao trabalho docente. Tal afirmação decorre da observação dos campos Cargo e Observações dos livros-folha, já que a cada professora era atribuída majoritariamente a responsabilidade por uma aula/escola. Entretanto, em casos específicos registrados, docentes assumiam mais de uma aula/escola. A professora Nair Gomes do Amaral, por exemplo, foi “autorizada a responder por dois turnos”. Ao longo do livro-folha 28 (compreendendo os anos de 1940 a 1942, nos quais estão anotadas observações referentes a dois turnos de trabalho), cinco docentes aumentaram sua carga laboral – supondo-se que tenham passado a 48 horas semanais.
Não consta a existência de regulamentação de plano de carreira exclusivo para o magistério caiense até 1961. A partir de 1940, os docentes municipais passaram a ser organizados e classificados em entrâncias. Esse sistema organizacional do magistério (especialmente do magistério público) era corrente no início do século XX, pautado pela classificação dos docentes em consonância ao local de trabalho e que determinava sua remuneração. No caso de São Sebastião do Caí, professores de 1ª entrância lecionariam em escolas isoladas, na zona rural; professores de 2ª entrância, em localidades, povoamentos e vilarejos dos distritos componentes do município; e professores de 3ª entrância atuariam na área urbana do distrito central, chamada Vila.
A definição das entrâncias estava diretamente vinculada aos padrões de vencimento, fixados em lei. Os professores de 3ª entrância ganhavam mais do que os de 2ª e, esses, mais que os de 1ª. A Lei nº 24, de 29 de julho de 1948 (primeira lei organizativa do quadro de funcionários municipais a que se teve acesso na pesquisa) atribui padrões de vencimento a todas as categorias de servidores municipais. Nessa lei, os padrões são atribuídos de forma crescente, iniciando no número 1 (Cr$ 325,00) e concluindo no padrão 52 (Cr$ 5.000,00), sendo os padrões 1, 2 e 3 (valores iniciais e, pela ordem crescente estipulada, os menores valores) atribuídos aos docentes. No artigo 6º da referida lei, estava explicitada a relação direta entre padrões de vencimento e entrâncias: vencimentos dos docentes são fixados em Padrão 1 (Cr$ 325,00) para 1ª entrância, Padrão 2 (Cr$ 400,00) para 2º entrância e Padrão 3 (Cr$ 475,00) para 3ª entrância. Também aparecem quantificados na lei os docentes que, no ano de 1948, estavam vinculados a cada entrância/padrão de vencimento: 25 professores estavam designados na Entrância e Padrão 1, 45 professores na Entrância e Padrão 2 e 20 professores na Entrância e Padrão 3. Todavia, é perceptível que a troca de classificação por entrância não dizia respeito somente ao local onde se trabalhava. Ao que tudo indica, a designação de entrância era também compreendida como promoção e ascensão na carreira, de modo que os professores que passavam de 1ª para 2ª ou 2ª para 3ª entrâncias, recebiam aumentos em seus vencimentos, mas permaneciam no mesmo local de trabalho, ou seja, na mesma aula/escola. Entende-se, a partir dessas pistas, que tal sistema de classificação apontava para elementos de status no magistério municipal, que se atrelavam à retribuição pecuniária.
Outro elemento que aguça o olhar e tensiona o status docente se dá na relação entre o magistério estadual e o magistério municipal. Entre os anos de 1936 e 1940 (livros-folha 05 e 14), sete professoras pediram exoneração do serviço municipal para assumir cargos de professoras estaduais e uma professora foi cedida ao magistério estadual. Em um segundo momento, entre 1940 e 1942, outras duas professoras foram cedidas para atuar no magistério estadual (livro-folha 28).
No contexto sócio-histórico sul-rio-grandense, observam-se elementos vinculados ao serviço público estadual (como acesso ao Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul - IPERGS, criado em 1931 e a possibilidade de remoções entre os diferentes municípios) que o valorizam em comparação ao serviço municipal. Outras questões relativas à rede de ensino sul-rio-grandense também apontam para uma valorização do magistério estadual em relação ao magistério caiense. Entre elas estão a estrutura das instituições escolares estaduais e a possibilidade de atuação em escolas maiores e/ou grupos escolares. Rosário Lugli e Paula Vicentini (2009, p. 92-93) também nos informam que, em estudo realizado por João Roberto Moreira, do INEP, registrava-se no Rio Grande do Sul uma remuneração quatro vezes maior no magistério estadual em relação aos vencimentos recebidos pelas professoras vinculadas a municipalidades sul-rio-grandenses. Ainda com referência à remuneração, a Constituição Estadual de 1947, no Art. 34, apontava que o salário desejável para os servidores municipais atuantes no Rio Grande do Sul seria dois terços do vencimento mais baixo daquela categoria trabalhista quando vinculada ao estado. A partir dessas informações, levanta-se a hipótese de que elementos da vida laboral dos servidores do estado tornavam o magistério estadual comparativamente mais interessante, agregando status na compreensão e taxonomia social do período. Entre esses elementos estão a melhor estrutura da rede de instrução pública estadual e os benefícios ao trabalhador, como o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul – IPERGS, possibilidades de mobilidade entre cidades, ou de lecionar em escolas maiores e/ou grupos escolares.
Para os(as) professores(as) municipais, o desligamento do funcionaismo podia ocorrer, segundo os registros contidos nos livros-folha, de doze formas diferentes: 1) exoneração a pedido, 2) exoneração sem justificativa, 3) exoneração a bem do serviço público e/ou demissão, 4) tornar-se avulso a pedido, 5) suspensão da subvenção e/ou dispensa, 6) suspensão da subvenção em função da nacionalização do ensino, 7) desligamento da municipalidade para ingressar no magistério estadual, 8) rescisão de contrato, 9) abandono da aula, 10) deixar de lecionar, 11) afastar-se ou desligar-se para fins de aposentadoria e 12) aposentadoria. Além desses casos, o falecimento de docentes também consta excepcionalmente na documentação examinada.
Mesmo com diversas possibilidades de trajetórias na carreira docente – um ou dois turnos de trabalho, diferentes formas de ingresso e/ou de desligamento, classificação por entrâncias –, ao analisar as fontes, é perceptível a ocorrência de algumas regularidades entre as trajetórias docentes se considerarmos a categoria gênero.
Gênero | ||
---|---|---|
Desligamento do Magistério | Feminino | Masculino |
Exoneração a pedido | 30 | 3 |
Exoneração sem justificativa | 24 | 11 |
Avulsão a pedido | 9 | 1 |
Desligamento do magistério municipal para ingressar no magistério estadual | 7 | 0 |
Abandono | 0 | 2 |
Deixar de lecionar | 0 | 3 |
Total por gênero | 102 | 44 |
Total | 146 |
Fontes: Livros-folha 171, 05, 09, 14 e 28 (1932-1961); Índice do Livro de Leis, Atas e Decretos. 1892-1996 (1996).
A tabela apresenta o detalhamento do desligamento do serviço municipal através de seis (de um total de doze) caminhos possíveis. Ao longo do período estudado, foram registrados 146 desligamentos do magistério caiense – dos quais, 102 são desligamentos de mulheres e 44 de homens. A diferença numérica mais expressiva se dá nas exonerações a pedido – dessas, 30 dizem respeito a mulheres e 3 referem-se a homens. Do total de desligamentos contabilizados, 20,5% são exonerações a pedido de mulheres.
O desligamento do serviço municipal, evidentemente, entrelaça-se diretamente com a permanência dos profissionais na carreira – e ambos se correlacionam com as possibilidades profissionais distintamente constituídas para mulheres e homens no período. É grande o contingente de professoras que permanecem menos de um ano vinculadas ao magistério caiense: a rotatividade das mulheres resulta em quarenta permanências diminutas e em um expressivo número de desligamentos.
Acerca das carreiras de longa duração, o número de professores homens que permanecem mais de oito anos no magistério municipal é superior ao número de mulheres. Quantitativamente, sete mulheres e oito homens constituem longas permanências (oito a catorze anos no caso de mulheres e nove a vinte anos no caso de homens). Por que, em uma profissão majoritariamente feminina, mais homens do que mulheres percorrem longas trajetórias profissionais? Por que a rotatividade de professoras mulheres é tão alta? Em termos de hipótese, é possível sugerir que:
A estabilidade do homem na carreira docente pode estar vinculada com a prerrogativa social de que o homem é o provedor financeiro de seu núcleo familiar – dessa forma, é necessário que ele permaneça empregado e, concomitantemente, faz com que o trabalho da mulher seja provisório, já que elas não precisam trabalhar (FLÔRES, 2015, p. 37-38).
Ao esmiuçar as possibilidades existentes para exercer a docência no município de São Sebastião do Caí entre os anos de 1932 e 1961, faz-se necessário observar a remuneração destinada aos docentes. Discrepâncias de salário entre professores são percebidas em todo o período: durante os 29 anos compreendidos pelo estudo existem diferenças salariais. As faixas salariais que se estabeleceram divergiam entre si por tipo de ingresso na municipalidade – subvenção, contrato ou concurso – e pela classificação por entrâncias (ou, ainda, dentro dessas categorias, cujas razões são desconhecidas).
Ano | 1932 | 1936 | 1940 | 1942 | 1948 | 1954 |
---|---|---|---|---|---|---|
Tipo de vínculos | ||||||
Subvenção | 50.000 até 100.000 | 50.000 até 100.000 | 50.000 até 100.000 | 50.000 até 100.000 | n/a | n/a |
Municipal (entrâncias) | 100.000 | 75.000 até 200.000 | 1° 130.000 | 1° 130.000 até 200.000 | 1ª Cr$ 325,00 | 1ª Cr$ 900,00 |
2° 140.000 | 2° 140.000 até 160.000 | 2ª Cr$ 400,00 | 2ª Cr$ 950,00 | |||
3° 160.000 | 3ª 160.000 até 220.000 | 3ª Cr$ 475,00 | 3ª Cr$ 1.000,00 |
Fontes: Livros-folha 171, 05, 09, 14 e 28 (1932-1954); legislação caiense nº 151, 232, 361, 389 (1932-1954).
A tabela apresenta os valores recebidos como pagamentos pelos profissionais do magistério caiense. Nela, é possível perceber diferenças de remuneração no interior da categoria. Entre os anos de 1936 e 1942, era possível que um docente recebesse até quatro vezes mais que seu colega de profissão. Mesmo que os tipos de vínculo com a municipalidade fossem diversos, não são explicitados os requisitos para maior ou menor remuneração, recebimento ou não de contribuições além do vencimento. É interessante observar as diferenças de valores entre as entrâncias no ano de 1942, mas também no interior de cada uma – era possível que uma professora de 2ª entrância recebesse menos que uma professora de 1ª entrância, por exemplo. Ainda, ao analisar o passar dos anos, pode-se observar que a faixa salarial para professores subvencionados é fixa, enquanto o valor de pagamento dos docentes municipais apresenta variação de valor. Observe-se, ainda, que os valores pagos aos professores municipais, a partir de 1940, é sempre maior do que o dos professores subvencionados, o que aponta para uma desvalorização da subvenção na carreira docente.
Além das diferenças de remuneração na categoria docente, também é interessante estabelecer algumas comparações com outras categorias profissionais. Por meio dessa análise relacional, observando-se o valor social atribuído a diferentes profissões e seus respectivos vencimentos, é possível avançar na compreensão acerca da desvalorização do magistério. Um dos elementos apontados como razão da variação salarial é a jornada de trabalho semanal: enquanto muitas profissões exigem 40 ou 48 horas semanais de trabalho, a docência é principalmente uma profissão de meio turno. Para calcular a equivalência salarial entre as categorias, optamos por apresentar o valor proporcional a uma jornada semanal de vinte e quatro horas para todas as categorias. Feito o ajuste, percebe-se a fragilidade do argumento.
Ano | 1932 | 1948 | 1954 | 1958 |
---|---|---|---|---|
Atividade exercida | ||||
Professor | 50$000 | Cr$ 325,00 | Cr$ 900,00 | Cr$ 2.000,00 |
Jardineiro | - | Cr$ 450,00 | - | - |
Chauffeur | - | Cr$ 450,00 | Cr$ 1.100,00 | Cr$ 2.250,00 |
Médico municipal | 200$000 | - | - | - |
Contador | - | Cr$ 1.500,00 | Cr$ 2.125,00 | Cr$ 5.125,00 |
Secretário municipal | - | Cr$ 1.500,00 | Cr$ 2.125,00 | Cr$ 5.125,00 |
Prefeito | 708$300 | - | - | - |
Fontes: Livro-folha 171 (1932-1958); legislação caiense nº 151, 232, 361, 389 (1932-1954).
Ou seja, em qualquer ano do período estudado, por vinte e quatro horas de trabalho semanais, os professores percebem valores menores do que os de qualquer outra categoria municipal (incluindo profissões com menor exigência quanto ao nível de escolaridade, como chauffeur e jardineiro). Ao observar os valores brutos, nota-se que docentes municipais recebiam 3,5% do pagamento destinado ao prefeito municipal. Da mesma forma, o pagamento de um secretário municipal ou de um contador (Cr$ 3.000,00) era aproximadamente o vencimento de dez docentes, em 1948.
É necessário, ainda, acrescer uma lente à análise da remuneração destinada aos docentes caienses: a comparação com o salário mínimo. Sua implementação resultou de lutas trabalhistas do início do século XX, estabelecendo o menor valor que um trabalhador poderia receber mensalmente por jornadas de trabalho de 48 horas semanais. Considerando apenas a equivalência direta entre jornadas de trabalho e valor correlacionado, se utilizará 50% do salário mínimo vigente para comparar à remuneração do magistério caiense. Ao calcular a equivalência do salário mínimo para jornadas de meio turno, tomando por hipótese as 24 horas semanais, e parear ao menor valor percebido por docentes no período estudado, obtém-se a tabela abaixo.
Data de Vigência (salário mínimo) | Salário Mínimo (integral – 48h semanais) | Salário Mínimo equivalente (20h semanais) | Remuneração mais baixa entre docentes |
---|---|---|---|
04/07/40 | 220$000 | 110$000 | 50$000 |
17/07/43 | Cr$ 275,00 | Cr$ 137,50 | Cr$ 130,00 |
01/12/43 | Cr$ 360,00 | Cr$ 180,00 | Cr$ 150,00 |
01/01/52 | Cr$ 1.190,00 | Cr$ 595,00 | Cr$ 325,00 |
04/07/54 | Cr$ 2.300,00 | Cr$ 1.150,00 | Cr$ 550,00 |
01/08/56 | Cr$ 3.700,00 | Cr$ 1.850,00 | Cr$ 1.100,00 |
01/01/59 | Cr$ 5.900,00 | Cr$ 2.950,00 | Cr$ 2.000,00 |
18/10/60 | Cr$ 9.440,00 | Cr$ 4.720,00 | Cr$ 2.500,00 |
16/10/61 | Cr$ 13.216,00 | Cr$ 6.608,00 | Cr$ 4.000,00 |
Fontes: DIEESE (2000-2001); livros-folha nº 05, 09, 14 e 28 (1932-1958).
Feita a análise, é possível perceber que apenas durante meio ano, entre julho e dezembro de 1943, a remuneração docente foi superior ao salário-mínimo equivalente em vigor.
Considerações finais
A desvalorização da docência é permanente: há mais de um século, existem disparidades de remuneração, condições de trabalho e tipos de formação docente. As diversas possibilidades na carreira – ser professora concursada ou contratada, subvencionada ou terceirizada; ter se formado como continuísta, leiga, normalista ou pedagoga, atuar em turmas multisseriadas, grupos escolares, escolas isoladas ou institutos de Educação – potencializam e/ou limitam o magistério. Conhecer como se delinearam essas possibilidades nos processos históricos específicos contribui para melhor compreender algumas das características e vários dos desafios atuais da profissão docente. Buscamos neste artigo apresentar aspectos importantes quanto à forma de ingresso e desligamento da profissão docente municipal em São Sebastião do Caí/RS, entre 1932 e 1964, as diferenças de classificação e remuneração dos professores em atuação nas escolas do município naquele período e, ainda, a comparação com valores recebidos por outros trabalhadores no mesmo momento e local.