Introdução
Com a globalização, as políticas públicas circulam rapidamente, difundindo-se não somente entre nações, mas também em contextos longínquos dos grandes centros. No dizer de Oliveira e Pal (2018, p. 200), “[...] no mundo globalizado, onde as fronteiras do Estado são permeáveis e a política pública viaja transnacionalmente, a difusão de políticas é o que conecta naturalmente a política doméstica à internacional”.
Observa-se em países de todo o mundo a adesão ao que Verger, Fontdevila e Parcerisa (2019) denominam de Avaliações Nacionais em Larga Escala (ANLE), baseadas em testes aos estudantes (ABT), os quais se constituem como elemento crucial dos sistemas de accountability e da implantação da gestão e controle de resultados.
No Brasil, a criação do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), em 1990, foi um marco na implementação de novos modos de gestão e regulação da educação básica. Especialmente a partir de 2005, quando sofre significativa inflexão em seu desenho, a avaliação deixa de ser exclusivamente amostral e se incorpora à Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), em caráter censitário. A Anresc, também denominada "Prova Brasil", de acordo com Bonamino e Sousa (2012), foi uma avaliação que propiciou retratar especificidades de municípios, informar a evolução do desempenho de alunos e escolas e subsidiar políticas de responsabilização educacional1.
Nessa mesma perspectiva, gradualmente se intensificou o movimento de criação de avaliações próprias por estados brasileiros, que se alinham ao modelo de gestão por resultados, como mostram os trabalhos de Segatto e Abrucio (2017) e de Tripodi e Sousa (2016), entre outras publicações.
Também houve a implantação da Prova Brasil, cujos resultados se constituíram como um dos componentes do cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Ela cria a ambiência para a proliferação de avaliações próprias no nível dos municípios. Agrega-se a tal contexto uma nova faceta na história das avaliações em larga escala no Brasil, até então circunscrita às proposições do governo federal e de governos estaduais (BAUER; HORTA NETO; SOUSA, 2016; SOUSA, 2013).
A ampliação do número de proposições municipais foi acompanhada do desenvolvimento de estudos que se dedicaram a explorar suas características, suas influências na formulação de políticas para a educação básica e na sua gestão, suas repercussões no trabalho escolar e eventuais distinções ou avanços das abordagens avaliativas implementadas nas municipalidades em relação aos sistemas estaduais e federal vigentes, dentre outros recortes. As reflexões deste artigo partiram da seguinte questão: apesar da existência de um sistema nacional e de sistemas estaduais para a avaliação da educação básica, por que municípios tomam a decisão de criar uma avaliação própria?
Com base em achados de teses e dissertações sobre avaliação em larga escala de nível municipal, veiculadas pela Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), entre os anos de 2004 e 2020, este artigo apresenta um levantamento de pesquisa e tem por objetivo analisar motivações de municípios brasileiros para a criação de avaliações próprias. O exame dessas produções possibilitou a compreensão de motivações que levam à emergência de tal fenômeno nas municipalidades.
As teses e dissertações inventariadas se debruçaram sobre experiências de municípios específicos e se caracterizam por adotar procedimentos metodológicos de natureza qualitativa. Pôr em diálogo as informações trazidas por essas produções é um caminho promissor para lidar com a dispersão dos conhecimentos produzidos sobre a temática. Dar visibilidade às contribuições trazidas por esses estudos contribui para discussões sobre implementação da avaliação em larga escala no Brasil, considerando não só o fato destas terem se firmado como esteio de políticas educacionais, mas, além disso, a crescente presença e gradual protagonismo das municipalidades nesse processo.
A decisão de focalizar a pesquisa em evidências quantitativas presentes em estudos conduzidos por terceiros se apoiou na oportunidade de se recorrer à metassíntese qualitativa. Os estudos situados neste tipo de estudo de revisão “[...] partem de uma questão central de pesquisa, bem delimitada, e buscam identificar pesquisas que utilizam fontes primárias que procuraram responder o mais próximo possível da questão formulada pelo pesquisador” (VOSGERAU; ROMANOWSKI, 2014, p. 176). A partir da seleção das produções inventariadas, o foco da metassíntese se concentra em achados e contribuições das teses e dissertações selecionadas conforme suas contribuições para a compreensão de motivações dos municípios para a criação de avaliações.
Seguindo as orientações de Vosgerau e Romanowski (2014), na análise e na sistematização dos resultados, optou-se pela abordagem interpretativa articulada à criação de classes, com base nas evidências qualitativas encontradas. Os achados das produções analisadas foram agrupados em duas grandes classes: i) iniciativas municipais induzidas por avaliações de outros entes federados; ii) especificidades de iniciativas municipais em face das do governo federal e de governos estaduais.
Mapeamento e traços dominantes da produção analisada
O levantamento bibliográfico esquadrinhou a literatura veiculada pela Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) sobre iniciativas municipais de avaliação, com restrição aos assuntos “educação” e “avaliação”, entre 2002 e 2021. A escolha da BDTD, vinculada ao Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), deu-se pelo fato de sua plataforma congregar expressivo número de teses e dissertações oriundas de diversas instituições brasileiras, o que a torna um dos principais veículos de divulgação de trabalhos dessa natureza2. Quanto à delimitação temporal, as buscas foram realizadas de 2002, o ano de lançamento da BDTD, estendeu-se até 2021, dado que, em 2022, procedeu-se a análise dos títulos selecionados.
A triagem da produção considerou se o título em análise possuía uma das seguintes expressões: “sistema municipal de avaliação”, “sistemas municipais de avaliação”, “avaliação municipal”, “avaliação do município” e “avaliação da rede municipal”. O interesse se concentrou nas experiências de avaliação em larga escala promovidas por municípios, excluindo-se as publicações sobre outras vertentes de avaliação educacional. Com base nos critérios adotados, foram encontradas cinco teses e 23 dissertações, concluídas entre 2004 e 2020.
Dos 28 estudos que compuseram o corpus de análise, dez tomam como objeto de investigação experiências municipais de avaliação do estado de São Paulo; cinco debruçam-se sobre iniciativas implantadas em municípios cearenses; quatro retratam avaliações realizadas em municípios mineiros; dois investigam diferentes iniciativas organizadas por municípios sul-mato-grossenses; dois registram a existência desses mecanismos em cidades gaúchas; um versa sobre a avaliação própria do município de Vitória - Espírito Santo; um toma como lócus de pesquisa a cidade de Ponta Grossa - Paraná; dois estudam as iniciativas de avaliação promovidas pela Secretaria Municipal de Educação de Teresina - Piauí e um analisa a avaliação proposta por Belém - Pará.
As teses e as dissertações analisadas dão conta da ocorrência de avaliações próprias em municípios pertencentes às cinco regiões do país, com o predomínio de produções que analisam avaliações de municípios no estado de São Paulo. Se, por um lado, esse número deve-se à existência de grupos de pesquisa nesse estado que vêm construindo tradição em tal campo de estudos 3; por outro lado, o movimento de criação de avaliações municipais em seu território pode ser lido como expressão de aderência e valorização da avaliação em larga escala na condução das políticas educacionais, prática esta, presente no estado de São Paulo desde a década de 1990.
Os estudos concluídos entre 2004 e 2020 transitam nas áreas de Ciências Humanas e Ciências Sociais Aplicadas, com maior incidência na de Ciências Humanas (Educação), que concentrou 25 das teses e dissertações. A produção é mais volumosa a partir de 2013, com a conclusão de 22 das 28 produções científicas localizadas. Em seu conjunto, as teses e dissertações que compuseram o corpus de análise trazem contribuições que permitem entender como, por que e sob quais condições e limitações tais avaliações vêm se implementando no Brasil. No presente artigo, dado o conhecimento tangencial sobre o tema, recorreu-se a tais produções para captar anseios e motivações que adornaram o cenário de criação dessas propostas em contextos municipais.
Iniciativas municipais induzidas por avaliações de outros entes federados
Com base em dados coletados entre abril e setembro de 2014, Bauer, Horta Neto e Sousa (2016) constataram que, dentre os 4.309 municípios brasileiros participantes do estudo, 1.784 (41%) não possuíam avaliação própria; 1.573 (37%) possuíam avaliação própria; 905 (21%) não a possuíam, mas tinham o propósito de implementá-la. As demais redes (47) não responderam à questão. Para eles, o estudo evidenciou a presença ou a intenção de desenvolver uma avaliação municipal em mais da metade dos municípios investigados, o que indica que essas avaliações vêm ganhando progressiva legitimidade na gestão municipal da educação (BAUER; PIMENTA; HORTA NETO; SOUSA, 2015).
No tocante ao período em que a avaliação foi implantada pelos 1.573 municípios, segundo os dados da referida pesquisa, de 1982 a 2004, houve a implantação de 103 desenhos de avaliação próprios, e, no período de 2005 a 2014, foram criadas 1.280 avaliações municipais4. Os dados evidenciam que. a partir de 2005, ano de criação da ANRESC, o movimento de implantação de avaliações municipais se aquece consideravelmente, cuja origem se registra nos anos finais da década de 1980.
Com o objetivo de elucidar motivações de municípios brasileiros para a criação de avaliações próprias, apresentam-se destaques da produção analisada que apoiam a interpretação sobre motivações por que municípios tomam a decisão de criar uma avaliação própria, apesar da existência do sistema nacional e de sistemas estaduais de avaliação da educação básica.
O estudo de Moreira (2004) investigou intenções e orientações políticas que permearam a realização da avaliação de Três Lagoas (Mato Grosso do Sul), criada em 1997. Moreira (2004) constatou que a opção do município de avaliar sua rede de ensino resultou da influência da política educacional brasileira que, por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996), designou a avaliação como instrumento de controle da qualidade da educação. Conforme a referida autora, o município também foi motivado a essa iniciativa por apresentar elevados índices de evasão e repetência.
Nos municípios de Amparo e São Paulo, respectivamente estudados por Ferrarotto (2011) e Born (2015), o fator preponderante que levou à proposição de uma avaliação dessa natureza pelas gestões municipais foi a constatação de resultados insatisfatórios apresentados pelos estudantes em provas externas de cunho nacional. Segundo Ferrarotto (2011), em Amparo havia um consenso de que a educação ofertada era muito boa, percepção não confirmada pelos resultados da rede no Saeb. Posto isso, o mecanismo de avaliação desta municipalidade “[...] foi implementado na tentativa de verificar a validade de tais dados” (FERRAROTTO, 2011, p.42). Já em São Paulo, consoante Born (2015), a iniciativa avaliativa foi proposta em face do baixo desempenho da rede de ensino no Saeb e no Programme for International Student Assessment (Pisa).
Born (2015) registrou que a avaliação própria se encontrava fortemente arraigada nos sistemas avaliativos supramencionados, fixando-se no município como uma forma de lograr a qualidade do ensino postulada pelas avaliações externas. Similares apontamentos foram apresentados por Pimenta (2012), que constatou uma relação de dependência da Avaliação Municipal do Desempenho do Aluno (AMDA) de Indaiatuba (São Paulo) com as demais avaliações externas, especialmente com a Prova Brasil, sendo a AMDA realizada em prol do desempenho da rede nessas avaliações. A autora (2017) também registrou que a necessidade de possuir uma avaliação articulada ao Saeb foi um dos motivos que levou Catanduva (São Paulo) a instituir seu mecanismo próprio de avaliação.
Indicativos da tendência de realizar avaliação própria a partir e/ou em prol dos resultados do município em avaliações conduzidas pela instância federal também foram obtidos na pesquisa de Ovando (2011). Em sua análise (2011, p. 6), destacou que “[...] a incorporação das avaliações externas à política educacional municipal tem sido crescente mediante impulso do Ideb”. Em Jaguaruana (Ceará), por sinal, conforme Carvalho (2013) evidenciou, a avaliação própria do município foi proposta justamente como uma estratégia para elevar o Ideb da rede de ensino. Já em Itabira (Minas Gerais), o mecanismo “[...] foi criado considerando os índices alcançados no IDEB” (OLIVEIRA, 2020, p. 39). Nos estudos supracitados é flagrante a relação da implantação da avaliação municipal com avaliações em larga escala conduzidas externamente aos municípios e/ou com o Ideb, estando a avaliação própria orientada para colaborar com a ascensão dos indicadores de desempenho da rede municipal de ensino.
Evidências de tal conformação também vieram à tona na pesquisa “Avaliação e gestão educacional em municípios brasileiros”, conduzida por Bauer, Horta Neto e Sousa (2016). Neste estudo há a indicação de que diversos gestores municipais, ao justificarem a decisão de fazer uma avaliação própria, mencionaram as avaliações conduzidas em âmbito nacional e o registro de “[...] que a implantação das iniciativas próprias, muitas vezes, foi reportada como uma estratégia para a melhoria de resultados nessas avaliações” (BAUER; HORTA NETO; SOUSA, 2016, p. 130). Portanto, não é possível ignorar que este é um dos fins a que tais iniciativas se destinam, sendo pensadas em decorrência de iniciativas do Ministério da Educação, em especial a Prova Brasil, em 2005 e o Ideb, em 2007.
Outra expressão dessa influência, segundo Ovando (2011), é o esforço dos municípios em reproduzir o protocolo das avaliações nacionais, sendo a avaliação própria posta, por quatro municípios sul-mato-grossenses, como um dos eixos da política de melhoria da qualidade do ensino s. A instituição da avaliação municipal, nos moldes das avaliações em larga escala de âmbito estadual e/ou nacional, também foi uma constatação que se sobressaiu nas análises produzidas por Born (2015), Carvalho (2013), Freitas (2015), Muniz (2016), Pimenta (2012), Silva (2017) e Sousa (2019). O ato de o município tentar reproduzir avaliações federais e/ou estaduais tende a não se dar unicamente pelo fato de serem estas as principais referências brasileiras de avaliação de qualidade, mas, também, como um meio de treinar os estudantes para os testes aplicados por esses sistemas de avaliação.
Indícios nesse sentido foram obtidos por Born (2015), Carvalho (2013), Freitas (2015), Muniz (2016), Silva (2017) e Pimenta (2012), em municipalidades cujas avaliações eram orientadas e utilizadas para fins de preparação dos estudantes, habilitando-os a lidar com outras provas e a lograr um bom desempenho. Provavelmente tais municípios esperam, desse modo, alcançar as metas do Ideb, tal como relataram Carvalho (2013) e Freitas (2015). Como já ressaltado na introdução deste artigo, tem-se observado que a implementação de propostas em nível municipal tende a encontrar contexto mais favorável em estados que dispõem de sistemas de avaliação consolidados. No Ceará, a emergência dessas iniciativas também foi favorecida pelas ações desenvolvidas pelo Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), lançado em 2006.
Conforme detalham Marques, Ribeiro e Ciasca (2008), inicialmente, dentre outros objetivos, o Paic teve o intuito de estimular e auxiliar os municípios do estado do Ceará a desenvolverem suas avaliações próprias. Com as ações do Paic voltadas para esse fim, algumas das secretarias municipais de educação lançaram suas avaliações, totalmente pautadas nas orientações e configurações da avaliação desenhada pelo referido programa ou a partir delas, como revelado por Dantas (2018) e Sousa (2019), no tocante a dois municípios cearenses, Fortaleza e Russas, respectivamente.
Pode-se afirmar que as propostas delineadas na esfera municipal tendem a ser tomadas por suas gestões como potenciais mecanismos para se alcançarem os parâmetros de qualidade da educação básica estabelecidos pela União e/ou pelos estados. O fato é que, muitas vezes, a criação dessas iniciativas tem sido amparada por discursos que associam a avaliação própria à qualidade da educação municipal, no tocante à sua aferição e/ou à sua melhoria, como registram os trabalhos de Born (2015), Carvalho (2013), Dantas (2019), Ecoten (2013), Ferrarotto (2011), Figueiredo (2008), Freitas (2015), Monte (2018), Moreira (2004), Ovando (2011), Passamai (2014), Pereira (2014), Pimenta (2017), Raimundo (2013), Rosa (2014), Silva (2013), Silva (2017) e Sousa (2019).
Em síntese, as evidências localizadas nas teses e dissertações consultadas possibilitam ver que, em muitos dos casos, a gênese desses processos avaliativos está na busca pela melhoria dos resultados da rede municipal de ensino nos sistemas nacional e estadual de avaliação do ensino básico, vistos como equivalentes à qualidade da educação. Com isso, pode-se considerar que a criação das avaliações promovidas ou encomendadas pelos municípios brasileiros tem sido induzida por outros entes federados. Além disso, outras motivações para a implementação dessas iniciativas também foram inferidas pelas dissertações e teses consultadas.
Especificidades de iniciativas municipais em face das do governo federal e de governos estaduais
As exigências da sociedade moderna têm apresentado para a escola o desafio de formar cada vez melhor seus alunos, têm exigido que a escola contribua efetivamente para aumentar o grau de letramento de seus alunos. Isto é, para torná-los cada vez mais capazes de usar a leitura e a escrita em suas práticas sociais e não somente em tarefas escolares. Não basta apenas se apropriar da tecnologia da escrita, ou estar alfabetizado. É preciso possuir, entre outras, habilidades de ler, compreender e usar textos presentes no nosso dia-a-dia [...]. Possuem também um grau elevado de letramento aqueles que tomam a leitura/escrita para passar o tempo, para descansar e relaxar, que fazem uso dela em seus momentos de lazer (CAFIERO, 2005, p. 9-10).
Ao afirmar: “Não basta apenas se apropriar da tecnologia da escrita, ou estar alfabetizado” a autora chama a atenção para o fato de que ensinar a ler não se restringe ao ensino dos princípios do sistema de escrita alfabético, mas que há muitas outras habilidades que precisam ser ensinadas e aprendidas. Quando se aprende a ler, a capacidade de compreender textos não é incluída, isso faz parte de um processo que envolve práticas docentes intencionais que devem ser cuidadosamente planejadas. Para tanto, faz-se necessário que desde os primeiros anos de escolarização sejam desenvolvidas práticas de ensino da leitura voltadas para a dimensão dos usos sociais dos textos que circulam e são lidos no cotidiano, mas sem olvidar a dimensão estética da leitura. A esse respeito, Kramer (2001, p. 64), defende que “[...] no tocante ao ensino da língua escrita, não se pode prescindir da literatura, pois é ela que favorece a prática de ler, a interação com os livros, a atribuição de significados ao texto, além de evidentemente propiciar o prazer de ler”.
O ensino da leitura, portanto, deve estar comprometido com a formação de leitores(as) para os diversos fins sociais e culturais que os textos assumem no cotidiano das crianças em processo de alfabetização, a partir do uso de estratégias variadas e diferentes modos de organização textual, adequados aos diversos propósitos comunicativos.
Desse modo, é preciso ajudar os alunos a desenvolver capacidades que possibilitem atender a diferentes finalidades de leitura, presentes na escola e fora dela. Um primeiro passo para isso é fazer com que os alunos tomem consciência sobre os diferentes modos de ler, relacionados aos diferentes propósitos de leitura na sociedade (LEAL; MELO, 2006, p. 42).
Frente a tantas demandas relacionadas ao ensino da leitura, o(a) professor(a) alfabetizador(a) precisa atuar de modo a favorecer a aquisição da leitura na escola, sem que sua função sociocultural seja descaracterizada. Para tanto, é indispensável o desenvolvimento de ações formativas específicas e contínuas que habilitem os (as) docentes para o trato com os aspectos cognitivos, culturais e sociais, que envolvem o ensino da língua escrita.
Procedimentos metodológicos
Nas produções inventariadas, foi possível visualizar que as avaliações municipais serviam a estratégias definidas para atender às exigências induzidas por iniciativas nacional e/ou estadual de avaliação da educação básica. Foi também possível identificar a proposição de tais mecanismos associados ao reconhecimento de limitações dos sistemas de avaliação desenvolvidos pela União e pela maioria dos estados brasileiros.
As teses e dissertações consultadas identificaram motivações relativas à dificuldade de as redes municipais de ensino se reconhecerem nos resultados das avaliações e à não proximidade da avaliação com as suas necessidades, expressas nos trabalhos consultados: promover uma avaliação de caráter formativo e democrático, adequar a avaliação à realidade do município, avaliar outros componentes curriculares além dos abrangidos pelo Saeb, avaliar outros anos de escolaridade do ensino fundamental além dos considerados no Saeb, acessar rapidamente os resultados para tomar decisões, compreender os resultados da avaliação, acompanhar o desempenho individual das escolas e dos alunos, fazer uso dos resultados em ações de intervenção pedagógica, subsidiar projetos de alfabetização na pré-escola, responsabilizar as escolas pelos resultados e subsidiar ações e decisões da gestão municipal.
De modo a explicitar esse segundo movimento, convém citar as descobertas efetivadas por Passamai (2014). Ao analisar o processo de implantação do Sistema de Avaliação da Educação Pública Municipal de Vitória (Saemv), a referida pesquisadora constatou que tal iniciativa buscou se firmar em contraposição às configurações assumidas pelas avaliações em larga escala difundidas no contexto estadual e nacional, especialmente referentes a ranqueamento, meritocracia, bonificação e responsabilização. De acordo com Passamai (2014), na lei que homologou a sua criação, o Saemv foi definido como mecanismo de caráter formativo e democrático, cujo protagonismo seria dado aos atores das escolas. Ademais, sua criação também foi justificada por se adequar à realidade educacional do município.
No que diz respeito à participação das equipes escolares, convém destacar que tal envolvimento é parte constituinte de algumas das avaliações municipais, aspecto já apontado por Bauer, Horta Neto e Sousa (2016) e por Silva e Fernandes (2019). Quanto à adequação da avaliação municipal às especificidades da rede avaliada, tal justificativa estabelece interlocução com as constatações de Ferrarotto (2011) e Rosa (2014), bem como com os resultados de outros estudos não compreendidos nesta metassíntese, como os de Aguiar (2014), Breves, Monteconrado e Rocha (2016) e Costa e Oliveira (2006). Assim, pode-se dizer que há municipalidades que têm empenhado esforços para lançar desenhos de avaliação ajustados à sua rede escolar. Além dessa motivação, como verificado por Carvalho (2013), a proximidade da avaliação com a rede de ensino é outro fator que tem seduzido muitas secretarias municipais de educação a adotá-los.
Ambas as motivações estão relacionadas com o fato de que a avaliação está subordinada à gestão educacional do município. Assim, a secretaria de educação pode determinar quando, onde e como serão divulgados os dados da avaliação e possui, na maioria das vezes, um pronto e vasto acesso aos seus resultados. A necessidade de acessar rapidamente os resultados da avaliação, enquanto fator que tem pesado na decisão de municípios organizarem avaliação própria, é aspecto registrado por Born (2015), Kailer (2017), Monte (2018), Moreira (2004), Pimenta (2017), Rosa (2014), Silva (2013), Silva (2017) e Sousa (2019). Tal anseio, na medida que carrega uma crítica aos sistemas nacional e estaduais de avaliação da educação básica, com relação à demora na divulgação dos resultados, está intimamente imbricado com a urgência de se fazer uso dos dados da avaliação, tanto no plano das instituições escolares quanto no plano da secretaria de educação.
Paralelamente à questão do acesso aos resultados, o modo como tais dados são disponibilizados e os métodos utilizados para tanto permitem à rede de ensino compreendê-los com mais facilidade, como registram os trabalhos de Born (2005) e Oliveira (2020). No caso do município de São Paulo, além das justificativas já mencionadas, Born (2015) relacionou a criação da avaliação própria com a dificuldade da rede de ensino em se reconhecer nos resultados das avaliações desenvolvidas pela União. Já em Itabira (Minas Gerais), a ideia do município era “[...] conceber uma avaliação sistêmica com a geração mais dinâmica de resultados e que atendesse às necessidades específicas das escolas” (OLIVEIRA, 2020, p. 17).
A este propósito, as proposições estudadas por Born (2015) e Silva (2013) foram delineadas de modo a permitir não só o acompanhamento do desempenho de cada escola, mas também o de cada estudante da rede. Nessas situações, a discriminação dos resultados da avaliação no nível do aluno traduz-se em condição para a realização da intervenção pedagógica. Os anseios quanto ao acesso e à compreensão dos resultados da avaliação têm sido acompanhados por outras motivações, muitas vezes apresentadas com grau superior de importância, como é o caso do desejo de que, a partir do diagnóstico gerado pela avaliação própria, ocorram ações de intervenção pedagógica no processo de aprendizagem em curso. Assim, o intuito de direcionar o fazer docente em prol da superação de lacunas no aprendizado estudantil é outra motivação que tem capitaneado a criação de avaliações próprias em contextos municipais, aspecto identificado nos trabalhos de Arruda (2011), Born (2015), Carvalho (2013), Figueiredo (2008), Freitas (2015), Kailer (2017), Muniz (2016), Passamai (2014), Raimundo (2013), Rossini (2013), Silva (2013), Silva (2017) e Sousa (2019).
A questão da disponibilização de dados da avaliação por aluno também foi um aspecto constatado por Gimenes, Silva, Príncipe, Louzano e Moriconi (2013), quando analisaram as razões que levaram quatro secretarias de educação a elaborarem avaliações próprias. Algumas das justificativas identificadas por tais pesquisadores também se vincularam à necessidade de obter rápido acesso aos resultados da avaliação, bem como de ampliar os anos de escolaridade abrangidos pela avaliação. No levantamento bibliográfico consultado para esta metassíntese, a criação de uma avaliação própria em face da importância para a gestão municipal de avaliar outros componentes curriculares, além dos habitualmente aferidos pelas avaliações externas, foi uma tendência observada por Born (2015) e Rosa (2014). Ademais, conforme Born (2015), também interessava à gestão educacional do município avaliar todos os anos de escolaridade do ensino fundamental.
Entre as produções exploradas, Pimenta (2017) e Vitório (2019) se reportam especificamente a iniciativas de avaliação aplicadas na educação infantil. No trabalho de Vitório (2019), que foca na avaliação do desempenho de crianças matriculadas na pré-escola de Teresina5, evidencia-se que a motivação para o desenvolvimento de uma avaliação para essa etapa, no ano de 2014, teve raiz na adesão ao Pacto Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), no ano de 2012. Em 2013, o município estabeleceu como meta “atingir 60% das crianças do 2º período da educação infantil em nível de escrita alfabética, estabelecendo meios para obtenção de informações sobre o desempenho” (VITÓRIO, 2019, p. 84). Nessa linha, a avaliação foi concebida de modo a subsidiar o projeto de alfabetização pensado para a pré-escola.
Como evidenciado por Vitório (2019, p. 82 e 19): “[...] se tinha um programa de ensino estruturado e as avaliações existentes (ANA e Provinha Brasil) não supriam essa necessidade[...]; era preciso uma avaliação que conseguisse perceber o que estava sendo feito no início do processo de alfabetização na pré-escola”. A motivação desse munícipio foi pautada na concepção de uma avaliação como instrumento de articulação entre a educação infantil e o ensino fundamental, o que tipificava a pré-escola como uma etapa preparatória para o ingresso no ensino fundamental. Além de outras motivações já apontadas, tal aspecto também foi verificado por Pimenta (2017). Com efeito, em um dos municípios pesquisados pela estudiosa (2017) , a criação da avaliação para esta etapa da educação infantil teve relação com o objetivo de preparar as crianças para o ingresso no ensino fundamental.
Pelo exposto, pode-se considerar que a decisão das municipalidades de desenhar avaliações próprias tem suas raízes em anseios pelo diagnóstico e acompanhamento do ensino e da aprendizagem, motivação ressaltada na maioria das produções científicas, o que também constataram Bauer, Horta Neto e Sousa (2016). Ficou patente em duas dissertações de mestrado (MOREIRA, 2004; MUNIZ, 2016) que tal diagnóstico se fez urgente no início dos trabalhos da equipe à frente da secretaria municipal de educação. A proposição da avaliação como instrumento capaz de subsidiar decisões e ações dos gestores municipais é defendida em Born (2015), Freitas (2015), Moreira (2004), Pimenta (2012; 2017), Pinheiro (2019) e Silva (2013). Mais especificamente, há destaque em alguns estudos à avaliação como fonte de informação para formular, monitorar, avaliar ou redesenhar políticas e/ou programas educacionais (BORN, 2015; DANTAS, 2018; ECOTEN, 2013; FERRAROTTO, 2011; FIGUEIREDO, 2008; KAILER, 2017; MONTE, 2018; OVANDO, 2011; PASSAMAI, 2014; RAIMUNDO, 2013; ROSA, 2014; ROSSINI, 2013; SILVA, 2017) e/ou nortear a formação continuada dos professores (BORN, 2015; PIMENTA, 2017; PINHEIRO, 2019; RAIMUNDO, 2013; ROSSINI, 2013; SILVA, 2017).
Além da concepção da avaliação como instrumento de gestão educacional, os municípios visualizam a avaliação como uma aliada da gestão escolar e do trabalho pedagógico, de modo que contribui para a melhoria da aprendizagem dos avaliados e do desempenho do alunado nas provas aplicadas em nível nacional e estadual. Como referem Costa, Vidal e Vieira (2019, p. 13) “A pauta não seria unicamente a periodicidade e a especificidade, mas também a criação de uma cadeia hierárquica de avaliação e regulação, e no limite, a preparação para os testes”. Assim sendo, as consequências dessas avaliações sobre os processos e os atores escolares tendem a se dar com rapidez e intensidade, na mesma velocidade com que o diagnóstico costuma ser divulgado. Por sinal, foi no sentido de responsabilizar as escolas pelos resultados da avaliação que, segundo Silva (2013), a avaliação de Belo Horizonte (MG) foi pensada. Tudo leva a crer que, quando dados são produzidos nesse nível administrativo, os processos de responsabilização assumem grandes proporções, pois, além de maior agilidade na divulgação das informações, tendem a ser encabeçados por agentes internos à rede de ensino, com maior poder de interferência no delineamento das políticas municipais.
O que é possível concluir
A bibliografia analisada evidenciou que as aspirações e as motivações das secretarias municipais de educação para a implantação de avaliações próprias em larga escala podem ser observadas sob diferentes ângulos. Embora se desenvolvam sob um discurso comum que associa avaliação e qualidade da educação, os municípios têm apresentado uma diversidade de argumentos para justificá-las.
A despeito das desigualdades administrativa e institucional na oferta da educação básica dos municípios estudados, um traço presente nas diversas proposições das gestões municipais é a assimilação da noção de que o principal indicador de qualidade da educação é o desempenho dos estudantes em testes, o que explica o surgimento e a gradual ampliação dessas proposições, com delineamentos similares, nessa esfera governamental.
Governar a educação com foco nos resultados é perspectiva adotada no Brasil a partir dos anos 1990, assumida inicialmente pelo governo federal e gradualmente implantada por governos estaduais e municipais. Nessa conjuntura, resultados das avaliações em larga escala se constituíram como expressão de qualidade. Em consequência, estados e municípios não só buscam cumprir metas estabelecidas pelo governo federal como também definem suas próprias metas (SEGATTO; ABRUCIO, 2017; TRIPODI; SOUSA, 2016), o que revela a absorção de uma perspectiva gerencial de administrar a educação.
No tocante à motivação para a implantação de uma avaliação própria, mesmo com a existência de um sistema nacional e de sistemas estaduais de avaliação da educação básica, é comum as secretarias municipais reconhecerem que os diagnósticos proporcionados por tais sistemas avaliativos se dão de modo tardio, ou seja, tornam-se sem valia para a melhoria da situação aferida de aprendizagem. Estando sob sua própria condução, o município tem autonomia para estabelecer a população a ser avaliada, a periodicidade da avaliação e a forma como ela se dará, além de viabilizar agilidade da divulgação e da análise de seus resultados.
É oportuno realçar que essa necessidade dialoga com as pretensões das municipalidades de melhorar o desempenho acadêmico dos estudantes em avaliações federal e e estaduais. Portanto, ao lado do interesse em utilizar os resultados da avaliação em ações de intervenção, reside a finalidade de preparar os estudantes para prestar os exames conduzidos pelos outros entes federados. O fato de essas iniciativas serem realizadas em prol do desempenho da rede nos sistemas nacional e/ou estadual de avaliação da educação básica tem feito com que seu delineamento seja proposto em conformidade com os traços adotados nesses sistemas.
Alguns estudos apontaram a subutilização por parte dos municípios dos resultados das avaliações coordenadas pelo MEC e pelas secretarias estaduais de educação e a crença de que essa dificuldade possa ser minorada ou até superada com proposições próprias, que permitem maior controle do processo de avaliação por parte da gestão local, com destaque para a possibilidade de divulgação rápida e detalhada dos resultados da avaliação, bem como implementação de ações que visam a contribuir para a melhoria da aprendizagem dos estudantes.
Diante dos achados da pesquisa aqui apresentada, repousa uma pergunta que fica para ser respondida em investigações futuras: até que ponto as expectativas dos municípios, quando idealizaram suas avaliações próprias, têm sido atendidas? Os resultados de testagens de estudantes em avaliações externas conduzidas pelo governo federal, em geral, revelam-se não promissores no sentido de induzir melhoria no desempenho dos estudantes. No entanto, ao que parece, a crença no potencial dessas avaliações de induzirem melhoria nas aprendizagens não se abala.