INTRODUÇÃO
Este estudo insere-se num projeto mais alargado de doutoramento em educação/especialidade de Supervisão e Avaliação em desenvolvimento, pelo primeiro autor, na Universidade de Aveiro (Portugal), sob a supervisão dos três restantes. O estudo aqui relatado tem como foco a caracterização de conceções de professores sobre a avaliação das aprendizagens dos alunos na disciplina de Educação Laboral (EdL) da 9ª classe do 1º ciclo do ensino secundário (ES1) das escolas estatais da cidade do Lubango (província da Huíla, República de Angola). O referencial do estudo enquadra-se (i) na literatura da especialidade, (ii) nos normativos do país, nomeadamente sobre avaliação no ES1 e (iii) no programa e no Manual Escolar (ME) adoptado na disciplina. A relevância desta investigação justifica-se pela importância que tem sido dada, em nível internacional, ao papel da avaliação dos alunos como forma de melhorar suas aprendizagens e o processo de ensino, e ainda pela necessidade premente de se melhorar a educação escolar em Angola. Com este estudo, espera-se contribuir para o desenvolvimento de conhecimento e de propostas de ação que possam melhorar a forma como a avaliação dos alunos se realiza nas escolas, em particular no contexto estudado.
A escolha da disciplina de EdL deve-se à experiência profissional do primeiro autor, docente dela há 11 anos, e às suas perceções acerca da necessidade de mudança das conceções e práticas de avaliação dos alunos na disciplina em questão.
De acordo com o foco do estudo, procurou-se responder à seguinte questão de investigação: em que medida as conceções dos professores das dez escolas estatais do ES1 da cidade do Lubango, sobre a avaliação das aprendizagens dos alunos na disciplina de EdL da 9ª classe, articulam-se com a literatura, com os normativos nacionais atuais e com o que se objetiva para a disciplina? Para operacionalizarmos essa questão, definimos os seguintes objectivos: 1) caracterizar conceções sobre “avaliação das aprendizagens dos alunos”, assim como as práticas de avaliação autorrelatadas de professores angolanos no âmbito da disciplina de EdL; 2) interpretar essas conceções e práticas relatadas com o que recomenda a literatura da especialidade, os normativos do país (legislação geral para o ES1, nomeadamente sobre avaliação dos alunos) e com orientações específicas para a disciplina; 3) explorar variáveis que podem influenciar essas mesmas conceções e práticas autorreportadas; e 4) recomendar ações que possam melhorar o cenário caracterizado.
O artigo encontra-se estruturado em cinco secções. Para além desta introdução, apresentam-se: uma síntese do referencial teórico, normativo e contextual que sustentou o estudo realizado; a descrição do estudo empírico e da sua abordagem metodológica; os principais resultados obtidos e sua leitura com base no referencial construído; e, por fim, considerações finais, que incluem implicações do estudo para a investigação e ensino.
REFERENCIAL TEÓRICO, NORMATIVO E CONTEXTUAL
Nesta secção sintetizamos os referenciais teórico e normativo, ambos sobre avaliação das aprendizagens, e o contextual, sobre a disciplina de EdL.
Avaliação das aprendizagens
O que nos diz a literatura
Do ponto de vista concetual, diversos autores, como, por exemplo, Fernandes (2005), Pinto e Santos (2006) e Morgado (2016), caracterizam as quatro principais gerações presentes na evolução do conceito de avaliação ao longo do século XX. Por ordem cronológica, embora com ligeiras diferenças nas suas designações, essas são: “a avaliação como medida”; “a avaliação como descrição”; “a avaliação como juízo de valor”; e “a avaliação como negociação e construção” (MORGADO, 2016).
Embora o conceito de avaliação tenha evoluído de forma significativa ao longo do século XX, isso não significa que se deixem de sentir ainda cenários educativos dissonantes, como, por exemplo, que incluam a natureza objetiva da avaliação, a desarticulação entre avaliação formativa e sumativa, e sua centralidade na medição e classificação. De referir que se encontram esses tipos de cenários, quer em discursos normativos atuais, quer em nível de conceções e práticas de avaliação em sala de aula (ALFREDO; TORTTELA, 2012, 2013; LARA; BRANDALISE, 2016).
Na lógica da quarta geração de avaliação referida, advoga-se que a avaliação das aprendizagens, atualmente, seja concebida de forma a acompanhar o aluno durante o processo da sua aprendizagem, tornando-o responsável por esse processo (por exemplo, através da sua autoavaliação). O pensamento do professor sobre avaliação deve ir ainda no sentido da melhoria do processo do seu ensino e das aprendizagens dos seus alunos, fazendo com que se estabeleçam momentos de avaliação integrados nas tarefas de aprendizagem, e não apenas no final dos trimestres. Desse modo, a maneira como se pensa e se faz avaliação deve implicar mudanças nas práticas de sala de aula e promover o sucesso educativo (CORREIA; FREIRE, 2014). Ainda de acordo com essa geração, a avaliação tem natureza subjetiva, procurando-se na intersubjetividade (por exemplo, entre os professores e alunos) a consensualidade dos seus resultados.
Do ponto de vista da literatura que analisamos sobre conceções de avaliação das aprendizagens, as três seguintes ideias emergiram de uma forma consensual:
valorização da natureza formativa da avaliação e sua articulação com a avaliação sumativa;
articulação da avaliação com todo o processo de ensino e aprendizagem, devendo estar associada às tarefas que se vão desenvolvendo com os alunos;
diversificação de métodos, instrumentos e atores envolvidos no processo de avaliação (dando especial relevo ao aluno), sendo que a diversificação de métodos e instrumentos é justificada pela necessidade de se avaliarem não só conhecimentos, mas competências processuais e atitudinais.
Embora em Angola ainda escasseiem estudos de investigação no domínio da educação em geral (BENAVENTE, 2019; COSTA; MATIAS; LOPES, 2018) e da avaliação em particular (BREGANHA, 2019), tivemos acesso, no contexto específico angolano, a dois estudos: um sobre avaliação da aprendizagem na formação de professores em Angola e outro sobre avaliação da aprendizagem, conceções e prática na formação de professores em Angola, realizados por Alfredo e Tortella (2012, 2013). Esses autores, com base nos seus estudos, que envolveram mais de 280 professores inquiridos, afirmam que a maneira como a avaliação é pensada (nos normativos) e operacionalizada na sala de aula ainda difere do que é defendido internacionalmente, como, por exemplo, o peso excessivo dos testes escritos do final de cada trimestre, na prova de escola (PE) realizada no final do ano letivo das 7ª e 8ª classes e no exame realizado no final da 9ª classe. Outro resultado dos estudos diz respeito ao descontentamento causado nos professores pela atual política de avaliação no país, nomeadamente quanto à sua vertente contínua e formativa. O número elevado de alunos por turma é uma das principais razões apontadas pelos professores para a não realização desse tipo de avaliação.
Nessa perspetiva tivemos acesso, ainda, a um estudo sobre avaliação das aprendizagens no contexto do ensino secundário na disciplina de Física no Instituto Médio Agrário do Tchivinguiro da província da Huíla (CHIMBANLANDONGO, 2015). Embora não se possam generalizar estatisticamente os resultados desse estudo, considerando que foi utilizada uma abordagem metodológica de estudo de caso, o autor enfatiza que os participantes (professores e/ou alunos) integram, nas suas conceções de avaliação, características inovadoras. Por exemplo, não a consideram com uma função meramente sumativa e classificativa, afirmando que as práticas avaliativas incluem uma dimensão contínua da avaliação, traduzindo-se essa, no final de cada trimestre, para uma classificação designada média de avaliação contínua (MAC), evidenciando algumas contradições entre as conceções que expressam e as práticas que descrevem adoptar no âmbito da avaliação. Por exemplo, embora afirmem que valorizam a dimensão contínua e formativa da avaliação, são pouco claros sobre a forma como o fazem, a que instrumentos e critérios de avaliação recorrem e como essa avaliação contínua se traduz no final de cada trimestre na MAC. Ainda segundo Chimbanlandongo (2015), embora a literatura recomende que a avaliação deve valorizar capacidades e atitudes, percebe-se que os professores envolvidos no estudo valorizam apenas a aprendizagem dos conteúdos científicos (e não de capacidades e atitudes), sendo a avaliação feita essencialmente por testes escritos através de questões rotineiras e frequentemente descontextualizadas.
O que nos dizem os normativos
O 1º ciclo do ES1 faz parte do subsistema de ensino geral e corresponde às 7ª, 8ª e 9ª classes, de acordo com o prescrito na Lei de Bases do Sistema de Educação, Lei n. 13/2001 (ANGOLA, 2001b), aprovada pela Assembleia Nacional em 31 de dezembro de 2001 e atualizada pela Lei n. 17/2016, de 7 de outubro de 2016 (ANGOLA, 2016).
A fim de melhorar os processos de ensino, aprendizagem e avaliação (EA&A), Angola iniciou uma reforma curricular em 2001, em particular no ensino secundário, que conduziu à adoção de novos currículos, programas, manuais e orientações para esses processos (ANGOLA , 2001a). Fruto desses novos normativos, elaboraram-se documentos que orientem a avaliação dos alunos no ES1 que, na perspetiva de Agostinho e Afonso (2005, p. 5), buscam alterar o sistema de avaliação das aprendizagens dos alunos, olhando para a preparação de “novos materiais pedagógicos […] que visam a substituição gradual dos atuais”. Assim, a consulta a documentos sobre avaliação das aprendizagens dos alunos no país, resultante desses normativos, especialmente os elaborados pelo Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação (Inide) - por exemplo, Afonso (2005), Afonso e Agostinho (2005) e Agostinho e Afonso (2005) - permiti-nos constatar que três dimensões de avaliação defendidas estão em consonância com a perspetiva teórica atual sobre avaliação, conforme se evidencia no Quadro 1.
1. AVALIAÇÃO NÃO É APENAS CLASSIFICAÇÃO “A avaliação das aprendizagens não deve e nem pode ser entendida como um simples ato de atribuição de notas para fins de selecionar, classificar e certificar os(as) alunos(as) mas sim, um processo fundamentado, sobretudo, nos objetivos programáticos, nas modalidades de avaliação, nos instrumentos de avaliação e nos meios e métodos de ensino utilizados, com a finalidade de contribuir para a melhoria da qualidade do processo de ensino e aprendizagem.” (AFONSO, 2005, p. 5) |
2. VALORIZAÇÃO DA AVALIAÇÃO CONTÍNUA E FORMATIVA E DIFERENTES MODALIDADES DE AVALIAÇÃO “Para que o processo avaliativo possa, de facto, contribuir para a melhoria da qualidade de ensino-aprendizagem, é necessário que se avalie não só no fim do ano lectivo, semestre ou trimestre […] avalia-se também no início, durante e fim, aliás em todo o processo de ensino-aprendizagem.” (ANGOLA, 2010, p. 18) “No processo educativo distinguem-se três modalidades de avaliação […] dentro das quais se destaca a avaliação formativa.” (ANGOLA, 2010, p. 33) |
3. DIVERSIDADE DE INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO DIRIGIDOS A DIFERENTES OBJETOS DE AVALIAÇÃO “No modelo proposto, a avaliação não pode basear-se somente em provas, porque este instrumento avalia apenas a dimensão cognitiva do processo de ensino-aprendizagem, deixando de lado as dimensões socio-afectivas, psicomotoras e comportamentais.” (ANGOLA, 2010, p. 34) |
Fonte: Elaboração dos autores.
Apesar dessas dimensões consensuais, existem três (Quadro 2) que nos merecem referência por serem dissonantes com perspetivas de avaliação atualmente defendidas, conforme é também referido por Alfredo e Tortella (2012).
1. OBJECTIVIDADE DA AVALIAÇÃO Por diversas vezes, os documentos orientadores da avaliação almejam sua natureza objectiva. Por exemplo, Afonso (2012, p. 10) fala da necessidade de se “evitarem subjectividades” no processo de avaliação, sendo assumida, nesse e noutros documentos, a natureza objectiva que a avaliação deve ter. |
2. NÃO ENVOLVIMENTO DO ALUNO NO PROCESSO DE AVALIAÇÃO A participação do aluno no processo avaliativo, nomeadamente através da auto e heteroavaliação, não aparece espelhada nos documentos. Por exemplo, quando o documento Currículo e avaliação das aprendizagens (ANGOLA, 2010, p. 21) lista as etapas de avaliação, essas terminam com a designada “tomada de decisão” por parte do professor, não referindo o processo de negociação, entre o avaliador e os avaliados, na procura de um sentido comum a ambos sobre o processo e o resultado da avaliação. |
3. CENTRALIZAÇÃO DA AVALIAÇÃO NA CLASSIFICAÇÃO E NA MEDIÇÃO Apesar da assunção da importância do carácter contínuo e formativo da avaliação, o peso dado às provas escritas trimestrais, à PE (apenas nas 7a e 8a classes) e ao exame final (na 9a classe) é ainda elevado, isto é, de 60% (AFONSO, 2011). |
Fonte: Elaboração dos autores.
Em síntese, e apesar de os normativos actuais angolanos sobre avaliação dos alunos apresentarem dimensões concordantes com perspetivas identificadas na literatura, parecem subsistir, ainda, outras dimensões que não o estão. Nesse sentido, a análise documental evidencia que a perspetiva designada como quarta geração de avaliação ainda não se encontra consolidada no nível dos documentos normativos, indicando-se que neles estão ainda presentes “ciladas de avaliação”, conforme definido por Hadji (1994), em particular a cilada do objectivismo e do autoritarismo.
A disciplina de EdL no 1o ciclo do ensino secundário em Angola: o que nos diz o programa e o livro de texto
Nesta subsecção faz-se uma abordagem da disciplina de EdL em geral e da 9ª classe, em particular, por serem essas a disciplina e a classe sobre as quais incidiu nosso estudo.
A EdL é uma disciplina que faz parte do currículo do ES1 e, de acordo com o Inide (2012, p. 3), é definida como:
[...] disciplina técnica que surge na perspectiva de materializar um dos princípios fundamentais da pedagogia moderna [...] estabelece o vínculo entre a educação e o trabalho, o trabalho produtivo socialmente útil e as diversas profissões, proporcionando ao aluno um sistema de conhecimentos, habilidades e hábitos politécnico-laborais.
Com essa disciplina, considerada de natureza técnica, associada ao mundo do trabalho e que ocupa um “lugar privilegiado no leque de disciplinas que compõem o plano de estudos do 1º ciclo do ensino secundário” (INSTITUTO NACIONAL DE INVESTIGAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO - INIDE, 2012, p. 4), pretende-se que o aluno:
[...] adquira agora conhecimentos técnicos básicos que lhe permitam agir diante de problemas como a instalação de uma lâmpada, a avaria de um ferro eléctrico.
Para a 9ª classe, o programa da disciplina de EdL apresenta um conjunto de oito objectivos gerais (INIDE, 2012, p. 8) que incluem: o aprofundamento de conhecimentos (por exemplo, de simbologia utilizada em circuitos elétricos); o desenvolvimento de habilidades (por exemplo, de práticas de carácter manual), capacidades (de representação mental) e atitudes (face à importância da disciplina de EdL) e, ainda, a compreensão do mundo técnico e tecnológico. Nessa senha, o programa visa a desenvolver o saber, o saber-fazer e o saber-ser, e fá-lo a partir de dois blocos temáticos principais: o desenho técnico e o de electricidade. De salientar, por fim, que é dada, na introdução do programa, uma função social e local à disciplina quando se afirma que:
Os blocos temáticos [...] foram criteriosamente seleccionados tendo em conta os problemas mais frequentes dos nossos lares, não descartando, porém, a possibilidade de se incluírem novos blocos, dependendo das condições económicas da cultura da região em que estiver situada a escola. (INIDE, 2012, p. 5)
Do ponto de vista de avaliação das aprendizagens, o programa não inclui nenhuma secção a ela dedicada, devendo os professores seguir o regulamentado para o ES1. Nesse sentido, o professor deve avaliar os alunos de modo contínuo, ao longo das aulas e através de uma prova escrita trimestral da responsabilidade do professor da turma. Nas 7ª e 8ª classes e no terceiro trimestre, essa prova é substituída pela PE, da responsabilidade do coordenador da disciplina. A classificação final (CF) nessas classes é calculada pela fórmula
O ME, único da 9ª classe (GOMES; FERREIRA, 2016), está genericamente alinhado com o programa da disciplina, nomeadamente quanto à sua natureza, objectivos e blocos temáticos. Nada é referido no ME quanto à avaliação, sendo que no final de alguns dos capítulos do bloco temático de desenho técnico são apresentados “exercícios” para o aluno resolver e, no final do bloco temático da electricidade, essa designação é substituída por “actividades”. Em ambas as situações são apresentados enunciados que envolvem questões práticas (por exemplo, desenho de peças, medição de grandezas eléctricas com um multímetro) e de cálculo matemático (por exemplo, determinação do valor da tensão numa fonte de alimentação de um circuito eléctrico). De mencionar, por fim, um aspecto que não parece alinhado com o programa da disciplina: nenhum dos enunciados dos exercícios/actividades apresenta um contexto real, o que parece pôr em causa, pelo menos nessa componente do ME, a inclusão da função social e local da disciplina.
METODOLOGIA DO ESTUDO
A metodologia utilizada no nosso estudo seguiu uma abordagem quantitativa (COUTINHO, 2011; HARO et al., 2016) que incluiu uma dimensão qualitativa de análise, com recurso ao inquérito por questionário a fim de permitir fazer a caracterização das conceções e práticas autorreportadas de avaliação das aprendizagens de professores da 9ª classe da disciplina de EdL. Objetiva-se, também, explorar variáveis que possam influenciar essas mesmas conceções e práticas relatadas.
Nesse alinhamento, a população em estudo diz respeito aos professores que leccionavam a disciplina de EdL na 9ª classe nas 23 escolas estatais do 1º ciclo da cidade do Lubango em 2017 (dados recolhidos na Repartição Municipal da Educação do Lubango, 2019). Dessas 23 escolas. foram escolhidas 10, por serem escolas de referência da cidade do Lubango: as escolas mais antigas e bem-conceituadas pelos atores educativos, incluindo os pais e encarregados de educação. O questionário, que incluía questões de resposta aberta, fechada e de posicionamento em escalas de Likert, foi administrado a todos os professores das dez escolas que lecionavam a disciplina de EdL da classe referida, num total de 53. Porém, e apesar do esforço feito pelo primeiro autor para obter o maior número possível de questionários devolvidos, apenas se obtiveram 34 (64%), sendo assim essa nossa amostra.
A análise de dados incluiu, para os dados quantitativos, o tratamento estatístico descritivo, com recurso ao software Statistical Package for the Social Science (SPSS) e, para os dados qualitativos, realizou-se análise de conteúdo, tendo-se feito uso da abordagem sugerida por Bardin (2001).
Segue-se uma breve descrição do processo de construção, validação e aplicação do questionário.
O questionário foi construído tendo em conta a literatura sobre elaboração desse tipo de instrumento (DALFOVO; LANA; SILVEIRA, 2008; HARO et al., 2016; HILL; HILL, 1998), o referencial teórico, normativo e contextual apresentado e o questionário desenvolvido por Chimbanlandongo (2015) e aplicado, na província da Huíla, a professores de física do 2º ciclo do ensino secundário, com objectivos semelhantes aos do nosso estudo. Foi, ainda, construída uma matriz de objectivos/itens do questionário, no sentido de reforçar a articulação entre os objectivos gerais da investigação e os objectivos específicos de aplicação do questionário.
A validação do questionário envolveu a equipa de orientadores (três) e mais um especialista em estatística da área da psicologia, esse último tendo em atenção a análise estatística que se pretendia efectuar aos dados quantitativos. O orientador angolano teve ainda particular atenção à adequação da linguagem aos professores do país. O cruzamento dos pareceres desses peritos resultou nas seguintes alterações: a) estrutura do questionário, assegurando mais correspondência entre a questão central do estudo e os objectivos do questionário; b) escalas de posicionamento dos respondentes, tendo passado de uma escala de três níveis para uma de cinco, o que permite uma análise estatística mais completa e detalhada (LAUREANO, 2011); e c) terminologia usada, tornando-a mais adequada ao público-alvo.
A versão final do questionário, para além de uma breve introdução na qual se referiu seu objectivo, apelou-se para a importância do seu preenchimento, garantiu-se o anonimato das respostas e fez-se a descrição das instruções de preenchimento, era composta de cinco partes (Quadro 3).
A aplicação do questionário foi feita em papel e contou com a ajuda dos coordenadores da disciplina de EdL de cada uma das dez escolas. Para aplicação do questionário, observaram-se alguns cuidados: explicar o objectivo da investigação, bem como a estrutura do questionário; atentar para a responsabilidade nas respostas, para não colocar o nome, a fim de se manter o anonimato, e para a forma de responder, obedecendo o que diz o instrutivo da questão; assegurar a confidencialidade dos dados; e sensibilizar para a importância de não deixar nenhuma questão sem responder.
PARTES DO QUESTIONÁRIO APLICADO AOS PROFESSORES | QUESTÕES E SEU OBJECTIVO |
Parte I: Caracterização do respondente | Nove questões (seis abertas, uma fechada e duas com um item fechado e outro aberto) que objectivaram caracterizar o perfil do respondente quanto à idade, ao género, à escola de leccionação, ao número de turmas da 9a classe leccionadas, à formação académica e contínua (em geral e em avaliação das aprendizagens em particular) e ao exercício de outras profissões. |
Parte II: Conceções dos professores sobre avaliação das aprendizagens dos alunos | Duas questões (fechadas, mas nas quais o respondente poderia sempre escrever um comentário adicional) sobre conceções de avaliação das aprendizagens e seu efeito no processo de aprendizagem dos alunos. Nessas duas questões, o professor teve que se posicionar sobre um conjunto de afirmações numa escala de cinco pontos. |
Parte III: Processo de avaliação das aprendizagens dos alunos na disciplina de EdL na 9a classe | Sete questões (maioritariamente abertas) que objectivavam caracterizar como o professor avaliava as aprendizagens dos alunos na disciplina, as dificuldades sentidas e como se avaliava nessa função. |
Parte IV: Sugestões para a melhoria da avaliação das aprendizagens dos alunos na disciplina de EdL | Uma questão (aberta) na qual se pretendia recolher duas sugestões para a melhoria do processo de avaliação das aprendizagens dos alunos que pudessem vir a ser utilizadas pelos professores de EdL. |
Parte V: Participação futura no projecto de doutoramento sobre avaliação das aprendizagens dos alunos | Uma questão, antecedida de introdução na qual se explicava a importância de poder contar com os professores durante o desenvolvimento do projecto de tese, com um item fechado e um aberto. No primeiro, solicitava-se ao professores se teria disponibilidade para continuar a colaborar no projecto e, no segundo, pediam-se as razões para a resposta dada. |
Fonte: Elaboração dos autores.
Após a recolha dos questionários, procedeu-se, então, à codificação desses (por escola) e à criação de uma base de dados, recorrendo ao software SPSS versão 25. Os dados foram inseridos manualmente, incluindo as respostas abertas, transcritas na íntegra. Seguidamente, realizou-se a análise dos dados, incluindo a análise estatística descritiva e de conteúdo. Relativamente à análise de conteúdo, seguiu-se a abordagem sugerida por Bardin (2001).
APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Tal como referido anteriormente, o questionário foi aplicado em dez escolas públicas com ES1 do município de Lubango. Foram recolhidos 34 questionários preenchidos, sendo esse o número de professores que constitui a nossa amostra.
Segue-se a caracterização global dos professores no que respeita (i) ao perfil sociodemográfico, académico e profissional; (ii) às conceções sobre avaliação das aprendizagens dos alunos; (iii) às práticas autorrelatadas sobre o processo de avaliação das aprendizagens na disciplina de EdL na 9ª classe; (iv) ao processo de avaliação autorrelatado no âmbito dos três objectivos gerais identificados no programa oficial para a disciplina de EdL da 9ª classe; e v) às sugestões de melhoria do processo de avaliação da disciplina.
i) Perfil sociodemográfico, académico e profissional dos professores inquiridos
Os professores respondentes (n = 34) têm em média cerca de 40 anos (M = 38.9), porém existe uma dispersão considerável nas idades [desvio padrão (DP) = 7.4], sendo a mínima de 21 e a máxima de 53 anos. Essa disparidade de idades pode ser justificada pelo perfil indiferenciado dos professores da disciplina. Nossa experiência no país nos diz que a alocação dos professores nessa disciplina é feita apenas para completar o horário dos professores na escola, podendo assim ocorrer a qualquer professor. Para além disso, é de referir que em Angola não existe nenhum curso de formação inicial dirigido à formação de professores para a disciplina de EdL. A alocação dos professores nessa disciplina é feita apenas para completar o horário dos professores na escola.
Quanto ao nível académico, a maioria dos professores tem licenciatura (n = 14, 41.2%), seguindo-se o bacharelato (n = 8; 23.5%) e, por fim, o nível técnico médio (n = 6; 17.6%). A crescente exigência, no país, de ter professores no ensino secundário mais qualificados pode justificar esse resultado.
A média de experiência na leccionação da disciplina de EdL (em todas as classes, da 7ª a 9ª) dos professores que responderam a essa questão (n = 33) é de 6.3 anos (DP = 2.8). No que respeita especificamente à experiência de lecionação da disciplina na 9ª classe, os professores têm em média 5,5 anos de experiência (DP = 5.9). Esse resultado mostra que a maioria dos professores lecciona a disciplina e a classe há pelo menos cinco anos, o que nos pode indicar que os respondentes têm conhecimento considerável sobre essas, o que poderá ser determinante no que respeita à caracterização das suas conceções e práticas de avaliação no âmbito da disciplina de EdL. Em média, os professores inquiridos têm de 2.5 turmas à sua responsabilidade (DP = 1.3).
Na medida em que a formação se pode constituir como determinante na mudança de conceções e práticas dos professores, questionou-se se alguma vez tinham frequentado formações especificamente sobre avaliação das aprendizagens dos alunos. Nesse domínio, a amostra de professores divide-se claramente em dois grupos: aqueles que afirmam terem tido formação específica em avaliação (n = 16, 47,1%) e aqueles que afirmam não a terem tido (n = 16, 47,1%). A formação recebida parece relativamente recente. Das respostas, verificou-se que apenas um professor indicou que essa formação foi anterior a 1989. Nos restantes casos, as formações foram feitas em 2010, 2012, 2016 e 2017, em plena implementação da nova reforma do sistema educativo angolano iniciada em 2001.
ii) Conceções sobre avaliação das aprendizagens dos alunos
A caracterização das conceções dos professores no que respeita à avaliação das aprendizagens foi feita a partir do seu posicionamento a um conjunto de 13 afirmações (Tabela 1) que visavam a ir ao encontro das seguintes questões “O que é a avaliação das aprendizagens?” (afirmações n. 1 a n. 6) e “Quais os efeitos da avaliação no processo de aprendizagem dos alunos” (afirmações n. 7 a n. 13).
A Tabela 1 mostra que as afirmações com maior percentagem de concordância total (CT) foram as de n. 6, “Avaliar é um processo contínuo, isto é, o professor avalia o aluno em todas as aulas” (100%), a afirmação n. 5, “A avaliação deve promover as aprendizagens dos alunos” (83.3%) e, em terceiro lugar, a afirmação n. 2, “Avaliar é sobretudo saber se o meu aluno assimilou os conteúdos da disciplina”, com 78.6% de CT. Perante esse posicionamento, inferimos que os professores inquiridos reconhecem a dimensão contínua da avaliação e a sua função de promoção das aprendizagens, em concordância com os pressupostos defendidos nos normativos atuais do país, no que respeita à avaliação. Porém, os resultados indicam também que os professores inquiridos continuam a dar um forte privilégio à avaliação dos conteúdos disciplinares (afirmação n. 2), o que não está em concordância nem com os normativos, nem com a literatura actual e, de certo modo, diverge da perspetiva defendida pelas afirmações n. 5 e n. 6. Novamente emerge a perceção de desarticulação/incoerência das conceções dos professores no que respeita à avaliação das aprendizagens, tal como já foi identificado noutros estudos angolanos sobre a avaliação das aprendizagens na formação de professores (ALFREDO; TORTELLA, 2012, 2013) e avaliação da aprendizagens dos alunos feita na disciplina de física (CHIMBANLANDONGO, 2015).
Quanto aos efeitos da avaliação no processo de aprendizagem dos alunos, as afirmações com maior percentagem de concordância total (CT) foram a afirmação n. 8, “A avaliação ajuda o aluno a aprender” (87.9%), a afirmação n. 12, “A avaliação faz com que os alunos se responsabilizem pelo seu processo de aprendizagem” (78.1%) e, em terceiro lugar, a afirmação n. 10, “A avaliação faz com que os alunos participem mais nas aulas”, com CT de 77.4%, podendo-se inferir que os professores afirmam reconhecer que a avaliação tem efeitos positivos na aprendizagem dos alunos, na medida em que os ajuda a aprender, tornando-os mais participativos, responsabilizando-os, também, pela sua própria aprendizagem.
NÍVEIS DE CONCORDÂNCIA1 | |||||
CT | CP | NC/ND | DP | DT | |
1. Avaliar é sobretudo classificar, isto é, atribuir notas aos alunos. | 25.0% | 46.4% | 7.1% | 7.1% | 14.3% |
2. Avaliar é sobretudo saber se o meu aluno assimilou os conteúdos da disciplina. | 78.6% | 21.4% | 0.0% | 0.0% | 0.0% |
3. Avaliar implica que os alunos conheçam os parâmetros e critérios utilizados na avaliação. | 51.9% | 18.5% | 18.5% | 7.4% | 3.7% |
4. A avaliação deve estar articulada com todas os componentes do currículo. | 55.6% | 33.3% | 7.4% | 3.7% | 0.0% |
5. A avaliação deve promover as aprendizagens dos alunos. | 83.3% | 13.3% | 3,3% | 0.0% | 0.0% |
6. Avaliar é um processo contínuo, isto é, o professor avalia o aluno em todas as aulas. | 100.0% | 0.0% | 0.0% | 0.0% | 0.0% |
7. A avaliação penaliza o aluno que não aprende. | 45.2% | 6.5% | 6.5% | 16.1% | 25.8% |
8. A avaliação ajuda o aluno a aprender. | 87.9% | 6.1% | 3.0% | 0.0% | 3.0% |
9. A avaliação faz com que os alunos se empenhem, sobretudo para a preparação para as provas escritas. | 68.8% | 21.9% | 3.1% | 3.1% | 3.1% |
10. A avaliação faz com que os alunos participem mais nas aulas. | 77.4% | 19.4% | 3.2% | 0,0% | 0.0% |
11. A avaliação faz com que os alunos memorizem mais os conteúdos lecionados nas aulas. | 48.4% | 32.3% | 9.7% | 9.7% | 0.0% |
12. A avaliação faz com que os alunos se responsabilizem pelo seu processo de aprendizagem. | 78.1% | 15.6% | 3.1% | 0,0% | 3.1% |
13. A avaliação pode causar estresse, afetando negativamente as respostas do aluno. | 12.9% | 16.1% | 9.7% | 16.1% | 45.2% |
Fonte: Dados da pesquisa (elaboração dos autores).
iii) Práticas autorrelatadas sobre o processo de avaliação das aprendizagens na disciplina de EdL na 9ª classe
No que respeita aos processos de avaliação que os professores disseram utilizar na disciplina e classe, os professores posicionarem-se num conjunto de sete afirmações (Tabela 2).
As afirmações com maior percentagem de concordância total (CT) foram a de n. 3, “Avalio os meus alunos através de diferentes instrumentos de avaliação” (90.3%), a afirmação n. 1, “Avalio os meus alunos sobretudo quanto aos conteúdos leccionados” (73.5%), e a afirmação n. 5, “Avalio os meus alunos […] sobretudo dando-lhes uma classificação” (68.8%). Pelo posicionamento dos professores diante dessas afirmações, podemos entender que os professores dizem diversificar os instrumentos de avaliação, o que vai ao encontro dos normativos. No entanto, parecem avaliar, sobretudo, os conteúdos para classificar os alunos. O posicionamento nas duas afirmações correspondentes (n. 1 e n. 5) parecem novamente indicar alguma contradição entre essas conceções, distanciando-se do que recomendam os normativos e a literatura actual.
AVALIO OS MEUS ALUNOS … | NÍVEIS DE CONCORDÂNCIA2 | ||||
CT | CP | NC/ND | DP | DT | |
1. … sobretudo quanto aos conteúdos lecionados. | 73.5% | 26.5% | 0.0% | 0.0% | 0.0% |
2. … sobretudo por provas escritas. | 34.4% | 28.1% | 9.4% | 21.9% | 6.3% |
3. … através de diferentes instrumentos de avaliação. | 90.3% | 6.5% | 3.2% | 0.0% | 0.0% |
4. … só depois de os informar sobre os parâmetros e critérios de avaliação que utilizo. | 56.3% | 6.3% | 18.8% | 12.5% | 6.3% |
5. … sobretudo dando-lhes uma classificação. | 68.8% | 21.9% | 3.1% | 3.1% | 3.1% |
6. … dando-lhes feedback sobre seu desempenho. | 53.3% | 26.7% | 3.3% | 3.3% | 13.3% |
7. … pedindo-lhes a sua autoavaliação. | 43.3% | 23.3% | 16.7% | 6.7% | 10.0% |
Fonte: Dados da pesquisa (elaboração dos autores).
No que respeita às modalidades e instrumentos de avaliação, os professores posicionaram-se num conjunto de dez afirmações (Tabela 3). A maioria dos professores diz usar, sempre e muitas vezes, nas suas aulas, as três modalidades de avaliação (diagnóstica, formativa e sumativa), sendo a avaliação sumativa a que mais diz usar, seguida da diagnóstica e, por último, da formativa. Novamente essas práticas autorrelatadas parecem distanciar-se um pouco do proposto pelos normativos e literatura actual.
Relativamente aos instrumentos de avaliação (Tabela 3), os que os professores mais dizem utilizar, variando em “sempre” e “muitas vezes”, foram provas escritas (afirmação n. 4, 82,1%), seguidas das provas prácticas (afirmação n. 6, 80%) e das provas orais (afirmação n. 5, 60%). Instrumentos de avaliação que podem potenciar a negociação da avaliação feita pelo professor (grelhas de auto e heteroavaliação, afirmações n. 9 e n. 10), como sugere a quarta geração de avaliação, são, segundo o que dizem os professores, pouco ou nada utilizados.
MÉDIA | DESVIO PADRÃO | SEMPRE | MUITAS VEZES | POUCAS VEZES | RARAMENTE | NUNCA | |
1. Avaliação diagnóstica | 1.6 | 0.96 | 63.3% | 16.7% | 13.3% | 6.7% | 0.0% |
2. Avaliação formativa | 1,9 | 0.9 | 43.3% | 30,0% | 23.3% | 3.3% | 0,0% |
3. Avaliação sumativa | 1.7 | 0.9 | 50,0% | 32.1% | 14.3% | 3.6% | 0.0% |
4. Provas escritas | 1.9 | 0.99 | 48.4% | 22.6% | 22.6% | 6.5% | 0,0% |
5. Provas orais | 2.5 | 1.3 | 23.3% | 36.7% | 16.7% | 10,0% | 13.3% |
6. Provas práticas | 1.7 | 0.8 | 46.7% | 33.3% | 20,0% | 0,0% | 0,0% |
7. Listas de verificação | 2.8 | 1.5 | 29.6% | 18.5% | 11.1% | 29.6% | 11.1% |
8. Grelhas de observação | 2.7 | 1.3 | 22.2% | 29.6% | 11.1% | 33.3% | 3.7% |
9. Grelhas de autoavaliação | 3.1 | 1.3 | 10.7% | 25,0% | 28.6% | 17.9% | 17.9% |
10. Grelhas de heteroavaliação | 3.96 | 1.1 | 3.4% | 10.3% | 13.8% | 31.8% | 41.4% |
Fonte: Elaboração dos autores (dados da pesquisa).
iv) Práticas de avaliação no âmbito de objectivos do programa da disciplina de EdL da 9ª classe
Apresentam-se e discutem-se, agora, como os professores dizem desenvolver o processo de avaliação de três objectivos do programa de EdL da 9ª classe (Quadro 4). É importante referir que cada um desses objectivos apresenta uma intenção pedagógica diferenciada: o primeiro, voltado para o “saber” e sua articulação com o das duas classes anteriores; o segundo objectivo, dirigido ao “saber fazer”, muito valorizado, como se viu, pela forte componente prática da disciplina; e o terceiro, centrado na vertente atitudinal.
1 - Aprofundar os conhecimentos adquiridos nas classes anteriores, isto é, na 7a e 8a classes. |
2 - Desenvolver habilidades práticas de carácter manual. |
3 - Desenvolver uma atitude correta face à necessidade do estudo cada vez mais aprofundado da disciplina. |
Fonte: Elaboração dos autores com base em Inide (2012, p. 5).
Apresentam-se e discutem-se: i) a frequência com que os professores dizem avaliar cada um dos objectivos apresentados no Quadro 4 (Tabela 4); ii) os instrumentos de avaliação utilizados (Tabela 5); (iii) a forma como dizem integrar essa avaliação na MAC (Tabela 5/Quadro 5); e iv) o grau de dificuldades que dizem ter na avaliação de cada um desses objectivos (Tabela 6).
OBJECTIVOS | FREQUÊNCIA DE AVALIAÇÃO | |||||
SEMPRE | MUITAS VEZES | POUCAS VEZES | RARAMENTE | NUNCA | RESPOSTAS INVÁLIDAS | |
1 | 47.1 | 41.2 | 5.9 | 0.0 | 0.0 | 5.8 |
2 | 44.1 | 5.9 | 0.0 | 0.0 | 0.0 | 50.0 |
3 | 26.5 | 11.8 | 5.9 | 0.0 | 0.0 | 55.8 |
Fonte: Dados da pesquisa (elaboração dos autores).
Da Tabela 4, podemos desde logo observar que, quanto a essa questão, existe um número elevado de respostas inválidas (50 e 55%, respetivamente), para o caso dos objectivos 2 e 3. Uma das possíveis razões é que muitos professores não conseguiram interpretar a questão, porém isso não ocorreu para o objectivo 1. Assim, e também guiados por muitos resultados referidos anteriormente, formulamos a hipótese de que os professores avaliam, sempre e muitas vezes, o objectivo associado ao “saber”. Quanto aos outros 2 objectivos, podemos apenas afirmar que os professores que responderem de forma válida (n = 17) dizem avaliar com menos frequência o objectivo 3, do domínio das atitudes.
Quando questionados sobre os instrumentos e a forma como integravam na MAC a consecução de cada um dos objectivos apresentados no Quadro 4, a maioria dos professores não respondeu (Tabela 5).
OBJECTIVOS | INSTRUMENTOS UTILIZADOS NA AVALIAÇÃO | FORMA COMO INTEGRAM NA MAC A AVALIAÇÃO |
1 | 19 | 23 |
2 | 22 | 21 |
3 | 19 | 24 |
Fonte: Dados da pesquisa (elaboração dos autores).
Os resultados apresentados na Tabela 5, assim como o tipo de respostas dadas (muito variadas e não classificadas, por não serem adequadas ao que se solicitava, que nem permitiu fazer uma categorização) (Quadro 5), podem indicar a dificuldade dos professores na interpretação dessas questões ou, ainda, em especificar como fazem a avaliação. A favor dessa última hipótese estão quer o facto de essas questões serem abertas, quer o facto de o número de não respondentes ser globalmente superior, para o caso da MAC. Conforme refere Chimbanlandongo (2015), os professores evidenciam grandes dificuldades na atribuição da classificação da MAC. É possível destacar (Quadro 5) que, na especificação de instrumentos, alguns professores indicaram modalidades, o que nos dá a entender que eles têm dificuldades em separar instrumentos de avaliação das modalidades de avaliação.
OBJECTIVO | EXEMPLOS DE RESPOSTAS DADAS QUANTO… | |
… AO TIPO DE INSTRUMENTOS | … À INTEGRAÇÃO NA MAC | |
1 | - Avaliação diagnóstica | - 15 valores |
- Utilizo todos os instrumentos relacionados com as aulas | - Soma de 3 ou 4 avaliações e dividido pelo número de avaliações | |
- Método socrático | - Avaliação que se faz diariamente | |
2 | - Avaliação diagnóstica | - Somando todas as notas de avaliação e dividindo pelo número de avaliações |
- Avaliação formativa | - Variam de 0 a 20 | |
- Provas escritas e tarefas para casa | ||
3 | - Avaliação sumativa | - De 0 a 5 |
- Avaliação formativa | - De forma aleatória | |
- Observação de actividades | - Material didáctico como caderno, esquadro, compasso |
Fonte: Dados da pesquisa (elaboração dos autores).
Por fim, os professores foram solicitados a posicionarem-se, numa escala de 1 a 5 (1 - sem dificuldades e 5 - com total dificuldade), sobre o grau de dificuldade que tinham na avaliação de cada um dos três objectivos (Tabela 6).
OBJECTIVO | GRAU DE DIFICULDADE | ||||
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |
1 | 41.2 | 44.1 | 5.9 | 0.0 | 0.0 |
2 | 32.4 | 44.1 | 11.8 | 2.9 | 0.0 |
3 | 23.5 | 52.9 | 5.9 | 0.0 | 0.0 |
Fonte: Dados da pesquisa (elaboração dos autores).
No que respeita ao grau de dificuldade de avaliação, destaca-se o objectivo 2, pelo facto de ser o único no qual existe uma percentagem de professores a assumir que tem muita dificuldade em o avaliar (2.9%) e também com maior percentual de professores a assumir que tem bastante dificuldade em o avaliar (11.8%). Esse padrão de resposta é preocupante, uma vez que esse objectivo está ligado ao desenvolvimento das habilidades práticas dos alunos em manusear objetos, ou seja, tornar o aluno capaz de realizar ou executar tarefas. É necessário que se recomende o seguinte: formação específica aos professores relativamente aos conteúdos que têm a ver com esse objectivo, para que os eles tenham domínio dos conteúdos a lecionar; diversificação das suas metodologias, como exposição, elaboração conjunta, trabalho individual e em grupo, visando a despertar no aluno o interesse pelos conteúdos; exigência de material e instrumentos de desenho, a fim de facilitar o desenho ou construção dos objetos (peças); e colocação do aluno a exercícios frequentes que explorem, cada vez mais, suas habilidades para manusear objetos. O objectivo, com percentual maior de professores a responderem “sem qualquer dificuldade”, corresponde ao primeiro, relacionado com a avaliação de conhecimento. Esses resultados parecem consistentes com respostas anteriores, quando os professores afirmam que avaliam essencialmente conteúdos.
v) Sugestões para melhoria da avaliação das aprendizagens na disciplina
Por fim, solicitou-se aos professores que dessem duas sugestões para a melhoria do processo de avaliação das aprendizagens.
Sendo esses os dados qualitativos objeto de análise, neste artigo recorreu-se, num primeiro momento, à contagem do número de respostas dadas pelos professores no que diz respeito a cada uma das duas sugestões solicitadas. De seguida, e de acordo com Bardin (2001), fez-se a primeira leitura flutuante das respostas para cada uma das sugestões dadas e, com base nessa, definiram-se as seguintes categorias de análise: “Formação de professores”, na qual se incluíram respostas que sugeriam a necessidade de os professores terem formação para a lecionação da disciplina; “Infraestruturas e recursos”, com base em respostas referentes à insuficiência de espaços próprios e de materiais (por exemplo, compasso); “Abordagens pedagógicas”, na qual se incluíram respostas que apelavam à necessidade de serem usados outros métodos de ensino; e “Condições de trabalho”, na qual foram consideradas respostas que apelavam a factores como excesso de número de horas de leccionação, turmas e alunos. No caso de as respostas não poderem ser incluídas nas categorias definidas, e quando seu número era muito reduzido, considerou-se a categoria “Outras”. Por fim, e por não ter sido possível interpretar a resposta dada em alguns casos, considerou-se a categoria “Não classificadas”.
A maioria dos professores respondeu à questão aberta, principalmente dando uma sugestão (n = 27) ( Tabela 7). Vinte e quatro professores deram uma segunda sugestão (Tabela 8).
Esse resultado reforça a importância de investir em instruções metodológicas claras e detalhadas aos respondentes, tal como foi feito neste estudo. Investigações em contextos semelhantes chamam a atenção das dificuldades dos respondentes em compreender as instruções do questionário e a fraca adesão a respostas abertas (BREGANHA, 2019; COSTA et al., 2017).
RESPOSTAS DADAS QUANTO À 1a SUGESTÃO E SUA CATEGORIZAÇÃO | |||||
NÚMERO DE RESPOSTAS | CATEGORIAS | ||||
FORMAÇÃO DE PROFESSORES | INFRAESTRUTURAS E RECURSOS | ABORDAGENS PEDAGÓGICAS | OUTRAS | NÃO CLASSIFICADAS | |
27 | 8 | 9 | 4 | 3 | 3 |
Fonte: Dados da pesquisa (elaboração dos autores).
RESPOSTAS DADAS QUANTO À 2a SUGESTÃO E SUA CATEGORIZAÇÃO | |||||
NÚMERO DE RESPOSTAS | CATEGORIAS | ||||
FORMAÇÃO DE PROFESSORES | INFRAESTRUTURAS E RECURSOS | ABORDAGENS PEDAGÓGICAS | CONDIÇÕES DE TRABALHO | NÃO CLASSIFICADAS | |
24 | 6 | 5 | 4 | 6 | 3 |
Fonte: Dados da pesquisa (elaboração dos autores).
Os resultados apresentados nas tabelas 7 e 8 indicam que:
A maioria dos professores deu sugestões para a melhoria do processo de avaliação das aprendizagens, sendo reduzido o número de respostas que não foram categorizadas (n = 3 para ambas as sugestões);
O tipo de categorias foi idêntico para as duas sugestões, havendo apenas diferenças em uma (“Outras” para a primeira sugestão, e “Condições de trabalho” para a segunda sugestão).
Para ambas as respostas (primeira e segunda), a maioria das sugestões foi sobre a necessidade de se investir na formação de professores (sobre diversas formas, como, por exemplo, ter a formação inicial dirigida para a lecionação da disciplina, formação continua) e a insuficiência nas infraestruturas (por exemplo, oficinas para a componente prática). Alterações nas abordagens pedagógicas (por exemplo, motivar mais os alunos, definir critérios) foi a categoria que se seguiu com o maior número de respostas.
Para a segunda sugestão, surge uma nova categoria, com número considerável de respostas, “Condições de trabalho”, que incluiu respostas como “turmas muito numerosas” e “muita carga lectiva”.
Novamente, e agora pela voz dos professores, surge a necessidade de se investir na formação dos professores para a leccionação da disciplina. Como já referimos, não há, de facto, nenhum curso de formação inicial para esse tipo de profissionais. Insuficiências em nível das infraestruturas e recurso, assim como as deficientes condições de trabalho, surgem também pela voz dos professores. Embora Angola esteja a desenvolver-se economicamente e socialmente, nota-se, ainda, bastante constrangimentos que repercutem na profissão docente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realização deste estudo teve como base a compreensão de conceções de professores e de práticas autorrelatadas sobre avaliação das aprendizagens na disciplina de EdL da 9ª classe, fundamentalmente por ser a avaliação um domínio que pode comprometer o processo de aprendizagem dos alunos. A partir do referencial teórico, normativo e contextual construído, foi possível sistematizar a evolução do conceito de avaliação e sua relevância no processo educativo escolar, a importância que lhe é dada pelo sistema educativo angolano e, ainda, como essa é tida em linha de conta na disciplina de EdL. A metodologia usada foi quantitativa, que incluiu uma dimensão qualitativa e análise, tendo sido construído, validado e aplicado um questionário a todos os professores das dez escolas envolvidas no estudo. Os resultados obtidos indicam que, embora as conceções dos professores se aproximem de perspetivas defendidas nos normativos angolanos e na literatura actual (por exemplo, valorização da avaliação contínua e formativa), esse não ocorre nas práticas autorrelatadas, nas quais os professores dizem valorizar a avaliação dos conteúdos ensinados, o que contraria a natureza prática proposta para a disciplina e o recurso a provas como instrumento de avaliação privilegiado. O facto de os professores da disciplina de EdL em Angola não terem formação específica para sua lecionação, sendo-lhes frequentemente atribuída a disciplina para cumprimento da carga lectiva, pode estar na base de alguns de muitos constrangimentos identificados. A falta de infraestruturas e recursos adequados, assim como as condições de trabalho dos professores, são certamente outros aspetos que limitam a actuação dos professores, em particular no que concerne à avaliação das aprendizagens.
A necessidade de se investir na formação desses profissionais (inicial e contínua) e o melhoramento das infraestruturas e recursos são sugestões dadas para a melhoria do processo de aprendizagem. No que respeita à formação em avaliação, e de acordo com os resultados e a literatura, sugere-se que se dê prioridade à vertente formativa da avaliação e à forma como essa é operacionalizada em nível da sala de aula e da disciplina, em particular, valorizando-se não só a avaliação de conhecimentos, mas de habilidades e atitudes dos alunos. De notar que um estudo recentemente publicado (BREGANHA; COSTA; LOPES, 2019) sugere também essas linhas prioritárias de formação em avaliação, se bem que para o caso de professores de física do país.