INTRODUÇÃO
A avaliação educacional se constitui em pauta de debates em variados círculos, especialmente, quando da divulgação de notas, índices ou rankings. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) está entre os mais conhecidos e valorizados. Adquiriu reconhecimento social capaz de alterar costumes e até práticas educativas, o que torna um imperativo a discussão de seus antecedentes, contornos e, principalmente, de ações e políticas geradas em âmbito municipal a partir do Ideb. É a qualidade do ensino e as disputas em torno de seus contornos que pressupõem concepções de sociedade e de educação, seus princípios, objetivos e formas de organização que parecem se colocar no centro dos debates.
A educação é “ato político” e visa à humanização das gerações mais novas. Freire (1969), além de negar a neutralidade da educação, também a caracteriza como social, da vida pública e como instrumento de formação cidadã. Nesse sentido, seus contornos, objetivos e meios se constituem em objeto de disputa na sociedade, entre os que a concebem como “insumo” do desenvolvimento econômico e a querem voltada à preparação técnica - para o trabalho - e os que a veem como processo de constituição da cidadania e de formação humana.
Há concordância de que a escolarização ajuda a promover melhorias nas condições sociais, culturais e econômicas. Face a isso adquire relevância a qualidade do ensino ofertado, pois quanto melhor for, maiores as possibilidades de desenvolvimento econômico e social. Assim, a qualidade do ensino, concebida como estratégica para o país, deve ser tratada ao lado da questão das oportunidades educacionais e da equidade, ou seja, da justiça social.
Ao debater a questão, Arroyo (2017) afirma que os pobres entraram na escola, mas esta manteve inalterados seus princípios, currículos, métodos, organização, funcionamento, exigências, estrutura, etc. A escola não foi capaz de promover a justiça na distribuição do conhecimento de forma a contemplar os pobres e, dessa forma, continua a fracassar em seus propósitos de, sendo pública, educar a todos. É a equidade que fica prejudicada enquanto processo que, tratando os sujeitos segundo suas necessidades, concorre para garantir a igualdade, imprescindível à educação de qualidade numa sociedade democrática. Discuti-la pode ajudar a entender as diferenças de desempenho e dificuldades em obter um alto Ideb entre escolas municipais de regiões pobres, como as periferias de regiões metropolitanas.
Apesar dos contornos da qualidade continuarem como objetos de disputa, dessa conclusão decorrem iniciativas e a formulação de políticas em vista de garantir o direito à educação de qualidade. A Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), “batizada” como cidadã, e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN - Lei n. 9.394) (BRASIL, 1996) expressam essas políticas. Decorrem daí investimentos em adequação curricular, formação docente, infraestrutura pedagógica e de gestão, etc. Entretanto, tais ações e políticas enfrentaram dificuldades de implementação e consolidação em virtude de variados fatores (falta de vagas, descontinuidades políticas e de políticas, escassez de recursos, etc.), e as dificuldades de se constituir um ensino de qualidade têm continuidade. A necessidade de obter informações confiáveis da qualidade do ensino induz investimentos na avaliação para a consecução do objetivo e, nesse contexto, é criado, em 1991, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
Porém, o movimento em torno da avaliação remonta ao início do século XX, quando em 1906 publica-se o Anuário Estatístico da Educação, que inaugura o processo de produção de informações destinadas à tomada de decisões de políticas educacionais (HORTA NETO, 2007). Na década de 1930, a produção de informações educacionais é defendida pelos pioneiros, especialmente Lourenço Filho e Anísio Teixeira, para tanto criando o Instituto Nacional de Pedagogia, mais tarde denominado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A produção de informações sobre a educação irá adquirir novos contornos nas décadas seguintes com o monitoramento iniciado a partir do anuário estatístico, contribuindo no debate, elaboração e implementação de políticas de oferta, permanência e melhorias do ensino público.
Afirma Horta Neto (2007, p. 9) que
[...] no início da década dos 90, a avaliação já ganhava relevância como política do Estado em todo o mundo, principalmente a partir da conferência de Jontien, Tailândia, coordenada pela [Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] UNESCO.
No Brasil, o Saeb foi criado em 1991 e a avaliação é assumida no “Plano Nacional de Educação para Todos (BRASIL-MEC, 1993),1 [...] como forma de melhorar a qualidade do ensino”. O autor afirma, porém, que o Saeb só foi institucionalizado em 1994 pela Portaria n. 1.795 (BRASIL, 1994), que em suas justificativas e/ou exposição de motivos apresenta os seguintes itens:
[...] a necessidade de assegurar uma educação básica de qualidade com eqüidade e eficiência, como o acordado no Plano Decenal de Educação para Todos; permanente monitoramento de execução e avaliação de resultados das políticas públicas; a necessidade de uma organização sistêmica dos processos de monitoramento e avaliação, envolvendo órgãos governamentais, universidades e centros de pesquisa; a necessidade de disseminação das informações geradas pelas avaliações seja de domínio público, de forma a haver um controle social de seus resultados; a necessidade da institucionalização da experiência acumulada pelo MEC em processos avaliativos. (HORTA NETO, 2007, p. 8)
A partir do Plano Nacional de Educação para Todos e da edição da portaria citada, o Brasil parece assumir a avaliação como elemento fundante de sua estratégia política de planejamento educacional. Sua assunção como política do Estado brasileiro ocorre no contexto de acordos multilaterais (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA - UNESCO, 1990) e de empréstimos junto ao Banco Mundial.
A avaliação é caracterizada como instrumento de promoção de melhoria da qualidade, pois a informação acerca do desempenho leva a cobranças sociais e institucionais e a um maior empenho na gestão e trabalho com os recursos disponíveis. O Estado se torna signatário do gerencialismo neoliberal que entende a educação como insumo da produção mercantil e, portanto, deve ser baseada em valores de mérito, responsabilização, competição, eficiência, eficácia, etc. À avaliação caberá captar o desempenho e, assim, o Saeb se torna instrumento “mobilizador da lógica meritocrática e um dos desdobramentos disso é considerar o conteúdo da avaliação como currículo oficial” (CHIRINÉA; BRANDÃO, 2015, p. 470).
O contexto de concepção e instituição do Ideb tem raízes nos processos de elaboração de políticas do pós-Constituição de 1988, que gera a Lei n. 9.394 (LDBEN) (BRASIL, 1996) e o Saeb, revisado em 2005 com a criação da Prova Brasil; no Ensino Superior, a edição da Lei n. 9.131 (BRASIL, 1995), criando o Exame Nacional de Cursos (ENC), mais conhecido como “Provão”; e, também na década seguinte, a Lei n. 10.861 (BRASIL, 2004), que cria o Sistema de Avaliação do Ensino Superior (Sinaes).
No início do século XXI verifica-se a ampliação do rol de avaliações com a adesão do Brasil ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) e com a criação da Prova Brasil. Ainda, na perspectiva da accountability, busca-se intensificar a divulgação de informações de avaliações que tornam possível a pais, mães, responsáveis e sociedade em geral cobrar melhores resultados de cada escola e de cada rede de ensino (BONAMINO; SOUSA, 2012). Tais elementos ficam clarificados na criação do Plano de Metas Todos pela Educação dado pelo Decreto n. 6.094 (BRASIL, 2007), que já em seu artigo 1º afirma o plano como “conjugação dos esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios [...] das famílias e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade da educação básica”. No artigo 2º se explicita o papel do governo federal não apenas como formulador e indutor de políticas, mas também como executor: “A participação da União no Compromisso será pautada pela realização direta, [...] [ou] pelo incentivo e apoio à implementação, por Municípios, Distrito Federal, Estados e respectivos sistemas de ensino, das seguintes diretrizes”.
O Ideb é criado com o objetivo de monitorar a qualidade da educação básica no Brasil, considerando o fluxo escolar e o desempenho nas avaliações, e oferecer elementos à formulação de políticas educacionais. Ou seja, com foco no mérito de escolas e redes, se pretende monitorar a eficiência e a eficácia dos sistemas e redes de ensino em geral e, no interior destas, de cada escola em específico. Porém, o monitoramento proposto é falho, pois deixa de lado áreas de conhecimento (Ciências, Geografia, Artes, História, etc.) fundamentais na construção da cidadania e na preparação para o trabalho, como advoga a Constituição Federal de 1988, e desconsidera condições de desenvolvimento do trabalho educacional: currículos, infraestrutura física e pedagógica, formação dos professores, gestão da escola, etc. Ainda, desconsidera a perspectiva da educação como processo social de promoção humana que prevê a consciência democrática dos direitos de cidadania com participação de alta intensidade (FREIRE, 1969). Valores como participação, diversidades, direitos, equidade, laicidade, etc. têm importância limitada.
Art. 3º A qualidade da educação básica será aferida, objetivamente, com base no IDEB, calculado e divulgado periodicamente pelo INEP, a partir dos dados sobre rendimento escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB, composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica - ANEB e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil). Parágrafo único. O IDEB será o indicador objetivo para a verificação do cumprimento de metas fixadas no termo de adesão ao Compromisso. (BRASIL, 2007)
Ainda, é importante destacar que a primeira divulgação do Ideb, em 2007, se dá no mesmo ano de criação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), que explicita e estabelece algumas das metas do PNE 2001-2010 e cria outras. No período de formulação e implementação dessa política se constatam outras ações que a compõem e/ou complementam: Plano de Ações Articuladas (PAR), PDE-Escola, Escola de Gestores, Lei do Piso Nacional do Magistério, etc.
Na esteira dessas opções e contexto, mas também, contraditoriamente, em sentido diferente dos ditames do mercado globalizado, denotando dubiedade na política, propõe-se e investe-se em melhoria das condições de infraestrutura, de formação e remuneração dos professores, em currículos, em financiamento, etc. Exemplos: a) piso nacional para o magistério: Lei n. 11.738 (BRASIL, 2008); b) indicador do Custo Aluno-Qualidade (CAQ) previsto na Meta 20 do Plano Nacional de Educação (PNE): Lei n. 13.005 (BRASIL, 2014); c) ampliar investimentos em educação até atingir 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil no decênio 2014 a 2024 (PNE).
A política implementada tem ainda uma dimensão de relacionamento direto com as unidades escolares e com seus dirigentes. Assim, o governo federal procura fechar o ciclo de responsabilidades pela execução da política com vistas à promoção da melhoria dos resultados de escolas e redes no Ideb. Exemplo disso é o uso do “baixo Ideb” como um dos critérios de priorização de escolas, dirigentes/gestores e municípios em programas federais como Mais Educação, Escola de Gestores e, Educação, Pobreza e Desigualdade Social (EPDS).
O fato de que, a partir da pactuação do Compromisso Todos pela Educação o governo federal ultrapassa o limite da formulação de políticas para assumir a execução de programas, significará que nos municípios haverá redução do espaço para a criação de políticas próprias.
Com a transformação do município em um “ente” federado pela Constituição (BRASIL, 1988), este vive o dilema de cuidar ao mesmo tempo da ampliação da oferta de matrículas, garantindo o direito à educação, e da melhoria da qualidade do ensino. O desafio de produzir políticas educacionais é grande em face: a) da histórica dependência econômica e técnica dos níveis estadual e federal; b) do pouco investimento, que gera passivo educacional consubstanciado em parcelas de crianças fora da escola de educação infantil obrigatória e não obrigatória, bem como a oferta precária e precarizada de escolarização no nível fundamental; c) das descontinuidades políticas; e d) da redução de recursos e desinvestimento em educação dado a denominada crise fiscal agravada com a aprovação, em 2017, da Emenda Constitucional n. 95 que institui o Novo Regime Fiscal (SAVERGNINI; DUBBERSTEIN, 2019, p. 70-72).
Poucos são os municípios que possuem arrecadação capaz de habilitá-los técnica, política e financeiramente a fazer frente às necessidades educacionais de suas populações. Os componentes desse pequeno grupo possuem uma ou mais das seguintes características: são capitais, pertencem a regiões metropolitanas, são fortemente industrializados, recebedores de royalties de petróleo, polos regionais com setor de serviços forte, etc. Os municípios estudados nesta pesquisa pertencem a esse grupo por reunirem várias das características indicadas.
O IDEB NA POLÍTICA EDUCACIONAL MUNICIPAL
A partir do momento que se constrói no Brasil uma “cultura da avaliação” e rankings passam a ser produzidos, nota-se da parte dos cidadãos uma maior preocupação com a nota que a escola e o sistema de ensino do município e do estado onde vivem obtém em exames. Assim, propostas políticas de governos municipais, especialmente que incluam maior controle da educação e melhoria da qualidade do ensino, expresso no Ideb, são bem aceitas.
Fazer o país chegar ao nível dos países desenvolvidos passa a ser uma “obsessão pública” e, para atingir a meta em 2021, são assumidas as seguintes notas médias: nota 6.0 para os anos iniciais (1º ao 5º ano do ensino fundamental), 5.5 para os anos finais (6º ao 9º ano do ensino fundamental) e 5.2 para o ensino médio. Mas desde a existência do índice, sua metodologia, sua divulgação e até a oportunidade de se buscar equiparação ou equivalência aos países desenvolvidos, os que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), são objetos de controvérsias.
Enquanto indicador de resultado e não de qualidade, o IDEB se mostra incapaz de retratar de forma completa a realidade das instituições escolares, porque existem outras variáveis que interferem na qualidade da educação, como: gestão escolar; formação e condições de trabalho dos professores; ambiente educativo; prática pedagógica e de avaliação, e acesso e permanência na escola. A qualidade, neste sentido, não é um fator estanque e não pode ser buscada somente com testes que medem o conhecimento cognitivo dos alunos. (CHIRINÉA; BRANDÃO, 2015, p. 474)
A controvérsia movimenta a academia e pesquisas sobre o tema passam a ser produzidas e divulgadas por meio de artigos, dissertações e teses, a partir de 2012, com a publicação de uma dissertação. De 2013 a 2018 é possível encontrar trinta produtos (2013 e 2014: quatro em cada ano; 2015: seis; 2016: cinco; 2017: nove; e 2018: quatro). Foram encontrados catorze artigos, sendo seis na revista Estudos em Avaliação Educacional (Fundação Carlos Chagas) e oito na revista Ensaio (Cesgranrio). Nos estudos que geraram as produções identificadas, os autores abordam o Ideb no contexto das avaliações em larga escala e realizam estudos de comparação de resultados entre escolas no interior do mesmo sistema de ensino no mesmo município ou de municípios diferentes; comparação de desempenho de escolas de sistemas de municípios diferentes; comparação de desempenho de escolas de sistemas de estados diferentes. Nos estudos se analisam também a política de avaliação e discute-se: Ideb como indutor e resultado de políticas; ranqueamento a partir do Ideb; política de bonificação a partir dos resultados do Ideb; qualidade da educação a partir do Ideb e a política de avaliação.
Na região metropolitana da Grande Vitória, esses debates também estão presentes. Identifica-se um crescimento das preocupações quanto aos resultados obtidos pelos municípios e por cada escola no Ideb. Vitória, Cariacica, Vila Velha e Serra possuem leis estabelecendo que as escolas fixem em murais e/ou na entrada principal a nota Ideb. Tais constatações nos levaram a perguntar se nesses municípios haveria outras ações desencadeadas a partir desse índice. Nesse sentido, nos propusemos a desenvolver uma pesquisa com o objetivo de obter informações sobre a questão. Dada a natureza do objeto, optamos pelo desenvolvimento de uma pesquisa qualitativa de caráter exploratório com levantamento de informações nos sítios das prefeituras/secretarias de educação, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e no Inep, bem como entrevistas2 com gestores municipais.
Além dos motivos já apresentados, a escolha de Cariacica, Serra, Vila Velha e Vitória se deu em virtude de serem municípios de porte médio (até 500 mil habitantes) e que constituíram seus próprios sistemas de ensino, com algumas das maiores redes públicas do Espírito Santo e com Conselhos Municipais de Educação atuantes. As características de cada município, entendemos, são fatores de contexto intervenientes nos processos e decisões que utilizam o Ideb, pois faz diferença na formulação das políticas não apenas a quantidade de escolas, as etapas oferecidas, o número de estudantes atendidos e o contingente populacional desatendido, mas também a capacidade econômica e as dimensões territoriais do município que impactam na distribuição das redes de escolas e demais serviços públicos.
A AVALIAÇÃO E O IDEB EM CARIACICA
O município de Cariacica localiza-se na região metropolitana da Grande Vitória e tem o quarto maior PIB do estado. Faz limite com Vila Velha, Serra e Vitória, entre outros, e possui área de 280 km². Em 2018, a população estimada era de 378.603 habitantes. A rede municipal de educação é composta por 47 Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) e sessenta Escolas Municipais de Ensino Fundamental (Emef), que atendem a 58.971 estudantes, sendo 6.929 na educação infantil e 52.042 no ensino fundamental. Em 2017, o Ideb dos anos iniciais do ensino fundamental foi 5.4 e nos anos finais foi 4.0.
A avaliação encontra-se normatizada no município pela Lei n. 4.373 (CARIACICA, 2006), que traz no artigo 48 os objetivos da avaliação no Sistema Municipal de Ensino:
I - acompanhar e controlar, de forma continuada, o funcionamento do sistema para identificar as políticas educacionais bem-sucedidas e as que necessitam de redefinição, tendo em vista a elevação do nível de qualidade da educação oferecida pelo Município;
II - localizar os pontos falhos do sistema, verificando em que medida os procedimentos adotados, os pressupostos e as condições de operacionalização devem ser mantidos, aperfeiçoados ou mudados para garantir sua eficiência;
III - reforçar as ações pedagógicas bem-sucedidas, substituir ou reorientar as ações deficientes, com vistas ao contínuo aperfeiçoamento do processo ensino-aprendizagem;
IV - estabelecer os padrões de desempenho mais adequados à avaliação dos alunos e as condições locais, mantendo a qualidade do ensino, com garantia do sucesso e permanência destes na escola;
V - analisar os resultados da avaliação do rendimento escolar, evidenciando se houve o domínio das competências básicas ao aprendizado. (CARIACICA, 2006)
O Plano Municipal de Educação (PME), aprovado por meio da Lei n. 5.465 (CARIACICA, 2015), para além do previsto na lei que cria o Sistema Municipal de Ensino, assume os princípios consagrados no Ideb ao estabelecer na meta 7 que a melhoria da educação básica se fará “apoiando-se nos indicadores educacionais disponíveis em âmbito nacional, estadual e municipal, objetivando a melhoria do fluxo e da aprendizagem escolar”. Para tanto, apresenta as seguintes estratégias:
7.1) Garantir condições para atingir as metas municipais do IDEB. [...]
7.4) Garantir processo contínuo de avaliação das escolas de educação básica, por meio da constituição de instrumentos de avaliação que orientem as dimensões a serem fortalecidas, destacando-se a elaboração de planejamento estratégico, a melhoria contínua da qualidade educacional, a formação continuada dos (as) profissionais da educação e o aprimoramento da gestão democrática.
7.6) Desenvolver indicadores específicos de avaliação da qualidade da educação especial. [...]
7.26) Manter um setor de acompanhamento das avaliações externas e internas do município de Cariacica, na Secretaria Municipal de Educação, no prazo de 2 (dois) anos a partir da vigência deste plano. (CARIACICA, 2015, p. 7)
As estratégias 7.1 e 7.26 confirmam a decisão política do município de valorizar “avaliações externas e internas” e os índices que indicam resultados de exames. Pode-se inferir que no município se entende a necessidade de criar condições para o trabalho das escolas a fim de se alcançar metas. A estratégia 7.4 indica o investimento em mais avaliações e também o entendimento da avaliação como “insumo de planejamento no nível da escola e das políticas de educação".
A partir do Ideb se tem realizado ações de monitoramento e de orientação às escolas a fim de promover melhora nos índices.
Toda vez que o resultado é trazido, é publicado, a gente faz uma análise por escola, e também do município todo. Em cima dessas análises são desenvolvidas ações de prioridade, por exemplo, a gente tem escolas que além dela estar abaixo do Ideb, ela está muito abaixo do Ideb. Então elas se tornam prioritárias com ações específicas quando a gente faz as assessorias pedagógicas, por exemplo. (GESTOR CARIACICA)
As ações políticas destacadas pela equipe da Secretaria de Educação têm na formação de educadores seu foco principal, com a realização de assessorias aos pedagogos (gestores) e escolas e a formação continuada de professores.
[...] Então o principal que a gente tem é em relação à formação dos professores, e ao mesmo tempo também da assessoria pedagógica com os pedagogos das escolas porque eles estão dentro das escolas acompanhando o dia a dia, então a gente tem um trabalho que a gente vai de três a quatro vezes nas escolas todo ano, para fazer esta assessoria com os pedagogos. (GESTOR CARIACICA)
Além de desenvolver ações de formação diretamente com as escolas com mais dificuldade, se detecta, ainda, investimento nos próprios alunos. Há um projeto de reforço escolar em fase de implementação destinado aos alunos dos anos finais do ensino fundamental de escolas cujos resultados do Ideb estão abaixo do esperado. Porém, a formação docente é reforçada como a ação mais importante, denotando entendimento de que o aperfeiçoamento profissional constante é condição para a melhoria da qualidade do ensino.
Importante destacar a assunção da avaliação como instrumento de planejamento no nível da rede, assim como da escola. Entretanto, se faz necessário pontuar que assessorias às equipes escolares, especialmente aos gestores, e formação de professores têm alcance limitado, pois outros fatores como os socioeconômicos devem ser levados em conta (FREITAS, 2018) em virtude de seu peso no sucesso ou fracasso de estudantes. Ainda, é importante problematizar a formação de professores em virtude de poder carregar consigo uma análise responsabilizadora e, mais que isso, culpabilizadora desses e de suas deficiências formativas pelos resultados educacionais (RAVITCH, 2011).
A AVALIAÇÃO E O IDEB EM SERRA
O município de Serra localiza-se na região metropolitana da Grande Vitória e tem o segundo maior PIB do estado. Faz limite, entre outros, com Cariacica e Vitória e possui área de 553.254 km². Em 2018, a população estimada era de 507.598 habitantes. A rede municipal de educação de Serra é composta por 72 CMEI’s e 67 Emef’s, atendendo a 65.500 estudantes, sendo 19.993 na educação infantil e 45.507 no ensino fundamental. Em 2017, a nota do ensino fundamental no Ideb foi 5.6 nos anos iniciais e 4.1 nos anos finais.
No que respeita à avaliação, a Lei n. 2.665 (SERRA, 2003) é lacônica e remete à normatização posterior da Secretaria de Educação. Será o PME, pela Lei n. 4.432 (SERRA, 2015), que irá tratar do tema ao decidir pela criação do Sistema Municipal de Avaliação da Educação Básica no Parágrafo Único do artigo 11: “Parágrafo único. O Município instituirá, no prazo de até 5 anos, Sistema de Avaliação da Educação Pública Municipal próprio, como um dos instrumentos orientadores à avaliação da qualidade da educação da Rede Municipal de Ensino” (SERRA, 2015).
Ainda, na estratégia 7.2 da meta 7 são apresentados os objetivos da avaliação:
7.2) criar o Sistema Municipal de Avaliação da Educação Básica, como fonte de informação para a avaliação da qualidade da educação e para a orientação da política educacional municipal, contemplando indicadores relacionados ao perfil dos estudantes (as) e dos profissionais (as) da educação na sua área de atuação, da infraestrutura das escolas, dos recursos pedagógicos disponíveis e dos processos da gestão, considerando as especificidades das modalidades, bem como os insumos previstos no Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e Custo aluno Qualidade (CAQ). (SERRA, 2015)
Apesar das leis não se referirem ao Ideb, a Secretaria de Educação de Serra também realiza assessorias pedagógicas com as escolas envolvendo pedagogos e professores, bem como ações com estudantes com vistas à melhoria do Ideb:
[...] análise é feita periodicamente pela nossa gerência mesmo, a gente analisa estes dados e propõe formações, assessoramento para poder amenizar os problemas que a gente verifica com base nesses dados das avaliações externas. [...] Ações com os pedagogos, professores e com os estudantes também [...] para poder melhorar este índice na escola. (GESTOR 1 - SERRA)
Em Serra é possível constatar a existência de ações formativas voltadas a cada escola e turma de estudantes como decorrência dos resultados do Ideb. Porém, os membros da gerência de ensino fundamental de Serra não entendem que exista uma política de formação a partir do Ideb, indicando a necessidade de formalização: “a gente não tem ainda, ela está em curso, né? Está para ser aprovada, [...] está pronta, mas ela não foi homologada” (GESTOR 1 - SERRA).
As ações desenvolvidas consistem em apresentar e discutir os resultados no Ideb com os pedagogos a fim de que estes trabalhem com os professores para a melhoria do índice. O procedimento é encaminhar para escola dados comparativos sobre seu processo: gráficos com dados dos anos anteriores de matrícula, evasão, aprovação, reprovação, transferência expedida e recebida e quantidade de alunos abaixo da média, na média e acima da média.
Esse trabalho focado nos índices também é realizado no interior da própria rede com cada escola em específico: em seminários, os resultados das avaliações de estudantes em cada trimestre são comparados com os resultados dos anos anteriores. Esse trabalho é percebido como importante para que a gestão escolar adquira elementos de planejamento de ações de melhoria, inclusive desenvolvendo ações específicas com os estudantes quando se detecta a necessidade de intervenção com alguma turma.
[...] tem surtido bastante resultado a meu ver pelo menos porque a gente observa o seguinte, muitas vezes os diretores não têm noção de como é que tá a escola direito, e tendo o índice de palpável fica mais fácil saber como é que tá, até porque nesses cenários eles estratificam os resultados por disciplina, por ano, e então eles têm como saber qual é a disciplina ou componente curricular tá dando mais trabalho, que está tendo menos aprovação, qual é o ano que está dando mais dificuldade. (GESTOR 3 - SERRA)
Detecta-se um trabalho permanente de acompanhamento do desempenho dos estudantes com base nos resultados das avaliações realizadas pela própria escola, com vistas à melhoria dos índices. Ainda, os gestores da secretaria afirmam que tratar dos índices obtidos em seminários regionalizados pode oferecer condições para que os índices internos (resultados trimestrais) do município repercutam nos externos, no caso o Ideb. Tais ações e entendimentos denotam a assunção pelo município de uma política de valorização da avaliação como expressão da qualidade do ensino. O ente federado município parece assumir a avaliação como política de Estado, conforme afirma Horta Neto (2007).
As características do trabalho dessa rede a partir dos resultados do Ideb diferem de Cariacica, pois as ações indicadas se voltam para os contextos loco-regionais da rede e do território do município. Essa decisão pode significar uma aposta na utilização dos resultados da avaliação para a formulação de políticas de melhorias, sem investir na busca de culpados.
A AVALIAÇÃO E O IDEB EM VILA VELHA
O município de Vila Velha localiza-se na região metropolitana da Grande Vitória e tem o terceiro maior PIB do estado. Faz limite com Vitória e Cariacica, entre os municípios pesquisados, e possui 209.965 km² de extensão territorial. Em 2018, a população estimada era de 486.208 pessoas. A rede municipal de educação denomina suas escolas como: Unidade Municipal de Ensino Fundamental (Umef) e Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei), contabilizando sessenta Umef’s e 37 Umei’s. São atendidos 67.331 estudantes, sendo 11.224 na educação infantil e 56.107 no ensino fundamental. Em 2017, o ensino fundamental obteve no Ideb a nota 5.6 para os anos iniciais e 4.4 para os anos finais.
No que respeita à avaliação, o município a normatizou na Lei n. 4.100 (VILA VELHA, 2003) que traz nos artigos 62 a 67 concepções, objetivos, tipos e critérios da avaliação no Sistema Municipal de Ensino. Vejamos a seguir algumas dessas definições:
I - prover informações orientadoras das políticas educacionais que visem à melhoria de qualidade do ensino;
II - diagnosticar a situação de aprendizagem dos alunos e os problemas de professores e da escola, identificando pontos de estrangulamento, dificuldades, de modo a orientar as ações de superação;
III - verificar em que medida os pressupostos, as condições, os procedimentos adotados no sistema de ensino devam ser mantidos, mudados ou aperfeiçoados para garantia de sua eficácia;
IV - reorientar as ações pedagógicas com vistas a melhorar o processo de ensino aprendizagem;
V - prover padrões de qualidade do ensino garantia de aprendizagem, permanência e sucesso escolares do aluno.
[...]
Art. 63 A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios: a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais;
[...]
Art. 67 A avaliação institucional será processada segundo o Programa de Avaliação das Escolas da Rede Municipal de Ensino, previsto na Lei n. 3.908 de 24 de abril de 2002. (VILA VELHA, 2003)
A Lei n. 4.100, de 2003, faz referência a outra lei anterior, a Lei n. 3.908 (VILA VELHA, 2002), para se referir à avaliação institucional, denotando que o município se debruça sobre a questão da avaliação para além da aprendizagem, desde a sua promulgação. A conclusão a que se chega, no entanto, é que as prescrições e determinações legais não têm sido colocadas em prática, tornando a lei letra morta. Pois, apesar da existência das normas, o sistema de avaliação não foi instituído no município até a edição do Plano Municipal de Educação (PME), Lei n. 5.629 (VILA VELHA, 2015), o que tornou necessário que nele se estipulasse novo prazo para a efetivação do sistema de avaliação.
Além disso, se constata que, no que se refere aos procedimentos de avaliação, a Lei n. 5.629 (VILA VELHA, 2015) determina a utilização de informações produzidas pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Sinaeb), previsto no Plano Nacional de Educação (PNE), Lei n. 13.005 (BRASIL, 2014). Tal determinação pode oferecer pistas e hipóteses explicativas sobre a demora em efetivar o estabelecido em lei desde 2002, ao menos ajudando a evidenciar as dificuldades técnicas e financeiras dos municípios, mesmo os de porte médio, em colocar em prática novos fluxos que dependam de sua ação propositiva na criação de políticas.
Mas, independentemente disso, é importante considerar que o PME (Lei n. 5.629, de 2015) estabelece em seu artigo 11, em seus parágrafos e incisos, prazos, tipos, metodologias e usos das informações a serem captadas do Sinaeb:
§ 1º O sistema de avaliação a que se refere o caput produzirá, no máximo a cada 2 (dois) anos:
I- indicadores de rendimento escolar, referentes ao desempenho dos (as) estudantes apurado em exames nacionais de avaliação, com participação de pelo menos 80% (oitenta por cento) dos (as) alunos (as) de cada ano escolar periodicamente avaliado em cada escola, e aos dados pertinentes apurados pelo censo escolar da educação básica;
II- indicadores de avaliação institucional, relativos a características como o perfil do alunado e do corpo dos (as) profissionais da educação, as relações entre dimensão do corpo docente, do corpo técnico e do corpo discente, a infraestrutura das escolas, os recursos pedagógicos disponíveis e os processos da gestão, entre outras relevantes.
§ 2º A elaboração e a divulgação de índices para avaliação da qualidade, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, que agreguem os indicadores mencionados no inciso I do § 1º não elidem a obrigatoriedade de divulgação, em separado, de cada um deles.
§ 3º Os indicadores mencionados no § 1º serão estimados por etapa e estabelecimento de ensino, sendo amplamente divulgados, ressalvada a publicação de resultados individuais e indicadores por turma, que fica admitida exclusivamente para a comunidade do respectivo estabelecimento e para o órgão gestor da rede.
§ 4º Cabem ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP a elaboração e o cálculo do IDEB e dos indicadores referidos no § 1º.
§ 5º A avaliação de desempenho dos (as) estudantes em exames, referida no inciso I do § 1º, poderá ser diretamente realizada pela União ou, mediante acordo de cooperação, pelo Estado ou pelo sistema de ensino do Município, assegurada a compatibilidade metodológica entre o sistema municipal e o nacional, especialmente no que se refere às escalas de proficiência e ao calendário de aplicação. (VILA VELHA, 2015)
Além de destacar a institucionalização da avaliação como instrumento de planejamento com vistas à promoção da qualidade, é importante chamar atenção mais uma vez para os limites técnicos do município quanto à questão. Dois exemplos podem ser apresentados para explicitar a análise: 1) o município extrapola suas competências como ente federado ao estabelecer, no parágrafo 4º do artigo 11º da Lei n. 5.629 (PME) (VILA VELHA, 2015), responsabilidades para o Inep, autarquia pertencente ao governo federal; 2) o município assume o Ideb como política municipal e estabelece destinações para seus resultados que passam a integrar o sistema municipal. Tal decisão poderia ser interpretada como avanço na construção e implementação de um regime de colaboração, conforme estabelecido pela Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) para os entes federados, não fosse a assunção pelo governo federal de funções executoras, conforme autoriza o Decreto n. 6.094 (BRASIL, 2007), que cria o PDE.
A gestora entrevistada afirma que o município entende o Ideb como um referencial importante, realizando um trabalho de sensibilização com os estudantes para que participem da “Prova Brasil, que agora é Prova Saeb” com empenho, pois o bom desempenho na prova poderá ajudar a ingressar no ensino médio do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes), ou na obtenção de bolsa em escola privada que também tenha reconhecida sua qualidade.
Uma simulação de uma situação que ele, porventura, pode vir a passar para ele ter ingresso em alguma instituição que seja de interesse dele. [...] então serve como indicador para a gente trabalhar desde o 6º [...], que este instrumento na perspectiva de um simulador de uma situação que ele poderia passar para alcançar outras metas, então quando ele for fazer uma prova no Ifes, se você vai passar por uma avaliação desse tipo. [...] Então nesse ano [2019] a gente já tá trabalhando com os pedagogos na questão da organização da escola, no planejamento pedagógico de forma que esses meninos [...] estejam no dia da prova do Saeb na escola para fazer avaliação. (GESTORA VILA VELHA)
Nesse município há um processo de acompanhamento das notas da escola, bem como do desempenho dos estudantes em cada área: “para saber daquela escola, como que ela está na proficiência de Língua Portuguesa e Matemática” (GESTORA VILA VELHA). O conhecimento desses dados de proficiência fez o município implantar, em 2017, uma sistemática própria de avaliação envolvendo os estudantes de 7º, 8º e 9º anos, com vistas a realizar um diagnóstico do desempenho e preparar a participação na prova Saeb.
Então, a gente monitora desde os meninos do sétimo ano que vêm fazer a prova, né? Nesse ano a Prova Brasil. Como que as escolas estão em relação aos descritores, e então esse resultado, ele é feito on-line, o aluno faz a prova. Ela é construída com a colaboração dos professores para as questões. Aí tem uma banca dentro da Semed que organiza essa prova. É aplicada para os meninos e é gerado um gráfico na escola de que qual o percentual de acerto em determinadas questões, e essas questões estão relacionadas à quais descritores; então a partir daí qual é a orientação, o professor, ele retornar para a sala de aula com esse resultado e dialogar com os alunos. (GESTORA VILA VELHA)
A gestora indica mudanças de práticas docentes dadas pela pressão do desempenho, mas, além disso, sinaliza preocupação com a aprendizagem dos conteúdos previstos nas matrizes de referência da Prova Brasil (atual prova Saeb) e, indiretamente, com a qualidade do ensino. Tal constatação reforça a denúncia do poder constritor do currículo das provas estandardizadas. À ação da Secretaria Municipal de Educação (Semed) de promover diagnóstico e provocar reflexão no interior das escolas é creditada melhora nos índices e desempenho, mesmo que não tenham atingido a meta. Tal realidade também foi captada nos estudos realizados nos Estados Unidos por Diane Ravitch (2011, p. 187), fazendo crer que os índices podem ser melhorados por ação do ente estatal. Entretanto, é importante destacar que a experiência analisada pela autora encontrou limites para o crescimento dos índices em resposta a tais ações, pois, a partir de certo ponto, as iniciativas relacionadas à responsabilização dos envolvidos passam a não produzir resultados de melhoria.
Ainda, se detectou o desenvolvimento de ações envolvendo a equipe escolar em geral e, especialmente, o professor. São ações de formação levadas a cabo pela equipe da secretaria e pelo pedagogo da escola, que intervêm no planejamento do ensino com vistas a fazer que o trabalho do professor atenda às matrizes de referência e contemple os descritores das provas. O professor fica com a autonomia reduzida para a organização do conteúdo.
A análise, ela é feita dentro do setor pedagógico, agora, que é o importante, isso não fica no setor pedagógico [...], é levado para formação de pedagogos, tantos anos iniciais e finais; para discutir, então, o pedagogo, ele tem que trabalhar com professor um planejamento que contemple esses descritores [...]; os formadores também levaram esses profissionais para falar com os professores do 6º ao 9º ano. (GESTORA VILA VELHA)
Outro veio de ação identificada é com a equipe de gestão da escola, incluindo o diretor. Quando se detecta “que teve rendimento muito ruim, muito abaixo do esperado [...] a gente vai lá [...] leva o resultado para ela e a gente vai discutir” (GESTORA VILA VELHA). Tal indicação parece nos fazer concluir que a responsabilização da escola é um caminho utilizado e o investimento na formação continuada parece ser o remédio para a equipe escolar: “aí a gente vai entrar em outros campos, às vezes a escola tem uma boa equipe pedagógica, mas não tem um bom gestor, a gente vai ter que trabalhar com diretor, entendeu?” (GESTORA VILA VELHA).
Além de utilizar os resultados das provas realizadas pelo Inep, a Secretaria de Educação também procura trabalhar com informações de avaliações produzidas e inseridas pela escola no Sistema de Gestão (SG). O monitoramento do processo de ensino e aprendizagem com auxílio dos resultados de avaliação é possível em virtude da disponibilidade das informações, dada a existência de pautas eletrônicas3 em que os professores realizam registros de frequência e nota diretamente na plataforma da Secretaria de Educação. Os resultados são analisados e se decidem ações de orientação pedagógica às escolas.
O investimento na melhoria do desempenho no Ideb fica claro também quando a reprovação que provoca “distorção idade/série” passa a ser identificada como conteúdo das discussões com as equipes escolares para se realizar o planejamento.
[...] pega qual foi o quantitativo de alunos que ficaram abaixo da média em Português desde o 3º ano ao 9º ano e a gente monta o gráfico de desempenho do trimestre; então se naquela escola a gente percebe que há um índice muito alto de alunos abaixo da média em mais de duas disciplinas, essa escola corre o risco de reprovar um grande número de alunos, né? Então a gente vai, entra em contato para escola [...]. Aí o mapa de produtividade que vai ser o norteador para primeiro planejamento do ano seguinte. (GESTORA VILA VELHA).
Ainda, no aspecto formação se detecta o investimento na melhoria da qualificação dos professores na rede, especialmente dos que lecionam para os anos finais do ensino fundamental. É possível que tal investimento esteja diretamente ligado ao fato do Ideb, nos anos finais, encontrar-se mais longe da meta estabelecida na Lei n. 5.629, o PME (VILA VELHA, 2015). Entretanto, se verifica uma sistemática de formação por disciplina que demonstra importante investimento em gestão de sistema.
É isso, porque a gente tem aqui formação do 6º ao 9º, cada dia da semana tem uma área de conhecimento; segunda-feira é Português e ensino religioso, na terça, Matemática, na quarta é Ciências, na quinta, História e na sexta, Geografia. Eu acho que na sexta entra também a Música, eu acho que Artes na quinta, aí tem Educação Física também, mas eu não sei qual dia da semana específico que entra. Então uma vez por mês esses professores vêm [a]o Titanic, centro de formação, para ter formação sobre algum tema relacionado com o processo de aprendizagem. (GESTORA VILA VELHA)
Nota-se que em Vila Velha há um conjunto de ações voltadas a promover melhoria dos índices do Ideb obtidos pelas escolas. A Semed assume protagonismo tanto no monitoramento quanto na promoção de formação continuada aos membros das equipes escolares: professores, pedagogos e gestores (diretores). O principal lócus da formação parece ser a escola, apesar das ações regionalizadas que agregam grupos de escolas e das ações de formação gerais no Centro de Formação Municipal, denominado Titanic.
O trabalho com os estudantes feito em duas direções também adquire destaque na política municipal para a melhoria dos resultados do Ideb. A primeira diz respeito ao trabalho de sensibilização para a realização da prova Saeb, que tem agregado o trabalho de discussão da prova, das questões e dos acertos e erros, bem como de replanejamento do ensino por parte do professor. A segunda diz respeito à realização de provas próprias do sistema e acompanhamento do desempenho dos estudantes com vistas a preparar, mesmo que indiretamente, para a participação da prova Saeb.
No caso de Vila Velha é possível concluir que existe grande preocupação com o desempenho em exames, provas e avaliações estandardizadas, com os índices de acertos e o Ideb. O conjunto legal do município que aborda a avaliação faz indicação de que os aspectos qualitativos devem prevalecer sobre os quantitativos, mas todo o processo descrito pela gestora entrevistada indica para uma avaliação apoiada nos índices.
Por fim, detecta-se que as ações ocorrem todas no campo da formação, seja a desenvolvida com estudantes, seja a desenvolvida com os profissionais da escola: professores, pedagogos e diretores. Não há menção às condições de oferta ou intervenções de melhoria de infraestrutura, quantidade de estudantes por turma, carreira docente, remuneração, etc. Também não é mencionada a implantação do CAQ e do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), nem a aplicação de recursos orçamentários e financeiros como de composição de elementos contribuintes com a melhoria da qualidade. Fica a impressão de que a melhoria da gestão da Semed e da escola será suficiente para promover a melhoria no desempenho dos envolvidos e, consequentemente, do Ideb.
A AVALIAÇÃO E O IDEB EM VITÓRIA
O município de Vitória é a capital do estado do Espírito Santo e constitui-se pela Ilha de Vitória e por uma porção continental, totalizando 97,123 km². Faz limite com os municípios de Serra, Vila Velha e Cariacica. Em 2018, de acordo com o IBGE, a população era de 358.267 habitantes. A rede municipal de educação de Vitória é composta por 49 CMEI’s e 53 Emef’s, que atendem a 48.192 estudantes, sendo 8.827 na educação infantil e 39.730 no ensino fundamental. Em 2017, a nota do ensino fundamental no Ideb era 5.6 nos anos iniciais e 4.3 nos anos finais.
O município criou e normatizou o Sistema Municipal de Ensino por meio da Lei n. 4.747 (VITÓRIA, 1998) E, no que respeita à avaliação, estabelece no artigo 31 como seus objetivos:
I - prover informações para orientar as políticas educacionais que visam à melhoria da qualidade do ensino;
II - identificar problemas, pontos de estrangulamento, dificuldades, de modo a orientar ações para sua superação;
III - verificar em que medida os pressupostos, as condições, os procedimentos adotados no sistema devem ser mantidos, mudados ou aperfeiçoados para garantir sua eficácia;
IV - reorientar as ações pedagógicas com vistas a melhorar o processo de ensino-aprendizagem;
V - prover padrões de qualidade de ensino para garantir o aprendizado, a permanência e o sucesso escolar do aluno. (VITÓRIA, 1998)
O caso de Vitória é diferente dos demais em virtude de seu pioneirismo no estabelecimento de uma política municipal de avaliação com vistas a “prover informações para orientar as políticas educacionais que visam à melhoria da qualidade do ensino”. As opções teóricas expressas na Lei n. 4.747, de 1998, indicam para uma perspectiva diagnóstica de avaliação e insumo básico de orientação para a tomada de decisão, conforme é possível constatar: “verificar em que medida os pressupostos, as condições, os procedimentos adotados no sistema devem ser mantidos, mudados ou aperfeiçoados para garantir sua eficácia” (VITÓRIA, 1998).
É importante ter em conta, conforme já apontado neste texto, que a década de 1990 foi marcada pela assunção da avaliação como política de Estado no contexto da globalização neoliberal, dos acordos multilaterais e dos investimentos de instituições de financiamento, como o Banco Mundial. O conceito de avaliação dessa lei municipal parece estar mais adequado às políticas do contexto pós-Constituição de 1988 e às suas concepções e perspectivas de educação voltadas para a formação humana e para a cidadania.
O município é o único da região metropolitana de Vitória a possuir um sistema de avaliação em funcionamento. Já em 2010 foi instituído, pela Lei n. 8.051 (VITÓRIA, 2010), o Sistema de Avaliação da Educação Pública Municipal de Vitória (Saemv), caracterizado no Artigo 1º como:
[...] espaço permanente de avaliação e de pesquisa sobre os processos de ensino-aprendizagem e de gestão de educação do Município, cujos princípios são:
I - a democracia como norteadora dos processos de ensino-aprendizagem, de gestão e de avaliação para o desenvolvimento, apreensão e reflexão sobre os saberes científicos, artísticos, tecnológicos, sociais, culturais e históricos, com vistas à qualidade social da educação;
II - o predomínio dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos processos sobre o produto;
III - a articulação entre a avaliação formativa e os indicadores de qualidade;
IV - o foco nos impactos das desigualdades sociais e regionais, nos contextos culturais, na formação e na qualificação de professores, em suas condições de trabalho, nas condições de infraestrutura e equipamentos das Unidades de Ensino, nos projetos político-pedagógicos, nas práticas pedagógicas e no rendimento escolar dos alunos;
V - a articulação entre o planejamento, a gestão, a pesquisa e a avaliação de políticas que garantam o atendimento educacional no Município de Vitória, promotora de uma justiça social que possibilite a todos o acesso a uma educação de qualidade socialmente referenciada;
VI - a valorização de um espaço público para problematizar a qualidade da educação no Município de Vitória, estimulando a construção de saberes e práticas refletidas e contextualizadas e o controle social das políticas públicas para a educação. (VITÓRIA, 2010)
Os princípios apresentados indicam para uma concepção de educação que encontra na avaliação um elemento de informação para o exercício da democracia no interior do sistema e da escola, passando pelo controle e contribuição de todos, ou seja, socialmente referenciada. A valorização da qualidade como processo social construído na relação entre avaliação formativa e índices, de forma a repercutir na política educacional que envolve a gestão, o planejamento e a avaliação parece se adequar à perspectiva do Sinaeb, proposto pela Conferência Nacional de Educação (Conae) e assumido pelo Ministério da Educação (MEC) por meio da Portaria n. 369, de 5 de maio de 2016.
A lei municipal que cria o Saemv apresenta no Artigo 3º os objetivos específicos em consonância com os princípios. Nesse caso, vale a pena destacar os seguintes:
II- instituir processos avaliativos que considerem a complexidade da educação em seus diferentes campos, tendo como focos principais os processos de gestão e de ensino-aprendizagem;
III- viabilizar estudos e pesquisas sobre a educação, visando a um processo contínuo de coleta de dados, análise, sistematização teórica, registro e circulação de saberes sobre o campo educacional;
IV- monitorar e analisar os impactos, no Município, das políticas públicas de educação sejam elas federal, estadual e municipal, gerando instrumentos de registro, acompanhamento e relatórios avaliativos;
[...]
VI- identificar e analisar fatores intervenientes que influenciam os processos de ensino aprendizagem e de gestão, tais como: condições sociais, condições de ensino, participação dos pais na vida escolar, relações comunidade e escola, paradigmas/práticas de gestão, práticas docentes, dentre outras [...]. (VITÓRIA, 2010)
Os objetivos declarados na norma legal parecem indicar que a avaliação está a serviço da aprendizagem tanto de crianças, adolescentes e jovens estudantes, quanto de gestores, professores, funcionários e famílias, estejam localizadas na escola ou nos órgãos de gestão da rede. A proposta desse município pretende superar o ensino e a aprendizagem de conteúdos e colocar todos como aprendentes do contexto e da realidade das escolas, como criadores de conhecimento. Nesse sentido, parece se adequar ao que propõe Domingos Fernandes (2009): Avaliar para aprender. Também o que estabelece o inciso VI merece destaque, por superar o aspecto meramente quantitativo do índice e valorizar fatores qualitativos intervenientes no processo de avaliação.
A gente tem nossa meta projetada, era 5.0, a gente atingiu 5.1, que ótimo. Mas ótimo significa o que? 5.1! 5.1 meninos aprenderam? Eles podem avançar? É não partir do mínimo, atingiu 5.1 [...], e daí? O que significa 5.1 no contexto dessa escola, dessa educação. Então quando a gente fala dos aspectos qualitativos é exatamente a análise e a avaliação do número, e não parar no número, por isso que é aspecto qualitativo acima do quantitativo. (GESTORA VITÓRIA)
Pela fala da gestora, compreendemos que nessa proposta de avaliação os dados estatísticos e seus resultados, como o Ideb do município, serão utilizados junto com outras informações das unidades e sistema de ensino e não como um dado finalístico que compara e ranqueia as escolas. As avaliações externas, como a Prova Brasil (Prova Saeb) e o Ideb, gerados em conjunto com a autoavaliação interna das escolas e a avaliação da rede, são utilizados para pensar assessorias pedagógicas às escolas, realizadas pelas equipes da Secretaria. Vitória desenvolve, a exemplo dos demais municípios pesquisados, ações de formação com os pedagogos em que se discutem os resultados das avaliações da aprendizagem como insumo de planejamento do trabalho com estudantes e com professores.
[...] enfim, esse índice junto a vários outros dados que são coletados por nós, pelo sistema de gestão escolar, pelas assessorias que são prestadas à escola, pelas avaliações institucionais realizadas anualmente, pelo fórum de avaliação, então ele compõe um corpus maior, que nos ajuda a entender a realidade do município, a realidade de cada escola para esse processo de intervenção [...]. Diretamente nas escolas a gente tem ações pedagógicas [...], são as reuniões mensais com pedagogos, processos formativos e reuniões trimestrais para análise dos dados de desempenho dos estudantes pra provocar qual é o planejamento das próximas ações [...]. Então a cada trimestre elas pegam o resultado, sentam com os pedagogos nas reuniões regionalizadas, ou seja, por região ou turno, discutem esses dados de aprendizagem para que a escola planeje e replaneje de acordo com esses dados que são colocados. (GESTORA VITÓRIA)
Em consonância com o estabelecido no inciso III do Artigo 3º da Lei n. 8.051 (VITÓRIA, 2010), Fernandes, Gobete e Spinassé (2011, p. 4) elaboraram um artigo sobre o Saemv no qual afirmam que “de acordo com seus objetivos e princípios, o SAEMV não se trata de um processo de mensuração do rendimento escolar dos alunos, mas de uma análise conjugada de diferentes fatores intra e extraescolares”. Esses fatores que influenciam o processo educativo e o desempenho dos estudantes são analisados e agrupados em quatro dimensões: acesso e permanência, contexto, insumos e processos. Essas variáveis têm como foco a qualidade socialmente referenciada.
Na dimensão de acesso e permanência [são observados] o rendimento dos alunos (aprovação, reprovação, evasão), número de vagas, número de unidades de ensino, demanda por vaga, condições de acesso, entre outros dados. Por insumos entende-se o conjunto de recursos humanos, materiais, financeiros, pedagógicos, administrativo, com implicações diretas sobre as condições de trabalho, bem como acesso e permanência, com qualidade a ser socialmente referenciada.
Em relação aos processos pedagógicos e de gestão, considera-se os processos de ensino-aprendizagem e de gestão, incluindo clima e cultura organizacional. Além destes aspectos intra-escolares incorporar-se-á a dimensão contexto sócio-econômico e cultural, por entender que a mesma estabelece uma interface com a unidade de ensino, com desdobramentos diretos sobre a qualidade. (FERNANDES; GOBETE; SPINASSÉ, 2011, p. 5)
Essa visão ampliada da avaliação coloca-se em acordo com o que estabelece a Lei n. 8.829 (VITÓRIA, 2015), que aprova o Plano Municipal de Educação, e o proposto no âmbito da Portaria MEC n. 369 (BRASIL, 2016), que cria o Sinaeb, já referido neste artigo.
7.3) constituir em colaboração com a União e o Estado, um conjunto de indicadores municipais de avaliação institucional com base no perfil do alunado e do corpo de profissionais da educação, nas condições de infraestrutura das escolas, nos recursos pedagógicos disponíveis, nas características da gestão e outras dimensões relevantes, considerando as especificidades das modalidades de ensino [...]. (VITÓRIA, 2015)
Merece destaque também a menção explícita à avaliação institucional e à perspectiva de fazer da avaliação elemento a ser compartilhado com outros entes federados. E logra êxito em superar os limites da própria constituição do Ideb, que se baseia em apenas dois fatores: fluxo e desempenho. Isso pois, ao focar tanto nos insumos e condições básicas para a escola funcionar, quanto nos processos, nos momentos e nas relações vividas no ambiente escolar, é possível depreender que a avaliação oferece elementos para a reflexão da escola por seus membros e sobre a escola pela Secretaria de Educação.
7.4) articular e induzir processo contínuo de avaliação das escolas de educação básica, por meio da constituição de instrumentos de avaliação que orientem as dimensões a serem fortalecidas, destacando-se a elaboração de planejamento estratégico, a melhoria contínua da qualidade educacional, a formação continuada dos (as) profissionais da educação e o aprimoramento da gestão democrática;
[...]
7.6) desenvolver indicadores específicos de avaliação da qualidade da educação especial;
[...]
7.24) garantir a efetiva implementação do Sistema Municipal de Avaliação Pública do Município de Vitória - SAEMV [...]. (VITÓRIA, 2015)
Apesar disso, é possível identificar em Vitória as mesmas adesões ao Ideb verificadas nos outros municípios, com a redação idêntica da meta 7 e o estabelecimento de sua primeira estratégia específica para tratar da questão. Tal assunção se manifesta em contradição com o Saemv, que analisa acesso, permanência, contexto, insumos e processos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa evidenciou que os resultados do Ideb estão sendo utilizados como direcionadores de políticas públicas municipais. Apesar do município de Vitória, que considera o Ideb no contexto de processo de avaliação mais amplo, as evidências parecem confirmar os achados de Vidal e Vieira (2011, p. 430) em pesquisa desenvolvida em dez municípios cearenses:
a) Há uma aceitação incondicional do Ideb. O índice passou a ser o elemento norteador, por excelência, da política municipal de educação. A gestão da educação municipal gira em torno da melhoria do Ideb nas escolas, e, para isso, as SME procuram estabelecer mecanismos de monitoramento das escolas. Houve um fortalecimento generalizado da dimensão pedagógica nas SME, no entanto se percebe uma redução das propostas curriculares nas matrizes da Prova Brasil.
Apesar da aceitação do Ideb como referencial em torno do qual giram as políticas, diferentemente dos casos cearenses, encontra-se na região metropolitana da Grande Vitória uma boa qualificação das equipes técnicas das Secretarias de Educação com condições de realizar, inclusive, a elaboração teórica sobre a avaliação. Assim, os programas formativos são concebidos e levados a termo pelas equipes técnicas das secretarias que contam também com auxílio da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) para ações de aperfeiçoamento dos quadros das secretarias e também das escolas em momentos demandados pelas secretarias.
Nesse sentido, constata-se que:
a) as assessorias pedagógicas com pedagogos e escolas têm sido realizadas, preferencialmente, nas próprias escolas envolvendo suas equipes e até estudantes. Também se detecta sua realização de forma regionalizada, envolvendo várias escolas que coexistem num determinado contexto e território de uma mesma região. Nesse caso se utilizam espaços de uma das escolas envolvidas, o que nos faz refletir sobre a opção de descentralizar as ações em virtude de concepção teórica (epistemológico-metodológica) e não por motivações meramente logísticas;
b) a oferta de formação continuada aos professores é decidida com base em possíveis fragilidades teóricas e/ou metodológicas detectadas a partir do desempenho insuficiente dos estudantes em determinado conteúdo. Outro aspecto importante parece ser a organização, preferencialmente, por áreas de conhecimento para a realização dessas formações. Ações de formação interdisciplinares não foram identificadas. Quanto à formação, nos parece adequado problematizar sobre o caráter emergencial de sua efetivação, pois não é tratada como um direito do profissional da educação em receber formação continuada em serviço conforme determina a Resolução n. 02 (BRASIL, 2015), que trata da formação inicial e continuada de professores, mas como ação gerencial de resolução de problemas de desempenho em provas. Subjacente a isso parece haver também uma culpabilização ou responsabilização do professor pelo desempenho do estudante, mesmo que o discurso não seja esse e busque afirmar o interesse em ajudar o professor;
c) os projetos desenvolvidos com os próprios alunos (por exemplo o reforço escolar, as ações com turmas específicas ou áreas e as avaliações diagnósticas próprias em preparação para a Prova Brasil/Prova Saeb) em que os órgãos gestores do sistema indicam às escolas a realização de trabalhos tópicos e direcionados para resolver um determinado problema de desempenho detectado nas provas parece incluir os alunos no rol dos responsabilizados, apesar da proposição de se ajudar o aluno e melhorar a qualidade do ensino. Pois, instam a realização de ações preparatórias para as provas, seja sensibilizando, seja aplicando provas no sistema e modelo utilizado pelo Inep;
d) as ações gerais de debate sobre o desempenho e os índices (seminários) têm caráter formativo e de responsabilização, pois podem caracterizar-se como momentos em que se busca chamar a atenção dos profissionais da educação acerca da responsabilidade que têm no desempenho dos estudantes.
Outra evidência importante é que os municípios pretendem ter seus sistemas próprios de avaliação. Vila Velha e Vitória já o criaram em lei específica, porém em Vila Velha ainda não foi colocado em funcionamento. Cariacica e Serra afirmam nos Planos Municipais de Educação que criarão seus próprios Sistemas de Avaliação da Educação Pública Municipal, mas ainda não os instituíram. Se por um lado tais ações atendem ao estabelecido no PNE 2014-2024, por outro indicam que uma cultura de avaliação se faz presente nesses municípios e que os índices e rankings estão sendo valorizados, podendo representar indicativo das induções realizadas pelas políticas do governo federal no âmbito do PDE e das ações decorrentes, inclusive o Ideb.
As iniciativas das Secretarias de Educação introduzem novos elementos nas demandas de planejamento e desenvolvimento do trabalho educacional da escola: índices, números e gráficos (sobre evasão, aprovação, reprovação, transferência expedida e recebida, movimento de matrícula, quantidade de alunos abaixo da média, na média, acima da média, etc.). As ações de monitoramento agora são exigidas também da escola.
Os municípios com maior tradição de debates educacionais e com mais recursos técnicos, políticos e econômicos foram os primeiros a normatizar a avaliação.
À exceção de Vitória, as políticas criadas nos demais municípios não tocam em aspectos estruturais do trabalho das escolas como: jornada de professor, infraestrutura, apoio pedagógico, educação integral e de tempo integral, currículos, etc.
Por fim, as políticas criadas pelos municípios com vistas à promoção de melhorias da qualidade repetem fórmulas antigas e não tocam na questão da equidade. O uso do Ideb como fonte de informação para planejamento de políticas mostrou-se insuficiente. Talvez investir num sistema de avaliação como o proposto no Sinaeb poderia oferecer informações mais adequadas ao planejamento de políticas de melhoria da qualidade do ensino almejada.