INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo analisar os indicadores de matrículas do Público--Alvo da Educação Especial (PAEE)1 no estado de São Paulo no período de 2007 a 2015. Para tanto, utilizamos como fonte de informações os microdados dos censos escolares do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) dos anos de 2007, 2011 e 2015, bem como as principais legislações e normas que orientaram as políticas nacionais e do estado de São Paulo no período analisado.
O critério de escolha do marco temporal do artigo considerou a disponibilidade de dados individualizados. Assim, trabalhamos com as informações dos anos-calendário correspondentes ao primeiro ano de mandato das últimas três gestões encerradas do governo estadual paulista, a fim de analisar os indicadores de matrículas no contexto das políticas educacionais direcionadas ao PAEE ao longo dos sucessivos governos.
Embora as políticas direcionadas para a escolarização dos estudantes PAEE sejam de longa data e, especialmente nos últimos 30 anos, tenham ganhado maior projeção no contexto social, político, econômico e cultural do Brasil, avanços mais significativos ocorreram a partir dos anos 2000, quando políticas de Educação Especial (EE) foram de fato implantadas sob princípios inclusivistas,2 ou, como enunciado no texto da política nacional de 2008, na perspectiva da educação inclusiva (BRASIL, 2008a).
Nos dois mandatos presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006 e 2007--2010), deu-se continuidade à difusão dos princípios de inclusão educacional presentes nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002); mas, pelas características da política de conciliação de classes via “coesão social” (SILVA JÚNIOR, 2005) que caracterizam as gestões do governo Lula, os próprios nomes dos planos plurianuais (PPA) incorporaram os princípios inclusivistas, a saber: “Plano Brasil de Todos: participação e inclusão” (2004-2007) e “Plano Desenvolvimento com inclusão social e educação de qualidade” (2008-2011). É nesse contexto que a educação foi apresentada como prioridade nacional e como instância que objetivava a promoção da equidade através da valorização da diversidade e da viabilização da inclusão social. Como observa Kassar (2011), tais planos fazem parte de um discurso coerente, difundido pela Organização das Nações Unidas (ONU). No caso da Educação Especial, as Convenções da Guatemala (2001) e de Nova Iorque (2006) intensificaram a divulgação de uma perspectiva inclusiva para a educação.3 Assim, ao longo do governo Lula, a Política Nacional de Educação Especial (PNEE) recebeu novas ações com o desenvolvimento de três programas implantados nacionalmente, dois voltados para a educação básica e um para a educação superior: 1) Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais;4 2) Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade; 3) Programa Incluir.5 Esses programas colaboraram significativamente para a expansão dos princípios inclusivistas na política de Educação Especial no Brasil na última década (GARCIA; MICHELS, 2011).
Garcia e Michels (2011), ao analisarem os três programas supracitados, observam que o Programa de Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais foi uma ação governamental de criação de equipamentos públicos de Educação Especial no âmbito da escola/universidade concretizada através da sistemática de editais, que também foi utilizada para os outros dois programas.
Os anos que se seguiram a 2008 têm sido decisivos para a definição de uma mudança de curso nas diretrizes da política nacional de Educação Especial (GARCIA; MICHELS, 2011), pois, desde a publicação do documento orientador da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEE-EI), em 2008, a área vem passando por redefinições. Por exemplo, existe uma mudança na compreensão do PAEE, não obstante a manutenção do termo “alunos com necessidades especiais”. Tais estudantes são compreendidos, pela nova definição, como aqueles que apresentam deficiências, altas habilidades/superdotação e transtornos globais do desenvolvimento (BRASIL, 2008a), o que, segundo Garcia e Michels (2011), retoma os termos presentes no documento PNEE, de 1994, quando a política se apoiava no princípio da integração (BRASIL, 1994). O conceito de Educação Especial também foi redefinido, pois, na nova diretriz, abandonou-se a ideia de Educação Especial como uma proposta pedagógica para se centrar na disponibilização de recursos e serviços (GARCIA; MICHELS, 2011).
No referido documento, o Atendimento Educacional Especializado (AEE) é definido como um “conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar à formação dos alunos no ensino regular” (BRASIL, 2008b).
A Resolução n. 4/2009 do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica (CNE/CEB), que institui as diretrizes operacionais para o AEE na educação básica, prioritariamente na Sala de Recursos Multifuncionais, reafirmou a Educação Especial como modalidade educacional e enfatizou o AEE (BRASIL, 2009). Na mesma perspectiva, o Decreto n. 7.611 “dispõe sobre a Educação Especial, o Atendimento Educacional Especializado e dá outras providências” (BRASIL, 2011, p. 1).
Em conformidade com os dois planos plurianuais anteriores, o PPA para o período de 2012-2015, do governo da presidenta Dilma Rousseff, também estabeleceu ações prioritárias sob a perspectiva inclusiva (BRASIL, 2011).
Apesar de o contexto político ser outro, no primeiro mandato de Dilma (2011-2014) foi aprovado o Plano Nacional de Educação (PNE) para o período de 2014-2024, e sua meta 4 prevê a universalização:
[...] para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados. (BRASIL, 2014, p. 24, grifo nosso)
Como se pode observar, o PNE (2014-2024) retoma o termo “preferencialmente” e, com isso, toda uma discussão em torno das classes e escolas especiais, apresentadas pelo Ministério da Educação (MEC) em proposta recente de revisão da PNEE-EI (KASSAR; REBELO; OLIVEIRA, 2019; REBELO; KASSAR, 2018; SILVA; MACHADO; SILVA, 2019).
Em síntese, o ideário inclusivo e, particularmente, o discurso da educação inclusiva passaram a ser de interesse dos governantes - entre 1990 e 2003 - não só pelas vantagens educacionais e formativas que apresentavam aos estudantes PAEE, mas também pelo fato de que representavam a possibilidade real de diminuição do uso de recursos públicos na área. O ideário inclusivo começou a fazer parte da agenda política de gestores nas diferentes esferas do Executivo - municipal, estadual e federal -, de modo que, a partir dos anos 1990, muitos municípios e estados revisaram suas políticas e iniciaram um processo de transferência dos estudantes PAEE para as escolas comuns.
A partir de 2003, a educação inclusiva passou a ser assumida como política do governo pela esfera federal e, por meio da estrutura de repasse de recursos para os governos municipais e estaduais, iniciou-se um processo de indução da política de “inclusão escolar” no país (GARCIA, 2013).
Nesse contexto, é oportuno observar que o estado de São Paulo, como parte integrante do sistema federativo do país, também passou a regulamentar a Educação Especial dentro de sua esfera de atuação e a prover as condições para o atendimento prescrito no âmbito das leis e diretrizes federais. A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (SEE-SP), atenta às políticas nacionais e, principalmente, à obtenção e administração dos recursos financeiros repassados pelo governo federal, elaborou várias resoluções nos últimos trinta anos, dentre as quais merecem destaque aquelas formuladas após 2003. O Quadro 1, a seguir, elenca essas resoluções.
RESOLUÇÃO | DATA | COMENTÁRIO |
---|---|---|
Resol. SE n. 135 | 18/07/1994 | Cria o Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento ao Deficiente Visual (CAP-DV). |
Resol. SE n. 61 | 05/04/2002 | Programa de Inclusão Escolar - Transforma o CAP-DV em Centro de Apoio Pedagógico Especializado (Cape). |
Resol. SE n. 32 | 23/05/2007 | Ações do Programa de AEE. |
Resol. SE n. 72 | 09/10/2009 | Parcerias da Secretaria com instituições sem fins lucrativos. Serviu de base para as resoluções seguintes. |
Resol. SE n. 14 | 07/02/2012 | Celebra convênio com entidades de fins não econômicos, para proporcionar atendimento e apoio a alunos com deficiência, matriculados em escolas da rede estadual de ensino, e dá providências correlatas. |
Resol. SE n. 70 | 29/06/2012 | Altera dispositivo da Resolução SE n. 54, de 12/08/2011, que dispõe sobre a celebração de convênios com instituições, sem fins lucrativos, atuantes em educação especial. |
Resol. SE n. 59 | 22/11/2016 | Dispõe sobre o processo de credenciamento de organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, a que alude o art. 30, inciso VI, da Lei Federal n. 13.019, de 31/07/2014. |
Resol. SE n. 68 | 12/12/2017 | Dispõe sobre o atendimento educacional aos alunos PAEE na rede estadual de ensino. |
Resol. SE n. 15 | 16/02/2018 | Dispõe sobre o processo de credenciamento de organizações da sociedade civil sem fins lucrativos, a que alude o art. 30, inciso VI, da Lei Federal n. 13.019, de 31/07/2014. |
Decreto n. 57.141 | 18/07/2011 | Reestrutura a SEE/SP - Centro de Atendimento Especializado (Caesp), que passa a aglutinar o Cape e o Núcleo de Inclusão (Ninc). |
Resol. SE n. 81 | 07/08/2012 | Aceleração de estudantes com altas habilidades e superdotação. |
Resol. SE n. 32 | 17/05/2013 | Define as atribuições do Núcleo de Apoio Pedagógico Especializado - Cape. |
Resol. SE n. 18 | 03/04/2014 | Trata do Termo de Ajuste de Conduta com o Ministério Público do estado de São Paulo sobre acessibilidade nos prédios escolares. |
Resol. SE s/n | 08/12/2016 | Trata da Educação Especial no sistema estadual de ensino - Deliberação do Conselho Estadual de Educação n. 149/2016. |
Resol. SE n. 68 | 12/12/2017 | Dispõe sobre o AEE. |
Fonte: Elaboração própria. Base de legislações da Secretaria de Educação do estado de São Paulo.
Além dessas resoluções, a SEE-SP desenvolveu programas que incluíam ações de escolarização dos estudantes PAEE na rede estadual de ensino do estado de São Paulo (REE/SP); são eles: o Programa Melhoria da Qualidade do Ensino Fundamental (2000-2011), o Programa Ler e Escrever e o Programa Gestão Pedagógica da Educação Básica (2012-2016), ambos do Departamento de Desenvolvimento Curricular e de Gestão da Educação Básica.
Assim, passados pouco mais de trinta anos entre políticas integracionistas e, principalmente, inclusivistas, vários pesquisadores da área, professores e profissionais que trabalham com esse público vêm chamando a atenção para os indicadores educacionais censitários como estratégia de avaliação das políticas de Educação Especial. Isso porque os dados obtidos pelo censo escolar do Inep, por meio de sinopses ou microdados estatístico-educacionais, são empregados para fins de formulação de políticas públicas e de execução de programas na área educacional, inclusive para definição dos valores dos recursos públicos federais transferidos para os estados e municípios (BRASIL, 2018). Destacam-se, a esse respeito, os trabalhos de Meletti e Bueno (2010), Mendes (2010), Meletti (2014), Meletti e Ribeiro (2014), Rebelo e Kassar (2018) e Santos e Mendes (2019).
Enfim, no tocante à política de Educação Especial no estado de São Paulo, faz-se necessário analisar os números fornecidos pelos censos escolares do Inep questionando se esses representam aumento do acesso à escola e garantia de direito à escolarização dos estudantes PAEE.
METODOLOGIA
Para este estudo foram utilizados como fonte os microdados dos censos escolares referentes aos anos de 2007, 2011 e 2015. Embora seja chamado de censo escolar pelo Inep - posto que ambiciona contabilizar anualmente, desde 1995, todas as matrículas realizadas no sistema educacional brasileiro -, este é um registro administrativo, uma vez que o formulário do censo é inteiramente respondido através de plataforma digital por funcionários das escolas, sem que exista qualquer tipo de entrevista direta com os estudantes.
Vale destacar que, entre 1995 e 2006, os dados eram coletados de forma agregada, ou seja, cada escola informava quantos estudantes apresentavam determinada característica e, por conseguinte, não é possível realizar o cruzamento de duas ou mais características dos estudantes. Em 2007, o levantamento sofreu significativa alteração de formato e passou-se a coletar dados individualizados por estudante, prática que se mantém até o momento presente. O censo conta atualmente com quatro formulários, que apresentam distintas unidades básicas de análise: matrículas, turmas, escolas e docentes.
No período analisado, é possível verificar mudanças nos quesitos que dizem respeito ao Público-Alvo da Educação Especial. Em 2007, por exemplo, a síndrome de Down constava entre as categorias de necessidade educacional especial; porém, a partir de 2009, ela passou a ser contabilizada na categoria de deficiência mental,6 ocasionando um aumento considerável de tais casos.
Além dos dados sobre matrículas na educação básica do PAEE, também são de interesse, para fins comparativos, as informações referentes aos estudantes que não foram incluídos como PAEE nos censos (deficiência sensorial, física, mental/intelectual, transtorno ou altas habilidades/superdotação), por não fazerem parte das categorias abarcadas por essas políticas públicas, denominados neste trabalho Não Público-Alvo da Educação Especial (NPAEE).
As variáveis selecionadas para esta pesquisa foram ano de nascimento do estudante, ano do censo, série/ano da etapa de ensino que frequenta, se apresenta alguma necessidade especial e dependência administrativa da escola, isto é, se pertence à rede federal, estadual, municipal ou privada de ensino. Quanto à comparação entre categorias de dependência administrativa, optou-se por contrastar, sobretudo, as redes estadual e privada.
CONSTRUÇÃO DO BANCO DE DADOS E TRATAMENTO DAS VARIÁVEIS
Uma vez selecionados os dados para o estado de São Paulo, foram realizadas análises descritivas para dimensionar o PAEE e o NPAEE.
A partir da aplicação de critérios utilizados pelo Inep e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi realizada a construção da taxa de distorção idade-série, que expressa o percentual de estudantes com idade superior à idade recomendada em cada série/ano dos ensinos fundamental e médio, cuja fórmula é dada por:
Nessa fórmula, TDISks é a taxa de distorção idade-série no nível de ensino k em sua série/ano; Mksa_sup é o número de matrículas de estudantes que nasceram em anos anteriores ao ano de nascimento dos estudantes que cumprem a idade recomendada para o nível de ensino k e na série/ano no ano de realização do censo escolar; Mks é o número total de matrículas no nível de ensino k na série/ano. Na prática,
[...] considerando o Censo Escolar do ano t e a série k do ensino fundamental, cuja a idade adequada é de i anos, então o indicador será expresso pelo quociente entre o número de alunos que, no ano t, completam i + 2 anos ou mais (nascimento antes de t - [i + 1]), e a matrícula total na série k. A justificativa deste critério é que os alunos que nasceram em t - [i + 1], completam i + 1 anos no ano t e, portanto, em algum momento deste ano (de 1º de janeiro a 31 de dezembro) ainda permaneciam com i anos e, por isso, o critério aqui adotado, considera estes alunos como tendo idade adequada para esta série. Os que nasceram depois de t - [i + 1] completam, no ano t, i anos ou menos. (BRASIL, 2012)
Deve-se destacar que foram consideradas para a análise as matrículas nas turmas seriadas dos ensinos fundamental e médio, sendo desconsideradas as matrículas realizadas no ensino médio nas modalidades magistério, profissional, técnico e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Atenta-se para o fato de que, ao longo do período em análise, a legislação foi alterada, e o ensino fundamental passou a conter nove anos de duração, em vez de oito, conforme a Lei n. 11.274/2006 (BRASIL, 2006), de modo que, para apresentar os resultados, foi necessário fazer a compatibilização entre essas duas lógicas, que ainda coexistem, através da soma das matrículas realizadas na primeira série do ensino de oito anos com a soma das matrículas no segundo ano do ensino de nove anos, e assim por diante, tendo o ensino fundamental de nove anos como referência.
Após a recodificação das variáveis necessárias para a avaliação da distorção idade/série entre os estudantes da educação básica, as análises descritivas apresentadas contrastam a situação de distorção idade/série dos matriculados na educação básica no estado de São Paulo, PAEE e NPAEE, segundo dependência administrativa das escolas, enfatizando as diferenças entre as redes estadual e privada.
Para além da distorção idade/série, foram avaliados aspectos referentes à política de educação inclusiva, tais como: se esses estudantes estão matriculados em classes exclusivas (modalidade substitutiva) ou classes comuns, tal como defendido pela perspectiva da educação inclusiva; se frequentam o AEE; e se as escolas que ofertam o AEE possuem salas de recursos multifuncionais. Em todas as etapas do trabalho foi utilizado o software estatístico SPSS.
RESULTADOS
A Tabela 1 traz dados sobre o total de matrículas de alunos PAEE e sua proporção em relação ao total de matrículas realizadas no estado de São Paulo nos anos de 2007, 2011 e 2015.
ANO | MATRÍCULAS DE ESTUDANTES PAEE | TOTAL DE MATRÍCULAS | PROPORÇÃO DE MATRÍCULAS DE ESTUDANTES PAEE NO TOTAL DE MATRÍCULAS |
---|---|---|---|
2007 | 156.443 | 10.651.119 | 1,5 |
2011 | 210.263 | 10.797.800 | 1,9 |
2015 | 219.925 | 11.162.580 | 2,0 |
Fonte: Elaboração própria. Base de matrículas dos censos escolares de 2007, 2011 e 2015 - Inep.
Segundo os dados apresentados, houve aumento no número de estudantes PAEE ao longo do período analisado: em 2007, os estudantes PAEE representavam 1,5% do total de matrículas no estado de São Paulo; em 2011, essa proporção aumentou para 1,9%; e, em 2015, o índice subiu para 2,0%. Entre 2017 e 2015, a representatividade de estudantes PAEE aumentou 0,5% entre os alunos matriculados; em números absolutos, houve um aumento de 63.482 matrículas quando se comparam os anos de 2007 e 2015. Portanto, há um aumento do acesso das pessoas que são PAEE à rede de ensino no estado de São Paulo.
Com o objetivo de adensar as análises, faz-se necessário identificar o modelo de escolarização utilizado pela rede de ensino paulista - classes comuns com apoio do AEE ou classes exclusivas - para o atendimento dos estudantes PAEE, tendo em vista que a legislação brasileira, especialmente o PNE e a Lei n. 13.146 (BRASIL, 2015), conhecida como Lei Brasileira de Inclusão (LBI), retoma a ambiguidade histórica da área, possibilitando que as matrículas dos estudantes PAEE sejam identificadas em classes comuns ou exclusivas - apesar de o PNEE-EI definir a matrícula no AEE ou Centro de Atendimento Educacional Especializado (CAEE) como não substitutivo às classes comuns.
A Tabela 2 contém dados relativos aos estudantes PAEE que frequentam classe exclusiva no estado de São Paulo. Ainda que se tenha verificado missing de 20,5% em 2011 e de 24% em 2015, em relação aos dados de 2007, considera-se pertinente apresentá-los, pois permitem refletir, por aproximação, sobre as condições de inclusão (modelo de escolarização) das pessoas PAEE.
ANO | NÚMERO DE MATRÍCULAS | PERCENTUAL |
---|---|---|
2007 | 64.749 | 41,4% |
2011 | 49.998 | 29,9%* |
2015 | 40.771 | 24,4%* |
Fonte: Elaboração própria. Base de matrículas dos censos escolares de 2007, 2011 e 2015 - Inep.
*Considerando-se apenas os casos válidos, pois há 20,5% de missing em 2011 e 24% de missing em 2015 na variável que identifica classe exclusiva.
Verifica-se, na tabela acima, uma tendência de diminuição do atendimento educacional em classes exclusivas: em 2007, dos 156.443 estudantes PAEE matriculados, 41,4% estavam em classes exclusivas; em 2011, esse percentual diminuiu para 29,9%; e, em 2015, 24,4% dos estudantes PAEE matriculados na rede de ensino paulista estavam em classes exclusivas.
Infere-se que esse movimento de diminuição do atendimento do PAEE na rede de ensino paulista em classes exclusivas pode ter sido impulsionado, a partir de 2008, pela PNEE-EI, que induziu, por meio de financiamentos obtidos em editais do governo federal, as redes de ensino brasileiras a aderirem à política inclusiva.
Considerando ainda que, a partir de 2008, define-se o AEE como forma de se materializar uma educação inclusiva do PAEE no ensino comum, contando com serviços complementares ou suplementares, é pertinente trazer à tona, a seguir, os dados relativos ao AEE.
ANO | NÚMERO DE MATRÍCULAS | PERCENTUAL |
---|---|---|
2007 | Informação não coletada | - |
2011 | 38.123 | 18,1% |
2015 | 39.241 | 17,8% |
Fonte: Elaboração própria. Base de matrículas dos censos escolares de 2007, 2011 e 2015 - Inep.
Definido por lei a partir de 2008, não há dados relativos ao AEE no ano de 2007. Em 2011, dos 210.263 estudantes PAEE matriculados, 38.123 tiveram AEE, o que representa somente 18,1% do total de matrículas nessa modalidade de ensino. Em 2015, 17,8% dos 219.925 estudantes matriculados receberam AEE.
Esse decréscimo do número de estudantes PAEE matriculados nas classes comuns e que recebem apoio do AEE nos dados de 2015, conforme Silva, Machado e Silva (2019), pode estar relacionado com as mudanças ocorridas no contexto sociopolítico e econômico do Brasil a partir de 2014. Tais mudanças geraram consequências, inclusive, na definição da meta 4 do PNE (2014-2024), que retomou o termo “preferencialmente” e toda sua ambiguidade histórica para a definição dos modelos de escolarização dos estudantes PAEE.
Na Tabela 4, a seguir, buscamos mapear, a partir dos dados do censo escolar, a distribuição dos estudantes PAEE e NPAEE nos anos/séries do ensino fundamental (1º ao 9º ano) e ensino médio (1º ao 3º ano), o que nos permite, a partir desses dados, realizar uma comparação do fluxo de estudantes matriculados, tanto em relação ao ritmo de escolarização entre aqueles estudantes Público-Alvo da Educação Especial quanto destes em relação aos demais estudantes.
Cabe lembrar que, com a Lei n. 11.274/2006 (BRASIL, 2006), foi instituído o ensino fundamental de 9 anos, o que exigiu a compatibilização dos dados. Além disso, em 2008, foi criada a PNEE-EI que, dentre as mudanças propostas, insere a redefinição da classificação do PAEE. Essas mudanças legais foram consideradas para a análise do movimento das matrículas, sobretudo dos dados de 2007 e 2011.
ANO E NÍVEL | PAEE | NPAEE | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
2007 | 2011 | 2015 | 2007 | 2011 | 2015 | |
1º ano EF | 14.870 | 23.147 | 14.360 | 203.624 | 572.968 | 599.865 |
2º ano EF | 32.864 | 16.940 | 14.649 | 690.495 | 564.730 | 602.838 |
3º ano EF | 33.081 | 12.096 | 16.762 | 763.492 | 493.934 | 627.618 |
4º ano EF | 15.192 | 15.484 | 14.833 | 706.299 | 619.055 | 580.704 |
5º ano EF | 17.252 | 17.988 | 16.602 | 748.231 | 664.535 | 594.089 |
6º ano EF | 9.544 | 14.308 | 13.357 | 733.277 | 703.927 | 586.727 |
7º ano EF | 6.861 | 12.363 | 10.372 | 722.281 | 748.338 | 499.259 |
8º ano EF | 4.661 | 9.319 | 12.075 | 686.673 | 708.836 | 625.853 |
9º ano EF | 4.141 | 7.568 | 11.240 | 700.795 | 721.387 | 648.995 |
1º ano EM | 2.243 | 4.785 | 8.486 | 685.229 | 727.749 | 687.265 |
2º ano EM | 1.502 | 3.041 | 5.949 | 551.727 | 608.363 | 605.865 |
3º ano EM | 1.067 | 1.958 | 3.831 | 467.254 | 504.457 | 498.783 |
Total | 143.278 | 138.997 | 142.516 | 7.659.377 | 7.638.279 | 7.157.861 |
Fonte: Elaboração própria. Base de matrículas dos censos escolares de 2007, 2011 e 2015 - Inep.
Quanto ao fluxo de escolarização dos estudantes PAEE, destaca-se que, enquanto no ciclo do ensino fundamental I (1º ao 5º ano) há, mesmo com alguma diferenciação, relativa estabilidade no número de matrículas, a partir do ensino fundamental II (6º ao 9º ano) há uma tendência de decréscimo nas matrículas.
Comparando-se os dados das matrículas dos estudantes PAEE ao final da educação básica com o total de matriculados nessa modalidade de ensino, os dados demonstram que, em 2007, os que chegam ao 3º ano do ensino médio representam 0,74% do total; em 2011, esse percentual cresce um pouco, chegando a 1,41%; e, em 2015, mais que triplica em relação a 2007, alcançando o índice de 2,69% dos estudantes matriculados como PAEE. De forma menos acentuada, percebe-se essa tendência de decréscimo nas matrículas ao longo dos níveis de escolarização, destacando-se o ensino médio e, sobretudo, o 3º ano do ensino médio.
A comparação entre os dados dos estudantes matriculados no 3º ano do ensino médio com o total de matrículas nos anos de 2007, 2011 e 2015 demonstra que, em geral, estes representam pouco mais de 6% do total de matrículas: em 2007, 6,1% dos estudantes NPAEE matriculados encontravam-se no 3º ano do ensino médio; em 2011, esse percentual subiu para 6,6% e, em 2015, chegou a 6,97%.
Os dados revelam que, em relação ao NPAEE, o fluxo de escolarização dos estudantes PAEE é mais afunilado, o que permite inferir que os mecanismos que provocam evasão e/ou repetência impactam mais acentuadamente os estudantes em situação de deficiência. Pergunta-se: o modelo vigente de organização do trabalho educativo da escola contemporânea poderia ser um dos mecanismos internos que explicariam esses dados?
Abaixo, selecionamos os dados relativos aos estudantes PAEE e NPAEE distribuídos por dependência administrativa (federal, estadual, municipal e privada), buscando, com isso, identificar onde, no ensino comum, prioritariamente, os estudantes têm sido atendidos.
Classificam-se os “sistemas” de ensino como públicos quando ofertados pelo Estado, e privados quando mantidos por instituições educacionais constituídas juridicamente na esfera da sociedade civil. Além disso, tendo em vista que o Brasil é um país organizado na forma federativa, o atendimento estatal se dá de modo colaborativo entre os entes federados (federação, estados, distrito e municípios). Cabe aos municípios a oferta da educação infantil e, prioritariamente, ensino fundamental. Aos estados, cabe a oferta do ensino médio e, de forma colaborativa com os municípios, atuar, também, na garantia do ensino fundamental. Ao Distrito Federal aplicam-se as competências relativas tanto aos estados quanto aos municípios. O governo federal, em termos de atendimento, é responsável pela rede federal de ensino (BRASIL, 1996).
As figuras acima, ao trazerem dados relativos às matrículas de estudantes PAEE e NPAEE nos anos de 2007, 2011 e 2015, distribuídas por dependência administrativa, revelam algumas tendências gerais do atendimento escolar.
Em relação à rede federal de ensino, não há dados que permitam a análise, visto que a educação básica não é de sua competência.
Quanto à rede estadual, percebe-se um aumento no percentual de matrículas de estudantes PAEE a partir do 4º ano do ensino fundamental em todos os anos analisados, mantendo-se oferta majoritária no ensino fundamental II (6º ao 9º ano), com pouco mais de 50% das matrículas em todos os anos e, sobretudo, no ensino médio, com a quase totalidade dos estudantes.
No entanto, cabe destacar algumas variações nos índices no que se refere à diminuição gradativa de oferta no ensino fundamental I (1º ao 5º ano). Assim, os dados obtidos do 2º ao 5º ano do ensino fundamental permitem verificar os seguintes resultados: em 2007, 14,6% das matrículas no 2º ano encontravam-se na rede estadual; em 2011, esse percentual diminui para 7,7%; e, em 2015, houve uma pequena elevação, chegando a 8,2%. O mesmo movimento se dá em relação ao 3º ano do ensino fundamental: em 2007, verificou-se um atendimento de 16,4%, que caiu para 13,1% em 2011 e chegou a 12,8% em 2015; no 4º ano do ensino fundamental, de um percentual de 30,6% de matrículas em 2007, houve uma diminuição de 20,7% em 2011 para 12,4% em 2015; no 5º do ensino fundamental, essa tendência se repetiu: em 2007 havia 35,0% de matrículas na rede estadual, que passaram a 29,5% em 2011 e 14,6% em 2015. Essa tendência de diminuição na oferta na primeira etapa do ensino fundamental I se manteve, também, nas matrículas dos estudantes NPAEE, com pouco mais de 30% de matrículas nos anos correspondentes ao ensino fundamental I em 2007 e chegou, em 2015, a cerca de 20% das matrículas.
Percebe-se, pela Figura 1, que a diminuição de matrículas na rede estadual relativas ao ensino fundamental I (1º ao 5º ano) foi acompanhada por um aumento do número de matrículas nas redes municipal e privada de ensino, tanto no que se refere ao PAEE quanto ao NPAEE.
Em relação às redes municipal e privada, ainda, evidenciou-se, tanto no PAEE quanto no NPAEE, uma queda no percentual de matrículas no ensino fundamental II (6º ao 9º ano), tendência acentuada no ensino médio.
Os dados da Figura 1 e as análises deles decorrentes permitem inferir, em relação à educação básica, que as redes municipal e privada de ensino detêm a maioria das matrículas no ensino fundamental I, enquanto a rede estadual passa, a partir do ensino fundamental II e, sobretudo, no ensino médio, a atender a maioria dos estudantes matriculados.
Desse modo, será apresentado a seguir o percentual de matrículas de estudantes em situação de distorção idade/série distribuído por dependência administrativa tanto para o PAEE quanto para o NPAEE, segundo a classificação de ensino público (estatal) e privado. Essa escolha se justifica pelo fato de que os estudos e pesquisas na área de Educação Especial têm privilegiado dados relativos às redes municipais (CAIADO; JESUS; BAPTISTA, 2018), além de a REE/SP hegemonizar o atendimento educacional nos níveis fundamental II e médio.
Destacou-se, preliminarmente, na Figura 2, o contraste na distorção idade/série dos estudantes PAEE em relação aos NPAEE. O percentual referente ao PAEE é significativamente maior. Pode-se levantar, ao menos, três hipóteses, não excludentes, mas complementares, para explicar esse fenômeno. Uma diz respeito à possibilidade de as crianças/jovens em idade escolar em situação de deficiência iniciarem mais tarde a sua escolarização. A segunda hipótese se refere aos efeitos que os processos de avaliação realizados ao longo do processo de escolarização podem causar sobre a trajetória escolar dos estudantes PAEE. Finalmente, atrelado à avaliação, encontra-se o modelo homogeneizador de organização do trabalho educativo na escola contemporânea, que toma como pressuposto um padrão de desenvolvimento e aprendizagem em que todos os seres humanos considerados “normais” estariam aptos, evidenciando as possíveis “deficiências” daqueles que não alcançarem as metas previamente definidas.
Quaisquer dessas hipóteses, contudo, não são passíveis de verificação com base em dados do censo escolar. Fazem-se necessárias, para tanto, pesquisas empíricas sobre a trajetória escolar desses estudantes e a verificação dos modos de organização do trabalho educativo das instituições escolares. Ressalta-se, todavia, a importância de se realizar uma análise como aqui proposta, tendo em vista que ainda está em causa o direito ao acesso à escola por pessoas em situação de deficiência.
Destaca-se, ainda, o fato de que a distorção idade/série dos estudantes Público- -Alvo da Educação Especial é maior na rede privada de ensino se comparada com a rede estadual paulista. Essa situação se inverte ao se analisar os percentuais relativos aos estudantes NPAEE: a distorção é mais acentuada na rede estadual do que na rede privada de ensino no estado de São Paulo.
Os dados aqui analisados, em confronto com as diretrizes emanadas da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, permitem refletir sobre os desafios históricos enfrentados no processo de integração/inclusão das pessoas Público-Alvo da Educação Especial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a histórica luta das pessoas em situação de deficiência por direitos sociais, incluindo o direito à educação, que desembocou, no Brasil, no PNEE-EI, em 2008, a escolarização dos estudantes Público-Alvo da Educação Especial nas escolas comuns passou a ser inserida na pauta política da REE/SP.
Assim, julgamos pertinente verificar as condições de acesso e permanência do PAEE na REE/SP por meio das informações disponibilizadas pelos censos escolares do Inep, principalmente aqueles relativos às matrículas estudantis.
Dessa maneira, os dados de matrícula demonstram um aumento gradativo de estudantes PAEE nas escolas comuns da REE/SP e revelam, pelos dados do fluxo escolar, que há, internamente, processos marcadamente excludentes.
Levantamos a hipótese de que esses processos internos de exclusão, caracterizados pela evasão/retenção, podem estar relacionados ao modelo homogeneizador da organização do trabalho educativo das escolas e são aprofundados pelas políticas de avaliação e currículo da REE/SP.
Outra hipótese que pode ser considerada na interpretação dos resultados obtidos é o fato de que, em função do histórico da área - comum versus especial, preceitos médico-clínicos versus preceitos sociopedagógicos - e das legislações - Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988); Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -, Lei n. 9.394 (BRASIL, 1996); PNEE-EI de 2008; PNE 2014-2024; LBI; dentre outras -, mantém-se a ambiguidade na definição do modelo e a instituição responsável pela escolarização do PAEE, bem como a forma de relacionamento entre a educação comum e a especial.
Em síntese, não obstante um processo histórico de luta pela escolarização por parte do PAEE, ainda são muitos os desafios e as barreiras (as dicotomias e as estruturas sociais excludentes) a serem superadas para que todas as pessoas, inclusive aquelas em situação de deficiência e consideradas PAEE, consigam garantir o direito social à educação na REE/SP.