1 Introdução
O presente artigo discute três questões a partir dos pressupostos da democratização de acesso, da permanência e da inclusão no contexto da escola pública em Manaus. A primeira questão apresenta o processo histórico no que se refere à pessoa com deficiência visual. A segunda retrata as previsões legais para recursos de acessibilidade para o público em debate, com qualificações previstas. A terceira está marcada pela forma como a escola, em Manaus, tem buscado migrar do conceito de escola exclusiva para o da escola inclusiva, como categorias criadas para a análise dos dados da pesquisa. Na formulação, há destaque para uma composição teórica e analítica, que resultou, em sua maioria, de consultas a fontes disponíveis em formato eletrônico e pesquisas com base na Lei de Acesso à Informação nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 ( BRASIL, 2011 ), que regulamenta o direito constitucional dos cidadãos a obterem informações públicas, seja da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.
O princípio democrático do acesso é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988, nos Art. 205, 206 e 208 ( BRASIL, 1988 ), que assegura aos estudantes com necessidades específicas acesso a uma Educação de qualidade. Nesse caso, não basta assegurar a matrícula nas escolas, mas garantir atendimento especializado que possibilite o desenvolvimento de todas as potencialidades do estudante.
Em relação à especificidade do estudo, identificamos que, no Brasil, cerca de 20% da população têm deficiência visual, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, em pesquisa realizada em 2010. Esse dado apresenta a deficiência visual como a maior de todas no âmbito das deficiências, com a seguinte classificação: 1º Deficiência Visual, 2º Deficiência Auditiva, 3º Deficiência Motora e 4º Mental ou Intelectual ( BRASIL, 2012 ).
Para iniciar o estudo sobre os direitos dos estudantes com deficiência visual em relação à oferta educativa, fatores como condições estruturais previstas na legislação e no conjunto teórico já consolidado são fundamentais. Com base na relação legal e teórica, orientam-se técnicas e práticas necessárias para que os profissionais na escola possam receber e atender o público em questão, viabilizando condições para que a perspectiva de escola inclusiva se efetive.
2 Aportes legais e teóricos
O estudo busca contemplar os aspectos necessários para a inclusão escolar, com análise das políticas públicas que asseguram o processo de ensino-aprendizagem às crianças com necessidades específicas. Objetivou-se identificar as demandas formais e legais que existem para garantir o acesso e a permanência nas escolas, assim como as condições estruturais, necessárias ao atendimento. Desse modo, o texto analisa o conjunto da legislação, da teoria e dos dados obtidos, que, quando comparados, evidenciam o contexto escolar em relação ao atendimento com recursos de acessibilidade específicos para pessoas com deficiência visual. O texto também se esforça em apresentar as condições físicas, técnicas e profissionais que devem ser oferecidas pela escola, a partir da configuração da legislação, das categorias e dos referenciais adotados na análise escolhida, nomeadamente a cegueira.
A Educação está inserida nos processos históricos, socioeconômicos, políticos e culturais da sociedade. Por um longo período da história, a Educação não foi pensada formalmente para o atendimento a estudantes com deficiência. Isso porque eles eram vistos por dois lados: os que expressavam caridade e os rejeitados que estavam em pecado. Dessa forma, muitos eram ignorados pela sociedade, até o cristianismo. Nesse momento, a Igreja mudou a concepção dos fiéis em relação ao preconceito existente naquela época ao apontar que todos eram filhos de Deus. Assim, com a expansão do cristianismo, as pessoas com deficiência não eram mais, necessariamente, abandonadas, e logo surgiram os atendimentos assistenciais, dentro de igrejas ou asilos ( MASINI, 1994 ). Analisando outras leituras e a realidade cotidiana, é possível conjecturar essa inclusão a partir de duas hipóteses: a primeira, ligada a uma exclusão familiar, pois ao ter a obrigação de vincular um de seus membros ao clero, a família enviava o deficiente. A segunda hipótese relacionava-se à própria condição do deficiente que necessitava de maior atenção e cuidados, incluindo a própria alimentação, condição mais apropriada no interior dos espaços religiosos.
Em um contexto em que prevalecia a ideia do deficiente como pessoa castigada por Deus e culpada por sua condição, os deficientes eram facilmente encaminhados a asilos e abrigos, locais onde alimentação e moradia eram oferecidas, com exigências religiosas, éticas e força de trabalho. Conforme Mosquera (2010) , ao longo do tempo, nas diversas regiões do mundo, as pessoas com deficiência tiveram diferentes significados aos olhos da sociedade em que estavam inseridas. Infelizmente, essa forma de lidar com a deficiência resultou na exclusão, no associar negativo, gerando aversão, criando uma cultura de discriminação.
A busca de normativos em endereços eletrônicos especializados indica, no Brasil Imperial1 , o período dos primeiros registros legais sobre a temática. Em 1835, o deputado Cornélio Ferreira, da Bahia, apresentou um projeto de lei com o objetivo de levar para cegos e surdos o ensino das primeiras letras. Porém, esse projeto foi arquivado e somente em 1845 surgiu o ensino para deficientes visuais, que só poderiam ter acesso à Educação se a escola estivesse de acordo em recebê-los, pois a constituição da época não reconhecia a obrigatoriedade de inclusão aos educandos com necessidades específicas.
Para Masini (1994) , no Brasil, o primeiro olhar que se teve para as pessoas com deficiência visual foi em 12 de setembro de 1854, quando o Imperador Pedro II baixou o Decreto Imperial, criando o Imperial Instituto de Meninos Cegos (BRASIL, 1854). Logo após o advento da república, esse instituto passou a denominar-se Instituto Benjamin Constant (IBC), sendo a única instituição da época encarregada da Educação dos deficientes visuais.
Com o passar dos anos, o cenário foi modificando-se e o movimento Escola Nova trouxe consigo o objetivo da renovação do ensino, partindo do princípio da autonomia e da liberdade de cada criança, defendendo a universalização do ensino. Assim, somente em 1946 os recursos didáticos começaram a ser adaptados no Brasil, quando livros em braile foram impressos, proporcionando condições de estudo mais adequadas. Em 1950, a primeira turma de braile foi inaugurada em São Paulo, em uma escola de ensino regular. Aos poucos, foram surgindo campanhas que objetivavam ampliar o atendimento para os deficientes visuais no território nacional, de forma a fornecer subsídios técnicos e financeiros, incentivando as organizações de cursos especiais e proporcionando a fundação de entidades educacionais ( ANACHE, 1994 ).
Mosquera (2010) cita outro passo importante para a conscientização em prol das pessoas com deficiência, que foi a Declaração Mundial, ocorrida em Salamanca, na Espanha, no período de 07 a 10 de Junho de 1994 (CONFERÊCIA MUNDIAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL, 1994), com 88 governos, mais 25 organizações internacionais, com apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), do Fundo nas Nações Unidas para a Infância (Unicef) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP), tendo como foco principal o debate e a discussão da inclusão e integração de pessoas com necessidades especiais em escolas regulares, buscando combater a discriminação.
No Brasil, é notória a importância da Constituição Federal de 1988, Artigo 208 ( BRASIL, 1988 ), em que se estabelece o dever do Estado na efetivação de medidas que garantam o atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência2 , preferencialmente na rede não exclusiva de ensino, ou seja, em toda e qualquer escola.
Outras mudanças também surgiram, como a criação da Política Nacional de Educação Especial, em 1994 ( BRASIL, 1994 ), com intuito de incentivar toda e qualquer escola a ser inclusiva para atendimento a crianças com deficiência, proporcionando apoio às escolas que estivessem dispostas a integrar. É significativo também saber que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9394/96, no Artigo 5º, busca incentivar a garantia de atendimento aos alunos com deficiência, preferencialmente na escola regular, mencionando a oferta do Atendimento Educacional Especializado, que é um serviço da Educação Especial, que veio para dar suporte ao processo de escolarização dos alunos público-alvo da Educação Especial nas escolas de ensino regular, identificadas doravante como escolas inclusivas ( BRASIL, 1996 ).
O Decreto nº 5296, de 02 de dezembro de 2004 ( BRASIL, 2004 ), veio, então, para regulamentar a Lei nº 10.048, de 08 de novembro de 2000, que dá prioridade no atendimento às pessoas que especifica, e a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000 ( BRASIL, 2000 ), que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Além disso, dá outras providências, como a instalação de piso tátil direcional e de alerta em espaços públicos ou privados.
Por conseguinte, é importante também citar a Resolução CNE/CEB nº 04 de 2009 que trata das diretrizes operacionais para o Atendimento Educacional Especializado. Em seu Art. 2º, determina sua função como meio complementar ou suplementar para a formação do aluno, através da disponibilização de serviços, recursos de acessibilidade e de estratégias que eliminem as barreiras para sua plena participação na sociedade e para o desenvolvimento de sua aprendizagem.
Em 17 de novembro de 2011, o Decreto nº 7611 determinou pontos relevantes voltados para a Educação Especial, baseados no atendimento especializado, visando à integração e à universalização do ensino para todos, respeitando também as limitações de cada um, garantindo adaptações no ensino e proporcionando ofertas de vagas no ensino regular.
Por fim, recentemente, o Plano Nacional de Educação – PNE, que compreende o decênio 2014–2024, estabeleceu 20 metas, e a meta 4 volta-se para o atendimento da pessoa com algum tipo de deficiência, altas habilidades ou superdotação, mas omite questões relacionadas a outras formas de inclusão escolar, como, por exemplo, às questões referentes às diferenças étnicas. Contudo, segundo Macena, Justino e Capelline (2018, p. 1290), “essa meta é a que mais se aproxima da formalização do ensino baseado numa Cultura Inclusiva, que visa acima de tudo ao atendimento a todos os cidadãos, independentemente de qualquer característica que os diferencie dos demais”.
Para facilitar o entendimento dos normativos brasileiros, segue abaixo o Quadro 1 com outras legislações complementares, e em ordem cronológica.
Legislação | Regulamento |
---|---|
Decreto nº 1.428, de 12 de setembro de 1854 | Regulamento provisório do Imperial Instituto dos Meninos Cegos. |
Decreto 51.045, de 26 de julho de 1961 | Foi instituído, oficialmente, o Dia do Cego, sendo comemorado nacionalmente em 13 de dezembro. |
Lei nº 4.169, de 4 de dezembro de 1962 | Oficializa as convenções Braille para uso na escrita e leitura dos cegos e o Código de Contrações e Abreviaturas Braille. |
Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000 | Dá prioridade de atendimento às pessoas que especifica, e dá outras providências. |
Resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001 | Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. |
Lei no 10.753, de 30 de outubro de 2003 | Institui a Política Nacional do Livro. Inclusive, assegura às pessoas com deficiência visual o acesso à leitura, por meio de livros impressos no Sistema Braille. |
Lei nº 10.845, de 5 de março de 2004 | Institui o Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às Pessoas Portadoras de Deficiência, e dá outras providências. |
Lei nº 11.126, de 27 de junho de 2005 | Dispõe sobre o direito do portador de deficiência visual de ingressar e de permanecer em ambientes de uso coletivo acompanhado de cão-guia. |
Lei nº 11.982, de 16 de julho de 2009 | Acrescenta parágrafo único ao art. 4o da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, para determinar a adaptação de parte dos brinquedos e dos equipamentos de parques de diversões às necessidades das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. |
Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 | Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). |
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados obtidos no site do Planalto e da Câmara dos Deputados, 2017 (2019)
O vasto campo normativo apresentado não implicou, necessariamente, em atendimento imediato ou qualitativo dos direitos e das garantias previstas. Tão importante quanto a legislação, tem sido a construção teórica que debate, fundamenta e questiona a realidade educativa em relação ao atendimento de estudantes que apresentam deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.
Teoricamente, Sá, Silva e Simão (2010) definem a deficiência visual como o conjunto de alterações que podem ser relativamente simples, passíveis de correções por meio de auxílios ópticos ou cirurgia, até graves degenerações, atrofias ou lesões oculares que podem culminar com a cegueira.
Em vista disso, na deficiência visual, vamos ter duas categorias: a cegueira e a baixa visão. Para Sá, Campos e Silva (2007), a cegueira é uma alteração grave ou total da visão, afetando a capacidade de perceber cor, tamanho, distância, forma, posição ou movimento. Já a baixa visão é uma grave perda visual, ou seja, é a redução da acuidade visual. Nesse caso, ainda existem resquícios de visão. Assim, a cegueira pode ser apresentada desde o nascimento (cegueira congênita) ou em decorrência de causas orgânicas ou acidentais (cegueira adventícia-adquirida).
Bruno (2006) enfatiza que a deficiência visual, por si só, não acarreta dificuldades cognitivas, emocionais e de adaptação social. Ou seja, são as interações, comunicações e significados socialmente construídos que irão determinar o processo de desenvolvimento, aprendizagem e adaptação social das crianças. É na escola que a criança cega irá construir suas primeiras relações sociais fora do âmbito familiar.
Costa (2012) destaca que, durante muito tempo, nossa escola tem se configurado como excludente e, por conseguinte, conservadora, principalmente, por privilegiar aqueles tidos como bons, perfeitos e normais. Também afirma que um dos maiores desafios da escola inclusiva é lutar para eliminar as barreiras que impedem o livre acesso de todos ao conhecimento. Dentre as que precisam ser eliminadas, as principais são as barreiras atitudinais: preconceitos, estigmas e discriminação, e as barreiras arquitetônicas: obstáculos que impedem o acesso e uso dos ambientes, sejam eles coletivos ou individuais.
3 Caminhos e opções metodológicas de uma pesquisa
A pesquisa processou-se com base em uma disciplina em 2016 e formalizou-se em um projeto de iniciação científica no primeiro semestre de 2018. Desse modo, no segundo semestre de 2016, por meio da disciplina Projeto de Pesquisa I, na Universidade Federal do Amazonas, foi pensado o projeto que se configurou em dados e validações entre pares, durante o ano de 2017, com as disciplinas Projeto de Pesquisa II e Seminário de Pesquisa, como parte do Eixo de Pesquisa do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Amazonas.
Os dados resultaram de uma consulta formal ao Setor de Engenharia da Secretaria Municipal de Educação de Manaus (Semed – Manaus), com o envio de um questionário em formato eletrônico e, posteriormente, na análise de Relatórios de Estágios do Curso de Pedagogia3 . Assim, a pesquisa que se apresenta discute os resultados das análises em fontes primárias e secundárias, além da visita ao setor da Semed, sendo possível dialogar sobre as questões que envolvem a acessibilidade das escolas de Manaus.
Outra fonte importante do processo de pesquisa foi a adesão contínua ao uso do Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão (E-SIC), como no caso específico do protocolo nº 23480-014657/2017-51, que nos possibilitou levantar o número de escolas e de alunos registrados com cegueira, no setor público e privado na cidade de Manaus, no ano de 2016.
Portanto, a pesquisa realizada pode ser classificada como exploratória, pois tem como finalidade uma maior aproximação com o problema, de forma a torná-lo mais explícito, possibilitando a construção de questões investigativas, que se ampliam a partir de cada novo resultado. Podemos dizer que o seu principal objetivo foi o aprimoramento de ideias, de forma a permitir abrir espaço para diversos aspectos relacionados ao tema estudado.
Desse modo, na descrição dos resultados há uma abordagem qualitativa, que buscou discutir questões da temática proposta. Para Minayo, Deslandes e Gomes (2015), a abordagem qualitativa ocupa-se, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode, ou não deveria ser quantificado. Ou seja, trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes.
4 Resultados e discussões: de uma escola exclusiva para uma inclusiva
Em uma busca pelo número de alunos registrados com deficiência visual, com ênfase na cegueira, junto ao E-SIC, registrado sob o protocolo nº 23480-014657/2017-51, foi possível organizar alguns resultados. Os dados estão dispostos a partir dos conceitos de escola exclusiva e inclusiva, cunhados para o estudo. O primeiro é parte do contexto histórico de atendimento educacional aos deficientes, em espaços diferenciados e exclusivos ou em salas de atendimento educacional especializado. O segundo contrapõe-se ao conceito de escola regular ou classes comuns, pois entendemos que toda escola se enquadra nos dois termos, pois o contrário (irregular ou incomum) não possui sustentação na política educativa brasileira. Assim, escola inclusiva deve ser toda escola que assegura o direito previsto no conjunto da legislação existente, tornando a escola um espaço democrático a todos.
Os dados obtidos correspondem a 2.057 escolas no Estado do Amazonas, abrangendo o setor público e o privado. Dessas, apenas 102 possuem alunos com cegueira matriculados. O número de matrículas na Educação Especial em escolas inclusivas e/ou EJA é de 310 alunos, segundo dados de 2016 ( Quadro 2 ).
Instituição de ensino | Número total de escolas | Escolas com alunos matriculados | Alunos cegos matrículados |
---|---|---|---|
Escola inclusiva e EJA | 2.075 | 102 | 310 |
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados obtidos no E-SIC, 2018. (2019)
EJA: Educação de Jovens e Adultos.
Com relação ao número de matrículas na Educação Especial em classes exclusivas, foi realizado um levantamento de 158 escolas e o número de matrículas de alunos cegos é 233, distribuídos em 15 escolas ( Quadro 3 ).
Instituição de ensino | Número total de escolas | Escolas com alunos matriculados | Alunos cegos matrículados |
---|---|---|---|
Escolas exclusivas | 158 | 15 | 233 |
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados obtidos no E-SIC, 2018 (2019)
É interessante perceber, em relação ao número de matrículas nas escolas inclusivas4 e nas escolas exclusivas, que, embora nas primeiras tenha-se um número um pouco maior, não há tanta expressividade se analisada a partir do número total de escolas. Assim, diante de toda a trajetória apresentada no estudo acerca das diretrizes legais e teóricas para a inclusão, boa parte dos estudantes continuam em escolas exclusivas.
Os dados que confirmam a presença de estudantes com cegueira nas escolas inclusivas indicam a necessidade de estratégias e recursos que auxiliem o atendimento, garantindo a permanência no âmbito escolar, a partir de ações pedagógicas desenvolvidas e da oferta de acessibilidade aos estudantes. Assim, a escola irá exercer essa função quando, primeiramente, oferecer, nesses espaços, igualdade de oportunidade, pluralidade de experiências e participação plena no âmbito escolar.
Lutar pela escola inclusiva no sistema público de ensino é parte do combate às discriminações ainda existentes na sociedade, uma vez que todos, independentemente de suas limitações, estão assegurados pelos preceitos normativos vigentes. Como é reforçado por Marques (1997 , p. 21):
Jamais haverá integração se a sociedade se sentir no direito de escolher quais deficientes poderão ser integrados. Agindo dessa forma, a sociedade estabelece um limite de possibilidades baseada no que ela entende como normal, só permitindo a inserção de quem se iguala ou se aproxima desse ideal de normalidade.
Segundo Batista et al . (2014), os dados do Complexo Municipal de Educação Especial (CMEE) indicam que, somente no município de Manaus, o número de pessoas com deficiência visual fora do âmbito escolar chega a 70%. Do mesmo modo, os estudantes com acesso escolar não são contemplados pelos recursos adaptados e fundamentais para o processo de ensino e de aprendizagem. Logo, é preciso retomar o princípio legal da obrigação da escola oferecer, buscar e instalar atendimento especializado. Anache (2013 , p. 95) aponta que:
Mesmo aqueles estudantes com deficiência que apresentam uma condição social e econômica mais favorável possuíam dificuldades no seu processo de escolarização, justificadas pelas precárias condições de acessibilidade físicas e curriculares, agravadas pelas atitudes discriminatórias presentes nas escolas públicas e privadas deste país.
De modo geral, é possível identificar na literatura e nos dados existentes que os tipos de apoios oferecidos às crianças com deficiência visual ainda são insuficientes. Também é perceptível a necessidade de criar estratégias para uma intervenção precoce com base no desenvolvimento e na capacitação da criança, para que na fase adulta não venha a sofrer pela falta de preparo da família e da escola. Logo, uma escola inclusiva é aquela que busca evitar a exclusão, a repetência e a evasão, fatores que asseguram outros processos.
Para a manutenção da escola inclusiva, são imprescindíveis mudanças na infraestrutura, propiciando um espaço adequado. Nesse caso, realçamos a exigência de se modificar o ambiente da sala de aula e a escola como um todo, desde a remoção de obstáculos até a utilização do piso tátil, melhorando a acessibilidade para que as crianças possam participar ativamente da vida escolar.
A sinalização tátil no piso é um recurso complementar para auxiliar na segurança, na orientação e na mobilidade do deficiente visual, conforme definido no Decreto nº 5296 ( BRASIL, 2004 ), que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com necessidades específicas. Acessibilidade é garantir a possibilidade e a condição de alcance, a percepção e o entendimento para utilização com segurança e autonomia de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação. O Art. 15, parágrafo primeiro, inciso terceiro, define a: III - a instalação de piso tátil direcional e de alerta.
Além disso, a criança com deficiência visual irá interpretar e internalizar o mundo à sua volta por meio do tato, olfato e audição. Logo, é essencial garantir salas de aula adaptadas e incentivar o reconhecimento dos espaços físico e da disposição do mobiliário em sala de aula, ensinando noções básicas de orientação e mobilidade que ultrapassarão o âmbito escolar.
A realização da pesquisa motivou o Setor de engenharia da Semed a dar continuidade ao mapeamento das escolas de Manaus. Esse mapeamento tem sido realizado por meio de um levantamento cadastral das escolas de Manaus que são divididas por DDZ (Divisão Distrital Zona). Em Manaus, o acompanhamento da oferta educativa é realizado pela divisão de sete zonas: Centro-Sul, Sul, Norte, Leste-1, Leste-2, Centro-Oeste e Oeste. Dessa forma, o setor de engenharia da Semed encaminha ao gestor de cada escola um questionário, que deve ser assinalado com um “X” nos itens correspondentes, caso a escola possua as adequações estabelecidas (rampas, piso tátil, adaptações de sala de aula etc.).
Nesse setor, as maiores dificuldades encontradas são mapear as escolas com projetos de acessibilidade devido à falta de equipe para reunir essas informações, além da ausência de devolutiva, por parte dos gestores, das informações solicitadas pelo setor. Porém, por meio das visitas já realizadas, o setor informou que as escolas de Manaus não possuem acessibilidade. Na verdade, algumas têm projeto, mas foram planejadas e/ou construídas de forma irregular. Em realidade, as adaptações são feitas com verbas obtidas pela escola, via projeto ou doação. Cada estrutura possui uma característica própria, que, normalmente, não atende aos padrões legalmente estipulados.
A partir de nossas solicitações, o Setor de Engenharia da Semed intensificou a coleta de informações das escolas. É importante mencionar que a Semed já possui um banco de dados organizado para coletar informações sobre a estrutura das escolas, mas foi a solicitação de informações, como parte da pesquisa, que, de algum modo, reativou o interesse pelo mapeamento. Assim, a partir da troca de e-mails e envio de um questionário, obtivemos um conjunto de informações enviado pelo Setor de Engenharia da Semed, correspondente a quatro, das sete zonas, pois, segundo os responsáveis pelo setor, as outras não deram retorno até meados de 2018 ( Quadro 4 ).
Ddz | Nº total de escolas | Escolas com salas adaptadas | Escolas com piso tátil |
---|---|---|---|
Zona norte | 68 | 28 | 04 |
Zona sul | 69 | 10 | 04 |
Zona centro-sul | 54 | 11 | 07 |
Zona leste-1 | 75 | 37 | 06 |
Total | 266 | 86 | 21 |
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir dos dados obtidos junto ao setor de Engenharia da Semed/Manaus, 2018 (2018)
Além das estruturas físicas, necessárias ao atendimento da criança com deficiência visual, é preciso inserir a sala de recursos (que possui como objetivo auxiliar o aluno durante o seu processo de ensino nas salas regulares), oficinas pedagógicas, recursos tecnológicos adaptados, regletes, sorobans, bengalas, jogos adaptados etc. Os materiais utilizados em sala devem ser fabricados em relevo, para que a criança possa, por meio do tato, internalizar novos conhecimentos. Nesse sentido, Batista et al . (2014, p. 13) afirmam que:
Compreende-se que a criança explora o entorno de maneira fragmentada por meio das mãos e do reconhecimento de fontes sonoras, mas para isso, necessitam comunicar para reunir impressões, identificar os estímulos, interpretar as informações coletadas, estabelecer semelhanças e diferenças, criar esquemas e fazer conexões entre os diferentes componentes e dados das realidades.
Desde cedo é importante proporcionar à criança com deficiência visual a oportunidade de conhecer o mundo em que vive, a partir da sua própria percepção, de forma que possam participar das atividades escolares, mesmo com a sua condição visual. Mosquera (2010) enfatiza que a leitura é uma atividade psicológica que cumpre a função social de transmitir informações determinadas culturalmente. Por isso, o ensino do Sistema Braille é fundamental para os cegos, como meio de leitura e escrita, através de recursos tecnológicos adaptados.
O Sistema Braille foi criado em 1825, por Louis Braille, que também era cego. Trata-se de um sistema de leitura e escrita para pessoas com deficiência visual. Baseia-se na combinação de 63 pontos em relevo, dispostos em duas colunas de três pontos, que representam as letras do alfabeto, os números e outros símbolos gráficos, formando, assim, o que é denominado de cela Braille, sendo lido com a ponta do dedo indicador pressionando os pontos em relevo ( MOSQUERA, 2010 ).
Foi com a Lei nº 4.169, de 4 de dezembro de 1962, que foram oficializadas as convenções Braille para uso na escrita e leitura dos cegos, além do Código de Contrações e Abreviaturas Braille. Com a utilização do Sistema Braille, aumenta-se e facilita-se a expansão da comunicação e do expressar. O material adaptado em braile facilita o desenvolvimento da criança na escola. É dever da escola e do Estado garantir o acesso das crianças aos métodos auxiliares de ensino desde cedo.
O braile deve ser inserido para as crianças antes do momento da alfabetização, pois a criança deve, primeiramente, aprender a ter noção de espaço, de lateralidade e de domínios corporais, pois isso a ajudará a ter domínio sobre a leitura e sobre a escrita nesse sistema ( MOSQUERA, 2010 ). Sá (2007) ressalta que a produção de textos contribui para a estruturação da linguagem e do pensamento, além de despertar a imaginação e a criatividade, como uma situação de aprendizagem muito rica.
A criança com deficiência visual deve participar de todas as atividades propostas, que estimulem a exploração e o desenvolvimento amplo dos outros sentidos, formando uma aprendizagem que tenha significado. Portanto, na ausência da visão, a audiodescrição surge como outro instrumento que deve ser oferecido e utilizado nas escolas. Audiodescrição é um recurso de tradução de imagens em palavras, visando à explicação das imagens, dos objetos, entre outros.
O Atendimento Educacional Especializado é um serviço que deve ser garantido e oferecido em toda e qualquer escola, por professores especializados em atender às crianças com necessidades especiais. Esse atendimento deve ser oferecido em trabalho conjunto com o professor da escola inclusiva, para que juntos possam proporcionar aos estudantes a participação ativa nas atividades escolares.
Matos (2012) enfatiza a importância da formação de educadores para o atendimento das necessidades educativas de todas as crianças, com ou sem deficiência, tendo em vista a concepção de Educação que respeita a diversidade. Ensinar uma criança com deficiência visual não é tarefa fácil, pois a ausência da visão dificulta o estabelecimento da contextualização do mundo exterior.
É importante lembrar que as pessoas com deficiência visual são capacitadas, com o seu cognitivo perfeito e excelentes ações motoras, e a única dificuldade está na forma que conduzirá e interpretará o mundo. A habilidade para compreender, interpretar e assimilar será ampliada através da variedade de experiências, estimulando o seu desenvolvimento. Masini (1994) enfatiza que, ao interagir, conhecer e explorar, estamos contribuindo para o desenvolvimento de habilidades motoras, equilíbrio, ensinando noções de mobilidade e orientação que ultrapassarão o âmbito escolar. Por isso, é importante destacar que, não se faz necessário supervalorizar ou subestimar a criança com deficiência. Devemos ter em mente que é necessário saber as suas limitações, mas, além disso, saber valorizar as suas potencialidades, que, no caso da cegueira estão relacionadas diretamente às condições estruturais e materiais de acessibilidade.
5 Conclusões
Observaram-se com este estudo, avanços no que se refere aos aspectos legais, desde o Decreto no 51.045/1961 até a Lei nº 13.146/2015. A identificação das diretrizes legais acerca da escolarização do aluno com deficiência visual trouxe como aspectos principais: a garantia do acesso e da permanência às escolas inclusivas por todos, independentemente da condição física, intelectual, sensorial ou social; a garantia da acessibilidade. Dentre os aspectos que compõem a garantia da acessibilidade, mereceu destaque o piso tátil, sinalização e alfabetização em braile, ensino de orientação e de mobilidade e recursos de tecnologia assistiva para atendimento dos estudantes com deficiência visual no contexto escolar.
Na realização do estudo, houve a reunião de um conjunto de políticas que especificam a necessidade de garantir acessibilidade nas escolas e nos demais espaços públicos. No caso de Manaus, não é possível afirmar que a rede pública municipal de ensino tenha assegurado esse direito, seja no que denominamos de escolas inclusivas ou escolas exclusivas e de atendimento educacional especializado – AEE. As poucas informações, que agora começam a ser levantadas, demonstram que grande parte das escolas ainda não oferece acessibilidade. Indicam, ainda, que a estrutura de acessibilidade, financiada com verbas públicas federais ou municipais, não atende especificações contidas na própria legislação que lhe obriga. Logo, apesar dos estudos já realizados sobre a importância da eliminação das barreiras arquitetônicas e atitudinais, muitas escolas não oferecem um espaço onde as diferenças e limitações de cada estudante possam ser respeitadas.
Espera-se que esse estudo colabore para reunir um conjunto de informações acerca do atendimento educacional ao deficiente visual, com ideias e conceitos para a efetivação de uma ação educativa inclusiva. Escola inclusiva vai muito além de apenas receber alunos com deficiência: é ter uma estrutura com a qual se possa garantir um bom ensino e uma boa aprendizagem. Portanto, ser inclusiva significa que todos são aceitos, todos fazem parte, todos ajudam e são ajudados. É construir uma sociedade aberta a reflexões, capaz de se definir como agente histórico, participador, autônomo e crítico.