1 Introdução
São várias as razões que justificam a implementação e o desenvolvimento de processos de autoavaliação de escolas1 .
Considerando a importância da gestão escolar na melhoria da Educação (GOBBI et al ., 2020), e o papel desempenhado pelo conhecimento e acompanhamento dos processos educativos, podemos conceber a autoavaliação como um processo de melhoria contínua e sustentável das escolas, da oferta educativa, dos processos de ensino-aprendizagem e da qualidade da Educação, como processo de autorregulação e gestão das instituições escolares, e como ferramenta ao serviço dos processos de tomada de decisão.
As políticas educativas, tomando como exemplo o contexto português, situam a avaliação das escolas entre a regulação e a emancipação. Por um lado, é vista como um instrumento de regulação ao serviço da tutela, que possibilita a aferição e a produção de juízos de valor sobre as instituições escolares e a sua qualidade. Por outro lado, é entendida como um instrumento de emancipação das escolas, enquanto ferramenta para a administração e a gestão dos processos internos, como diagnóstico sobre as realidades institucionais, e como bússola orientadora da ação com vista à melhoria e à resolução de problemas.
Apesar da importância reconhecida aos processos de autoavaliação de escolas (AAE), a sua concretização ainda apresenta fragilidades. Persiste, nas escolas e seus profissionais um sentimento de desconfiança e de desconhecimento sobre as possibilidades do seu desenvolvimento, salvo exceções de profissionais com formação específica ou com largos anos de experiência com estes processos. Uma leitura dos recentes relatórios de avaliação externa de escolas, revela fragilidades ao nível da abrangência, impacto e consolidação das práticas, conclusão também alcançada por estudos que dão conta de alguma insegurança relativamente aos campos em avaliação e aos modos de execução do processo AAE ( CARVALHO; FERREIRA, 2020 ; LEITE; MORGADO; SEABRA, 2014; SAMPAIO et al. , 2016).
Neste artigo tecem-se considerações sobre possibilidades ao nível da organização e do desenvolvimento de processos de autoavaliação, procurando responder a algumas questões orientadoras, a saber: “O quê?; Como?; Com quem?; E depois?”. Para tal, têm-se por referência um conjunto de referenciais teóricos, algumas das principais orientações políticas para a educação, e as críticas constantes dos relatórios de avaliação externa de escolas (AEE) realizada pela Inspeção-Geral de Educação e Ciências (IGEC), no que ao domínio de autoavaliação diz respeito.
2 Compreendendo conceptualmente a autoavaliação
Para se construir um conhecimento sobre as possibilidades de concretização de AAE, importa primeiro explorar este conceito, que pode ser definido como
[…] um procedimento avaliativo da responsabilidade dos agentes pertencentes à instituição e que visa olhar para dentro e “olhar por dentro”, recolhendo informações diagnósticas que permitam fazer o balanço entre o trabalho realizado e os objetivos traçados, bem como identificar pontos fortes, pontos fracos e áreas de intervenção prioritária (FIGUEIREDO; LEITE; FERNANDES, 2018, p. 13).
Aprofundando as ideias presentes nesta definição, encontramos três eixos.
Num primeiro eixo encontramos o carácter interno e emergente da autoavaliação. Por outras palavras, a responsabilidade das instituições e seus elementos na sua definição, planeamento e desenvolvimento ( BOLÍVAR, 2014 ; CARVALHO; FOLGADO, 2017 ; DEVOS; VERHOEVEN, 2003 ; FADDAR; VANHOOF; MAEYER, 2018; LEITE; FERNANDES; RODRIGUES, 2020), por meio da partilha, negociação, implicação e consenso prévio dos elementos da comunidade educativa. Estes são fatores fundamentais para o sucesso da implementação de AAE ( BOLÍVAR, 2012 , 2014 ; CARVALHO; FOLGADO, 2017 ; LEITE; FERNANDES; RODRIGUES, 2020). Está também presente a ideia de um processo desenhado “à medida” da escola, respeitador das suas características e alinhado com a sua identidade.
Num segundo eixo, encontra-se a ideia de diagnóstico, isto é, a autoavaliação como produção de conhecimento sobre a realidade avaliada, identificando aspetos-chave do seu funcionamento, ao nível das fragilidades, mas também ao nível das potencialidades. Destaca-se o potencial da avaliação na tomada de consciência sobre a escola, a produção de um juízo de valor e de conclusões. Trata-se, portanto, de uma autoavaliação que assume um papel quase investigativo e que resulta na construção de uma radiografia da escola, na sua complexidade num olhar amplo e abrangente ( BOLÍVAR, 2014 ; SCHILDKAMP et al. , 2012).
Num terceiro eixo, encontra-se a melhoria, subjacente ao diagnóstico, assente na autoavaliação como instrumento de autorregulação, essencial para a tomada de decisão informada ( ADERET-GERMAN; BEN-PERETZ, 2020 ; BOLÍVAR, 2014 ; LEITE; FERNANDES; RODRIGUES, 2020; SCHILDKAMP; VISSCHER, 2010 ; SCHILDKAMP et al. , 2012), próxima do conceito de tomada de decisão baseada em dados (TDBD), que parte da premissa de que a ação educativa é tanto mais adequada às realidades quanto mais se baseia em dados concretos ( DATNOW; HUBBARD, 2016 ; EHREN; SWANBORN, 2012 ; FARRELL, 2015 ; GEEL; VISSCHER; TEUNIS, 2017), Neste mesmo eixo encontra-se, também, a noção de regulação, na medida em que permite acompanhar o processo educacional, aferindo sobre a concretização de objetivos e os procedimentos desenvolvidos.
A autoavaliação é, portanto, um processo “de dentro; por dentro; para dentro”, o que remete para a construção de processos adequados aos contextos, emergindo das suas características, respeitando as suas particularidades, necessidades e prioridades – “de dentro”; desenvolvidos pelos agentes educativos da instituição escolar, possuidores de conhecimento e familiaridade únicos, amplamente participado – “por dentro”; que se constitua como um instrumento de autorregulação, de reflexão, que informe a tomada de decisão para a ação estratégica e ao serviço do desenvolvimento e da melhoria – “para dentro”. Apesar de ser essencialmente um processo interno às instituições escolares, as suas conclusões são também um produto “para fora”, na medida em que possibilitam a disseminação da imagem da escola, e em seu benefício, a elementos externos.
No entanto, o desenvolvimento da AAE é ainda um desafio, por razões que importam abordar.
O desenvolvimento da AAE ocorre em paralelo com processos de ensino-aprendizagem e de gestão educacional, e outros momentos de prestação de contas, recaindo sobre os docentes a responsabilidade pela concretização de muitos destes processos simultaneamente, constituindo um acréscimo da carga de trabalho e exigindo um esforço redobrado na gestão de tempo, por vezes escasso, no quotidiano de trabalho ( HALL; NOYES, 2009 ; VANHOOF; PETEGEM; MAEYER, 2009).
Do mesmo modo, a atribuição da responsabilidade pelo desenvolvimento da AAE nem sempre se faz acompanhar de processos formativos e de capacitação, resultando numa manifesta falta de conhecimentos ( DATNOW; HUBBARD, 2016 ; OLIVEIRA, 2016 ; SÁ, 2018 ). Na sequência deste aspeto, surgem questões de carácter mais operacional e que se prendem com a natureza, quantidade e diversidade dos dados resultantes do desenvolvimento da AAE, e a analisar, e para as quais, uma vez mais, são necessários conhecimentos e competências. A ausência destes conhecimentos traduz-se em dificuldades na concretização da AAE ( CARVALHO; CORREIA, 2018 ; MCNAMARA et al. , 2011).
As questões acima mencionadas podem dar origem a sentimentos de insegurança e de tensão ( HALL; NOYES, 2009 ; LEITE; MORGADO; SEABRA, 2014; LINDAHL; BEACH, 2013 ; MCNAMARA et al ., 2011; SAMPAIO et al. , 2016; SCHILDKAMP et al., 2012), bem como constituir obstáculos à concretização de processos de AAE, sendo, por isso, necessário refletir sobre as implicações do processo no quotidiano das escolas e dos docentes e procurar formas de melhoramento destes.
3 A AAE nas políticas educativas portuguesas
Apesar do carácter emergente da autoavaliação, com contornos variáveis de acordo com as características institucionais, é possível encontrar algumas áreas-chave cuja consideração pode contribuir para dar resposta a alguns dos constrangimentos acima identificados. Algumas dessas orientações podem ser encontradas na legislação portuguesa.
A Lei de Bases do Sistema Educativo Português, Lei nº 46/86 ( PORTUGAL, 1986 ), defende uma abordagem abrangente, que permita uma análise das componentes pedagógicas – por exemplo, as práticas educativas e curriculares –, componentes de teor social e componentes de carácter administrativo (Art. 49º, ponto 1). Na legislação que regula o regime de autonomia das escolas ( PORTUGAL, 1998 , 2007 , 2008 , 2012a ) a AAE, que constitui um contraponto e/ou uma condição para a concessão de autonomia, deve aferir sobre o desempenho, a qualidade do trabalho desenvolvido e os resultados alcançados pela escola. A Portaria nº 265/2012 (PORTUGAL, 2012b) destaca, ainda, a avaliação do funcionamento das escolas, do desempenho dos profissionais e dos resultados de aprendizagem dos alunos (Art. 4º, ponto 4, alínea i).
Nas políticas orientadas para a promoção de maior justiça, equidade e sucesso educativo, de que são exemplo a política que cria os Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP) (PORTUGAL, 2012a), e, mais recentemente, as políticas reguladoras do regime de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PORTUGAL, 2018a) e da Educação Inclusiva (PORTUGAL, 2018b), a AAE é entendida como instrumento de acompanhamento, monitorização e aferição do trabalho desenvolvido. A autoavaliação permite aferir a qualidade, a eficiência e a eficácia da implementação da lei, e das atividades e das iniciativas desenvolvidas ao seu abrigo, por relação com o que é esperado.
Por fim, a Lei nº 31/2002 ( PORTUGAL, 2002 ), principal e única lei que regula e estabelece o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior, e na qual é estabelecido o caráter obrigatório e regular dos processos de avaliação de escolas, refere que a AAE deve ter em consideração: grau de concretização do projeto educativo; planeamento e desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem; grau de concretização das atividades previstas; desempenho dos órgãos de administração e gestão, incluindo-se a gestão de recursos; sucesso escolar, ao nível da frequência e dos resultados dos alunos (Art. 6º). Parece ficar claro que, no momento da sua legislação, a AAE foi concebida como um processo abrangente, que prevê um olhar para dentro da escola e das várias componentes que constituem o seu funcionamento. Não se pode, no entanto, esquecer que cada um dos componentes, aqui apresentados de modo lato, contempla uma variedade de aspetos cuja consideração será essencial para a avaliação de nível mais alargado.
É, assim, possível conceber a AAE como quasi-holística, capaz de aferir o cumprimento de metas e objetivos traçados; analisar a implementação e o sucesso de processos, procedimentos e atividades, e o desempenho dos seus profissionais e estruturas de gestão. Trata-se, assim, de um processo capaz de formar uma imagem da escola como um todo, respondendo à demanda por autoconhecimento e autorregulação, bem como às demandas externas de responsabilização e de prestação de contas ( AFONSO, 2012 ).
4 A AAE pela lente da avaliação externa de escolas (IGEC)
Também no processo de avaliação externa de escolas2 , da responsabilidade da IGEC, podem-se identificar aspetos a considerar para o desenvolvimento da AAE. Desde a sua criação, a AEE está, fortemente, associada à AAE, tendo como objetivo fomentar e encorajar a sua implementação, consolidação e desenvolvimento contínuo.
De um modo geral, na AEE, a análise da AAE recaiu sobre: a abrangência do processo, ao nível do que é analisado sobre o funcionamento das escolas; a consistência e a sustentabilidade das práticas, nomeadamente na sistematicidade e na evolução; a disseminação e a participação na e da comunidade educativa; o impacto do processo, em termos da ação estratégica para a melhoria. Estes quatro aspetos são essenciais para que a AAE ocupe um lugar na autorregulação e melhoria contínua das escolas, processos e resultados educativos.
Apesar disso, uma análise dos últimos relatórios de AEE disponíveis3 , revela fragilidades ainda existentes ao nível da AAE, a saber: i) Abrangência, incluindo críticas à falta de articulação entre a autoavaliação e os outros processos avaliativos existentes nas escolas, e a não inclusão da avaliação dos processos de ensino-aprendizagem; ii) Impacto, remetendo para a utilização pouco expressiva das conclusões da autoavaliação na reflexão e no planeamento estratégico com vista à melhoria; iii) Consistência, sistematicidade e consolidação, destacando-se a existência de processos ainda frágeis, pouco estruturados, pouco regulares, e pouco orientados para o acompanhamento do funcionamento contínuo das escolas e das ações de melhoria implementadas; iv) Disseminação da e participação na AAE, remetendo para o ainda débil (re)conhecimento destes processos enquanto ferramenta útil e ao serviço das escolas e consequente participação ativa e consertada da comunidade no seu desenvolvimento e utilização. O diagnóstico de fragilidades da AAE, atualmente desenvolvida nas escolas portuguesas, mostra a necessidade de investir na sua abrangência, na definição dos focos da sua análise, na estratégia metodológica seguida, nos agentes educativos responsáveis pelo seu desenvolvimento e na utilização das conclusões produzidas. Estas conclusões são particularmente relevantes, considerando que as escolas portuguesas deveriam desenvolver AAE com regularidade desde 2002 (Lei nº 31/2002 [ PORTUGAL, 2002 ]), sendo por isso expectável que os processos apresentassem já um maior nível de consistência e robustez.
5 AAE – respondendo às questões “O quê? Como? Com quem? E depois?”
Tomando como referência as secções anteriores, é possível afirmar que o que se espera de um processo de AAE, é que corresponda a uma “radiografia” da escola, alinhado com as especificidades dos contextos em que se desenvolve, e promotor de melhoria. Tal pode ser alcançado pela consideração dos aspetos acima identificados, de carácter transversal, e cuja concretização pode ser talhada à imagem de cada instituição, sem prejuízo da sua identidade e sem comprometer o carácter interno e emergente da AAE. É com base nestes que se desenvolve esta secção, procurando responder a quatro questões orientadoras: O quê?; Como?; Com quem?; E depois?
a) O quê?
Um primeiro passo que parece ser essencial é o de definir “o que” avaliar ( KURUM; CINKIR, 2019 ). Por outras palavras, encontrar campos/áreas de análise e tópicos que serão alvo da recolha e do tratamento de informação, capaz de fundamentar a construção de um juízo de valor avaliativo.
De acordo com as orientações acima referidas para a AAE, pode afirmar-se que esta deve aferir: i) o cumprimento de metas e de objetivos traçados; ii) os processos, procedimentos e atividades desenvolvidas nas escolas, sua implementação e sucesso; iii) o desempenho dos profissionais e estruturas de gestão e administração; iv) os processos de ensino-aprendizagem na sua organização e concretização; v) o sucesso alcançado pelos alunos; vi) a ação estratégica da escola; vii) a qualidade dos diferentes serviços prestados pela e na escola; constituindo um processo amplamente divulgado e participado pela comunidade educativa, num ciclo contínuo e sustentável. No entanto, para cada um destes campos de avaliação, importa identificar e definir aspetos mais concretos que possibilitem o planeamento efetivo da avaliação a desenvolver. No fundo, trata-se de responder a questões orientadoras como: “Que aspetos do funcionamento da instituição estão associados a esta área?”; “Que tópicos são relevantes para a análise destes aspetos?”. Concretizando estas ideias num exemplo prático, vejamos a Tabela 1 .
Área a avaliar | O Quê | |
---|---|---|
Aspetos do funcionamento da instituição | Tópicos relevantes | |
Processos, procedimentos e atividades desenvolvidas: implementação e sucesso |
Fonte: Elaboração própria (2021)
A especificação dos diferentes componentes da vida das escolas que convergem para a avaliação de cada área permite uma organização da ação avaliativa, bem como o estabelecimento de relações entre aspetos que parecem ser independentes entre si, mas que constituem as partes de um todo. Assim, a análise e a reflexão de cada componente poderá ter um duplo contributo para a autoavaliação da escola como um todo: por um lado, permitirá um olhar mais profundo e mais focalizado no tópico em questão; por outro lado, permitirá construir um olhar mais amplo sobre o contributo que cada “pequeno” aspeto traz ao objetivo mais amplo que enquadra o trabalho educativo das escolas.
Importa também ter em atenção, no momento da escolha e da seleção dos campos e aspetos que respondem à questão “o que?”, a exequibilidade do trabalho a desenvolver, no sentido de evitar situações de excesso de compartimentalização e consequente excesso e diversidade de dados a analisar, elementos confrangedores do processo de AAE ( CARVALHO; CORREIA, 2018 ; MCNAMARA et al. , 2011).
O planeamento do processo, a sua organização lógica, coerente e articulada, permitirão dar sentido e consistência ao trabalho a desenvolver, tornando-se uma etapa essencial no desenvolvimento de autoavaliação.
b) Como?
Respondida a questão sobre “o que” avaliar, o passo seguinte consiste no planeamento do “como?” avaliar. Responder a esta questão implica definir aspetos como: como aceder à informação importante? Que estratégias para a recolha de informação? Que instrumentos e como perguntar? Ou seja, a concretização da recolha de dados, a escolha das metodologias e ferramentas mais adequadas para recolher informação fidedigna e capaz de responder às questões traçadas.
Também neste momento importa assumir uma postura estratégica. Por um lado, importa não perder de vista a coerência interna do processo, a adequação e a relação entre as opções metodológicas tomadas e o que se pretende alcançar com elas. Por outro lado, implica ter presente que, em muitos contextos escolares, convivem diferentes processos avaliativos que se realizam a par da AAE, produzindo dados com vista à aferição do trabalho desenvolvido, e que podem convergir para um objetivo comum. Promover a articulação entre todas estas iniciativas poderá ser uma resposta a constrangimentos que dizem respeito à desarticulação entre diferentes iniciativas, à redundância na recolha de informação e, consequentemente, à sobrecarga do nível de trabalho dos profissionais envolvidos ( HALL; NOYES, 2009 ; VANHOOF; PETEGEM; MAEYER, 2009). Uma possibilidade para esta fase pode ser uma abordagem de entrada dupla, como representado na Figura 1 , a título de exemplo.
Mais concretamente, trata-se de, num primeiro momento, aferir a existência, ou não, de informação que possa convergir para o processo de autoavaliação, e, consequentemente, perceber se é necessário recolher novos dados, quais e de que forma. No caso de a informação já existir, importa identificar e rentabilizar o conhecimento já produzido e integrando-o na AAE, num uso mais estratégico do tempo e dos recursos existentes, e dando resposta à falta de articulação e fragmentação entre processos avaliativos existentes apontada pela avaliação externa.
Perante a não existência de informação, torna-se necessário definir uma metodologia para a recolher, identificando que informação está em falta; quais as fontes de informação ou quem são os informantes mais bem posicionados para a fornecer; e qual a melhor forma – técnicas/instrumentos – de, junto desses informantes, aceder à informação. Face à diversidade de formas de questionamento e recolha de informação, e que servem diferentes propósitos, é importante ter presente que diferentes tipos de informação podem exigir diferentes abordagens, e que o recurso a diferentes técnicas não invalida o rigor ou a validade da informação recolhida.
c) Com quem?
Tem sido prática comum, no contexto português, a criação de equipas de autoavaliação de escola, constituídas por elementos da comunidade escolar e que assumem o leme do processo ( CARVALHO; FERREIRA, 2020 ). Pese embora a relevância da existência de uma força motriz do processo, que pode ser esta equipa, é importante não esquecer a pertinência do envolvimento de toda a comunidade educativa, aspeto que parece ainda incipiente ( CARVALHO; FERREIRA, 2020 ). A este respeito, vários autores têm defendido que o sucesso na implementação de qualquer iniciativa é diretamente proporcional ao grau de concordância e partilha dos elementos da instituição ( BOLÍVAR, 2012 , 2014 ; CARVALHO; FOLGADO, 2017 ; KURUM; CINKIR, 2019 ; LEITE; FERNANDES; RODRIGUES, 2020). Assim, a questão “Com quem?” tem uma resposta simples: com todos. A autoavaliação, assim como os restantes processos em curso nas escolas, é de todos e para todos e, consequentemente, deveria ser com todos.
Apesar disso, como referido anteriormente, a AAE não é, ainda, um processo amplamente partilhado pela comunidade escolar. Este não envolvimento pode dever-se ao desconhecimento sobre o processo, a uma não-identificação com ele, ou com uma descrença na sua utilidade, ou por ser visto apenas como resposta a uma exigência das entidades reguladoras ( CARVALHO; FOLGADO, 2017 ). Para promover este envolvimento, o processo deve ser amplamente divulgado e participado em todas as suas fases; e alimentado pelas sinergias existentes nas escolas.
A divulgação da AAE é particularmente importante na fase inicial e no pós-avaliação. A fase pré-avaliação diz respeito aos momentos que antecedem o desenvolvimento do plano traçado. Admitindo-se que autoavaliação é um processo para a escola e para a comunidade educativa, o conhecimento sobre o processo, seus objetivos, organização e procedimentos devem ser por todos partilhados.
O momento da divulgação, embora possa parecer uma formalidade dispensável, uma vez que se assume um conhecimento mais ou menos generalizado do que ocorre no interior da organização escolar, pode trazer vários contributos. Vejamos algumas possibilidades:
Ao dedicar um momento específico – por exemplo, numa assembleia de escola ou momentos de encontro ou reunião já existentes com um tempo dedicado a este assunto – para dar a conhecer o processo, as pessoas que o dirigem, os objetivos que o orientam, e os tempos e os procedimentos que lhe dão corpo, atribui-se-lhe um caráter formal e oficial;
Pode constituir um espaço de diálogo com a comunidade educativa, possibilitando o esclarecimento de dúvidas, e a auscultação de opiniões que possam apoiar o desenvolvimento da avaliação, num processo de negociação e de consenso ( AFONSO, 2012 ; BOLÍVAR, 2012 , 2014 ; LEITE; FERNANDES; RODRIGUES, 2020);
Podem ser espaços para esclarecimento sobre as futuras solicitações que serão feitas à comunidade educativa, dando a conhecer o tipo e o grau de envolvimento que se espera.
A divulgação da e a sensibilização para a AAE poderá contribuir para desmistificar o processo e minimizar resistências, criar maior familiarização com a AEE, e contribuir para a implicação da comunidade educativa no seu desenvolvimento. Mais ainda, pode ser um passo essencial para assegurar a validade da informação recolhida, ao esclarecer a comunidade educativa sobre o tipo de informação procurada ou esclarecer sobre a melhor forma para solicitar a informação aos diferentes grupos de informantes, mitigando eventuais dificuldades (FADDAR; VANHOOF; MAEYER, 2017, 2018). Pode constituir um primeiro passo para que o processo seja assumido por todos como seu e para o consequente envolvimento na sua implementação.
Importa não esquecer a devolução das conclusões à comunidade educativa, num outro momento de disseminação. Esta devolução, para além de essencial para a mudança e melhoria que se pretende alcançar por meio da avaliação, é também importante para manter e alimentar o espírito de grupo e a cultura de autoavaliação da, na e para a escola. Divulgar amplamente os resultados e conclusões do processo, no qual a comunidade educativa participou e se envolveu, permite valorizar e dar visibilidade aos contributos dados na prestação de informações relevantes, cimentar a implicação dos diferentes sujeitos no processo no futuro, e permite, ainda, reforçar a utilidade que a AAE pode ter na ação quotidiana da instituição e seus elementos.
Um processo que se espera que seja assumido, partilhado e participado pela comunidade educativa, não pode desenvolver-se à margem da vida e das estruturas das instituições. Pelo contrário, envolver sinergias e redes já estabelecidas, e valorizar a ampla e ativa participação de todos, ao longo das diferentes fases do processo, poderá ser uma estratégia de maior envolvimento. A organização escolar por departamento, por exemplo, cria uma rede de sinergias, de comunicação e, em muitos casos, de colaboração, que pode constituir um recurso valioso para aceder a informação relevante. Poderá facilitar a chegada de solicitações, bem como da informação solicitada, aos diferentes elementos da comunidade, retirando da equipa responsável pela AAE a responsabilidade única de contactar com todos individualmente, cobrindo, assim, uma maior fatia da população, num menor espaço de tempo. Vejamos abaixo um esquema exemplificativo de possíveis sinergias na instituição escolar na Figura 2 .
Trata-se, assim, de encontrar estratégias que possibilitem um maior envolvimento e compromisso para com a AAE, no sentido de a transformar num processo em coautoria, resultante de consensos ( BOLÍVAR, 2012 , 2014 ; LEITE; FERNANDES; RODRIGUES, 2020), e que transforme a AAE num processo “de todos”, e não apenas no cumprimento de um requisito legal e burocrático ( CARVALHO; FOLGADO, 2017 ). Importa, ainda, a este respeito, destacar a pertinência que têm assumido agentes educativos externos às escolas e que ocupam o lugar de “amigos críticos”, que colaboram com e no processo de AAE, trazendo novas perspetivas, promovendo a reflexão e facilitando a melhoria ( LEITE; MARINHO, 2021 ).
d) E depois?
À recolha e análise de informação, segue-se a sua sistematização, fundamental para informar, por um lado, a comunidade educativa, e por outro lado, as entidades reguladoras.
Responder à questão “E depois?” implica perceber “o que fazer?” com os resultados e conclusões da AAE, uma vez que, a produção de informação útil, por si só, não é suficiente. Esta é, aliás, uma das críticas formuladas nos relatórios de avaliação externa de escolas, quando se referem ao impacto da AAE no funcionamento das instituições e sua utilização no planeamento estratégico do trabalho a desenvolver, como atrás se verificou.
Para tal, poderá ser útil a preparação de um registo síntese sobre as conclusões, e/ou possibilidades, encontradas na análise da informação recolhida, a disseminar amplamente pela comunidade educativa, promovendo a tomada de consciência sobre a escola e o envolvimento na reflexão e no debate sobre ela. Esta sistematização, à semelhança do restante processo, pode assumir variadas formas, de acordo com a identidade e a cultura da escola, mas procurar traduzir-se numa mensagem clara e inteligível para a comunidade educativa. É por meio desta sistematização que se alcança a referida “radiografia” da escola.
A resposta ao “E despois?” não termina na sistematização e na disseminação das conclusões da AAE, mas ganha sentido na utilização destas, quer seja com vista à melhoria e ao desenvolvimento ( BOLÍVAR, 2014 ; FIGUEIREDO; LEITE; FERNANDES, 2018) ou à prestação de contas ( AFONSO, 2012 ; FIGUEIREDO; LEITE; FERNANDES, 2018) – ou a ambas em articulação.
Do ponto de vista da melhoria das escolas, o conhecimento produzido, se refletido e debatido pela comunidade educativa, permite não só a tomada de consciência, mas a tomada de decisão fundamentada, assente em dados concretos e rigorosos (FIGUEIREDO; LEITE; FERNANDES, 2018). Para que tal aconteça, é vital que seja seguida, nas escolas e pelos seus agentes, a mesma postura estratégica antes defendida, agora centrada no planeamento da ação futura. A este respeito importa ter presente a intenção de resposta às situações sinalizadas, com vista à resolução de problemas identificados, ao delineamento de ações sobre aspetos que carecem de melhoria ou ao reforço de situações de sucesso e disseminação de “boas-práticas”. Com esta orientação como referência, no contexto português, foi defendida pelo Conselho Nacional de Educação (2011), e adotada pela IGEC na AEE, a obrigatoriedade de apresentação, por parte das escolas, de um plano de melhoria após a avaliação. A intenção é que este plano possa congregar um conjunto de iniciativas definidas para solucionar os problemas encontrados, servindo como bússola da ação escolar. Esta prática, cuja obrigatoriedade não se estende ao processo de autoavaliação, pode constituir uma opção estratégica para concretizar o potencial de desenvolvimento e a melhoria da AAE. Também neste momento, é essencial promover uma reflexão conjunta e participada com vista ao desenho de uma ação concertada dos vários elementos e estruturas da instituição escolar, promovendo a implicação e a responsabilização de todos ( BOLÍVAR, 2012 ).
Assumindo-se a melhoria perseguida como contínua, em que a ação educativa quotidiana é progressivamente melhorada, o processo não termina na definição de ações e torna premente um acompanhamento regular, num ciclo contínuo de melhoria, como ilustrado na Figura 3 .
Por outro lado, do ponto de vista da prestação de contas, a questão “E depois?” torna-se vital, na medida em que é a partir da sistematização das conclusões de AAE que se torna possível devolver às entidades reguladoras a informação relevante sobre a escola. Reconhecendo-se que a prestação de contas é inevitável, como ficou evidente pela análise da legislação que regula o regime de autonomia das escolas, não se pode ignorar que este pode ser um procedimento excessivamente burocrático e regulador ( AFONSO, 2010 ; CARVALHO; FOLGADO, 2017 ), tendendo para uma lógica instrumental da avaliação, e da escola, que conflitua com a perspetiva de uma autoavaliação ao serviço da melhoria. No entanto, e atendendo à necessidade de cumprir este requisito, responder à questão “E depois?” implica considerar, igualmente, o modo como a AAE pode ser mobilizada para este propósito. A produção, por exemplo, de um relatório, pode contribuir para esta exigência, possibilitando às escolas pronunciarem-se sobre a sua realidade, características e subjetividade ( AFONSO, 2012 ), em contraponto com lógicas que imprimem aos processos avaliativos um teor tendencialmente controlador ( AFONSO, 2010 ).
6 Considerações finais
Subjacente a este artigo, esteve a intenção de sistematizar ideias e considerações que pudessem apoiar o desenvolvimento de autoavaliação de escola.
Partindo da ideia de que a autoavaliação permite um olhar “de dentro/por dentro/para dentro”, e do reconhecimento de que a AAE ainda constitui um desafio para escolas e seus profissionais, foram apresentadas considerações que cobrem possibilidades ao nível do planeamento e preparação inicial, de possíveis abordagens ao acesso a informação, e dos passos seguintes, resultantes da avaliação.
Esteve presente uma orientação estratégica, que, por um lado permitisse às escolas e aos responsáveis pela AAE rentabilizar tempo e recursos, e que, por outro lado, permitisse explorar o potencial que a autoavaliação traz para as instituições. Esteve também fortemente presente a ideia de que estes processos não se encerram num tempo, mas são, sim, cíclicos e contínuos.
É importante sublinhar que as considerações aqui apresentadas não correspondem a um modelo de autoavaliação, pois uma abordagem dessa natureza seria contrária ao carácter emergente e “auto” que define o processo ( CARVALHO; FOLGADO, 2017 ). Pretendem, sim, constituir uma base de reflexão, para as escolas e seus agentes, sobre possibilidades para o desenvolvimento de AAE, e que resultam da reflexão sobre a investigação científica sobre a temática, bem como da análise de orientações legais e da experiência profissional acumulada.
Do mesmo modo, e apesar dos contributos que este artigo possa trazer, não se pode ignorar que as possibilidades aqui exploradas, por si só, não garantem a concretização dos processos. Face à já identificada fragilidade da generalidade da AAE realizada nas escolas portuguesas, fica clara a necessidade de investimento em outras áreas do trabalho das escolas quer convirja para este processo. A concretização e o sucesso de uma AAE ao serviço da escola carece da criação ou da garantia de condições para o seu desenvolvimento. Um primeiro aspeto a considerar diz respeito à capacitação dos profissionais, permitindo-lhes desenvolver não apenas conhecimentos teóricos, mas também outros de carácter metodológico ( AFONSO, 2010 ). Para além dos profissionais, importa considerar um conjunto de condições institucionais, que podem ir desde o papel e o apoio das lideranças escolares para a valorização e a visibilidade do processo (DEVI et al. , 2020) à criação de espaços e momentos propícios ao trabalho a desenvolver, por meio, por exemplo, de políticas institucionais. Por fim, e não menos importante, importa considerar o impacto que as políticas e gestão educativas por parte da tutela pode ter no desenvolvimento dos processos. Se, por um lado as políticas podem promover e validar a existência da AAE, fomentando o seu desenvolvimento, por outro lado, se implementadas sob uma intenção reguladora, podem constranger iniciativas inovadoras e limitar as possibilidades das escolas ( BALL, 1990 , 1998 ).