Uma empresa ao serviço da escola: as fábricas de papel de Paolo Pigna em Itália no século XIX e XX
Provavelmente, mais nenhuma empresa em Itália conseguiu consolidar a sua imagem de forma tão marcante - quase estabelecendo uma espécie de identificação total - com o setor de produção no qual operava, ou seja, a escola italiana, como se verificou com as fábricas de papel de Paolo Pigna, em Alzano Lombardo (Bergamo). Da mesma forma, pode dizer-se que - muito antes do advento das formas modernas de comunicação publicitária - os cadernos escolares Pigna, nos seus diferentes tipos e com as suas capas ricamente ilustradas, conseguiram inserir-se no imaginário de gerações e gerações de alunos, tornando-se, de facto, muito mais do que um modesto apoio à atividade docente ou um elemento secundário do percurso escolar: acabaram por representar um objeto quase fixo e omnipresente - mesmo na variedade de formatos e estilos que os caracterizaram - na imagem e nas memórias, às vezes um pouco desvanecidas, que cada um de nós carrega juntamente à nossa própria experiência escolar, como também na representação coletiva do quotidiano das crianças italianas.
Além disso, se reconstituirmos as origens e as principais etapas do desenvolvimento dessa empresa, podemos compreender claramente como essa identificação com a realidade escolar, longe de representar uma casualidade ou de ser resultado de uma série de circunstâncias e eventos fortuitos, inscreve-se num conceito perseguido obstinadamente desde o início da história dessa empresa2.
Em 1856, como se sabe, o empresário Paolo Pigna (1802-1888) adquiriu uma fábrica de papel já existente em Alzano Maggiore, perto de Bergamo, e depois de reestruturar os edifícios, iniciou a produção de papel artesanal, utilizando apenas papel usado como matéria prima (MANDELLI, 1988, p. 323). Quinze anos depois, em 1870, a empresa, formalmente constituída sob a denominação Cartiere Paolo Pigna, com sede legal em Milão3, deu o primeiro passo para a mecanização, introduzindo uma máquina circular no ciclo de produção, capaz de assegurar uma produção de 6-7 toneladas de papel de vários tipos por dia, especialmente de qualidade fina4. Em depoimento de 1872 perante a Comissão de Inquérito Industrial, o empresário forneceu uma imagem muito detalhada do perfil específico dado à produção da empresa, em comparação com as outras fábricas de papel da província: “Existem outras fábricas - dizia Paolo Pigna -, mas só fabricam papel comum, enquanto eu também produzo papel fino, papel de escrita, papel de carta comum e muito fino, rolos para telégrafo, papel colorido em pasta e colorido em película, marmorizado” (Deposizione di Paolo Pigna: 1874, vol. IV, t. I).
Três anos depois, em 1875, continuando com etapas forçadas no seu programa de mecanização, o empresário instalou uma máquina contínua com potencial de produção de cerca de 25 toneladas por dia na fábrica de Alzano Maggiore5. Os investimentos consideráveis e as inovações tecnológicas introduzidas nesse período não demoraram a produzir resultados: em meados da década de 70, a Fábrica de Papel Pigna empregava cerca de 40 trabalhadores e possuía uma produção altamente diferenciada, na qual continuava a manter como produto principal o papel fino e de alta qualidade. Quase todo o papel produzido era colocado no mercado de Milão, onde a empresa possuía o seu próprio armazém (MANDELLI, 1988, p. 332-335).
Os primórdios da pequena empresa fundada por Paolo Pigna decorreram num cenário económico e produtivo particularmente delicado e complexo, marcado pela existência de vários negócios pequenos de caráter local, cuja presença no mercado, dificultada pelas reduzidas dimensões e pelo atraso dos sistemas de produção, foi cada vez mais limitada pela feroz concorrência estrangeira e pela ausência substancial de uma política industrial capaz de oferecer à indústria crescente do papel uma perspetiva sólida de desenvolvimento. Em 1873, a Comissão de Inquérito Industrial expressou-se da seguinte forma em relação à situação e às perspetivas para o setor:
O fabrico de papel é bastante vasto na Itália e deve-se, em grande parte, à qualidade e quantidade de papel usado recolhido na península e às condições hidrográficas muito favoráveis de muitas províncias italianas. Nos últimos anos, o fabrico era realizado exclusivamente através de métodos manuais, mas têm sido adotados sistemas mecânicos avançados, que produzem de forma muito mais rápida e económica (Atti del Comitato dell'inchiesta industriale, 1870-1874. 1874, p. 1).
De facto, as investigações estatísticas do final dos anos 70 fornecem a imagem de um setor produtivo ainda bastante fragmentado numa infinidade de empresas artesanais, muito poucas de média dimensão, sobretudo concentradas nas necessidades de exploração da energia hidráulica, ao longo dos cursos de água à entrada dos vales alpinos e pré-alpinos. Os dados estatísticos indicavam a existência de 521 empresas para um total de 17.312 trabalhadores, uma força motriz de 13.980 cavalos, quase toda hidráulica, maquinaria técnica englobando 813 cubas, 73 máquinas de tambor e 95 contínuas, para uma produção anual estimada em cerca de 600 mil toneladas (ELLENA, 1879, p. 117-126).
Convertida numa sociedade limitada simples em 1883, desde a década de 80, as fábricas de papel de Paolo Pigna expandiram-se, “alcançando, em apenas alguns anos, um esboço de integração vertical” (SUBBRERO, 1997, p. 319-346). Após a modernização da maquinaria técnica com a inserção, no ciclo de produção, de uma série de máquinas para o processamento de papel acabado, procedeu-se à instalação, na cidade vizinha de Alzano di Sopra, de um laboratório para a preparação de pasta de papel, equipado com três trituradores e um motor hidráulico de 20 cavalos. Com a criação desse laboratório, estabeleceu-se um verdadeiro ponto de viragem nas estratégias de produção tradicionais da empresa: de facto, a utilização quase exclusiva do papel usado como matéria-prima foi substituída, ainda que parcialmente, pela utilização da pasta de papel, que prevaleceu nas décadas seguintes. No final do século XIX, as fábricas de papel de Alzano Maggiore empregavam cerca de 150 trabalhadores e a sua maquinaria era alimentada por uma força motriz hidráulica de 70 cavalos.
Desta fábrica - conforme descrito na Estatística industrial de 1900 relativa às empresas da Lombardia - saem materiais de papelaria, papel timbrado, papel de escrita, de desenho, de impressão, cartões de todos os tipos, artigos originais em caixas de luxo, cartões de visita, papel para convites, para funerais, papel lustrado e não lustrado, com imitações de madeira, mármore, couro serrilhado, etc. (ZUCCHELLI, 1941, p. 133).
Os primórdios das fábricas de papel Pigna no novo século decorreram inseridos num âmbito nacional e local de produção de papel marcado por luzes e sombras. Se é verdade que, de facto, comparativamente a meados dos anos 70, no início do século XX a produção aumentara, quase duplicando, de 600 mil para pouco menos de 1 milhão e 200 mil toneladas de papel processado, é igualmente verdade que, no mesmo período, a Estatística industrial de 1903 registou, nas 405 empresas ativas, níveis de emprego muito reduzidos, com cerca de 19.088 trabalhadores empregados no setor. Por outro lado, o progresso decorrido na mecanização das empresas foi notável, com uma força motriz substancialmente duplicada, embora quase inteiramente de produção hidráulica, e maquinaria técnica que registou um aumento significativo, tanto em máquinas de tambor como em máquinas contínuas (Ministero di Agricoltura, Industria e Commercio - Direzione della Statistica, 1906, p. 202-209). É de acrescentar que
parte da diversificação foi produzida nas matérias-primas utilizadas: embora a percentagem de papel usado vegetal e misto, palha, hastes de cânhamo e esparto fosse elevada, a pasta de papel mecânica ganhou cada vez mais importância para dois terços da produção nacional, assim como a celulose, quase totalmente importada do estrangeiro (SUBBRERO, 1997, p. 320-321).
Na zona de Bergamo, a indústria do papel sofreu um desenvolvimento bastante reduzido na segunda metade do século XIX. As empresas do setor, à exceção das fábricas de papel Pigna, mantiveram as características e dimensões artesanais de forma substancial, registando, contudo, uma certa evolução do ponto de vista técnico. No início do século XX, existiam oito fábricas de papel, em comparação com as nove registadas em 1861; o número de trabalhadores alcançou os 247, em comparação com os 318 registados 40 anos antes; a força motriz total utilizada era de 456 cavalos, dos quais 380 eram de origem hidráulica, em comparação com os 198 cavalos registados em 1861. Finalmente, do ponto de vista da maquinaria técnica, os registos do final do século XIX indicam a existência de seis máquinas contínuas e de tambor e oito trituradores, confirmando a utilização crescente da pasta de papel como matéria-prima, juntamente ao papel usado tradicional. No contexto local, juntamente às fábricas de papel Pigna, os irmãos Pesenti em Nembro, e Clivati e C. em Alzano Maggiore desempenharam um papel particularmente importante6.
Com a morte do fundador Paolo Pigna (1888), após um breve período durante o qual foram administradas pelo seu filho Carillo, as fábricas de papel passaram para as mãos de Giuseppina Pigna e do seu marido Daniele Pesenti (1861-1911)7, que se tornou o responsável8. Os Pesenti, uma das famílias de empreendedores locais mais prestigiadas (MANDELLI, 1988, p. 54), pertenceram a
uma geração de ‘mestres do papel’ durante décadas, mas apesar da sua fábrica de papel em Nembro ainda funcionar, embora em eventos alternados, a partir do final dos anos 70 do século XIX dedicou-se, com fortuna crescente, à produção de cal hidráulica e cimento, um setor em forte expansão na zona de Bergamo naquela época. Não obstante, os Pesenti negligenciaram outras iniciativas e atividades, e uma delas foi a Fábrica de Papel Pigna (SUBBRERO, 1997, p. 333).
Quando Daniele Pesenti assumiu a direção da empresa, esta estava em condição bastante crítica:
A fábrica de papel Pigna - conforme indicado nas Memórias de família escritas em 1931 por Cesare Pesenti - […] encontrava-se numa situação desesperante. Desorganizada, com maquinaria demasiado antiga; irracional na disposição dos edifícios; exploração errada da força hidráulica; transmissões dispostas de forma errada; transportes mal regulamentados; com uma má gestão que tornava o trabalho difícil e sem viabilidade económica, a fábrica de papel tinha dívidas, produzia muito pouco e não tinha meios técnicos modernos suficientes para as necessidades (PESENTI, 1931, p. 51).
Daniele Pesenti conseguiu, em poucos meses, reorganizar a Fábrica de Papel sobre novas bases e, em seguida, ampliar com a construção de modernas e funcionais instalações que a tornaram muito mais eficiente e rentável. A reestruturação que realizou foi global e implicou “uma total reorganização técnica, com a racionalização dos fluxos de produção e novos investimentos em maquinaria; por fim, foi reabilitada a situação financeira” (SUBBRERO, 1997, p. 334). No final da primeira década do século XX, a Fábrica de Papel Pigna tinha readquirido novamente competitividade no mercado (PESENTI, 1931, p. 55-61).
Foi também mérito do empreendedor de Bergamo ter intuído, já no final do século XIX, a necessidade de operar no sentido de uma especialização cada vez maior da empresa e de ter orientado a produção para um setor-chave como era o relativo aos cadernos escolares e outros suportes de papel para escrita, que precisamente nesses anos começavam a registar um desenvolvimento significativo na península. Entre o início do século XX e a Segunda Guerra Mundial, de facto,
a indústria do papel na Itália registou uma fase de forte expansão. A produção total de papel e cartão passou de 1.150.000 toneladas a mais de 5.310.000 em 1939, os funcionários subiram de 23.257 em 1911 para 56.127 e verificaram-se no setor acentuados fenómenos de concentração (SUBBRERO, 1997, p. 328-329).
Como base desse significativo desenvolvimento deve ser colocado também o aumento da procura interna, fruto em particular da constante diminuição das taxas de analfabetismo e no progressivo incremento dos níveis de escolarização; bem como do incremento da publicação e da cada vez maior difusão da imprensa diária e periódica9.
Em substancial continuidade com a tradicional vocação da empresa para produzir, paralelamente ao papel normal, também papéis finos, para registos e para cartas, de cores diferentes e elaboradas10, Pesenti decide concentrar-se de forma principal na produção de material de escritório e, em particular, nos cadernos e em outros suportes de papel destinados à escola e à formação. Não é por acaso que os artigos publicitários da Fábrica de Papel Pigna, publicados nesse período na imprensa especializada ou difundidos por meio dos canais comerciais, deixam antever pela primeira vez, na lista de produtos, esse tipo de artigo. Assim, junto ao “papel de carta, em envelopes e caixas, papel de registo, em cópia dupla e tripla, papel de impressão, papel colorido em pasta, papel de embalagem, cartões variados, envelopes e sacos, registos e papel copiador de qualquer formato, dimensão e tipo de linha”11, no catálogo dos produtos da empresa encontramos apresentados em relevo “papel de escritório e papelaria, papel escolar, cadernos”12.
Esse tipo de produção para a escola se tornou um mercado sólido e necessitava, portanto, de regras precisas, destinadas a garantir a qualidade e a comercialização dos produtos, e também para salvaguardar o papel das empresas envolvidas nesse setor. Isso se torna evidente pelas significativas batalhas empreendidas, nos primeiros anos do século XX, tanto por Daniele Pesenti como por outros industriais do setor por meio da Associação dos fabricantes de papel e artigos afins, fundada em 1888 entre os produtores de papel, da qual a Fábrica de Papel Pigna era sócio-fundadora13. Na primavera de 1905, por exemplo, Daniele Pesenti apresentava à aprovação da assembleia de sócios da Associação duas ordens do dia especialmente importante:
A assembleia - lê-se na ata da reunião realizada a 14 de maio de 1905 - toma, portanto, em exame duas ordens do dia apresentadas pela Empresa Paolo Pigna: uma para que seja feita instância ao Ministério da P.I. para a publicação de normas que regulem as linhas dos cadernos com modelos bem definidos; a outra para que os fabricantes removam das capas dos cadernos a impressão da empresa cliente: após breve discussão, em que participaram o Eng. Ostrogowich, o Sr. Pesenti, o Sr. Sesana, o Com. Siccardi, o Eng. Nodali e o Dr. Molina, as duas ordens do dia foram aprovadas (L'Industria della Carta e delle arti grafiche, VIII, 16/05/1905, 10, p. 1).
A primeira das duas ordens do dia pretendia dar uma solução a um problema não menos banal contra o qual os produtores de cadernos escolares se tinham debatido nos anos anteriores: o da carência de indicações precisas, por parte do ministério da Instrução Pública, quanto aos formatos e características que deveriam possuir os cadernos a adotar no âmbito das várias classes dos cursos elementar e popular. A própria ausência de prescrições nesse aspeto, de facto, tinha levado os produtores de papel e os vendedores retalhistas a recusar, no passado, remessas inteiras de mercadoria.
Ainda mais importante, em determinados aspetos, era a outra ordem do dia, com a qual as empresas do setor, que até aquele momento estavam limitadas a produzir cadernos escolares por conta de terceiros, sendo obrigadas a aplicar nos produtos individuais a marca da papelaria ou do distribuidor retalhista cliente, deliberavam assumir eles próprios a titularidade da produção dos cadernos escolares, visando pela primeira vez ligar o seu próprio nome a tais artigos.
A atitude assumida, graças à mobilização dos vértices da Fábrica de Papel Pigna para com a Associação dos fabricantes de papel e artigos afins, destinava-se a assinalar um ponto de viragem no âmbito da produção e comercialização dos cadernos escolares, criando de facto as condições para a entrada oficial, no mercado escolar, de novas e aguerridas empresas, as quais, como foi o caso da Fábrica de Papel Pigna, nos anos seguintes, irão visar de forma crescente o estabelecimento de novos e vantajosos acordos com os distribuidores retalhistas (papelarias, lojas etc.), a fim de constituir uma rede cada vez mais vasta de distribuição dos produtos no território nacional14.
Com o trágico falecimento de Daniele, em 1911, a direção da empresa foi assumida pelo filho Carillo Pesenti Pigna, que se encontrou na obrigação de encarar a difícil situação criada pela Primeira Guerra Mundial e pela crise económica e produtiva que se estabeleceram imediatamente depois da guerra (Le industrie e la guerra, settembre 1916, 9, p. 166-172)15.
Sob a orientação de Carillo Pesenti a empresa alcança a definitiva afirmação no mercado nacional, como testemunham, entre outros, a constituição de um verdadeiro setor comercial e a criação de uma sólida rede de distribuição dos produtos que era suportada por alguns depósitos distribuídos ao longo da península.
Em 1919 ocorre uma primeira reestruturação da empresa, com a transformação da Fábrica de Papel Pigna em sociedade anónima16 com um capital de 4 milhões de liras, que em 1920 passou a 8 milhões com dois aumentos sucessivos17. No ano seguinte, procede-se à ampliação das estruturas produtivas por meio da aquisição das fábricas de papel Ghisalberti (ex. Clivati) de Alzano Maggiore18.
Elementos constantes da atividade da empresa de Bergamo nos anos 1920 e 1930 - no difícil contexto da crise económica e financeira gerada no país pela reavaliação da lira e pela crise dos mercados e da produção que irrompeu em 192919, como também, na fase seguinte, pelas restrições e vínculos impostos pela política autárquica20 - foram, por um lado, a especialização produtiva e, por outro, o contínuo melhoramento tecnológico.
Em 1926 - como foi sublinhado - Carillo Pesenti implementou um novo departamento de artigos de papel técnico e a empresa dedicou-se cada vez mais à produção de artigos escolares, em particular de cadernos21: em 1931 - com cerca de 850 funcionários - o potencial de produção atingiu as 5.000 toneladas de papel por mês comparativamente às 700 no início do século e, alguns anos mais tarde, a produção de cadernos passou a ser automatizada. (SUBBRERO, 1997, p. 333-334).
A organização comercial também foi aperfeiçoada com a abertura, em 1929, de outros depósitos em Milão e em Trieste22. Relativamente à produção, deu-se um verdadeiro salto de qualidade quando “a empresa conseguiu participar nos contratos governamentais, tornando-se o fornecedor exclusivo de papel em tiras, tanto para a administração dos Telégrafos, como para a administração dos Caminhos de Ferro” (SUBBRERO, 1997, p. 334).
Na véspera da segunda guerra mundial, com uma produção centrada principalmente no papel de escritório e de papelaria e, em particular, nos cadernos escolares, a Fábrica de Papel Pigna alcançou níveis consideráveis, empregando cerca de 850 trabalhadores. A capacidade de produção diária de cerca de 250 toneladas de papel, tornou-a numa das maiores empresas do setor a nível nacional (Società italiane per azioni, 1940, p. 1403). Apesar das elevadas perdas e das dificuldades resultantes da guerra, após a Segunda Guerra Mundial, a empresa, ainda firmemente nas mãos dos herdeiros das famílias Pesenti e Pigna, “acentuou ainda mais a sua especialização produtiva, tanto que em 1960, considerando que de uma produção global de papel e cartão de pouco mais de 16.700 toneladas (que a colocavam na décima nona posição no setor nacional) cerca de 16.300 eram representadas por papel de escrita (oitava posição do setor)” (SUBBRERO, 1997, p. 336).
A produção de cadernos escolares da Cartiere Pigna entre o planeamento político e as necessidades do mercado
A Pigna acompanhou, com os seus cadernos, o processo de alfabetização e de escolarização de massas dos italianos, particularmente no momento em que, na segunda metade da década de 70 do século XIX, com as medidas educativas emitidas pela Esquerda histórica (Lei Coppino etc.), esse processo se tornou mais intensivo e sistemático23. A empresa de Alzano Lombardo, desenvolvida na transição dos dois séculos, principalmente a nível local e regional (Bérgamo, Milão e Lombardia), desde a véspera da Primeira Guerra Mundial, contava com uma rede de distribuição de produtos que cobria grande parte do território nacional.
A documentação de arquivo atesta como a Fábrica de Papel Pigna percebeu, muito antes das outras empresas que operavam no setor, a importância de consolidar a sua produção para a escola no projeto de educação nacional dos italianos, realizado pela classe dirigente liberal, embora em diferentes fases e de acordo com diferentes modalidades e formas, a partir da era Crispina24: para a escolarização em massa e para a nacionalização dos italianos, a empresa Alzano Lombardo empenhou-se em adaptar as características dos seus produtos, apoiando cada vez mais o processo de enraizar nas populações o sentimento da importância e da centralidade da escola, para o crescimento sociocultural do país e a afirmação de uma identidade comunitária específica. Trata-se de um processo que, instituído com uma convicção cada vez maior durante a era Giolittiana, passará por desenvolvimentos significativos e sem precedentes durante os anos da Grande Guerra e do primeiro período do pós-guerra, para então atingir o seu pico durante as duas décadas fascistas.
O aprofundamento das características dos cadernos produzidos pelas fábricas de Alzano Lombardo e, em particular, da importância pioneira imediatamente atribuída às ilustrações e aos textos de apresentação dos mesmos para as capas é fundamental, nesse sentido, para captar a evolução e os movimentos peculiares da produção e a estratégia comercial da Fábrica de Papel Pigna, mas também, como veremos, para avaliar o papel de liderança desempenhado por essa empresa, na construção de uma cultura escolar específica e na evolução dos processos de formação em massa entre os séculos XIX e XX.
A produção de cadernos da Fábrica de Papel Pigna acaba por ser caracterizada, de facto, especialmente desde a última década do século XIX, por um projeto ideológico-político preciso e consciente que se une e se sobrepõe ao produtivo e comercial, para se tornar o motor deste último, o seu principal e mais direto instrumento de crescimento e sucesso empresarial, a expressão de uma espécie de “valor agregado” que qualifica e torna mais reconhecível e atraente - e, portanto, comercialmente mais competitivo - o próprio produto no mercado.
A especialização precoce da Fábrica de Papel Pigna, relativa à produção de cadernos escolares, um verdadeiro género de fabrico destinado a grande desenvolvimento na Itália, com Crispina e depois Giolitti, comprometida num vasto e bem definido processo de alfabetização e educação de massas, mas também, e em particular, a escolha de caracterizar os seus produtos de forma marcada, visando sistematicamente - muito mais do que outras empresas que operaram no mesmo setor nesses mesmos anos25 - as características e a funcionalidade e eficácia da mensagem veiculada pelos próprios cadernos (ilustrações e textos impressos), revela a presença de estratégias de marketing precisas e modernas que, por um lado, assumem e recorrem às diretrizes e preocupações subjacentes da “pedagogia nacional”, de caráter ministerial e, mais amplamente, políticas, expressas de tempos em tempos pelas diferentes classes dominantes do país - de Crispi a Giolitti e a Mussolini, passando pela complexa época da Grande Guerra e pelo primeiro período do pós-guerra26 -, por outro lado, tentam adaptar as estruturas e as indicações básicas dessa “pedagogia nacional” àquelas que são as características e as potencialidades comunicativas do meio, isto é, dos cadernos escolares27.
Estes últimos, sem perder a sua funcionalidade material primária - mantendo o seu caráter modesto de instrumento secundário e subordinados ao conjunto educativo do aluno -, acabaram por desempenhar um “outro” papel completamente diferente do que aquele que lhe foi atribuído originalmente, como sendo um dos instrumentos escolares. Pode dizer-se, de facto, que essa função diferente e paralela de transmitir conteúdos e mensagens educativas - mais tarde, durante o decorrer das duas décadas, da própria propaganda ideológica e política28 - é exercida mais cedo, e de forma independente, com respeito à verdadeira utilização do caderno nas salas de aula ou outros locais. Em determinados casos, como para os cadernos destinados a guardarem as explicações e ditados relativos à história do país ou, durante o período fascista, designados para transmitirem os princípios e diretivas do regime de Mussolini, é possível encontrar uma particular complementaridade entre a “mensagem editorial” do caderno (ilustração e texto impresso da capa) e os “registos escolares” produzidos pelo aluno, de acordo com uma perspetiva para a qual a primeira (a “mensagem editorial”) tende a ser uma forma adicional de “reforço” e de validação/legitimação destes últimos (os “registos escolares”).
Na base da estratégia comercial e de produção seguida pela Fábrica de Papel Pigna, deve ser tida em conta uma série de razões e de crenças subjacentes. Em primeiro lugar, a consciência clara de que os cadernos - nos quais foi possível transmitir uma reconfortante mensagem simbólica e verbal marcada por características de urgência, simplicidade e alto nível de acessibilidade em todos os níveis - poderiam desempenhar um papel fundamental, embora de natureza auxiliar e complementar, na educação escolar e extraescolar das jovens gerações e, indiretamente, das próprias famílias italianas, especialmente das classes trabalhadoras e rurais.
Em segundo lugar, a convicção igualmente clara de que, muito mais do que livros didáticos, os cadernos estavam destinados a circular nas casas, isto é, entre os familiares dos alunos, e despertar a atenção e o interesse dos próprios adultos, que não recusariam considerar as ilustrações e os breves textos explicativos desses, que geralmente caracterizavam a “mensagem editorial” do próprio caderno. Devidamente ajustados às necessidades e capacidades de um vasto público composto, apenas em parte, por jovens estudantes, as ilustrações e os textos do caderno poderiam, nesse sentido, contribuir para integrar e enriquecer o património de conhecimento do leitor, que - como foi desde logo percetível por quem produzia os cadernos - não era atribuível apenas ao aluno que era seu proprietário.
Finalmente, mas certamente não menos importante, deve notar-se que, dentro da Fábrica de Papel Pigna, amadureceu-se a convicção de que as ilustrações das capas, ou seja, a mensagem simbólica transmitida pelos cadernos, precisava de atenção e de cuidados especiais: essas ilustrações tinham que ser adaptadas para um público infantil e popular (no sentido antigo do “povo infantil” concebido por Silvio Antoniano, e no mais recente e contemporâneo do “povo aprendiz” formulado por um verdadeiro especialista em educação nacional-popular, Francesco Crispi29); tinham de ser atraentes e cativantes, se não mesmo excitantes; tinham de refletir, ao longo do tempo, a evolução da imaginação infantil e popular e as mudanças de gostos e de costumes, de modo a estarem sempre atualizadas e em sintonia com os tempos. Daí a escolha da empresa Alzano Lombardo de visar desde o início, e depois de maneira cada vez mais percetível e sistemática, com verdadeiros pontos de excelência durante as duas décadas do fascismo, ilustradores comprovados e/ou já estabelecidos, que possivelmente tenham uma produção específica de tabelas destinadas a ilustrarem manuais e livros escolares, ou jornais e obras de ficção para crianças e jovens, ou que, num nível diferente, já teriam lidado com o universo crescente e complexo dos cartazes publicitários30.
Bastaria aqui fazer referência, nas primeiras duas décadas do século XX, a nomes como Carlo Tallone e Gino Boccasile, que colaborariam com a Fábrica de Papel Pigna também nos anos 30. Bem mais extensa era a lista de ilustradores, alguns já conhecidos e estabelecidos, outros principiantes, no que respeita ao período fascista, conforme evidenciado pelas assinaturas de Sergio Bonelli, Giovanni Bonfanti, Galileo Chini (Chin), G. Divala, Marcello Dudovich, Libero Maraja (Lima), Carmelo Marotta, Nino Pagatto, Mario Puppo, Guglielmo Sansoni (Tato), Roberto Sgrilli, Bruno Stefani, Boris Zueff. Entre os ilustradores que colaboraram com a Fábrica de Papel Pigna nos anos após a Segunda Guerra Mundial, por fim, devem ser lembrados E. Gusmaroli, Lico, G. Mattoni, Manno Previtali, Giorgio Scudellari e Guido Zamperoni (Zam&Roni). Uma atenção similar também foi dedicada, naturalmente, à seleção dos autores dos textos editoriais que enquadraram e apoiaram as ilustrações das capas, sobre os quais, no entanto, no estado atual de pesquisa no arquivo histórico da Fábrica de Papel Pigna, ainda não temos informações e dados precisos.
A fortuna crescente que os produtos da Fábrica de Papel Pigna encontraram, que até o final dos anos 20 - também graças às enormes encomendas do Estado - havia assegurado a cobertura de grande parte do crescente mercado dos cadernos escolares, para a qual contribuíram, na verdade, outros fatores, que devem aqui ser mencionados, ainda que brevemente. Em primeiro lugar, o facto da mensagem simbólica e verbal do caderno - muito mais do que aquelas transmitidas pelo livro didático, pelo ditado e as leituras na sala de aula, pela própria explicação do professor - irrompeu na vida cotidiana do aluno (e da sua família) e, como uma espécie de mensagem publicitária moderna, por um certo período (o tempo de utilização do instrumento didático) reiterou o seu conteúdo, para torná-lo familiar e constituir uma espécie de pano de fundo, quase um continuum no universo percetivo da experiência individual do aluno.
Em segundo lugar, o aspeto igualmente relevante com base no qual, qualquer que fosse a sua utilização didática específica (caderno de composição e/ou exercícios, caderno de escrita ou de rascunho etc.), o caderno estabelecia uma relação de vida cotidiana e de familiaridade com o aluno e, também por causa da essencialidade e da repetitividade da mensagem transmitida, tendia a favorecer muito mais e melhor do que os livros didáticos, que, em geral, devido à sua complexidade, exigiam a mediação do docente, o processo de aquisição/fixação de determinados conteúdos e imagens. Devido ao seu caráter impessoal e comum a todos os alunos, bem como à natureza de seus produtos feitos e definidos nas suas características formais e de conteúdo, de facto, os livros didáticos fizeram o processo de identificação/apropriação por parte do aluno, que incide significativamente na construção de um determinado imaginário.
Deve acrescentar-se que, dentro da empresa de Alzano Lombardo, desde logo foi implementada a convicção de que era apropriado introduzir sistemas e medidas para “ligar” os alunos à sua própria produção, ou para obter uma espécie de fidelização com os utilizadores dos cadernos: como no caso da coleção de cromos da Liebig, combinados com determinados produtos de grande consumo, tratava-se de construir uma relação de continuidade com o comprador: daí a inauguração de verdadeiras “séries” (uma espécie de coleções específicas) dos cadernos, destinadas a constituir muitos percursos temáticos específicos, a serem completadas com a aquisição de um determinado número de exemplares, cuja mensagem simbólica e verbal se apresentava de forma independente em cada caderno individual e, ao mesmo tempo, inserido num caminho de informação/formação mais abrangente, desenvolvido e concluído no âmbito da “série”. Difundida de forma bastante anónima e limitada, já nos anos da guerra na Líbia, essa estratégia de fidelização dos estudantes atingiu o auge e a sua fase madura durante as duas décadas fascistas, quando, como evidenciado pela mesma publicidade corporativa, desencadeou um mecanismo de compra semelhante ao da coleção de cromos, cujo objetivo se tornou o de constituir a coleção completa de cadernos de uma ou mais “séries”, comprometendo-se a fornecer qualquer exemplar em falta.
Uma rápida análise dos principais sujeitos e temas desenvolvidos nas capas dos cadernos escolares, produzidos pela Fábrica de Papel Pigna, durante meio século de atividade31, na última fase do século XIX após a Segunda Guerra Mundial, poderia permitir avaliar integralmente as linhas evolutivas e os aspetos acima referidos, bem como compreender as muitas facetas do papel desempenhado pelos cadernos da empresa de Alzano Lombardo, no âmbito dos processos de escolarização e nacionalização das massas da Itália pós-unitária. Em termos de periodização, a enorme coleção de materiais (esboços, folhas de amostras, exemplares únicos etc.) conservada no Arquivo Histórico da Fábrica de Papel Pigna permite distinguir quatro fases diferentes, cada uma das quais tem características homogéneas em termos de estilos e características tipográficas e editoriais e, algo ainda mais significativo para os propósitos da nossa análise, do conteúdo e das mensagens transmitidas.
Em relação à primeira fase, ou seja, a que se refere ao final do século XIX e início do século XX, a partir da análise das capas, é possível encontrar, em primeiro lugar, o aprofundamento, segundo os módulos tipicamente do século XIX, dos temas da educação moral e civil (recordemos, em particular, as séries: “Crianças boas” e “Crianças más”)32; e, ao mesmo tempo, a intenção de oferecer, por meio dos cadernos, uma oportunidade para enriquecer o conhecimento escolar básico, a partir da preparação de uma espécie de “currículo integrativo” em comparação com o do curso elementar: daí a “série” primitiva e ainda desorganizada dedicada ao alfabeto e à escrita, bem como às como a geografia, a história nacional, o desenho e a pintura, a aritmética e a geometria, as ciências naturais etc. (Série: Alfabeto, s. d.). Para as tipologias acima mencionadas, é necessário adicionar aqueles destinados a ilustrarem contos de fadas (Série: Favole, s.d.), histórias morais (Série: Favole, s.d.) e episódios retirados das grandes obras de ficção italiana e europeia (Série: Don Chisciotte della Mancia, s.d).
Uma segunda fase é aquela registada principalmente a partir da imprensa líbia e da Primeira Guerra Mundial. Nela prevalecem temas e questões relacionadas com a identidade nacional e os motivos patrióticos, com o culto da pátria e o conhecimento das suas belezas. Significativas, a esse respeito, e exemplos de uma abordagem profundamente alterada também em termos de linguagem e de formas de comunicação iconográfica, revelam-se as “séries” de capas dedicadas: às grandes cidades de Itália (Série: Città d'Italia, s.d.), às regiões da Itália e os seus costumes e tradições (Série: Le Regioni d'Italia, 1921-1927), às colónias da Itália (Série: Le Colonie d'Italia, 1910-1912 e 1921-1927), aos grandes italianos na história (a verdadeira e própria representação ideal do “povo dos santos, poetas e navegadores”) (Série: I grandi navigatori, s.d.), à exaltação das raízes italianas e da função histórica da Casa Savoia (Série: Casa Savoia, 1909-1910 e 1925-1926), ao panteão dos “Pais da Pátria” (Série: L'infanzia di uomini illustri, 1922-1924 e 1936-1937), aos protagonistas do Ressurgimento, reinterpretados para um fim nacional-popular (Série: Risorgimento. Pagine eroiche e Quaderno garibaldino s.d.), às empresas coloniais (Série: Le grandi imprese coloniali e Le nostre colonie, 1910-1913), aos testemunhos heroicos da Grande Guerra (Série: Il valore italiano nella Grande Guerra, Episodi del valore italiano nella Grande Guerra 1915-1918, I Condottieri e Gli Invitti a Redipuglia, 1921-1923 e 1927-1931).
A terceira e mais produtiva fase de produção dos cadernos escolares da Fábrica de Papel Pigna é aquela que coincide com o período fascista. Principalmente a partir da segunda metade dos anos 20, com o considerável crescimento do volume de negócios e a preparação de uma rede comercial e de distribuição capaz de abastecer as papelarias de grande parte do território nacional, a empresa apoiou-se numa política para suportar os objetivos implementados pelo regime de Mussolini no âmbito académico e na esfera mais generalizada da educação da massa jovem.
Tudo isso era destinado a ser claramente refletido na escolha dos sujeitos e temas a serem desenvolvidos nas capas dos cadernos, cujo âmbito é encontrar a implementação de uma verdadeira estratégia destinada a apoiar e dar um novo impulso ao processo de fascistização da escola e da juventude33, segundo os movimentos e as caracterizações similares aos desenvolvidos nos livros de leitura para o ensino fundamental, em particular nos textos únicos do Estado34.
A análise das “séries” de capas divulgadas, nessa fase, revela não apenas a natureza sistemática e difundida do compromisso com a transformação dos cadernos escolares numa fantástica ferramenta para a transmissão e difusão da ideologia e propaganda fascista, mas também a extraordinária modernidade das técnicas e das linguagens gráficas e verbais utilizadas, destinadas a marcar um verdadeiro e próprio ponto de viragem em relação às fases anteriores.
Uma rápida sequência da “série” de cadernos relativa aos anos 1920 e 1930 e à Segunda Guerra Mundial, no decurso da qual a produção sofre uma interrupção drástica35, mostra a crescente prevalência, que nos anos 1930 se tornará uma presença quase exclusiva, de temáticas e assuntos de forte tendência ideológica e política, como por exemplo: a exaltação da “revolução fascista” e o retorno aos princípios fundamentais e às palavras de ordem do regime (Série: Nuove Legioni, s.d.); a subtil propaganda anticomunista, ou os “inimigos da Pátria” ilustrados para as crianças (Série: Infanzia felice, 1935); a “nova Itália fascista” representada nos grandes feitos do regime (os monumentos, a urbanística, as conquistas da técnica etc.) (Série: Visioni d'Italia, Opere del Regime, Grandi Record, Ali d'Italia e I nostri Transatlantici, 1930-1936); a celebração da Conciliação e das novas relações Governo-Igreja após os Tratados de Latrão de 1929 (Série: Pergamena, s.d.); a transformação do país numa grande potência militar e a edificação da “Nação armada” (Série: Nuove Armi, Navi da Guerra, Civiltà-Vittorie-Armi, 1931-1938 e 1940-1943); o empenho para a integração das populações das colónias e a fundação do império (Série: Colonie d'Italia, Africa Orientale e Civiltà-Vittorie-Armi,1930-1943); as dimensões e as características da “sociedade fascista” e a sua extensão aos territórios do Império (Série: Infanzia felice e Civiltà-Vittorie-Armi, 1935 e 1940-1943); a autarquia, a “batalha do cereal” e a nova “sociedade do trabalho” (Série: Autarchia e Agricoltura, 1936-1938 e 1932); a vida cotidiana nos anos 20 contada a partir das proezas dos “grandes italianos” no desporto e nas empresas aeronáuticas (Série: I nostri campioni, Sport e Ali d'Italia, 1929-1936); a exaltação da educação física e militar da juventude (Série: Giovinezza sportiva e Giovinezza in marcia, s.d. e 1936-1940); a criação do novo homem fascista, exemplificada a partir de três tipologias diferentes de ilustrações e textos: a centrada em imagens de infância saudável e despreocupada (“infância feliz”) (Série: Infanzia felice e Mondo giocondo, 1935 e s.d.), a voltada a apontar a exemplaridade da “juventude heroica” (Série: Giovinezze eroiche, 1937), por último, a empenhada na militarização das novas gerações e inspirada na célebre máxima: “Cada criança um soldado!” (Série: Piccolo soldato, s.d.); por último, não se pode omitir o “culto do Duce”, largamente representado, nas formas e situações mais variadas, nas capas dos cadernos (Série: I condottieri, 1931).
A opção de combinar as imagens (desenhos, fotografias etc.) com breves textos ilustrativos, que explicavam ou integravam a mensagem veiculada pelas próprias imagens, recebe, nessa fase, um especial impulso. Tratavam-se, como nas épocas anteriores, de textos redigidos com uma linguagem simples e essencial, compreensíveis a vários níveis, os quais, no entanto, confirmam a capacidade dos cadernos Pigna de se adaptarem aos próprios registos comunicativos de diferentes contextos e de se colocarem em sintonia com os “novos tempos”, que no decurso do vinténio sofrerão uma profunda modificação, adquirindo o estilo argumentativo e as formas de retórica da comunicação de massa própria do regime fascista e perdendo, por outro lado, as características de rapidez e simplicidade que, no passado, tinham-lhes garantido o sucesso e a eficácia em relação especialmente ao público de crianças e jovens, destinatários dos cadernos escolares, e das suas famílias.
A prova do que dizemos é o facto de invocar o ciclo de capas da série História do Fascismo, ilustradas por Marcello Dudovich nos anos 30 (Série: Storia del Fascismo, s.d.), as quais, pelo especial registo assumido pelas imagens e textos, muito mais que uma reconstrução ou narração dos factos e eventos (a “história” do fascismo, a que se alude no título da série), configuram-se como uma verdadeira “catequese fascista” estruturada segundo as formas retóricas e o estilo comunicativo típicos das obras de cariz religioso. Sob esse perfil, não parece haver dúvida que estamos frente a um dos exemplos mais significativos e emblemáticos da união entre a palavra e as imagens, texto e ilustrações, a qual volta a propor, no âmbito dos cadernos escolares, a conceção do fascismo como “religião política” já largamente encontrada nos manuais e nos livros de texto (por exemplo em alguns manuais de história36), aos quais se relacionam determinados aparelhos simbólicos e de culto e uma linguagem verbal e icónica que revisita, num contexto secularizado, as formas expressivas características do discurso religioso37.
Com a queda do fascismo e o advento, em Itália, do rescaldo da Segunda Guerra Mundial, do regime democrático, ao lado da necessidade de reorganizar a atividade produtiva e fazer frente aos danos materiais sofridos e à crise geral do setor causada pela carência de matérias primas e o atraso com que foi possível proceder à recuperação da rede comercial e de distribuição, a Fábrica de Papel Pigna teve de fazer frente à necessidade de repensar radicalmente a sua estratégia editorial e redefinir, sob o perfil da escolha das temáticas e dos assuntos a utilizar para as capas dos seus cadernos, a sua própria imagem empresarial.
Tratou-se de um processo necessariamente longo e complexo, caracterizado por fases alternadas e dificuldades, que permitiu, porém, que a empresa não só continuasse a sua atividade produtiva no setor, mas também crescesse, alargasse o seu raio de ação e conquistasse maiores cotas de mercado38. Naturalmente, não é possível, nesta sede, dar conta da evolução e desenvolvimentos de facto registados, pela fábrica de Alzano Lombardo, no decurso dos últimos 50 anos. Vale a pena recordar, no entanto, na conclusão desta intervenção, dois aspetos substanciais da “nova estratégia” inaugurada pelas fábricas de papel Pigna no pós-guerra mundial. O primeiro refere-se à superação definitiva da especial intencionalidade pedagógica - no sentido dos projetos de educação nacional de massa, assumidos e perseguidos de tempos a tempos pelos grupos dirigentes pós-união - que, desde a idade liberal ao fascismo, tinha representado uma constante nas estratégias produtivas e editoriais da empresa de Alzano Lombardo, contribuindo para definir a identidade e contribuindo sem dúvida para o seu sucesso.
O outro aspeto, estritamente relacionado com o primeiro, refere-se ao facto de, nos anos do pós-Segunda Guerra Mundial, a definitiva exaustão da perspetiva tradicional de acompanhar - e de satisfazer com os seus produtos - o processo de nacionalização de massa da juventude italiana não coincidiu com a assunção de uma perspetiva análoga de empenho no contexto do enraizamento, nas novas gerações, dos valores e das instâncias específicas ético-civis expressas pela democracia italiana nascente39.
A seleção, no que concerne os temas das capas, centrou-se, pelo menos numa primeira fase, em assuntos rigorosamente neutros, como é testemunha a muito difundida série de cadernos cujas capas eram dedicadas à “Minha Pátria: monumentos e panoramas da península” (Série: La mia Patria e Italia artistica, 1953-1954 e 1955).
A partir dos anos 50, para além de divagar pelo agora galopante “sonho americano” com as histórias do Far West (Série: Eroi del Far West e Avventure indiane, 1948), e a recuperar as tranquilizadoras páginas tiradas dos clássicos da literatura juvenil (Coração de Amigos, vários contos de Emilio Salgari, Robinson Crusoe de Daniel De Foe e Peter Pan de James Matthew Barrie) (Série: Pagine del «Cuore», Sandokan, Robinson Crusoe e Peter Pan, 1950-1954), os cadernos Pigna dedicaram um grande espaço a temas de natureza religiosa (Série: Parabole del Vangelo e I Cavalieri dell'Amore, 1948-1949) e a assuntos de entretenimento e evasão articulados, pela primeira vez de forma consciente e direta, por faixas etárias, apontando para as fábulas para os mais pequenos, as histórias aos quadradinhos para os alunos das classes intermédias (Série: Le Mille e una Notte-I viaggi di Sind Bad, La Rosa di Bagdad, Bill-Boll-Bull e Giornalino, 1948-1950), e para a apresentação dos novos “mitos” do desporto para os alunos mais velhos (Série: I grandi campioni del ciclismo, 1948-1949). Alguma sorte também tiveram as capas dedicadas “à natureza e às suas maravilhas” (Série: La natura e le sue meraviglie-Walt Disney, 1950-1960), tratadas pelos documentários de divulgação científica americanos, destinadas a atingir o imaginário jovem e a alargar os horizontes do seu conhecimento.
Na sua essência, num quadro agora marcado pela prevalência gradual das lógicas de mercado e pelas dinâmicas ligadas ao desenvolvimento da sociedade de consumo40, a nova estratégia editorial perseguida pela Fábrica de Papel Pigna - a par do que se verificava para outras importantes empresas que operavam no setor - tornava-se a de satisfazer os novos gostos do mundo jovem e da opinião pública agora plasmados pelo cinema e pelos outros meios de comunicação de massas e sempre cada vez mais inspirados no modelo americano (Walt Disney) e no American Way of Life41.
Longe estão definitivamente as aspirações de contribuir para a construção da “nova Itália” e para a nacionalização das gerações jovens, pois os cadernos Pigna devolveram-nos, nos últimos 50 anos, as imagens de infância e de uma juventude já não enquadradas e sujeitas a uma conceção ideológica e política que vem “de cima”, mas recolhidas numa dimensão individual e privada, que, desde o momento imediato do pós-guerra até os dias de hoje, conheceu uma multiplicidade e profundos desenvolvimentos.