Introdução
“As primeiras propostas e ideias de se fazer uso da modelagem matemática na Educação passam a ocorrer em eventos a partir da década de 1970, em diversos países. Por exemplo, projetos liderados por Hans Freudenthall, na Holanda, denominado IOWO” (BIEMBENGUT, 2014, p. 15). Também pode se reconhecer trabalhos por “Bernhelm Booss e Mogens Niss, na Dinamarca (Universidade de Roskilde), [que os] levaram, em 1978, a organizar um congresso sobre Matemática e Realidade, que contribuiu para a consolidação, em 1983, do Grupo Internacional de Modelagem Matemática e aplicações - ICTMA” (BIEMBENGUT, 2014, p. 15). Isso levou à introdução e à propagação de estudos ou pesquisas de modelagem matemática em forma de artigos, de dissertações e de teses em programas de pós-graduação lato sensu e stricto sensu, apresentados também em eventos internacionais e nacionais. Com isso, encontram-se vários trabalhos acadêmicos no âmbito da educação matemática que sugerem a implementação da modelagem matemática na educação básica (BARBOSA, 2003; ALMEIDA; SILVA; VERTUAN, 2013; BIEMBENGUT, 2014; SOARES, 2012a, 2012b, 2017), os quais têm por foco o ensino para aprendizagem.
Dentre as concepções de modelagem, inicialmente, destaca-se a que segue:
A expressão modelagem pode ser tratada como sinônimo de modelação, [...] objetivando investigar, desenvolver e transformar uma situação ou um problema da realidade a partir de pesquisas e de estudos, com análises, previsões, simulações, modificações e explicações que favorecem o desenvolvimento de conceitos matemáticos (SOARES, 2017, p. 46, grifos da autora).
Conforme Biembengut (2014, p. 21), a “modelagem é o processo envolvido na elaboração [uso e validação] de modelo de qualquer área do conhecimento. Trata-se de um processo de pesquisa”. Paralelamente, na concepção de Almeida, Silva e Vertuan (2013, p. 17), ela “constitui uma alternativa pedagógica na qual fazemos uma abordagem, por meio da Matemática, de uma situação-problema não essencialmente Matemática”. Além disso, para Barbosa (2003, p. 68-69), a modelagem é “entendida como um ambiente de aprendizagem, o qual está associado à problematização e à investigação”. “O primeiro refere-se ao ato de criar perguntas e/ou problemas enquanto que o segundo, à busca, seleção, organização e manipulação de informações e reflexão sobre elas” (BARBOSA, 2003, p. 68-69). Assim, “ambas [as] atividades não são separadas, mas articuladas no processo de envolvimento dos alunos para abordar a atividade proposta. Nela, podem-se levantar questões e realizar investigações que atingem o âmbito do conhecimento reflexivo” (BARBOSA, 2003, p. 69). Apesar das diversas concepções, os pesquisadores concordam que uma determinada atividade, tarefa ou trabalho de modelagem, de modo geral, têm como ponto de partida um tema, situação, problema ou fenômeno extraído da realidade. Além do mais, há diferentes perspectivas de concepções de modelagem e nem todas podem ser utilizadas no mesmo nível de educação nem para o mesmo propósito (SOARES, 2012a, 2012b, 2017; PARRA-ZAPATA; VILLA-OCHOA, 2015).
Diante das diferentes concepções de modelagem matemática e da impossibilidade de integrá-las da mesma maneira em todos os currículos, é importante para a comunidade internacional conhecer os variados desenvolvimentos de pesquisa, inclusos os do Brasil, sendo que a área de modelagem matemática mostra um alto grau de desenvolvimento e consolidação. Com esse interesse, Madruga e Breda (2017) usaram a metodologia de mapeamento educacional para dar conta dos seus referenciais teóricos, problemas investigados, interesses de pesquisa e das metodologias utilizadas, trazendo os principais resultados e contribuições de dez pesquisas desenvolvidas no Brasil para o avanço do tema na área e as perspectivas de continuidade do estudo. Porém, esse mapeamento não se focou nas compreensões dos modelos e da modelagem na educação inicial, considerando-se: proposta, ambiente, método e alternativas. Reconhecer essas compreensões é importante tanto para a pesquisa quanto para os professores. Portanto, no presente artigo, tem-se a preocupação de apresentar um panorama das produções científicas desenvolvidas pelos pesquisadores da área, visando subsidiar pesquisas futuras de estudantes interessados na temática referente à modelagem matemática nos anos iniciais de ensino. Para tanto, apresentamos os resultados obtidos em resposta à seguinte questão: Quais compreensões sobre modelo e modelagem existem nas pesquisas desenvolvidas no Brasil na última década?
Partindo desse período, foram consideradas as publicações da década passada divulgadas em quatro periódicos da área de educação matemática, conforme será esclarecido na metodologia.
Metodologia
Para alcançar os objetivos propostos nesta investigação, realizou-se uma pesquisa de natureza qualitativa (CRESWELL, 2010, 2014; SEVERINO, 2007), de caracteres descritivo e analítico (FIORENTINI; LORENZATO, 2012; SEVERINO, 2007) e com aspectos de uma pesquisa denominada estado da arte (FERREIRA, 1999, 2002; FIORENTINI, 1994; SOARES, 2017) para apresentar um panorama de algumas das produções científicas relativas à modelagem matemática nos anos iniciais, no período de 2009 a 2018, ou seja, na última década.
Nesse sentido, pode-se dizer que este panorama visou apresentar um quadro geral de como andam os estudos ou as pesquisas referentes à temática escolhida em um período limitado, sem abranger grandes volumes de coleta de dados.
Em relação aos procedimentos de coleta e de registro dos dados, estes foram efetivados a partir de meios e materiais audiovisuais: pesquisas em sites de quatro periódicos da área de Educação Matemática no Brasil: Boletim de Educação Matemática (BOLEMA), Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática (GEPEM) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Educação Matemática Pesquisa (EMP) e Zetetiké. Selecionamos essas revistas, pois, segundo Fiorentini e Lorenzato (2012), elas tratam de estudos ou de pesquisas relacionadas à educação matemática. Utilizamos ainda um software, Microsoft Office Word, para a organização dos dados coletados e as análises das investigações solicitadas. Para isso, foi necessário recorrer a Soares (2017) para orientar a coleta e a seleção de artigos em bibliotecas on-line conforme mostra o seguinte quadro (Quadro 1):
Critério e procedimento elaborados: É necessário estudar as seguintes palavras-chave, os termos inseridos ou não nos títulos e nos resumos originais das produções científicas: abordagem, alternativa (pedagógica), ambiente, estratégia (pedagógica), modelagem, modelagem matemática, modelação, modelação matemática, educação matemática, matemática, modelo(s) matemático(s), modelo(s), proposta (pedagógica), método e metodologia, os quais se originam das fundamentais literaturas sobre modelagem em educação matemática conforme os anos de ocorrência, tais como: D'ambrosio (1986), Borba (1987), Burak (1992), Barbosa (2001), Brasil (2006), Bassanezi (2009), Beltrão e Igliori (2010), Herminio e Borba (2010), Kl̈ber e Burak (2012), Silveira e Caldeira (2012), Almeida, Silva e Vertuan (2013), Biembengut e Hein (2014), Soares e Igliori (2016), Soares e Santos Junior (2016) e Soares (2017). Ademais, é necessário ler, analisar e interpretar, reflexivamente e criticamente, os resumos integrais das pesquisas acadêmicas e, quando necessário, seus textos originais de uma forma parcial e/ou integral. Ainda, é essencial investigar se há alguma pesquisa acadêmica sobre modelagem em educação matemática que exibe palavras-chave ocultas, ou seja, uma determinada produção científica é dessa natureza, todavia, não expõe os referidos termos citados anteriormente para a efetivação da busca de pesquisa. |
De acordo com Soares (2017), nesse critério e procedimento elaborados, foi importante considerar as seguintes palavras-chave para a busca das produções científicas sobre modelagem matemática nos anos iniciais: primeira a quarta séries, anos iniciais, Ensino Fundamental, Ensino Fundamental I, educação básica e ensino básico. Por conseguinte, nos processos de coleta e de registro de dados não foram consideradas as amostras referentes às produções científicas que não estudaram e/ou não pesquisaram a modelagem nos anos iniciais, especificamente, resultando em três artigos, como esclarece a tabela a seguir:
Na Tabela 1, dos quatro periódicos que foram selecionados para a busca dos trabalhos científicos, em sua totalidade, nota-se a presença de produções sobre modelagem matemática em todos os segmentos de ensino. No entanto, foram obtidas três investigações de natureza empírica ou bibliográfica sobre a modelagem matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Em uma das revistas, em específico na chamada EMP, não foi encontrada nenhuma investigação envolvendo essa temática e esse nível de ensino, o que alerta para o incentivo de publicações de pesquisas na área dessa revista.
Nomes das Revistas | Produções científicas em Modelagem Matemática | Produções científicas em Modelagem Matemática (%) | Produções científicas em Modelagem Matemática nos anos iniciais do EF* | Produções científicas em Modelagem Matemática nos anos iniciais do EF* (%) |
---|---|---|---|---|
BOLEMA | 27 | 96,43 | 1 | 3,57 |
GEPEM | 6 | 85,71 | 1 | 14,29 |
EMP | 27 | 100 | 0 | 0 |
ZETETIKÉ | 5 | 83,33 | 1 | 16,67 |
FONTE: Os autores (2019).
*Ensino Fundamental
Na sequência, vale esclarecer que os dados da Tabela 1 foram analisados e extraídos das seguintes fontes, como elucida o Quadro 2:
Nomes das Revistas | Bibliotecas on-line | Datas de Acesso |
---|---|---|
BOLEMA | a) http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/bolema
b) http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_serial&pid=0103-636X&lng=pt&nrm=iso |
23 fev. 2019 |
GEPEM | http://www.ufrrj.br/SEER/index.php?journal=gepem&page=login&source=%2FSEER%2Findex.php%3Fjournal%3Dgepem | 24 fev. 2019 |
EMP | https://revistas.pucsp.br/emp | 24 fev. 2019 |
ZETETIKÉ | https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/zetetike/index | 23 fev. 2019 |
FONTE: Os autores (2019), com dados analisados e extraídos dos periódicos.
Para as análises das produções científicas obtidas nas bibliotecas on-line, utilizaram-se os seguintes critérios, apresentando-os e evidenciando-os:
Resultados e discussões
Com base na Tabela 1 e no Quadro 2, embora a pesquisa tenha sido delimitada pelo período de 2009 a 2018, pode-se afirmar que somente a partir de 2014 houve produções científicas publicadas sobre modelagem matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, como esclarece o Quadro 3. Assim, a preocupação com investigações nessa temática para tal segmento de ensino é recente e apresenta-se como uma nova abordagem metodológica para o ensino de Matemática:
Periódicos | Autores | Anos | Títulos |
---|---|---|---|
GEPEM | - Elizabeth Gomes Souza; - Ana Virginia de Almeida Luna; - Larissa Borges de Souza Lima. |
2014 | O papel do professor dos anos iniciais na produção dos discursos das crianças em atividades de modelagem matemática |
BOLEMA | - Helena Gil Guerreiro; - Maria de Lurdes Serrazina. |
2017 | A aprendizagem dos números racionais com compreensão envolvendo um Processo de Modelação Emergente |
ZETETIKÉ | - Luzinete de Oliveira Mendonça; - Celi Espasandin Lopes. |
2017 | Reflexões sobre a ação pedagógica no desenvolvimento da modelagem matemática |
FONTE: Os autores (2019), com dados analisados e extraídos dos periódicos.
Entre as produções científicas coletadas de 2009 a 2018, há o trabalho de Souza, Luna e Lima (2014), que objetivou “analisar como o professor exerce seu papel de orientador dos discursos a serem produzidos pelas crianças em uma atividade de modelagem matemática nos anos iniciais” (SOUZA; LUNA; LIMA, 2014, p. 34). A metodologia utilizada nessa investigação foi a produção discursiva dos estudantes e do docente investigados, tendo como suporte teórico para análise os estudos de Anna Sfard. A coleta de dados foi realizada por meio da observação, com gravação em áudio seguida de transcrição e análise. Assim, esse estudo analisou uma professora e vinte e dois estudantes do quarto ano do Ensino Fundamental. As autoras utilizaram Charmaz (2006) para realizar a análise do discurso dos relatos dos estudantes. A temática abordada para a atividade de modelagem matemática foi “água virtual” e a professora regente da turma analisada iniciou as atividades com a apresentação de um vídeo com a temática. Entre os discursos apresentados, seguem alguns no Quadro 4, no qual Profª significa professora e Cça significa os estudantes analisados:
[18] Profª: Depois do vídeo que assistimos, o que vocês imaginam agora ser água virtual? [19] Cça 2: Toda água que a gente consome. [20] Profª: Toda que a gente consome onde? O que é água virtual? [21] Cça4: É a água que a gente bebe, usa da torneira, que pode usar para lavar carro. [22] Profª: É só essa água? [23] Cça 6: Para fazer a placa do carro, muitas outras coisas, fazer alimento... [24] Profª: Serve para fazer o cimento das nossas casas ou da indústria? [25] Cça 5: Na indústria. [26] Profª: Como? [27] Cça 1: Usa para fazer produtos: borracha, cimento, vidro, tudo feito na indústria. |
FONTE: Souza, Luna e Lima (2014, p. 39).
As autoras, com a presença desses discursos, conseguiram compreender o entendimento de “água virtual” dos estudantes e ampliaram as reflexões deles. Em continuidade, a professora apresentou um texto sobre o que seria a “água virtual”. Apesar disso, na sequência, será evidenciado como se deu o segundo discurso, conforme apresentado no Quadro 5:
[63] Profª: Na leitura que a gente acabou de ler, diz que o Brasil exporta soja para outro país e que durante o ano gasta 45.000.000 de metros cúbicos de água. [64] Cça 2: Oh pró, o que é cúbico? [65] Profª: É a medida, por exemplo, da profundidade de uma piscina. [66] Cça 6: Na internet aqui, a pró viu que uma piscina - aquelas piscinas atléticas que Gustavo Borges nada, disse que tem 2.700 m3 de água. [67] Profª: Vamos fazer esse cálculo? Eu queria saber quantos 2.700 cabem em 45.000.000. [68] Cça 6: É de vezes ou de divisão? [69] Profª: Quantos 2.700 cabem em 45.000.000? Qual estratégia? [70]{Uma criança pega a calculadora e faz divisão. Deu 16.373}. 40 [71] Profª: Isso mesmo. Gente, olha o que a gente descobriu... para que o Brasil produza soja em 1 ano, quantas piscinas de água precisam para produzir? [72] Cça 7: 16. 373. [...] [77] Profª: Isso é pouco ou muito? [78] Cças: Muita. |
FONTE: Souza, Luna e Lima (2014, p. 39-40).
Com base no Quadro 5 foi possível perceber a quantidade de metros cúbicos que o Brasil gasta de água em determinada produção agrícola, no qual foi identificado o trabalho da docente, que instigou os conhecimentos dos estudantes sobre sistema de numeração decimal e unidade de medidas.
Nesse contexto, com o direcionamento sobre os metros cúbicos, a professora permitiu que os estudantes fizessem comparações com piscinas atléticas e compararam se a quantidade de água utilizada era grande ou pequena. Após isso, a professora solicitou que os alunos refletissem sobre os impactos desses gastos com relação à água utilizada nas três refeições diárias. Com esse questionamento a professora pôde instigar os estudantes a pensarem: “Cada um de vocês, cada família, comem 26 kg de carne em uma semana. Agora eu queria que vocês calculassem quantos litros de água virtual a família de vocês gasta por semana. 1 kg de carne = 13.000 litros. Então vamos estimar, depois eu volto para ver” (SOUZA; LUNA; LIMA, 2014, p. 41). Esse fato fez com que os estudantes começassem a pesquisar sobre quantos litros de água utilizavam sem saber para a produção dos alimentos e propõe a construção de gráficos para realizarem comparações numéricas. A partir dessas investigações, os sujeitos chegam ao ciclo de consumo e produção dos alimentos e conseguem, ao final, compreender do que se trata a “água virtual”.
Nessa década, ainda, entre os trabalhos científicos obtidos sobre modelagem matemática nos anos iniciais, será destacado o artigo de Guerreiro; Serrazina (2017, p. 182), que tem por “objetivo perceber como se pode construir uma aprendizagem com compreensão dos números racionais”. Assim, nesse texto, salienta-se: “Neste artigo, pretendemos compreender o papel que as representações assumem à medida que são usadas e transformadas como modelos de situações contextualizadas, por alunos do 1.º ciclo, e vão evoluindo para modelos de raciocínio” (GUERREIRO; SERRAZINA, 2017, p. 182), em que se envolveram estudantes de oito a dez anos de idade. Metodologicamente, fez-se o “uso da abordagem qualitativa de cunho interpretativo recorrendo à investigação baseada em design, apoiando-se na construção e na implementação de uma experiência de ensino na sala de aula” (GUERREIRO; SERRAZINA, 2017, p. 186), permitindo trabalhar com tarefas que tratem de problemas extraídos da realidade dos estudantes.
Entre as tarefas desenvolvidas, há aquela de porcentagem, como aclaram Guerreiro e Serrazina (2017) na definição do problema de modelagem e em sua resolução: a tarefa busca “relacionar a massa com a percentagem relativa à quantidade de ração no saco, numa interpretação da percentagem como um esquema de comparações, que remetem para a construção, numa etapa inicial, do significado de razão, apelando à intuição relativa à proporção” (GUERREIRO; SERRAZINA, 2017, p. 194). Desse modo, “a imagem dada apresenta uma representação icônica do saco de ração apoiada por duas retas numéricas, representando duas escalas, [...] em que o topo do saco representa o saco cheio, com 20 kg de ração, correspondendo essa indicação a 100%” (GUERREIRO; SERRAZINA, 2017, p. 194), conforme mostra a Figura 1:
Nessa tarefa, “a presença destas duas escalas permite estabelecer relações de comparação, fazendo variar a massa de ração de um saco em função da quantidade de ração que o saco leva, no sentido de induzir a construção de sentido no uso da reta numérica dupla” (GUERREIRO; SERRAZINA, 2017, p. 194). A modelagem matemática nos anos iniciais propicia investigar, problematizar e transformar os fenômenos reais e problemas do dia a dia em modelo matemático, em que se visa desenvolver a aprendizagem matemática. Nela, busca-se investigar e expressar parte da realidade por meio de uma relação matemática explorando as capacidades e os conhecimentos dos estudantes.
Assim, com base na Figura 1, “todos os grupos calculam os 50% como metade da massa de ração em quilogramas, como sugerido, sem dificuldade. Alguns grupos de alunos usam a representação icônica dada diretamente” (GUERREIRO; SERRAZINA, 2017, p. 194). Além do mais, “outros grupos convocam a imagem de apoio dada, mas reconstroem-na, modelando a situação para apoiar a construção de relações” (GUERREIRO; SERRAZINA, 2017, p. 194-195), destacando a “relação entre quantidades, suportada pelas duas retas, que o grupo usa para construir o seu raciocínio. Em cada alínea da tarefa, o grupo recorre à reconceptualização da unidade” (GUERREIRO; SERRAZINA, 2017, p. 195), conforme aclara a Figura 2:
A modelagem permite desenvolver modelos matemáticos por meio de símbolos, estruturas e relações matemáticas de acordo com as características de uma situação, fenômeno, ou por meio de dados extraídos da realidade, na qual se cria, explora e resolve problemas, explorando competências gerais dos sujeitos. Assim, a partir da Figura 2, “ainda num outro grupo, depois de calculada a percentagem correspondente a 50% e a 25%, os alunos optam por modelar a situação através de uma tabela de razão [...], que lhes permite interpretar também a relação em função do tempo” (GUERREIRO; SERRAZINA, 2017, p. 195), como esclarece a Figura 3:
Para Guerreiro e Serrazina (2017), os estudantes conseguiram interpretar constructos do número racional menos habituais nos anos iniciais, como a medida e a razão, segundo a necessidade de envolver vários constructos em um trabalho inicial com a percentagem, potencializando as vantagens das possíveis representações e analisando suas limitações.
Nessa época, convém mencionar o trabalho de Mendonça e Lopes (2017), que “buscou ampliar compreensões acerca da ação pedagógica em ambientes de aprendizagem na perspectiva de modelagem matemática” (MENDONÇA; LOPES, 2017, p. 305). Para tanto, “realizou-se uma pesquisa de natureza qualitativa. Tomaram-se, como objeto de análise, as ações e os diálogos realizados em um contexto específico de ensino e aprendizagem entre uma professora e seus alunos de uma turma de quinto ano de uma escola municipal” (MENDONÇA; LOPES, 2017, p. 305), envolvendo vinte estudantes e fazendo uso de estudo de caso, de procedimentos descritivos e de assunção da inferência subjetiva dos pesquisadores para o desenvolvimento de conceitos de estatística.
Mendonça e Lopes (2017) explicam que as atividades realizadas sobre estatística trataram de um gráfico de colunas verticais feitas com quadrados de papel colados na cartolina, e essas atividades pertenciam ao projeto “brincadeiras”. A partir disso, as autoras colocam um problema de modelagem: “O gráfico de colunas, construído com quadradinhos de papel (representando os votos dos alunos), apresenta as três brincadeiras mais votadas e a quantidade de votos” (MENDONÇA; LOPES, 2017, p. 315). “A partir da origem no eixo horizontal, há três colunas: paredão (2), rouba bandeira (8) e chute a gol (8). O eixo vertical não foi numerado” (MENDONÇA; LOPES, 2017, p. 315), como aclara a Figura 4:
Nesse desenvolvimento, um grupo apresentou um modelo matemático envolvendo dados coletados no quinto ano. “Tais resultados foram revelados por meio de um gráfico de colunas verticais feitas com quadrados de papel colados na cartolina, porém as colunas estavam inclinadas” originando “uma discussão em que a professora buscou levar os estudantes a perceberem a necessidade da perpendicularidade das colunas em relação ao eixo horizontal” (MENDONÇA; LOPES, 2017, p. 315). Para tanto, foram exploradas determinadas representações gráficas no quadro negro, como elucida o Quadro 6:
Na primeira situação de modelagem, é revelado o raciocínio de uma estudante ao tentar compreender e expressar a construção dos gráficos, enquanto que, na situação seguinte, a referida estudante afirma que as colunas dos gráficos não necessitam ser perpendiculares. Na terceira situação, a estudante esclarece os processos de contagem por meio de uso de linhas e de quadradinhos, sem se preocupar com o gráfico inclinado, ao passo que, na última situação de modelagem, ela conclui esticando, horizontalmente, as linhas das colunas elaboradas.
A modelagem matemática como estratégia permite potencializar o ensino e a aprendizagem de conceitos matemáticos com base nos processos de indagação, de cooperação e de interação entre o professor e os estudantes, possibilitando trabalhar em grupo, de uma forma dinâmica e com diferentes tipos de resoluções matemáticas para os problemas reais.
Para Mendonça e Lopes (2017), a modelagem matemática na sala de aula exige uma atitude reflexiva, comprometida, ativa e reflexiva do professor e exige diversos graus de intervenções, de modo a contribuir para o desenvolvimento de conceitos, atitudes e raciocínios, levando em conta a autonomia para a construção de conhecimentos pelos sujeitos.
A Modelagem Matemática como nova perspectiva para o ensino: algumas considerações
Ao longo do presente artigo, a questão proposta foi respondida e o objetivo foi atingido ao se apresentar um panorama de produções científicas relativas à modelagem matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental como nova perspectiva para o ensino de matemática referente ao período de 2009 a 2018, última década do século XXI, no Brasil, com base em quatro periódicos da área de Educação Matemática: BOLEMA, GEPEM, EMP e Zetetiké.
Neste fechamento do texto, algumas considerações essenciais se fazem necessárias, para que se possa esclarecer mais algumas implicações da análise sobre o potencial da metodologia de modelagem matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Nesse sentido, a modelagem matemática é vista como uma nova perspectiva para o ensino nos anos iniciais, pois trabalha com uma visão sociocrítica que permite que os estudantes sejam participantes do desenvolvimento de suas aprendizagens. Assim, os sujeitos desenvolvem uma capacidade criativa para a resolução dos problemas. Com isso, a modelagem matemática propicia educar criticamente por meio de investigações e de resoluções de problemas reais, utilizando, para isso, a matemática.
Portanto, o panorama realizado revelou que há produções científicas mínimas no assunto de modelagem matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental, indicando a necessidade de novos estudos ou pesquisas que tratem dessa temática nesse nível de ensino.