Introdução
“Vocês roubaram os meus sonhos e infância...Estamos no início de uma extinção em massa e a única coisa que vocês falam é sobre dinheiro e o conto de fadas de crescimento econômico eterno. Como se atrevem?”
Greta Thunberg (DISCURSO..., 2019).
O presente artigo é um ensaio teórico que trata da crise socioambiental, climática e sanitária contemporâneas, em âmbitos global e nacional, e reflete sobre as contribuições que a educação ambiental (EA) escolar pode oferecer para reverter ou mitigar as ameaças vivenciadas. Objetiva, assim, compreender os riscos socioambientais que ameaçam a civilização contemporânea e discutir os desafios e as possibilidades que se colocam para a educação ambiental escolar nesse contexto.
Justificam essa reflexão a conjunção de sinais preocupantes na relação entre as sociedades e o ambiente, nos contextos locais e globais, e os desafios que os cenários de crise colocam para a EA. Ou seja, diante de tais ameaças, qual a contribuição possível da EA?
As décadas recentes têm testemunhado a presença e a intensidade do uso de narrativas associadas às ideias de fim do mundo, de colapso, de catástrofe e de ruptura nos discursos e no imaginário social. Essas referências apocalípticas, ainda que não signifiquem uma finitude literal, indicam, certamente, o fim do mundo como conhecemos até o momento. E, embora esses relatos existam desde que o mundo é mundo, atualmente ganham nova verossimilhança e fundamentos de cientificidade (DIAMOND, 2005; VIVEIROS DE CASTRO; DANOWSKI, 2014; STENGERS, 2015; KRENAK, 2019; LATOUR, 2020).
Para realizar essa tarefa, o artigo dialoga com a literatura que discute a crise socioambiental contemporânea, com a Educação ambiental crítica, a Ecologia política, a justiça e os conflitos socioambientais (LIPIETZ, 2002; ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009; ROCKSTRÖM et al., 2009; LAYRARGUES; LIMA, 2014; IPCC, 2018; CARIDE; MEIRA CARTEA, 2020).
A pesquisa científica e a experiência cotidiana têm reunido evidências crescentes de que o atual modelo civilizatório, marcado pela expansão capitalista, pelo ideário neoliberal, por extremadas desigualdades sociais e por uma cultura individualista, competitiva e consumista, tem ameaçado a estabilidade ecossistêmica, a vida social e comprometido a expectativa futura da existência humana no planeta. Configuram esse cenário uma crise socioambiental sem precedentes, uma crise climática que foge do controle da gestão humana e, mais recentemente, uma crise sanitária global que até 18 de abril de 2021 já somou 3.013.217 de óbitos no mundo devido ao vírus da Covid-19 e desorganizou economias e sociedades, em especial aquelas mais vulneráveis socioeconomicamente (IPCC, 2018; CARIDE; MEIRA CARTEA, 2020; JOHNS HOPKINS, 2021).
Importa acrescer que a aceleração temporal das relações econômicas e sociais, impulsionada pelo desenvolvimento tecnológico, tem intensificado a escala e a velocidade dos impactos ambientais, ao exponenciar a exploração, o consumo e a degradação de recursos naturais (HARVEY, 2012; SANTOS; AZEVEDO, 2019).
No plano nacional, a conjunção do neoliberalismo com regimes autoritários e excludentes tem promovido o desmonte do Estado, das políticas públicas e sociais e agravado as condições de trabalho e renda da população, a educação pública, a conservação ambiental, o bem-estar social em sentido amplo e a qualidade da democracia (FEARNSIDE, 2019; SANTOS JUNIOR; DINIZ; SAULE JUNIOR, 2020).
Desde sua institucionalização nas últimas décadas do século XX, a educação ambiental escolar no Brasil convive com dificuldades de inserção na escola e no currículo, com a formação inadequada dos professores, com a carência de uma prática interdisciplinar e com uma pedagogia conservacionista que não responde às múltiplas dimensões das crises experimentadas. Apesar dessas adversidades, a educação ambiental escolar tem feito esforços e representa um potencial valioso para a formação de uma cidadania ativa, diante dos graves desafios socioambientais e climáticos. Nesse sentido, pode ser um agente estratégico de mudança social ante a inércia dos governos, dos organismos internacionais e das empresas, nas negociações e decisões, nacionais e internacionais, sobre a conservação ambiental e a emergência climática (GAUDIANO; MEIRA CARTEA, 2009; JACOBI et al., 2011; CARIDE; MEIRA CARTEA, 2020).
O artigo se estrutura em três seções além da introdução e das considerações finais. A primeira seção analisa os principais desafios socioambientais contemporâneos. A segunda trata do contexto sociopolítico e ambiental nacional e os efeitos dele sobre os problemas ecossistêmicos e sobre as políticas públicas de educação ambiental. A terceira seção discute os potenciais transformadores da educação ambiental escolar e os obstáculos que ainda retardam o desenvolvimento dela.
Os desafios socioambientais contemporâneos
A sociologia de riscos de Ulrich Beck (1992) se reedita nos dias atuais diante da convergência de crises, conflitos, ameaças e riscos ambientais, climáticos, sanitários, tecnológicos, econômicos, trabalhistas e sociais que resultam da própria modernização e do progresso e que escapam ao controle das instituições sociais (GUIVANT, 2016; BECK, 2018).
Para o autor, os riscos da modernidade avançada são novos porque produzidos socialmente e porque, em muitos casos, são transnacionais, imperceptíveis, indetermináveis em sua origem, imprevisíveis, incalculáveis da perspectiva dos danos que produz e, com frequência, irreversíveis. Paradoxalmente, são efeitos resultantes do triunfo da sociedade capitalista e não de falhas e fracassos dela. Para Rodrigues (1998, p. 135), “o esgotamento de recursos está se dando exatamente porque, em alguns lugares, o modelo de produção que parece infinito deu ‘certo’”. A reflexão sobre os riscos, portanto, é uma ferramenta analítica indispensável nos tempos atuais, marcados pela incerteza, pela complexidade crescente, pelo fascínio tecnológico e pela aceleração temporal.
Um conjunto de evidências e de pesquisas recentes convergem sobre a gravidade do contexto atual, dando conta de que o modelo de civilização capitalista, cada vez mais, ultrapassa os limites ecossistêmicos que Johan Rockström et al. (2009) denominaram “fronteiras planetárias”. Para os autores, essas fronteiras são definidas como os limites de operação segura para a vida humana na Terra, além dos quais incorremos em riscos de caráter irreversível. Partindo de um mapeamento de nove limites ecossistêmicos, dos quais sete são mensuráveis, concluíram que já ultrapassamos três deles: as emissões de carbono, as perdas em biodiversidade e os ciclos do nitrogênio e fósforo. Os outros indicadores são o uso de água potável, a acidificação dos oceanos, a redução do ozônio estratosférico, o desmatamento e o uso da terra, a poluição atmosférica e a concentração de aerossóis na atmosfera terrestre.
Essas evidências motivaram a hipótese Antropoceno, formulada por Crutzen (2002), para expressar a ideia de que a espécie humana se tornou uma força geológica de transformação sistêmica do planeta, pelos impactos produzidos nos séculos recentes, não apenas na biosfera, mas também nas litosferas, hidrosfera e atmosfera terrestres.
Jason Moore (2016) reconhece a relevância da hipótese Antropoceno, mas prefere denominá-la Capitaloceno, por discordar da atribuição genérica de responsabilidades envolvidas no termo que acaba ocultando as desigualdades sociais, econômicas e ambientais decorrentes do modo de produção capitalista.
O aprofundamento do neoliberalismo, desde os anos 1980, é outro elemento que agrava, sobremodo, a degradação ambiental e social, quando avança sobre os recursos ecossistêmicos; eleva a pegada ecológica humana na Terra (WACKERNAGEL; REES, 1996); reduz a ação do Estado e o poder dele de regulação socioeconômica, quando destrói direitos sociais e trabalhistas; agrava as desigualdades sociais, quando promove a cultura do individualismo e do consumo e difunde o ideário da meritocracia (HARVEY, 2008; MOORE, 2016; SANDEL, 2020). Nesse processo, sacrificam-se as éticas da confiança, da reciprocidade e da cooperação, cada vez mais escassas e relevantes na construção de uma sociabilidade democrática.
Ou seja, o ideário neoliberal se move e expande no plano objetivo, ao transformar natureza e trabalho humano em mercadorias consumíveis em ritmos cada vez mais acelerados pelo desenvolvimento tecnológico e, subjetivamente, ao criar imagens e identidades associadas ao consumo, ao alimentar o mito do crescimento infinito e ao transferir, para os indivíduos, a responsabilidade pelo sucesso e fracasso do bem-estar social, da empregabilidade e da sustentabilidade ambiental planetária deles. Esse processo resulta em uma cultura antropocêntrica, economicista, individualista, tecnicista, competitiva e consumista (BAUMAN, 2003). À medida que promove tais valores, a cultura neoliberal tende a abandonar valores e práticas como a solidariedade, a tolerância, a participação social, a cidadania e a defesa dos bens públicos.
No campo socioambiental, é cada vez mais presente a promoção de um discurso antiecológico ancorado no desejo ilimitado de “progresso” e na compreensão estreita de que a agenda ambiental e os mecanismos institucionais de gestão são obstáculos a superar em nome da expansão econômica (LAYRARGUES, 2018). O discurso antiecológico se manifesta nos poderes da República e nos lobbies dirigidos à desconstrução dos instrumentos de regulação ambiental, no negacionismo científico e climático, na impunidade aos grandes crimes ambientais, na invasão de terras indígenas e quilombolas e no ataque sistemático a lideranças e movimentos ambientalistas.
A pandemia na qual permanecemos envoltos revelou novos sinais da crise vivenciada e a centralidade do meio ambiente no diagnóstico de nosso tempo. A historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz (2020), em entrevista recente, sugeriu que a pandemia da Covid-19 deveria ser tratada como o marco do fim do século XX. A afirmação dela se justifica pela gravidade das consequências pandêmicas, pelas múltiplas implicações do fenômeno em nível global, pela perplexidade das autoridades e instituições e pelas incertezas generalizadas que instaurou na vida social.
As conexões da pandemia com os problemas ambientais são incontestes e reconhecidas por diversos estudos e analistas que apontam o caráter zoonótico do vírus, decorrente da aproximação crescente entre animais selvagens, animais domésticos e humanos. Essa aproximação, em última instância, resulta do modelo de crescimento predatório que se expande às custas do desmatamento, da destruição de hábitats e da biodiversidade. Nesse processo, atuam as atividades agropecuárias de grande extensão, a mineração, a extração madeireira, a urbanização e as grandes obras de infraestrutura, mas também o tráfico de animais silvestres, as migrações, as viagens e o comércio global, as mudanças na demografia e no clima, para referir os fatores mais evidentes (FAO, 2013; ZANELLA, 2016; CONTINI et al., 2020).
Importa considerar, nesse complexo de crises, a incidência da aceleração temporal como fator que intensifica a escala e a velocidade da atividade econômica, da extração de recursos naturais e, consequentemente, da degradação ambiental. As revoluções nos padrões tecnológicos se verificam em intervalos de tempo cada vez mais curtos e possibilitam eficiência e velocidade crescentes na exploração da natureza para atender aos imperativos de incremento de produtividade e lucratividade do capital. Assim, as inovações que surgem no interior do sistema produtivo se irradiam para o restante do sistema social, transformando tanto o mundo material quanto o mundo cultural e simbólico (VIRILIO, 1996; HARVEY, 2012; ROSA, 2013).
Nesse processo inovativo, ainda que se verifiquem ganhos relativos em ecoeficiência, que reduz o consumo de energia e recursos naturais, do ponto de vista absoluto, o metabolismo social se torna cada vez mais predatório devido ao crescimento incessante da população, do consumo e da descartabilidade resultante. Considere-se, ainda, que os ganhos em ecoeficiência são sempre acompanhados pelo aumento do consumo de bens e serviços que se tornaram mais baratos por ação da própria inovação. Assim, por exemplo, diante de uma lâmpada mais econômica, tendemos a usá-la mais que a anterior, neutralizando os ganhos obtidos pela própria ecoeficiência. Isso caracteriza o conhecido “Paradoxo de Jevons” (ABRAMOVAY, 2012).
O contexto exposto resume a gravidade da condição socioambiental global e a necessidade de empreender esforços para conter a degradação socioambiental e construir saídas coletivas e individuais para proteger a vida humana e não humana das ameaças civilizatórias.
Nas seções seguintes, a análise se detém sobre o contexto sociopolítico nacional e sobre os desafios e as potencialidades da educação ambiental escolar.
O contexto sociopolítico nacional e os efeitos sobre o ambiente e as políticas públicas de educação ambiental
O desmonte e o retrocesso dos direitos sociais, ambientais e das políticas públicas democráticas, desde o governo Temer até os dias atuais, reverberam em toda a sociedade brasileira. Os efeitos disso atuam como uma cadeia sequenciada de destruição de todo o sistema de proteção social que custou décadas para ser construído.
A histórica desigualdade social no Brasil persiste em decorrência de um modelo de desenvolvimento neoliberal que avança sobre os empregos, a renda, as leis trabalhistas e as políticas sociais compensatórias, enquanto cria privilégios ao capital privado (SANTOS JUNIOR; DINIZ; SAULE JUNIOR, 2020). Os relatórios periódicos da Oxfam sobre a desigualdade social no Brasil demonstram que o país segue sendo um dos mais desiguais do mundo (MAIA, 2017) e está muito longe de cumprir os direitos previstos na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988). Em resumo, os dados de 2017 mostram que: as seis maiores fortunas do país, juntas, detinham uma riqueza correspondente a 50% da população mais pobre; ainda existem cerca de 16 milhões de pessoas sobrevivendo abaixo da linha de pobreza e o país ostenta o 3º pior índice de Gini1 da América Latina e Caribe, só ficando à frente de Colômbia e de Honduras. Em uma avaliação de desenvolvimento humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), que analisa a situação de 140 países em todo o mundo, o Brasil aparece como o 10º país mais desigual (MAIA, 2017).
A onda conservadora em andamento no Brasil revela o recrudescimento da política neoliberal em curso e o aprofundamento desta com a eleição de Jair Messias Bolsonaro, em novembro de 2018, consolidando o desmonte da estrutura institucional, social e ambiental construída nas últimas quatro décadas (FEARNSIDE, 2019).
Nesse sentido, as agências de gestão e conservação da natureza, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o próprio Ministério do Meio Ambiente (MMA) estão em claro processo de desmonte e esvaziamento das funções de gestão, fiscalização e controle do meio ambiente brasileiro. A fragilização da gestão ambiental pública, por sua vez, agrava os conflitos e injustiças socioambientais, nomeadamente os que envolvem a terra e o uso de recursos naturais por povos indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos (MELLO-THERY, 2019; CARVALHO, 2020).
A retirada do Estado, nesse sentido, tem facilitado a apropriação dos recursos pelos setores do agronegócio, da mineração, do garimpo e da exploração madeireira. Esse avanço incontrolado sobre os recursos naturais resultou no Novo Código Florestal, aprovado em 2012; nos acidentes de Mariana, em 20152; Barcarena, em 2018; Brumadinho, em 2019; na liberação irresponsável do registro de mais de 500 novos agrotóxicos; no aumento descontrolado do desmatamento e nas queimadas que têm degradado gravemente os biomas Amazônia, Cerrado e Pantanal (MELLO-THERY, 2019; LASCHEFSKI, 2020).
O desmonte das políticas públicas e ambientais significou, também, o esvaziamento das políticas de educação e de educação ambiental.
O esforço participativo do setor público, dos legisladores, de setores organizados da sociedade civil e da comunidade de educadores permitiu instituir a inserção de capítulos importantes na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988); o Programa Nacional de Educação Ambiental (Pronea), em 1994 (BRASIL, 1994, 2005); a Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea), em 1999 (BRASIL, 1999); os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em 1997 (BRASIL, 1997); o órgão gestor do Pnea, formado pela Departamento de Educação Ambiental (DEA) do MMA e pela Coordenação-Geral de Educação Ambiental (CGEA)3 do Ministério da Educação (MEC), em 2002 (BRASIL, 2002); e as Diretrizes Curriculares de Educação Ambiental, em 2012 (BRASIL, 2012a, 2012b), fechando um ciclo do que parecia ser a consolidação da EA no Brasil. Passado o período de institucionalização e consolidação das políticas de EA, já em 2016, com o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, verificou-se o início do desmantelamento da agenda socioambiental construída na esfera federal, com repercussões nas esferas estaduais e municipais.
Do ponto de vista da educação ambiental, destaca-se um conjunto de iniciativas que, direta e indiretamente, produziram graves retrocessos para o setor, como é o caso da extinção do DEA do MMA e da CGEA do MEC. Junto com a destruição do lócus institucional da Pnea, desestrutura-se, também, toda uma rede de parcerias construídas a partir da interação do órgão gestor da Pnea com inúmeros coletivos e movimentos da sociedade civil. Com a extinção de sua base institucional, a EA também perdeu fontes orçamentárias que financiavam as políticas públicas do setor. Observe-se que os sinais de marginalização institucional da EA já eram visíveis no governo anterior, de Michel Temer, com a exclusão quase completa da EA na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada, em dezembro de 2017, para o ensino infantil e fundamental e, em dezembro de 2018, para o ensino médio (OLIVEIRA, 2019; SILVA; LOUREIRO, 2020).
Os desafios e potenciais da EA escolar
Carvalho e Muhle (2016) chamam a atenção para a perda do viés contracultural (ROSZAK, 1972; CARVALHO, 2004) da EA que marcou a identidade dela nos anos 1960/1970. O entusiasmo revolucionário do início parece ter se desvanecido na monotonia do receituário comportamental, apartado da esfera pública, onde se formulam as políticas e se afirmam os direitos sociais e a cidadania preceituados no texto constitucional.
Os diagnósticos e as análises sobre a EA escolar, ao longo das últimas décadas, convergem em torno de limites como a rigidez curricular; a precária formação dos professores; o exercício de uma interdisciplinaridade incipiente; uma prática pedagógica conteudista4 e pouco dialógica; uma abordagem biologicista e comportamentalista dos problemas ambientais; a escassa incorporação das dimensões políticas e éticas do fenômeno ambiental; a descontinuidade dos projetos escolares e a distância das comunidades do entorno, dos problemas locais e dos conflitos socioambientais (TRAJBER; MENDONÇA, 2007; MACHADO, 2008; TORRES, 2013; TOZONI-REIS; CAMPOS, 2014; VIEGAS; NEIMAN, 2015; COSENZA; MARTINS, 2018).
Há, por exemplo, limites epistemológicos históricos e culturais que demandam uma transformação mais lenta e gradual. A própria natureza cartesiana e dualista do conhecimento científico ocidental, a disciplinaridade e a monodimensionalidade decorrentes dessa matriz de conhecimento aparecem como obstáculos persistentes à ambientalização das escolas. Esses limites epistemológicos dificultam a integração entre os elementos constitutivos das experiências existencial e ambiental, como ocorre entre natureza e cultura, sociedade e ambiente, ciências humanas e naturais, razão e emoção, mente e corpo, masculino e feminino, objetividade e subjetividade, entre outras dicotomias. Essa desintegração cognitiva também produz juízos hierárquicos e políticos com conclusões antropocêntricas, eurocêntricas, de superioridade, poder e dominação, com evidentes prejuízos a uma compreensão complexa do ambiente e à inserção dele no espaço da escola.
As evidências têm demonstrado que a inserção da educação ambiental nas escolas depende de um conjunto de decisões pedagógicas e políticas que fogem ao controle dos professores e das próprias escolas. Não há, portanto, como compreender esse processo apenas responsabilizando as escolas e os professores por uma ambientalização deficiente, sem considerar a participação ou ausência das agências e políticas públicas setoriais. Sabe-se que no Brasil, a EA sofre dos mesmos problemas do campo educacional que são históricos e crônicos, a saber: a falta de prioridade política, as restrições orçamentárias, a desvalorização e precarização da docência, as escassas oportunidades de capacitação e de incentivos à pesquisa. Ou seja, as escolas e a educação ambiental se defrontam com carências de recursos humanos, pedagógicos, financeiros, científicos, infraestruturais e técnicos.
Diante de tais limites, como pensar a EA escolar frente aos graves desafios socioambientais experimentados na sociedade contemporânea? O que é possível fazer com os recursos disponíveis?
Necessário, em primeiro lugar, internalizar os problemas socioambientais que marcam nosso tempo e tratá-los na complexidade deles, considerando a historicidade, a gênese e as múltiplas dimensões constituintes dos mesmos. A crise climática, por exemplo, ainda é um tema marginal na agenda escolar que carece de atenção, como também o são os temas da desigualdade socioambiental, dos conflitos e da justiça ambiental, das perdas em biodiversidade, das populações tradicionais, da matriz energética e dos novos riscos epidemiológicos, que, em conjunto, são resultados da degradação promovida pela expansão da economia capitalista. Naturalmente, essa abordagem deve respeitar a idade e a capacidade psicopedagógica dos alunos de compreenderem os problemas e assimilá-los de uma maneira construtiva.
É inegável que, sem um espaço no currículo, a questão ambiental tem poucas chances de avançar satisfatoriamente nos ambientes escolares. O dilema entre a inserção curricular e a transversalidade da EA é um impasse histórico do campo que permanece vivo e, portanto, precisa ser repensado e rediscutido. As orientações da Pnea, dos PCNs e das Diretrizes Curriculares da EA afirmaram a inserção interdisciplinar e transversal da EA no currículo e na escola. Mas - como o currículo, a organização escolar, o conhecimento oficial e a formação dos professores obedecem a uma lógica disciplinar - restou à EA um lugar periférico, secundário e descontínuo na escola. Diante desse impasse, parece evidente, além da rediscussão da inserção curricular, a necessidade de esforços na formação continuada dos professores, na reorganização da gestão escolar, na reforma do currículo, na transposição didática, na carga horária de trabalho dos docentes e na interação entre os professores da comunidade interna à escola (OLIVEIRA, 2007; LAMOSA; LOUREIRO, 2011; TOZONI-REIS; CAMPOS, 2014; CARVALHO, 2020).
Os projetos, por outro lado, são instrumentos educativos poderosos que permitem articular a escola com a sociedade e com os problemas socioambientais contemporâneos. Eles possibilitam o exercício da pesquisa, da interdisciplinaridade e do pensamento crítico, a articulação entre a teoria e prática, o aprendizado pela experiência, a construção coletiva do conhecimento, o contato com a comunidade e com os problemas locais. Carecem, contudo, de continuidade, de tempo de planejamento, de apoio da gestão escolar, de integração entre professores de diferentes disciplinas e de recursos infraestruturais básicos. Importa, ainda, considerar as parcerias que a escola estabelece para a criação dos projetos e o modo como as parcerias funcionam. Naturalmente, parcerias são, em geral, bem-vindas, mas algumas delas representam problemas. É frequente, por exemplo, a ocorrência de projetos que já chegam prontos à escola, não envolvem a participação de professores e alunos e escolhem temáticas alheias à agenda educativa da escola. Alguns desses projetos são produtos de parcerias com empresas interessadas em divulgar bens e serviços ou em limpar a imagem ambiental delas comprometida pela própria lógica produtiva (MACHADO, 2008; LAMOSA; LOUREIRO, 2011). Existem, ao contrário, oportunidades de parcerias muito férteis com universidades, ONGs, associações e movimentos sociais e ambientais, comunidades tradicionais, órgãos governamentais envolvidos com temas socioambientais e comunidades do entorno. Todas elas propiciam aprendizagens relevantes através de encontros, visitas mútuas, cursos, palestras, dias de campo e alianças político-pedagógicas.
A questão do comportamentalismo continua muito viva na EA escolar e representa outro obstáculo importante ao avanço de uma EA emancipadora. Representa um obstáculo porque desloca os problemas ambientais públicos para a esfera privada; porque atribui toda a responsabilidade desses problemas aos indivíduos; porque, ao assim proceder, despolitiza o debate ambiental e desmobiliza a capacidade de ação ecopolítica dos professores e alunos envolvidos (LIMA, 2017; LAYRARGUES, 2020).
A educação, como é sabido, não tem vida própria. Ela é um subsistema da sociedade abrangente, condicionada pelos valores, pela racionalidade e pelas práticas sociais vigentes. Nesse contexto, ela tem a função primordial de transmissão da cultura e das tradições estabelecidas para a socialização das novas gerações. Mas ela tem, também e sobretudo, a função de renovar essa mesma cultura, quando a civilização e as práticas hegemônicas ameaçam a manutenção da vida em sentido amplo, incorrem em opressões e injustiças contra a população ou partes dela e comprometem a liberdade e dignidade dos seres humanos e não humanos. Esta parece ser a situação em que nos encontramos, quando as evidências científicas revelam os prenúncios do colapso do mundo e da sociedade como os conhecemos. Portanto, se a educação é produto desse mundo, ela deve ser provocada à resistência, à reconstrução e à transição para outra sociedade, capaz de proteger a vida, a solidariedade e a justiça socioambiental. Nesse sentido, a educação ambiental para o fim do mundo não tem o direito à passividade, ao adestramento e à reprodução social e pedagógica do status quo.
A necessidade de mudanças radicais em nossos padrões de produção e consumo, estilos de vida e valores culturais se constitui em um dos desafios mais complexos da educação ambiental. Para Charlot (2020, p. 13), “não é possível pensar numa educação ambiental que trate do futuro da espécie humana e do mundo se a escola continuar funcionando como um lugar de concorrência, de avaliação permanente, de ameaça de reprovação, sendo tudo isso mais importante que a formação”.
Andrade e Sorrentino (2013), por sua vez, argumentam que uma EA focada na resolução técnica de problemas se atém apenas à dimensão verificável da questão ambiental, sem avançar nas questões mais profundas e na relação de educadores e educandos com a esfera pública.
Assim, apesar de a lida com as questões ambientais objetivas (o lixo, a poluição, o desmatamento etc.) ser importante na construção de sociedades cujos modos de vida sejam mais sustentáveis do que atualmente, ela não é suficiente. Um mundo limpo e florestado não necessariamente significa um mundo mais justo e democrático. A capacidade dos educandos de reconhecer e recolher embalagens no pátio de uma escola não os habilita a refletir sobre questões ligadas ao consumismo, à saúde, ou mesmo sobre políticas de resíduos sólidos. Por fim, pessoas que sabem a cor certa do recipiente para colocar uma embalagem reciclável plástica não são, da mesma forma, mais críticas, participativas e conscientes das razões de seus afetos e da presença do seu “eu” no mundo. É preciso ir além. (ANDRADE; SORRENTINO, 2013, p. 95).
Não existe uma receita que dê conta da complexidade da EA no Brasil e no mundo no cenário atual. Entretanto, quando o que está em jogo é a necessidade de uma nova organização social em razão das crises elencadas anteriormente, não se trata de construir um “novo normal” nas mesmas condições de desigualdade socioambiental, de consumo e de relações interpessoais eivadas de ódio e violência. Existe um entrelaçamento entre o individual, o social e o ambiental, que não se resolve no âmbito meramente privado.
Como se vê, a EA escolar tem diversos desafios a responder e potencialidades a desenvolver. Ressalte-se, todavia, que a condição periférica que ela tem ocupado no sistema escolar não diminui a sua importância social, pedagógica, cultural e política e, sem ela, será muito mais difícil a construção de uma sociedade sustentável.
Considerações finais
Este artigo procurou refletir sobre o papel da EA em contextos escolarizados diante das crises socioambiental, climática e sanitária que têm marcado os séculos XX e XXI. Uma questão primordial, que persiste desde a década de 1970, em razão da emergência da questão ambiental no mundo, é a necessidade de adequar o sistema educacional, em suas prioridades temáticas e pedagógicas, aos desafios e às urgências da crise ambiental. Evidentemente que esse é um desafio de alta complexidade que não pode ser reduzido à indicação de modelos comportamentais ecologicamente corretos e a práticas de adestramento ou de normatização moral. Nesse contexto de crises plurais, a educação ambiental na escola deve eleger um novo repertório pedagógico que vá bem além disso.
A discussão realizada observou a importância de uma pedagogia da autonomia e de resistência, da internalização dos problemas locais e dos conflitos socioambientais, da formulação de metodologias participativas e do diálogo com a comunidade extraescolar, sem perder de vista a integração da comunidade escolar.
Como vimos, o que está em jogo é a sobrevivência da espécie e o cuidado com a vida em sentido amplo. Isso supõe um compromisso com o tempo presente e com as gerações futuras. Um dos lemas de diversos movimentos sociais contemporâneos tem sido “não há paz possível sem justiça social”. Nesse mote, podemos acrescentar a justiça ambiental.
Nesse sentido, os jovens ativistas do movimento “Sextas pelo Futuro”, encabeçado por Greta Thunberg, têm razão quando advertem que perderam sonhos e infância em nome de um projeto civilizatório mesquinho cujas prioridades são apenas dinheiro e crescimento econômico. Eles têm uma contribuição decisiva na construção de uma educação ambiental para o fim do mundo e de uma transição para uma civilização onde a vida seja mais importante que a economia.