Introdução
A educação de crianças e jovens adultos no mundo do século XXI deve se concentrar no desenvolvimento das habilidades necessárias para o sucesso acadêmico, profissional e pessoal. A criatividade e as habilidades socioemocionais demonstraram ser habilidades muito importantes, assumindo um papel importante nos currículos escolares em vários países (HECKMAN; STIXRUD; URSUA, 2006). Estas habilidades são consideradas essenciais para alcançar um funcionamento holístico saudável, levando ao pleno desenvolvimento e realização pessoal e profissional. Instituições importantes como o Banco Mundial e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) têm fomentado a promoção destas habilidades junto a governos e formuladores de políticas no âmbito internacional (CLERKIN, 2018), considerando que ambas as habilidades podem atuar como fatores que impulsionam o desenvolvimento saudável.
A criatividade é destacada como uma habilidade importante no século 21 (KUPERS et al., 2019). É percebida como uma vantagem para economias que desejam uma realização diferencial na vida profissional, social, acadêmica e pessoal. Neste sentido, o desenvolvimento da criatividade é um tema muito importante para educadores, formuladores de políticas e pesquisadores (KAUFMAN; LURIA; BEGHETTO, 2018; ZHU et al. 2019).
A criatividade é definida como a interação entre capacidade, processo e ambiente do indivíduo na criação de um produto que é percebido como novo e útil, dentro de um contexto social (PLUCKER; BEGHETTO, 2004). É um construto multidimensional resultante de uma interação entre habilidades cognitivas, aspectos emocionais, características de personalidade e elementos ambientais (WECHSLER, 2018). Portanto, pesquisadores destacaram este construto como uma característica positiva e relevante para o desenvolvimento humano e importante para a saúde mental (CHARYTON et al., 2009; OLIVEIRA; NAKANO; WECHSLER, 2016; WECHSLER; NAKANO, 2018). Consequentemente, o desenvolvimento da criatividade deve ser encorajado como uma capacidade essencial para enfrentar os problemas atuais e os desafios futuros (LASSIG, 2019; ZHAO; GERAIN, 2016).
A literatura destaca vários benefícios relacionados ao fomento da criatividade. Nas organizações, ela ajuda a prosperar em ambientes modernos, complexos e competitivos. Ela pode promover estados de ânimo positivos e facilitar o lidar com experiências negativas (YAHN; KAUFMAN, 2016). Para os governos, ela pode ajudar a aumentar a prosperidade e o desenvolvimento econômico através de descobertas nas artes, ciência, tecnologia. Também pode ajudar a melhorar o bem-estar de seus cidadãos (GRIGORENKO, 2019).
Características socioemocionais também estão associadas ao bem-estar, satisfação nas relações interpessoais, desenvolvimento positivo de crianças e adolescentes, como ajuste e adaptação ao meio ambiente, prevenção de problemas de aprendizagem e fracasso acadêmico, autorregulação emocional e interação social positiva (ATANNAZIO et al., 2020; CUI et al., 2018; LIPNEVICH; ROBERTS, 2012), controle de impulsos, motivação, persistência, cooperação com outros (LECHNER; ANGER; RAMMSTEDT, 2019), prevenção de problemas de aprendizagem e fracasso acadêmico, aumento da frequência e horas adicionais de estudo (DELANEY; HARMON; RYAN, 2013). A primeira infância tem sido destacada como um período sensível para o desenvolvimento das habilidades socioemocionais (LECHNER; ANGER; RAMMSTEDT, 2019).
Um grupo de estudiosos propôs a compreensão das características socioemocionais utilizando a taxonomia do modelo dos Cinco Grandes Fatores de Personalidade. Este modelo inclui cinco categorias amplas: abertura a novidades (habilidades associadas de curiosidade, imaginação, interesses amplos e busca por perguntas), amabilidade (tendência a agir cooperativamente, incluindo profundidade e proximidade nas relações interpessoais), conscienciosidade (tendência à organização, autodisciplina e persistência, responsabilidade; foco da tarefa na aprendizagem), extroversão (orientação dos interesses e engajamento voltado para o mundo exterior) e estabilidade emocional (capacidade de regular e não ser dominado por efeitos negativos, como tristeza, ansiedade e raiva) (ABRAHAMS et al., 2019; KRAUZ et al., 2015; PRIMI et al. , 2019; SANTOS; PRIMI, 2014).
Apesar da importância da criatividade e das habilidades socioemocionais, a relação entre elas no meio de jovens estudantes em ambientes escolares é estudada com menos frequência. Outro campo comum de pesquisa sobre criatividade tenta identificar a personalidade criativa do adulto, ou seja, se a personalidade dos adultos criativos reconhecidos difere de outros adultos da população em geral (MUSSEL et al., 2015). Os estudos também buscam analisar como cada um dos cinco fatores de personalidade se relaciona com a criatividade (CHÁVEZ-EAKLE; EAKLE; CRUZ-FUENTES, 2012; CHRISTENSEN; DREWSEN; MAALOE, 2014).
Estudos dos cinco grandes fatores de personalidade e criatividade em adultos mostram que a abertura a novidades está associada à criatividade (BATEY; CHAMORRO-PREMUZIC; FURNHAM, 2010; CHENG; KIM; HULL, 2010; CONNER; SILVIA, 2015; GEORGE; ZHOU, 2001; HOSEINIFAR et al., 2011; MA, 2009; PURYEAR; KETTLER; RINNI, 2017; SILVIA; MARTIN; NUSBAUM, 2009; SUN; CHOI, 2009; VON STUMM; CHUNG; FURNHAM, 2011; ZARE; FLINCHBAUGH, 2018). Estudos de emoções e criatividade em adultos mostram que um estado emocional geral positivo favoreceria a criatividade e que estados negativos (baixa regulação emocional) atuariam como um elemento inibidor (ZENASNI; LUBART, 2008).
O presente estudo tem como objetivo investigar a relação entre criatividade e habilidades socioemocionais em jovens estudantes. Visa avaliar o potencial de criatividade em dois domínios (em desenhos figurais e produções de metáforas verbais) para testar as associações de duas expressões diferentes de criatividade e seis habilidades socioemocionais especificamente voltadas para medir as características pessoais em jovens estudantes.
Métodos
Participantes
A amostra foi composta por 362 alunos do ensino fundamental que frequentavam o 3º (n = 168) e 5º (n = 194) ano do ensino fundamental, de 13 escolas públicas diferentes localizadas no estado de Pernambuco, Brasil. A idade dos participantes variava entre 8 e 15 anos (M = 10,3; DP = 1,33) e 180 deles eram do sexo feminino (cinco não responderam esta pergunta). A amostra foi selecionada por critérios de conveniência e os estudantes haviam participado de outra pesquisa, cujo banco de dados foi utilizado na presente pesquisa.
Instrumentos
Quanto à forma de medir os construtos, os pesquisadores optaram pelo uso de testes para avaliar os construtos-alvo. Assim, iniciou-se com a possibilidade de utilização de instrumentos que demonstraram qualidades psicométricas comprovadas para o propósito para o qual eles foram desenvolvidos. Os resultados visavam ajudar a compreender o potencial criativo e os traços de personalidade apresentados pela amostra.
A criatividade foi avaliada utilizando usando dois subtestes da Bateria de Avaliação das Altas Habilidades/Superdotação (NAKANO; PRIMI, 2015), focados em dois tipos: criatividade verbal e figural. As propriedades psicométricas globais destes testes já foram relatadas em estudos anteriores (NAKANO et al., 2015, 2020; Nakano et al., 2017; NAKANO et al., 2020b; NAKANO; PRIMI, 2020; NAKANO et al., 2016; NAKANO et al., 2015b; RIBEIRO; NAKANO; PRIMI, 2014).
Teste Completando Figura (TCF)
O TCF é uma tarefa de pensamento divergente que pede aos estudantes que completem dez estímulos com figuras incompletas. A criatividade é avaliada por onze características/indicadores criativos: Fluência, Flexibilidade, Elaboração, Originalidade, Expressão de Emoção, Fantasia, Movimento, Perspectiva Incomum, Perspectiva Interna, Uso do Contexto e Títulos Expressivos. Estes indicadores são pontuados e organizados em três fatores: Elaboração, Emocional e Cognitiva.
Teste de Criação de Metáforas (TCM)
O MTC é uma tarefa de pensamento divergente verbal que pede aos estudantes que completem frases para escrever uma metáfora tal como "O camelo é o _______ do deserto” (“motocicleta”, “barco”). Para cada frase, o MTC pede até quatro respostas e uma explicação da relação fornecida. O MTC avalia a criatividade verbal, sendo que os avaliadores devem pontuar a qualidade da metáfora de acordo com quatro pontuações: 0 (não é metáfora), 1 (uma metáfora simples), 2 (uma metáfora com associação remota) e 3 (uma metáfora com associação muito remota). Os avaliadores também pontuam a Flexibilidade, ao contar quantas categorias de resposta diferentes têm para a mesma frase (variando de 1 a 4).
Inventário SENNA v1.0
O SENNA (PRIMI et al., 2019) é um questionário de autorrelato composto de 92 enunciados sobre características socioemocionais pessoais organizadas em seis fatores/escalas: abertura (F5.Opns), amabilidade (F4.Agre), conscienciosidade (F1.Cons), extroversão (F2.Extr), estabilidade emocional (F3.Neur) e lócus externo de crenças de controle (F6.ELoc). Os estudantes são solicitados a responder de acordo com uma escala de similaridade consigo mesmo, de 1 (não tem nada a ver comigo) a 5 (tem tudo a ver comigo). As pontuações da escala são calculadas como valores médios dos itens da escala de 1 a 5. Todos eles têm pontuação na direção positiva (mais agradável, conscienciosidade, extroversão e mais estabilidade emocional) exceto a escala do lócus de controle que significa opiniões sobre o lócus de controle externo (“Você geralmente sente que quase não vale a pena se esforçar na escola porque a maioria das outras crianças são simplesmente mais espertas do que você?”) em vez de opiniões internas (“Na maioria das vezes, você sente que você pode mudar o que pode acontecer amanhã pelo que você faz hoje?”). Uma série de estudos já foi realizada visando investigar suas qualidades psicométricas (PANCORBO; LAROS, 2017; PRIMI et al., 2019c; PRIMI et al., 2016a; PRIMI et al., 2016b).
Procedimentos e análise dos dados
Inicialmente, a pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 48871215.5.0000.54781). A coleta de dados foi realizada em uma única sessão, com duração estimada de uma hora e quarenta minutos, coordenada por um psicólogo e outros pesquisadores treinados. Os participantes responderam os testes de criatividade (dada a necessidade de controlar o tempo de execução) e, em seguida responderam o instrumento socioemocional.
Os avaliadores pontuaram 11 indicadores do teste figural TCF. Em seguida, foram calculadas três pontuações de fatores. Doze avaliadores pontuaram as respostas do TCM. Cada resposta foi pontuada por pelo menos dois avaliadores. A pontuação final foi a média das pontuações de todas as produções. Os avaliadores eram estudantes graduados que foram previamente treinados nas rubricas de pontuação para estes dois testes. Veja estudos anteriores sobre as propriedades psicométricas do teste de MTC: David et al. (2014), Dias, Couto e Primi (2009), Primi et al. (2007). As pontuações do MTC foram a média dos escores para a qualidade e flexibilidade das metáforas. As pontuações SENNA foram calculadas como um endosso médio dos itens que compõem um determinado fator. Antes de calcular as pontuações, os itens com chave negativa eram invertidos.
Calculamos os coeficientes de correlação entre criatividade e características socioemocionais testando se os coeficientes eram significativamente diferentes de zero.
Resultados
A Tabela 1 mostra as estatísticas descritivas e as correlações para todas as variáveis. No TCF, o fator cognitivo (Fluência, Flexibilidade e Originalidade) teve uma pontuação mais alta em comparação com outros fatores. O fator emocional (Expressão de Emoção, Movimento e Título Expressivo) teve a menor média. Este resultado foi observado em pesquisas anteriores e foi interpretado como baixo desempenho criativo em termos de características emocionais, em comparação com outras características ((NAKANO; WECHSLER; PRIMI, 2012; RIBEIRO; NAKANO; PRIMI, 2014; WECHSLER, 2004a, 2004b). As pontuações no SENNA variam de 1 a 5 e todas ficaram em torno de 3,5, exceto o lócus de controle que ficou invertido e teve uma média menor (M = 2,9). Os resultados são apresentados na Tabela 1.
Variável | M | DP | 1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | 8 | 9 | 10 | 11 | 12 |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1. cft_elb | 10,0 | 8,0 | ||||||||||||
2. cft_emo | 0,74 | 1,4 | 0,41** | |||||||||||
3. cft_cog | 15,9 | 8,5 | 0,61** | 0,21** | ||||||||||
4. TCFtotal | 27,5 | 15,3 | 0,90** | 0,42** | 0,89** | |||||||||
5. mct_qual | 2,43 | 3,9 | 0,22** | 0,17* | 0,20* | 0,26** | ||||||||
6. mct_flex | 0,31 | 0,3 | 0,16* | 0,10 | 0,19* | 0,20** | 0,72** | |||||||
7. TCMtotal | 2,7 | 4,2 | 0,22** | 0,17* | 0,21** | 0,26** | 1,00** | 0,76** | ||||||
8. F1. Cons | 3,5 | 0,61 | 0,11 | 0,07 | 0,14* | 0,14* | 0,29** | 0,26** | 0,30** | |||||
9. F2. Extr | 3,2 | 0,50 | 0,00 | 0,11 | 0,15* | 0,09 | 0,13 | 0,09 | 0,13 | 0,38** | ||||
10. F3. Neur | 3,1 | 0,62 | -0,06 | 0,00 | -0,01 | -0,04 | 0,06 | 0,08 | 0,07 | 0,43** | 0,04 | |||
11. F4. Agre | 3,4 | 0,66 | 0,18** | 0,09 | 0,21** | 0,23** | 0,21* | 0,11 | 0,21* | 0,60** | 0,48** | 0,20** | ||
12. F5. Opns | 3,4 | 0,82 | 0,19** | 0,10 | 0,17* | 0,21** | 0,13 | 0,03 | 0,13 | 0,47** | 0,54** | 0,01 | 0,69** | |
13. F6. ELoc | 2,9 | 0,75 | 0,15* | 0,09 | 0,07 | 0,13* | -0,15 | -0,23* | -0,16 | -0,03 | 0,31** | -0,41** | 0,32** | 0,56** |
Legenda: TCF = Teste Completando Figura; TCM = Teste de Criação de Metáfora; Cons = Conscienciosidade; Extr = Extroversão; Neur = Estabilidade Emocional; Agre = Amabilidade; Opns = Abertura; ELoc = Lócus de Controle Externo; * p < 0,05. ** p < 0,01.
Nota: M e SD representam Média e Desvio Padrão, respectivamente.
FONTE: elaboração própria.
Parte sombreada da Tabela 1 mostra as correlações de Pearson para criatividade e habilidades socioemocionais. A criatividade figural total foi positivamente correlacionada com amabilidade, abertura, conscienciosidade e lócus de controle externo com pequena magnitude (0,13 a 0,23). Conscienciosidade e Extroversão também foram positivamente correlacionadas com o fator cognitivo. Amabilidade e Abertura apresentaram correlações positivas com fatores cognitivos e de elaboração. O lócus de controle apresentou correlações significativas apenas com o fator Elaboração, e o fator Neurotismo não estava relacionado a qualquer medida figural de criatividade.
A criatividade verbal total foi correlacionada positivamente com conscienciosidade e amabilidade, com magnitude pequena a moderada (0,21 a 0,30). A medida da qualidade da metáfora foi correlacionada positivamente com conscienciosidade e amabilidade e a flexibilidade foi associada positivamente com conscienciosidade e negativamente com o lócus externo de controle.
Discussão
Observamos que a criatividade estava positiva e significativamente relacionada às habilidades socioemocionais, a saber: amabilidade, conscienciosidade, abertura a novas experiências e lócus de controle. Também a criatividade figural está associada a todas estas habilidades e a criatividade verbal (produção de metáforas) foi fortemente associada à conscienciosidade
A amabilidade interpretada como uma tendência a agir cooperativamente, a ter empatia e profundidade e proximidade nas relações interpessoais (SANTOS; PRIMI, 2014) é elencada como uma característica da personalidade criativa. Uma série de pesquisas sobre o tema relatou resultados confirmando a relação entre criatividade e amabilidade (BATEY; FURNHAM, 2006; CHÁVEZ-EAKLE; EAKLE; CRUZ-FUENTES, 2012; CHRISTENSEN et al., 2014; HUGHES; FURNHAM; BATEY, 2013; HSU; HOA; FAN, 2011; SILVIA et al., 2011; VON STUM; CHUNG; FURNHAM, 2011). Ademais, os produtos criativos estão relacionados ao esforço coletivo de um povo e não são produzidos por indivíduos isolados. Podemos também mencionar que a amabilidade está relacionada ao desempenho escolar. Isto está provavelmente relacionado ao fato de que estudantes amáveis estejam dispostos a realizar as tarefas solicitadas pelos professores e pesquisadores.
Ter abertura a novas experiências está associada a curiosidade, imaginação, interesses amplos e riqueza de ideias, particularmente em situações novas. Os estudantes de mente aberta têm maiores chances de recuperar ideias e associações remotas, resultando em pensamento criativo (BATEY; CHAMORRO-PREMUZIC; FURNHAM, 2010). As pessoas criativas tendem a estar abertas ao mundo desconhecido, tanto fora como dentro, tendem a ser mais imaginativas, procuram estímulos externos, são espontâneas e desinibidas expressando ideias e emoções sem medo de errar, e acolhem novas informações mesmo quando são complexas (FEIST, 1998; WECHSLER, 2018). A abertura a novas experiências é o principal dos cinco grandes fatores de personalidade associado à criatividade (BATEY; CHAMORRO-PREMUZIC; FURNHAM, 2010; BATEY; FURNHAM, 2006; BATEY, FURNHAM; SAFFIULINA, 2010; CHANG et al., 2015; CHEN, 2016; CHENG; KIM; HULL, 2010; CONNER; SILVIA, 2015; DOLINGER; URBAN; JAMEZ, 2004; FEIST, 1998; HOSEINIFAR et al., 2011; HUGHES et al., 2013; IVCEVIC; MAYER 2007; KING; WALKER; BROYLES, 1996; LUBART, 2007; MA, 2009; MARTINSEN, 2011; MCCRAE, 1993; NELSON; RAWLINGS, 2010; PRABHU; SUTTON; SAUSER, 2008; PURYEAR et al., 2017; SILVIA et al., 2009, 2014; SUN; CHOI, 2009; TEHRAN; KHALEDI, 2014; VON STUMM et al., 2011; WOLFRADT; PRETZ, 2001; ZARE; FLINCHBAUGH, 2018).
A conscienciosidade descreve uma tendência a ser organizado, trabalhador, responsável, disciplinado, persistente e orientado a partir de metas organizadas (SANTOS; PRIMI, 2014). Tais habilidades são essenciais para o processo criativo de longo prazo, especialmente o desenvolvimento de produtos finais, pois geralmente são o resultado de muitas tentativas fracassadas, esforço e dedicação. Este fator é composto por habilidades relacionadas a autodisciplina, estabelecimento de metas e persistência (PURYERAR et al., 2017). Ivcevic e Nusbaum (2017) propõem duas habilidades relacionadas com a fase de implementação do processo criativo: (1) a pessoa "seleciona ideias promissoras e desenvolve ideias em produtos e serviços" (IVCEVIC; NUSBAUM, 2017, p. 346) descritas como: "(1) revisando e reestruturando o caminho da ideia criativa para um produto completo; e (2) sustentando e mantendo o esforço diante de obstáculos e desânimo" (IVCEVIC; NUSBAUM, 2017, p. 346). Estes são atributos claros do domínio da conscienciosidade no modelo dos cinco grandes fatores de personalidade.
A literatura mostra que a relação entre conscienciosidade e criatividade não é estável (REITER-PALMON; ILLIES; KOBE-CROSS, 2009). Às vezes, uma relação positiva é descrita (CHANG et al., 2015; CHEN, 2016; HOSEINIFAR et al., 2011; PURYEAR et al., 2017; SILVIA et al., 2014; XU et al., 2018; ZARE; FLINCHBAUGH, 2018), mas também uma ausência de relação (CHAMORRO-PREMUZIC, 2006; FURNHAM; BATCHIAR, 2008; GEORGE; ZHOU, 2001; KELLY, 2006; TEHRAN; KHALEDI, 2014) ou até uma correlação negativa (FURNHAM; ZHANG; CHAMORRO--PREMIZIC, 2006; ROBERT; CHEUNG, 2010; WOLFRADT; PRETZ, 2001). Uma possível explicação para a ausência ou uma relação negativa entre conscienciosidade e criatividade é que indivíduos com alta conscienciosidade têm dificuldade em quebrar regras e agir impulsivamente, uma característica típica do indivíduo criativo. Tais comportamentos podem diminuir as chances de não ser convencional e de encontrar ideias originais (BATEY; CHAMORRO-PREMUZIC; FURNHAM, 2010).
A ausência de correlação com a extroversão foi um resultado inesperado porque vários estudos mostraram que as pessoas mais extrovertidas são mais criativas (BATEY; CHAMORRO-PREMUZIC; FURNHAM, 2010; FURNHAM; BACHTIAR, 2008; NAKANO; CASTRO, 2013; GONÇALVES; SCHELINI; DEFFENDI, 2016; ZHANG; ZHOU; KWAN, 2017), devido ao fato de estarem mais confiantes em suas habilidades (CHIANG; HSU; SHIH, 2017). Uma das possíveis razões é que os domínios de criatividade que foram avaliados, metáfora e produção de desenhos, estavam mais próximos de uma tarefa acadêmica e não de uma expressão pessoal que estaria mais relacionada à extroversão.
Encontramos a associação mais esperada de habilidades socioemocionais e criatividade (figural e verbal) que tem sido demonstrada nos estudos com adultos. Entretanto, recomenda-se cautela na interpretação dos resultados considerando certas limitações apresentadas neste estudo, tais como o número de participantes, os instrumentos selecionados para medir cada um dos construtos e o fato de investigar um único estado brasileiro. É recomendada a realização de estudos adicionais, envolvendo outros instrumentos para avaliar as competências socioemocionais, bem como avaliar outros aspectos da criatividade, além de sua expressão verbal e figurativa. Observa-se que a revisão dos estudos tem apontado que a relação entre os construtos pode variar de acordo com o tipo de medida de criatividade utilizado.