Introdução1
A recontextualização das ciências mediante a contação de histórias iniciou com a pesquisa Questionner les sciences avec des albums de jeunesse. Ressources pour l’enseignement, colaborativa entre pesquisadores e professores da Educação Nacional Francesa. O projeto inspira-se nas reflexões propostas por Desgagné e Larouche (2010) sobre os questionamentos
que emergem da interação entre pesquisadores de universidades e os professores da Educação Nacional em relação ao exercício da prática pedagógica nas escolas, principalmente para o ensino de ciências por meio de histórias infantis, de gênero literário ficção-realista (BRUGUIÈRE et al., 2007; SOUDANI et al., 2015).
O grupo de pesquisa que desenvolveu esse projeto foi habilitado como Lugar de Educação Associado (LéA), por intermédio do Instituto Francês de Educação (IFÉ), desde 2012. Esse status concede o financiamento pela Direção Geral de Ensino Escolar (DGESCO). A partir desse momento, o grupo de pesquisa foi denominado de LéA Paul Emile Victor, associado ao nome de uma escola da rede pública de Lyon (FR), onde o grupo situava-se no momento da sua criação. O status do LéA Paul Emile Victor foi renovado em três editais a partir de seus projetos de pesquisa2, destacandose pela particularidade em ter desenvolvido uma colaboração em diferentes níveis3 e em desenvolver, de maneira recontextualizada, os conhecimentos e os recursos relacionados ao ensino de ciências, ancorados em histórias infantis de ficção-realista. O LéA Paul Emile Victor apresenta-se como um dispositivo fundamentado em ações conjuntas entre pesquisadores e professores, visando à socialização de conhecimentos e dos resultados das pesquisas, além de representar uma importante fonte para a formação de professores.
A aproximação inicial entre pesquisadores do Brasil e da França ocorreu por meio do projeto Questionner les sciences avec des albums de jeunesse. Ressources pour l’enseignement, que problematizou e discutiu sobre a educação científica no Ensino Fundamental em escolas públicas. Logo, evidenciamos a necessidade de pensar o ensino das ciências em abordagens interdisciplinares, inovadoras e dinâmicas mediante a contação de histórias, envolvendo pesquisadores, estudantes e professores de múltiplos espaços. Assim, para o contexto brasileiro, o Projeto Recontextualizar as Ciências e a Contação de Histórias Para os Processos de Ensino e de Aprendizagem da Educação Básica à Formação de Professores em Nível Internacional, contempla a participação de dois grupos de pesquisa Convivência e Tecnologia Digital na contemporaneidade COTEDIC UNILASALLE/ CNPq e Grupo de Estudos Relacionados Estudantes GERES/CNPq - bem como professores da Educação Básica de escolas públicas do Brasil.
Os dois projetos em tela baseiam-se na compreensão de que quanto mais cedo a escola oferecer um primeiro encontro com a educação científica, mais intenso será o desenvolvimento dos estudantes pelas ciências (ROCARD et al., 2007). Para tanto, considerando a leitura de histórias infantis como uma prática frequente e regular no ensino, identificamos o potencial dessa prática para o ensino de ciências para estudantes de 5 a 11 anos. Esta reflexão emerge de pesquisas que atribuem à narrativa uma função explicativa e contextual (BRUNER, 2002) às ciências por meio da função imaginativa e hipotética.
Nas práticas pedagógicas são exploradas as relações de proximidade e oposição entre ciências e literatura. Essa percepção constitui a corrente da “alfabetização científica” (MILLAR; OSBORNE, 1998), que considera a leitura e a escrita de textos condição necessária para a conceituação científica relacionada ao cotidiano; isto é, a construção de conceitos de diferentes áreas de conhecimento de forma contextualizada, assim como orientar os Programmes scolaires, na França, e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), no Brasil, propostos para a Educação Nacional e Educação Básica. Logo, nas ações investigativas são desenvolvidos objetivos interpretativos considerando a descompartimentação do ensino por intermédio da contação de histórias.
O desafio consistiu em desenvolver atividades de pesquisa envolvendo três grupos: LéA Paul Emile Victor, COTEDIC UNILASALLE/ CNPq e GERES/CNPq, para a construção de práticas pedagógicas de ciências por meio de obras da literatura infantil destinadas aos anos iniciais do Ensino Fundamental na França e no Brasil. Nas práticas pedagógicas construídas na interação entre pesquisadores e professores do Ensino Fundamental e exploradas em sala de aula, foram contempladas as dimensões de ler histórias de ficção e fazer ciência, de maneira articulada, para pensar a realidade.
O objetivo do presente estudo4 é refletir os aspectos mobilizados na ação de recontextualizar as ciências por intermédio da contação de histórias para a educação. A metodologia utilizada é de cunho exploratório e de natureza qualitativa, entendendo a necessidade de explorar a educação científica de maneira permeável ao literaturalizar os conhecimentos, bem como torná-la mais acessível aos estudantes da Educação Básica.
Os dois projetos de pesquisa: reCONtextualiser des ressources Sciences et Albums à l’échelle internationale: impact sur le Développement Professionnel des Enseignants du Primaire, coordenado por Profa. Dra. Catherine Bruguière, Université Claude Bernard-Lyon 1 e Recontextualizar as Ciências e a Contação de Histórias Para os Processos de Ensino e de Aprendizagem da Educação Básica à Formação de Professores em Nível Internacional, coordenado pela Profa. Dra. Luciana Backes, Universidade La Salle - Canoas, estão articulados com alguns aspectos em comum, tais como a relação entre contação de histórias e conhecimento, a iniciativa de construir práticas pedagógicas diferenciadas e trabalhos realizados no contexto da literaturalização das ciências, entre outros. Também foram identificados aspectos diferentes, como a organização do sistema educativo, a compreensão de ciência e a realidade econômica e cultural, entre outros.
Assim, na primeira seção contamos a história dos projetos de pesquisa e como eles convergiram para responder à problemática da continuidade das ações de recontextualização das ciências mediante a contação de histórias em plena emergência sanitária. Na segunda seção abordamos a relação entre a recontextualização das ciências por meio da contação de histórias para a educação. Na terceira seção, a partir dos movimentos de aproximação (aspectos comuns) e distanciamento (aspectos diferentes), demonstramos que as interações entre pesquisadores e professores, da França e do Brasil, possibilitaram a compreensão de que temos muito a aprender uns com os outros e que nessa aprendizagem a construção do conhecimento foi ampliada significativamente, principalmente no contexto pandêmico vivido.
Nas atividades realizadas pelos grupos LéA Paul Emile Victor, COTEDIC UNILASALLE/ CNPq e GERES/CNPq, evidenciamos a constituição de rede de conhecimento e a perspectiva do hibridismo na educação. A constituição da rede de conhecimento ocorreu por intermédio da heterogeneidade dos participantes, envolvendo pesquisadores, professores da Educação Básica e estudantes da Pós-Graduação Stricto Sensu, e das relações heterárquicas estabelecidas entre eles a partir da legitimação do outro como alguém com quem eu possa aprender, bem como da construção coletiva de práticas pedagógicas para a Educação Básica, de materiais didático-pedagógicos e da análise dos dados empíricos e de artigos científicos.
Além disso, a constituição da rede de conhecimento provocou a reflexão sobre o hibridismo no contexto educacional, que, conforme Moreira e Schlemmer (2020), apresenta uma polissemia de sentidos, ora utilizada como adjetivo para ensino, educação e/ou modalidade, ora explorada em diferentes contextos, como o tecnológico, o geográfico e/ou o metodológico, ou, ainda, tratada como sinônimo dos prefixos semi e múltiplo e dos vocábulos blendad (inglês) e remoto. Em alguns desses casos, a palavra hibridismo é empregada desconsiderando a sua origem bem como as ressignificações que foram incorporadas ao longo da história das ciências, construindo-se enquanto uma perspectiva para a educação.
Contando a história dos projetos de pesquisa
Os projetos de pesquisa intitulados reCONtextualiser des ressources Sciences et Albums à l’échelle internationale: impact sur le Développement Professionnel des Enseignants du Primaire, desenvolvido a partir do LéA Paul Emile Victor, e Recontextualizar as Ciências e a Contação de Histórias Para os Processos de Ensino e de Aprendizagem da Educação Básica à Formação de Professores em Nível Internacional, desenvolvido no contexto dos grupos de pesquisa COTEDIC UNILASALLE/CNPq e GERES/CNPq, estão articulados. Isto é, as reflexões oriundas de um projeto ampliam as ações e reflexões do outro e vice-versa.
Cada projeto é composto por coordenadora, pesquisadores, estudantes de Mestrado e Doutorado e professores da Educação Básica. A prática de pesquisa ocorre na criação e exploração de práticas pedagógicas em que se recontextualiza as ciências a partir da contação de histórias, por meio da produção teórica e prática dos dois países. As práticas pedagógicas são desenvolvidas em escolas da rede pública de ensino nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Assim, professores da Educação Básica e pesquisadores refletem juntos sobre a teoria e a prática pedagógica, explorando, em parceria, o campo empírico, a produção de dados oriundos das práticas pedagógicas nas escolas e a sistematização dos conhecimentos construídos nas pesquisas, tanto nas escolas quanto na universidade, com reuniões mensais presenciais físicas e/ou presenciais virtuais, bem como interações assíncronas. A articulação entre os projetos (França e Brasil) ocorreu, principalmente, entre as coordenadoras, que discutem as reflexões de cada grupo.
Na primeira etapa5 da cooperação os professores da Educação Básica brasileiros exploraram a prática pedagógica, desenvolvida anteriormente pelos professores da Educação Nacional e pesquisadores franceses, com a história Sete Camundongos Cegos, de Young (2011)6. Os professores da Educação Básica e pesquisadores brasileiros criaram suas práticas pedagógicas de recontextualizar as ciências a partir da contação de histórias.
Para a finalização dessa primeira etapa, foi realizado um Seminário Internacional entre os participantes de ambos os países para compartilhamento das práticas pedagógicas e dos dados analisados por videoconferência, com tradução simultânea. Além disso, nessa interação cada grupo apresentou o novo desafio para a segunda etapa: a criação de uma história infantil, em livro físico, pelos participantes franceses, e a criação de um gamebook, em formato digital, pelos participantes brasileiros. Atualmente essas duas obras encontram-se na fase de finalização (Figura 1).
Desde essa compreensão colaborativa no desenvolvimento dessas pesquisas, emergiu a questão: Como essa rede de pesquisa internacional constitui-se a partir de uma situação de crise extrema (Covid-19) para continuar suas ações na recontextualização das ciências e na contação de histórias?
Na terceira etapa da pesquisa (no período do confinamento) identificamos a necessidade de desenvolver práticas pedagógicas para o espaço digital virtual em congruência com a potencialidade tecnológica, evitando a simples transposição de atividades e materiais. Fundamentados nos conhecimentos propostos nos programas educacionais, os grupos de pesquisa construíram o material didático-pedagógico intitulado Aventuras de Pierre e Marie no Mundo Vivo.
O campo empírico das pesquisas está nas práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas da rede pública de ensino brasileira e francesa e nas reuniões dos três grupos de pesquisa realizadas nas universidades, com o intuito de potencializar a interação entre esses dois espaços e romper as fronteiras territoriais de diferentes países, constituindo uma rede de conhecimento.
Para tanto, a abordagem da análise dos dados é qualitativa, por meio das interpretações atribuídas às situações vividas e registradas nos diários dos professores-pesquisadores e nas atividades realizadas durante as práticas pedagógicas desenvolvidas na Educação Básica. Os dados empíricos são as observações e registros, ou seja, as representações dos participantes carregadas de significados. Assim, “O estudo qualitativo, [...], é o que se desenvolve numa situação natural, é rico em dados descritivos, tem um plano aberto e flexível e focaliza a realidade de forma complexa e contextualizada” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 18).
A análise qualitativa construiu-se na triangulação entre conhecimentos teóricos, dados produzidos nas ações da pesquisa e as interpretações dos pesquisadores em diálogo com estudantes e professores.
Contando histórias para recontextualizar as ciências
A educação configura-se como um espaço dinâmico; portanto observamos e vivenciamos diversas formas de compreender e desenvolver os processos de ensino e de aprendizagem em diferentes graus educativos. Se por um lado temos práticas educativas nas quais há produção e partilha de conhecimentos em congruência com o contexto social, por outro há práticas que reproduzem os conhecimentos curriculares por meio da transmissão e repetição, desconsiderando os conhecimentos prévios dos estudantes. A importância do desenvolvimento e exploração de práticas diferenciadas para potencializar o ensino e a aprendizagem, sempre esteve na agenda dos profissionais da educação. Obviamente que associadas a elas estão o contexto (espaço) e o tempo em que ocorrem, bem como a compreensão epistemológica que fundamenta a construção do conhecimento e os artefatos midiáticos e tecnológicos.
Na contemporaneidade observamos a relação complexa entre sociedade e tecnologias, conforme Castells (2003), quando as tecnologias são determinantes e determinadas, isto é, na apropriação das mesmas somos capazes de nos transformar, assim como de participar da criação de novas tecnologias. As tecnologias digitais que aproximam são as mesmas que excluem. Mesmo, no entanto, não mantendo acesso constante às tecnologias digitais e conexão à internet, os estudantes são conhecedores e usuários de diversos aparatos tecnológicos, os quais podem representar importantes artefatos7 para as práticas de sala de aula.
Os livros de histórias e o ato de contá-las são artefatos que comportam sentidos, emoções, vínculos diversos para cada criança, construídos nas interações vivenciadas. Em algumas situações, todavia, percebemos o distanciamento entre o que é proposto em aula e o que as crianças nela e dela esperam, relacionado ao seu cotidiano. Novas e velhas práticas, inseridas em espaços educacionais híbridos, podem ser associadas e articuladas, resultando em ressignificações aos processos de ensinar e aprender.
A contação de histórias é prática milenar e renova-se no cotidiano das crianças e da escola em meio às novas e velhas tecnologias, quer seja no momento de dormir, no planejamento do professor ou em distintas atividades desenvolvidas em bibliotecas. A exploração de diferentes tecnologias digitais associadas à arte da contação de histórias, mistura o novo ao velho numa sinergia entre o arcaico e o contemporâneo, segundo Maffesoli (2012); nesse sentido, torna-se prática inovadora e potencializadora da transformação no cotidiano da sala de aula. Esta relação de cumplicidade entre tecnologias e a contação de histórias acontece de maneira natural no cotidiano das crianças e de forma pedagógica na escola, dependendo do saber e do fazer do professor. “Aqui, o modo de trabalhar do professor é que vai determinar a qualidade de aprendizagem dos alunos” (FELICETTI, 2007, p. 54).
Para além das compreensões do professor, na contação de histórias configuramos um espaço por meio da áurea que se instaura nas relações dialógicas com os estudantes, contribuindo para a conectividade entre o saber comum (cotidiano dos estudantes) e o conhecimento científico (explorado nas histórias). Nessa conectividade, tanto o saber comum pode ser ampliado e reconstruído quanto o conhecimento científico pode ser contextualizado e difundido. Ambas as vias observadas, exploradas, são compreendidas e apreendidas em uma dinâmica que envolve uma prática milenar e, ao mesmo tempo, uma prática emergente, proporcionando o desenvolvimento do conhecimento e da ciência. Tal dinâmica, segundo Backes e Mantovani (2017), tem a articulação de dois elementos (livro e tecnologia) que não se sobrepõem, mas que se complementam, atribuindo sentido e significação ao híbrido.
A contação de histórias insere-se na área de conhecimento da literatura, capaz de despertar curiosidade e interesse, instigando a comunicação e a interação, bem como estabelecendo relações entre distintos componentes e conteúdos curriculares. Na contação de histórias configuramos espaços de aprendizagem para a contextualização de diversos campos da ciência. Enquanto atividade literária, ela representa cultura, arte, contextos e textos relacionados ao fazer e ser em sociedade; constrói e reconstrói a produção de conhecimento e a evolução das ciências. A contação é uma atividade que traz consigo o encantamento, a imaginação, a exploração e a criação, sendo propulsora de novos conhecimentos, quer sejam eles científicos, sociais ou pessoais. Logo, a contação de história não pode ser dissociada da ciência e da sua recontextualização. Sendo assim,
Definir contação de histórias ou contador de histórias é tentar concretizar o que é abstrato. É suficiente dizer que a contação de história está entre as formas mais antigas de comunicação. Ela existe em todas as culturas. Contação de história é comum a todos os seres humanos, em todos os lugares, em todos os tempos. Ela é usada para educar, inspirar, recordar eventos históricos, entreter, transmitir hábitos culturais8 (COLLINS; COOPER, 2005, p. 1).
A contação de histórias, com suas características, pode reencantar os estudantes em relação à construção do conhecimento, contribuindo para despertar o espírito investigativo e o desenvolvimento das ciências entre os mesmos. Assim, a recontextualização, enquanto intencionalidade da prática pedagógica, ocorre por intermédio de objetivos fundamentados teoricamente, centrados no processo de aprendizagem e em congruência com o cotidiano dos estudantes (FRISON; FELICETTI; BACKES, 2019).
A relação entre a recontextualização das ciências e a contação de histórias na educação pode ser evidenciada quando se percebe a ampliação da ciência em todos os aspectos por meio da narrativa, posto que as histórias ganham vida, tocam as emoções e participam da transformação das práticas pedagógicas nas diferentes áreas do conhecimento. Neste sentido, os professores exploram artefatos do cotidiano para ensinar, os estudantes desenvolvem o processo de aprendizagem a partir da imaginação e do conhecimento científico, os gestores evidenciam as prioridades educacionais e os pais percebem o crescimento educacional de seus filhos e observam o desenvolvimento do gosto pelo estudo, destacado em National Storytelling Association (U.S) e Dailey (1994).
A tecitura entre as ciências e a contação de histórias infantis possibilita aos estudantes uma forma acessível de entender e aprender conteúdos, rompendo, assim, possíveis bloqueios relacionados ao conhecimento científico apresentado como complexo e difícil (GUILLOUËT, 2010). Nesta direção, Dohme (2011) afirma que as histórias, além de terem a função de encantar, “desencadeiam processos mentais que levarão à formação de conceitos capazes de nortear o desenvolvimento em valores éticos e voltado para a formação da autoestima e a cooperação social.” (p. 7). Isto posto,
No sentido apontado, o processo de transformação do saber científico em saber escolar sofre influência de ordem social e cultural, que corretamente trabalhada pelo professor resulta na elaboração de saberes intermediários, aproximados, necessários e intelectualmente formadores. Surge, então, a contextualização do saber (FELICETTI, 2007, p. 54-55).
A influência social e cultural, apontada por Felicetti (2007) na contextualização do saber, pode ser visualizada nas atividades com histórias de ficção-realista, por exemplo. São essas histórias de ficção cuja intriga provavelmente apresenta certas condições didáticas para envolver a criança a repensar os fenômenos naturais, sociais e/ou culturais, porque são explorados elementos do mundo real, de maneira problemática, a partir da imaginação explorada na ficção. Além disso, essas histórias integram uma série de possibilidades na maneira de aprender, embora não tenham um objetivo didático no sentido de que não contêm nenhuma informação científica explícita (diferente dos documentários). As histórias de ficção-realista são, portanto, definidas pela maneira como recontextualizam, por meio dos elementos de ficção, o mundo real, e pela forma como agem em relação ao conhecimento científico do leitor.
A abordagem explorada nas pesquisas, bases deste estudo, propõe distinguir as histórias por “sua relação com o mundo real” e, portanto, convida a reconsiderar o status de ficção. Assim, rejeitamos a ideia de que a ficção consiste numa representação “fora de toda a realidade”, enraizada no imaginário único de seu autor. Eco (1979) sublinha que, em muitos aspectos, os mundos ficcionais relacionam-se às leis do mundo real, apesar de si e apesar das aparências.
A partir do que nos apresentam, até o momento, a National Storytelling Association (U.S.) e Dailey (1994), Guillouët (2010), Dohme (2011), Felicetti (2007) e Backes, Chitolina e Sciascia (2019), inferimos que a contação de histórias e a recontextualização das ciências contribuem na prática pedagógica, pois esta tecitura permite que os conteúdos de diferentes componentes curriculares possam ser apresentados de forma contextualizada, próximos da realidade e da sua aplicabilidade, utilizando distintas tecnologias e consolidando a aprendizagem, construindo o conhecimento e estabelecendo, assim, a ampliação na/da/pela ciência em perspectivas híbridas para o ensino e a aprendizagem.
Só contando histórias? Não! Ressignificando práticas pedagógicas
Nas pesquisas desenvolvidas nos grupos LéA Paul Emile Victor, COTEDIC UNILASALLE/CNPq E GERES/CNPq, sistematizamos as possíveis modalidades de articulação entre a educação científica e as histórias de ficção-realista em duas compreensões epistemológicas principais. A primeira considera a ficção parte da investigação científica, hipótese apresentada por Jacob (1970) a respeito do processo de desenvolvimento científico. Isso porque consideramos os mundos construídos pela ficção como mundos possíveis, quer dizer, como variações do mundo real e não mundos fantasiosos, longe de toda a realidade. De acordo com os epistemólogos, como Eco (1979), Lewis (1986) e Hintikka (1989), podemos atribuir à ficção uma forte função epistêmica e epistemológica, pois no mundo imaginário o “possível” exercita a construção de hipóteses para os conhecimentos.
A segunda compreensão atribui ao enredo da história um possível embate no processo de problematização, perturbação e/ou desequilíbrio, isto é, um processo necessário para a construção do conhecimento científico (ORANGE, 2006). Conforme Bachelard (1996, p. 18),
Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. E, digam o que disserem, na vida científica os problemas não se formulam de modo espontâneo. É justamente esse sentido do problema que caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o espírito científico, todo conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito. Tudo é construído.
Com base nessas duas compreensões epistemológicas (hipóteses contextualizadas e problematização), são identificadas as características das histórias de ficção-realista escolhidas para o desenvolvimento das atividades, permitindo uma articulação significativa com o conceito de aprendizagem científica. Nas histórias escolhidas são estudadas a natureza desse aprendizado, estabelecendo os seguintes princípios de pesquisa:
» por um lado, a necessidade de suspender a questão do verdadeiro e do falso para o possível, o impossível e o necessário. Ou seja, situar-se em uma epistemologia do conhecimento científico não normativo, mas descritivo e crítico;
» e, por outro, a necessidade de preservar a integridade narrativa ficcional das histórias estudadas e de explorá-las como um artefato didático nas aulas de ciências.
O desafio didático, explorado nos três grupos de pesquisa aqui já mencionados, consiste em pensar em uma cultura para o ensino das ciências que tece as relações entre ciência e literatura por meio do mesmo artefato - a história de ficção-realista - para intensificar a aprendizagem dos estudantes. Para tanto, conforme apontado anteriormente, destaca-se a relevância do desenvolvimento de um trabalho colaborativo baseado no desejo compartilhado por outros professores e pesquisadores nas ciências da educação, a fim de integrar ao objeto de pesquisa as competências específicas desenvolvidas pelos profissionais (DESGAGNÉ; LAROUCHE, 2010). Destaca-se, ainda, a necessidade de pensar em pesquisas com e para professores, com vistas a re-problematizar suas práticas (LEBEAUME; MARTINAND; REUTER, 2007) assim como as próprias práticas dos pesquisadores.
Esse modo de pesquisa, em estreita colaboração entre pesquisadores, estudantes e professores da Educação Básica, contribui para questionar e refletir sobre as diversas compreensões e ampliar as percepções sobre as formas de ação, tanto de pesquisadores quanto de professores, para responder às suas próprias perguntas (que não são somente as da pesquisa), mas também a maneira de articular uma lógica de ação (prática de sala de aula) e uma lógica de experimentação (questionamento problemático, análise de dados, sistematização de conceitos). Esse compartilhar entre pesquisadores e professores configura uma outra dimensão que nos remete a uma temporalidade diferente, mais crítica em relação à ação profissional analisada.
As parcerias entre professores e pesquisadores, estabelecidas no grupo LéA Paul Emile Victor e ampliadas nos grupos de pesquisa COTEDIC UNILASALLE/CNPq e GERES/CNPq, são estabelecidas a partir do envolvimento de todos, seja na escolha e análise da história, no desenvolvimento e execução de situações didáticas, na produção e análise de dados ou na sistematização e socialização das publicações científicas. Os pesquisadores, estudantes e professores são legitimados no reconhecimento e no engajamento de seus questionamentos em cada etapa da pesquisa, e as regras éticas sobre o funcionamento dos grupos foram desenvolvidas entre eles, destacando-se a confidencialidade, o armazenamento dos dados e a possibilidade de afastamento da pesquisa. A didática dessa colaboração entre pesquisadores, estudantes e professores reside na co-construção de condições pedagógicas relevantes para possibilitar o aprendizado científico com histórias de ficção-realista.
Nesse sentido, ressignificar a prática pedagógica passa pela transformação nas compreensões sobre o ensinar e o aprender de pesquisadores, estudantes e professores, fazendo emergir a rede de conhecimentos e a perspectiva híbrida na educação. Para Maturana (1999, p. 51),
As culturas são redes fechadas de conversas, isto é, redes fechadas de coordenações recursivas de ações e emoções. No entanto, é a configuração da emocionalidade que ocorre na rede fechada de conversas que constitui a cultura, o que lhe dá propriamente seu caráter, não os comportamentos particulares de seus membros9.
A constituição da rede de conhecimento, a partir dos projetos de pesquisas desenvolvidos nos diferentes grupos, representou um desafio tanto pela distância geográfica dos dois países (França e Brasil) quanto pela diferença da língua francesa e portuguesa. Assim, a constituição dessa rede necessariamente atravessou a perspectiva do hibridismo, quando foi possível evidenciar aproximações e distanciamentos culturais e pedagógicos referenciados em Backes, Chitolina e Sciascia (2019).
A constituição da rede ocorreu em encontros mensais entre cada grupo de pesquisa e do seminário internacional, contando com a participação de todos por meio de diversas tecnologias digitais para a comunicação e o compartilhamento, conforme mostra a Figura 2.
Na configuração do espaço híbrido, tensionada pela distância geográfica entre os dois países e a diferença de línguas, a interação nas reuniões e no seminário internacional contempla a preparação de materiais e a apresentação com tradução simultânea, a exploração de diferentes tecnologias digitais para o compartilhamento e a participação ativa de todos nas discussões. Também destacamos a perspectiva do hibridismo nas modalidades dos encontros, ora presenciais, ora on-line, e/ou as duas modalidades no mesmo encontro. O hibridismo leva-nos a pensar para além da coexistência de distintos elementos, pois trata do entrelaçamento bem como amplia o domínio da ação, pois “a cada evento, a forma se recria” (SANTOS, 2006, p. 66). Na recriação nos reinventamos e nos transformamos, assim como ampliamos “as compreensões, as formas de ações e a criação de novas possibilidades para o cotidiano” (BACKES; CHITOLINA; BARCHINSKI, 2018, p. 3) em vários domínios, entre eles a educação.
Nos encontros foram propostas participações dos grupos de pesquisa COTEDIC UNILASALLE/CNPq e Anonimato na construção do livro infantil, elaborado pelo grupo LéA Paul Emile Victor, que ocorreu de forma cooperativa, conforme expõe a Figura 3.
A interação efetivou-se pela perturbação sobre a representação do Tatu, personagem da história construída pelo grupo LéA Paul Emile Victor. Na cooperação foram compartilhadas as diferentes percepções e compreensões de cada grupo por meio de histórias vivenciadas sobre o conhecimento em questão (Tatu). A proposição da história infantil em livro físico contempla dois personagens: o Tatu (animal que vive no Brasil) e a Marmota (animal que vive na França), que se encontram para discutir sobre crenças e conhecimentos.
Os grupos COTEDIC UNILASALLE/CNPq e GERES/CNPq compartilharam sua perturbação sobre a Marmota, animal desconhecido no ecossistema brasileiro. Logo, todos os participantes apresentaram uma conectividade não só por intermédio do chat do skype, mas também em relação aos conhecimentos, propondo imagens e trazendo o contexto cultural brasileiro para aproximar ao francês e vice-versa. Nesse momento percebemos a mistura e articulação entre as duas realidades, distanciando-se da comparação ou da diferenciação, seja por meio das línguas (francês e português) ou pelas linguagens (símbolos, signos, textos). Nessa interação o grupo constrói hipóteses sobre os conhecimentos, discute novas proposições para a história e a reescreve, tal como é proposto pelos professores nas práticas pedagógicas aos seus estudantes.
Essa construção coletiva ocorreu igualmente no gamebook. Na Figura 4 visualizamos a proposição inicial de cidades francesas e brasileiras pelo grupo Game na Educação11 que, na interação entre os participantes (pesquisadores, professores e estudantes), foram mantidas algumas e propostas outras. Essa interação contemplou: aspectos geográficos: características do espaço da cidade, a importância de cada cidade no país e economia; aspectos culturais: culinária, formas de convivência, música e pontos turísticos; aspectos históricos: memórias, narrativas do passado e marcas de fatos ocorridos; aspectos científicos: ecossistema, animais, plantas, medicamentos e pesquisas; aspectos pedagógicos: habilidades a serem desenvolvidas. Esses aspectos foram tratados de maneira interdisciplinar, desencadeando a reconstrução do Gamebook, conforme visualizamos na Figura 4.
Destacamos, nessa situação, dois aspectos relevantes: a ampliação da rede de conhecimento na inserção de um novo grupo (Game na Educação), mesmo que de maneira pontual, na ação conjunta; e a abertura da recontextualização das ciências e a contação na ação profissional de pesquisadores, estudantes e professores da Educação Básica.
Quando nos envolvemos com a contação de histórias nas nossas ações, nos tornamos protagonistas (ROSSONI; FELICETTI, 2014), não somente por ler a história, mas por experienciá-la, vivê-la, sentir o gosto pela leitura e seu valor, tornando-nos leitores que contribuem para a formação de outros leitores e, consequentemente, para o desenvolvimento das ciências. Assim, o professor, protagonista na sala de aula, é aquele que constrói a sua ação de maneira criativa, inventa soluções e provoca para a (re)significação da realidade. Nessa ação, inspira seus estudantes a serem curiosos, autores de suas produções, se interessarem pelas histórias e os contextos nos quais elas são desenvolvidas, assumindo o protagonismo de suas aprendizagens. A contação de histórias proporciona aos professores e alunos, respectivamente, “[...] o ensino e a aprendizagem de conteúdos historicamente construídos como também a produção de novos conhecimentos” (ROSSONI; FELICETTI, 2014, p. 69).
Assim, para os educadores, pesquisadores, agentes da aprendizagem e
[...] professores comprometidos com a qualidade educativa, profissionais criativos, instigantes, perspicazes, seria indispensável o conhecimento sobre as possíveis formas de se trabalhar com a contação de histórias em todos os níveis escolares, em todas as disciplinas curriculares, enfim dentro do contexto educativo (ROSSONI; FELICETTI, 2014, p. 70).
Ao pensarmos nas possíveis formas de se trabalhar recontextualizando as ciências por meio da contação de histórias, como já mencionado, potencializamos a emergência da perspectiva híbrida. O hibridismo, para a educação, implica considerar os espaços, as tecnologias, as linguagens e as modalidades, no entanto houve destaque no que se refere ao espaço tecnológico devido à realidade imposta pela Covid-19.
Essa realidade, que por um lado limitou espaços físicos presenciais, por outro ampliou os espaços digitais virtuais12 para a aprendizagem, provocando a ressignificação dos processos de ensinar e de aprender a partir de práticas pedagógicas mais congruentes com as tecnologias, acionando a rede de conhecimento. Evidenciamos o entrelaçamento entre o arcaico e o contemporâneo na adaptação do ensino para a aprendizagem e o desafio da ação conjunta entre pesquisadores e professores que constroem, reconstroem e articulam conhecimentos. Assim, nos encontramos para reinventar a educação em tempos de pandemia dando seguimento às pesquisas.
A França, no dia 17 de março de 2020, decretou o confinamento nacional, autorizando somente o funcionamento dos serviços essenciais. O Brasil, nesta data, também iniciou o estabelecimento de regras de distanciamento social. Ambos os países, a partir de suas condições sanitárias e de vulnerabilidades, encerram, até o final de março de 2020, as atividades acadêmicas e escolares na modalidade presencial. As atividades da pesquisa, mesmo que já desenvolvidas na articulação entre a modalidade presencial e on-line, sofreram alterações devido às novas formas de desenvolver as atividades profissionais dos pesquisadores e professores de Educação Básica, que alteram a natureza de suas aulas.
Justamente, no entanto, por essa necessidade de alterar a natureza das aulas, o espaço de interação é reconfigurado para que todos possam superar os novos desafios juntos. A rede de conhecimento foi constituída nos encontros para o desenvolvimento e a criação de práticas pedagógicas on-line para a recontextualização das ciências e a contação de histórias proposta no curso Travail Dirigé 1: Sciences, destinado à formação de professores na França. Os participantes reuniram-se para evidenciar possibilidades de desenvolver esses conhecimentos e explorá-los em práticas pedagógicas congruentes com as tecnologias, a necessidade de produzir atividades on-line e os estudantes dos anos iniciais do Ensino Fundamental, conforme a Figura 5.
Os grupos COTEDIC UNILASALLE/CNPq e GERES/CNPq, articulando os conhecimentos construídos no grupo LéA Paul Emile Victor, criaram e desenvolveram um conjunto de atividades em que se recontextualiza as ciências e a contação de histórias, inspirados no conto de fadas João e Maria dos Irmãos Grimm. Essa narrativa é apresentada em um executável construído no Programa Power Point, como mostra a Figura 6.
O conjunto de atividades sob o título Aventuras de Pierre e Marie no Mundo Vivo, com base nas reflexões realizadas nos grupos de pesquisa, considerou:
Dimensão cognitiva - mundo vivo/ frutos, classificação, correspondência termo a termo, alfabetização, cartografia e estações do ano;
Dimensão pedagógicas - atividades a partir de história, contextualização dos conhecimentos, problematização, hibridismo das linguagens, feedback reflexivo bilíngue e aspectos culturais da França e do Brasil;
Questões tecnológicas - elementos de gamificação, hibridismo tecnológico (objetos materiais, analógicos e digitais), imagens com baixa resolução, utilização sem acesso à internet, leitura por meio de diferentes tecnologias digitais (TDs) e tecnologias móveis sem fio (TMSF) e interface amigável.
Essas considerações foram construídas levando em conta a aplicabilidade desse material destinado à formação de professores nos anos iniciais do Ensino Fundamental e a realidade das escolas públicas francesas e brasileiras, que necessitam de legitimação do espaço familiar no espaço escolar (envolvendo questões de analfabetismo, baixa escolaridade e/ou imigração), precisam dar continuidade ao processo cognitivo, apresentam dificuldade de acesso à conexão internet e às TDs e refletem particularidades socioeconômicas e culturais acentuadas na crise sanitária. Os pesquisadores, estudantes e professores identificaram como próximo desafio a exploração do material didático-pedagógico Aventuras de Pierre e Marie no Mundo Vivo para estudantes com deficiências.
Considerações finais
Nesse cenário educativo, afetado pela crise sanitária da Covid-19, identificamos a importância de mobilizarmos os aspectos ontológicos, epistemológicos e metodológicos na ressignificação das práticas pedagógicas não só em aulas remotas ou a distância, pois os aspectos mobilizados possibilitam a ressignificação a partir de interações complexas, envolvendo pesquisadores, professores da Educação Básica e estudantes, a fim de propor uma educação para a aprendizagem que se desenvolve em um contexto de respeito mútuo e amplamente tecnologizado, assim como híbrido. Logo, estamos tratando de configuração de uma rede.
Ao constituir a rede de conhecimentos entre os participantes, estamos considerando a cultura como coordenação recursiva. A associação entre diferentes grupos que se entrecruzam continuamente por meio das emoções, da dinâmica relacional e do respeito mútuo no conviver cotidiano, é determinante e determinada ao bom desenvolvimento da rede, do ensinar e do aprender. Implica, portanto, pensar-se de maneira sistêmica entre o ensinar e o aprender como processos que estão em interação, inseridos num contexto e desenvolvidos para esse mesmo contexto; compreender a interdisciplinaridade a partir das particularidades entre as disciplinas; contemplar as diferentes percepções de todos os envolvidos; e legitimar o outro na construção coletiva do conhecimento.
A educação de massa e a transmissão de conhecimentos cada vez mais se distanciam da contemporaneidade. Logo, a ressignificação de educação ocorre na hibridização entre objeto (conhecimento) e sujeito (ser humano), espaço geográfico e espaço digital virtual, conhecimento do senso comum e conhecimento científico, recursos analógicos e recursos digitais, escola (conhecimento) e sociedade (cotidiano), emoção e razão, constituindo rede de conhecimentos por intermédio de linguagens, de modalidades e de culturas.
Ao aceitar o convite para a reflexão em um espaço tão diverso e dinâmico, estamos aceitando, também, o convite para criar. Criar não somente novidades, mas inovações em relação a tudo o que já foi criado, atribuindo outros significados, identificando distintas funcionalidades, desenvolvendo novos processos. Para Hugon (2011), esta é a grande questão da inovação inverter a forma de compreender a realidade. Um novo objeto técnico, simplesmente, não tem nenhum valor antes que a massa crítica de usuários não o tenha explorado, a fim de legitimar o objeto no grupo que explora. Para isso, é preciso refletir sobre a realidade, desconstruí-la por meio de perturbações instauradas na pluralidade e, então, reconstruí-la na ação conjunta do grupo.
Assim, a rede de conhecimento constituiu-se quando cada participante atribuiu significado ao seu fazer (em relação a si) e ao fazer do outro (em relação ao grupo). Então, podemos pensar no pesquisador, professor ou estudante, seres humanos autônomos, identificando no grupo ao qual pertence as diferentes possibilidades, bem como autores na rede em que vivem com o outro, conscientes de suas escolhas, ações e criações. Para além de tudo isso, a rede consiste em agir cooperativamente ao explorar, experimentar, relacionar, deixar-se ser provocado pelo meio e pelos demais participantes, realizando aproximações e distanciamentos necessários para a ressignificação.