SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.32 issue71TEACHING LEARNING BY TEACHER TRAINERS: DUE TO THE EDUCATIONAL PRACTICE AT UNIPÚNGUÈ/MANICA IN MOZAMBIQUELEARNING TO bE A HIGHER EDUCATION TEACHER: A HISTORICALCULTURAL PERSPECTIVE author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

Journal

Article

Share


Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

Print version ISSN 0104-7043On-line version ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.32 no.71 Salvador July/Sept 2023  Epub Apr 22, 2024

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2023.v32.n71.p200-218 

Educação e aprendizagem da docência

ITINERÁRIOS DE PESQUISAS COM PROFESSORES INICIANTES

RESEARCH ITINERARIES WITH BEGINNING TEACHERS

ITINERARIOS DE INVESTIGACIÓN CON MAESTROS PRINCIPIANTES

Klinger Ciríaco1 

Doutor em Educação (UNESP). Professor Adjunto do Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas (DTPP) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE/UFSCar), do Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação (PPGPE/UFSCar) e do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática (PPGEduMat/UFMS)). Líder do “MANCALA - Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática, Cultura e Formação Docente” (CNPq). São Carlos-SP, Brasil. E-mail: klinger.ciriaco@ufscar.br


http://orcid.org/0000-0003-1694-851X

1Universidade Federal de São Carlos


RESUMO

Analiso neste texto o itinerário de três estudos que tiveram, no cerne dos seus objetivos, a preocupação em compreender processos de iniciação profissional em diferentes níveis da educação. O objetivo aqui é desvelar condicionantes e racionalidades emergentes das dificuldades para o ingresso na carreira e permanência na docência. Os trabalhos analisados foram desenvolvidos a partir de reflexões e ações do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Início da Docência e Ensino de Matemática (GEPIDEM/CNPq) vinculado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). O enquadramento teórico abarca questões do campo da formação inicial, bem como problemas e perspectivas do professor iniciante. A metodologia empregada foi a pesquisa qualitativa, de caráter descritivo-analítico, em que adotamos questionários, narrativas escritas e a entrevista semiestruturada. Os resultados indicam que a fase de indução dos professores precisa ser encarada como um projeto coletivo, no sentido de que o jovem docente necessita ter o apoio tanto da escola quanto de seus colegas mais experientes para “sobreviver” ao início de sua atividade.

Palavras-chave: formação de professores; início da carreira; desafios da docência; pesquisas com professores iniciantes

ABSTRACT

In this text, I analyze the itinerary of three studies that had, at the core of their objectives, the concern to understand processes of professional initiation at different levels of education. The aim is to reveal conditions and rationales emerging from difficulties in entering a career and remaining in teaching. The objective is to reveal conditions and rationales arising from the difficulties of entering the career and remaining in the teaching career. The works analyzed were developed from reflections and actions of the Study and Research Group on Beginning of Teaching and Mathematics Teaching (GEPIDEM/CNPq) linked to the Federal University of Mato Grosso do Sul (UFMS), in Brazil. The theoretical framework covers issues from the field of initial training, problems and perspectives of the first years of the career. The methodology used was qualitative research, of a descriptive-analytical type, in which questionnaires, written narratives, as well as semi-structured interviews were adopted. The results indicate that the teachers’ induction phase needs to be seen as a collective project, in the sense that the young teacher needs to have the support of both the school and his more experienced colleagues to “survive” the beginning of his professional activity.

Keywords: teacher training; early career; teaching challenges; surveys with beginning teachers

RESUMEN

En este texto analizo el itinerario de tres estudios que tuvieron, en el centro de sus objetivos, la preocupación por comprender los procesos de iniciación profesional en los diferentes niveles de la educación. El objetivo aquí es revelar las condiciones y razones que surgen de las dificultades para ingresar a la carrera y permanecer en la docencia. Los trabajos analizados fueron desarrollados a partir de reflexiones y acciones del Grupo de Estudios e Investigaciones sobre Inicio de la Enseñanza y Enseñanza de las Matemáticas (GEPIDEM/ CNPq) vinculado a la Universidad Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). El marco teórico abarca temas del campo de la formación inicial, problemas y perspectivas de los primeros años de la carrera. La metodología utilizada fue la investigación cualitativa, de carácter descriptivo-analítico, en la que se adoptaron cuestionarios, narraciones escritas, así como entrevistas semiestructuradas. Los resultados indican que la fase de inducción de los docentes debe ser vista como un proyecto colectivo, en el sentido de que el joven docente necesita contar con el apoyo tanto de la escuela como de sus colegas más experimentados para “sobrevivir” al inicio de su actividad profesional.

Palabras clave: formación docente; inicio de la carrera; desafíos de la enseñanza; encuestas con profesores principiantes

Introdução1

As reflexões apresentadas neste texto têm como objetivo levar o leitor à compreensão da temática de três pesquisas realizadas no contexto da formação docente, na perspectiva de desvelar condicionantes e racionalidades emergentes das dificuldades de recém-formados e professores tanto para ingressar na carreira quanto para permanência na profissão.

O interesse pelo campo de estudos decorreu da participação efetiva no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Início da Docência e Ensino de Matemática (GEPIDEM/CNPq), vinculado à Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) no período em que fui professor formador nesta instituição. Os trabalhos aqui compartilhados são fruto de investigações orientadas por mim e que, de certa forma, foram desenvolvidas no espaço-tempo do GEPIDEM. No contexto desses estudos, foram aprofundadas reflexões sobre referenciais teórico-metodológicos da pesquisa com professores iniciantes e verificou-se que esse período da vida docente pode ser considerado decisivo para o desenvolvimento profissional.

A experiência no grupo de estudos despertou a necessidade de compreender como o docente em início de carreira lida com as dificuldades e quais medidas de superação para “sobreviver” ao processo inicial a partir das “descobertas” em sua profissão. A pesquisa com professores iniciantes é um campo que deveria ser melhor explorado, pois atualmente ocorre um avanço crescente na necessidade da formação de professores para atender à demanda advinda da democratização do acesso à educação.

Assim, a primeira pesquisa que será apresentada teve o intuito de apontar alguns dos principais conflitos vivenciados no início da docência. Para tanto, intentou-se caracterizar a entrada na carreira quando do momento de busca pela inserção no mercado de trabalho a partir de dados produzidos com um grupo de egressos do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS, Campus Naviraí). No campo dessa experiência, algumas questões fizeram-se relevantes para o gerenciamento e percurso investigativo, a saber:

  • Como esses jovens professores estão iniciando na carreira?

  • Como lidam com a fase de transição do estado de estudante para o de professor?

  • Quais são as principais características que marcam essa fase da profissão?

  • Enfim, que contribuições a formação inicial traz para perspectivas de atuação no campo de atuação do docente iniciante?

O segundo estudo é de tipo exploratório e foi realizado na perspectiva de identificar o papel da escola no processo formativo de professoras iniciantes na Educação Infantil. O contexto de produção de dados refere-se a dois Centros Integrados de atendimento à infância da rede municipal de educação de Naviraí-MS. Empregaram-se entrevistas semiestruturadas com as docentes e as respectivas coordenadoras, no sentido tentar compreender o papel da instituição na inserção profissional, o que resultou num diagnóstico sobre os principais desafios subjacentes ao ingresso no campo da docência e a acolhida do professor na escola.

A terceira e última pesquisa teve como participantes professores que atuavam em diferentes níveis educacionais (Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior). Os instrumentos centrais de recolha de informações pertinentes aos objetivos do trabalho foram narrativas escritas obtidas a partir de diários reflexivos e narrativas orais com base em sessões de entrevistas. Com o desenvolvimento desse trabalho, caracterizaram-se os desafios da iniciação à docência em níveis de atuação distintos.

De modo comum, a partir dessas pesquisas, podemos entender o início da docência como sendo um processo de construção de saberes práticos da profissão, momento em que o professor verifica que “[...] muita coisa da profissão se aprende com a prática, pela experiência, tateando e descobrindo, em suma, no próprio trabalho” (TARDIF, 2007, p. 86).

A exploração da discussão acadêmica da pesquisa com e sobre professores iniciantes poderá subsidiar alternativas de práticas de formação e de intervenção em contextos específicos na perspectiva de sanar as necessidades formativas, bem como servir para levantar indicadores de atuação na sala de aula que oportunizem processos de aprendizagem da docência, ao mesmo tempo em que tal problematização também contribui para atender as novas demandas impostas pela realidade do processo educativo na sociedade do conhecimento. Logo, esta é a problemática anunciada como foco da discussão apresentada neste Educação e aprendizagem da docência: a pesquisa acerca do início da docência.

Formação de professores e saberes docentes

Nos últimos anos, a formação docente vem se constituindo com um campo rico e promissor a ser explorado, demonstrando-se assim como um terreno fértil para a pesquisa em plena expansão. Neste cenário, Pimenta (1999), ao tratar da questão dos saberes na formação dos professores, faz referência à construção da identidade como sendo um elemento constitutivo de práticas pedagógicas que revelam contribuições dos cursos de licenciatura para o perfil profissional dos professores. Segundo a autora, essa identidade se constrói a partir das experiências adquiridas ainda na fase de formação inicial, com atividades significativas, sem deixar de levar em consideração a cultura dos estudantes.

No caso do curso de Pedagogia, as contribuições da formação poderão relacionar-se a: 1) fomentar reflexões sobre o lugar da prática docente em projetos de ensino, pesquisa e extensão, os quais tomam a docência como objetivo de apreciação; 2) programas que envolvam o desenvolvimento pré-profissional, a exemplo do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e Residência Pedagógica (RP), ambos financiados pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); e 3) ações curriculares no âmbito da prática de ensino em disciplinas que compõem a Matriz Curricular, ligadas a conteúdos e metodologias específicas.

Seguindo esse pensamento, a mobilização dos saberes da docência é um passo importante para mediar o processo de construção da identidade profissional dos professores. Tais saberes são constituídos por três categorias: os saberes da experiência, os saberes do conhecimento e os saberes pedagógicos (PIMENTA, 1999).

Em uma leitura interpretativa da relevância destes saberes (experiência, conhecimento e pedagógicos), defendo o posicionamento de que a vinculação entre eles precisa ser a base das ações previstas e realizadas nas agências formadoras, pois é preciso encontrarmos o lugar das práticas pedagógicas no decorrer da formação inicial, haja vista que a relação entre teoria e prática é um dos grandes desafios apresentados pela literatura especializada da área (GAUTHIER, 1998; GHEDIN; ALMEIDA; LEITE, 2008).

Os saberes da experiência e os saberes do conhecimento referem-se ao conhecimento das disciplinas a serem ensinadas pelos futuros professores, como, por exemplo, Matemática, História, Geografia, Ciências e Língua Portuguesa, entre outras áreas que compõem o currículo escolar. Já os saberes da experiência abrangem também os saberes construídos pelos professores durante o trabalho pedagógico, na relação cotidiana em sala de aula.

Tardif, Lessard e Lahaye (1991) e Gauthier (1998), concordam que há muita dificuldade em se definir a natureza do ensino, o que é pertinente saber para ensinar, assim como o que o professor faz, precisamente, para instruir e educar crianças, jovens e adultos. De acordo com Gauthier (1998), as pesquisas sobre os saberes dos professores começaram a ser desenvolvidas com uma ênfase maior no final da década de 1970, mas “[...] os resultados não se mostraram tão convincentes quanto se julgara a princípio, pois a tarefa era muito mais complexa do que os pesquisadores haviam imaginado” (GAUTHIER, 1998, p. 19). Até hoje, em 2023, os resultados apontam para conclusões muito parecidas sobre os “novos-velhos” problemas da formação.

Gauthier (1998), assim como Pimenta (1999), afirma que os saberes da experiência revelam a existência de seis outras categorias: os saberes disciplinares, que são produzidos pelos pesquisadores; os saberes curriculares, oriundos das disciplinas e, portanto, transformados em conteúdos escolares; saberes das Ciências da Educação, como a Sociologia, Psicologia, Filosofia, entre outras; saberes da tradição pedagógica referentes à cultura escolar; saberes experienciais adquiridos no exercício da profissão e, por fim, saberes da ação pedagógica decorrentes da experiência. São estes últimos os mais frequentes temas de pesquisas e publicações no âmbito de investigações sobre os professores a que temos acesso.

Contudo, é preciso o esclarecimento de que esses saberes não estão disponíveis em várias “gavetas”, às quais o professor deverá recorrer sempre que necessite. Eles são mobilizados em diferentes tempos e espaços da atuação docente e, portanto, precisamos entendê-los como plurais (TARDIF, 2007).

Cabe salientar a importância da categorização dos saberes docentes, pois revelam que os professores utilizam um grande repertório de conhecimentos próprios ao ensino, e que estes são fundamentais para elaborar uma posição sobre o trabalho desenvolvido em sala de aula, como também para repensar a formação e a consequente aprendizagem do docente em início de carreira.

A base de conhecimento para o ensino consiste de um corpo de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições que são necessárias para que o professor possa propiciar processos de ensinar e de aprender, em diferentes áreas do conhecimento, níveis, contextos e modalidades de ensino. Essa base envolve conhecimentos de diferentes naturezas, todos necessários e indispensáveis para a atuação profissional. É mais limitada em cursos de formação inicial, e se torna mais aprofundada, diversificada e flexível a partir da experiência profissional refletida e objetivada. Não é fixa e imutável. Implica construção contínua, já que muito ainda está para ser descoberto, inventado e criado (MIZUKAMI, 2004, p. 38).

Ancorada nos estudos de Shulman, em uma leitura interpretativa do conhecimento necessário à docência, Mizukami (2004) destaca, como vimos na citação anterior, que tal repertório contém categorias e estas podem ser “lidas”, interpretadas, constituídas por distintos referenciais teóricos, os quais poderão tratar de conhecimento e/ou saberes, uma vez que “[...] os profissionais do ensino necessitam de um corpo de conhecimento profissional codificado e codificável que os guie em suas decisões quanto ao conteúdo e à forma de tratá-lo em seus cursos e que abranja tanto conhecimento pedagógico quanto conhecimento da matéria” (MIZUKAMI, 2004, p. 38).

Neste contexto, o docente é visto como um profissional que “domina” determinados saberes em uma situação de ensino, transformando configurações destes e, ao mesmo tempo, assegurando a dimensão ética de sua práxis cotidiana.

Assim, torna-se dever do Estado oferecer recursos necessários para que haja a profissionalização adequada, proporcionando que seja levado adiante o difícil projeto da qualidade da educação para todos a fim de possibilitar transformação cultural e social (GATTI; BARRETTO; ANDRÉ, 2011). Dentre os diferentes momentos da formação profissional, é na fase inicial que se apresenta a instabilidade, com momentos nos quais o professor se questiona sobre a escolha da profissão e se é essa carreira, de fato, a que pretende seguir. Esse período marca o “choque cultural” (TARDIF, 2007) ou ainda o “choque de realidade” (VEENMAN, 1984), decorrentes da fase transitória do estado de estudante para o de professor, regado por sentimentos de sobrevivências e descobertas (HUBERMAN, 1995).

Perrenoud (2002) destaca pontos importantes que o professor iniciante vivencia no espaço escolar: 1) esse é um momento transitório, no qual abandona-se a identidade de estudante para adotar a de profissional; 2) o estresse e a angústia cederão lugar à experiência e à confiança no decorrer da profissão; 3) o principiante precisa de concentração para os desafios que um profissional experiente soluciona no cotidiano; 4) mudança de administração de tempo; 5) o estado de sobrecarga devido aos desafios cotidianos; e 6) período de transição.

Em suma, a partir das considerações do autor, é possível afirmar o quanto a etapa de iniciação à docência é uma fase complexa e que precisa ser encarada como um projeto coletivo numa perspectiva de auxílio e apoio mútuo. Portanto, a escola se constitui como um ambiente de aprendizagens significativas para o professor e precisa ser um lócus de compartilhamento de experiências. Neste sentido, estudos sobre a inserção na carreira docente, bem como as dificuldades que o professor iniciante enfrenta durante seu processo de trabalho pedagógico, tornam-se pontos relevantes para caracterização dos sentimentos próprios da etapa de iniciação à docência, discussão esta que será problematizada na próxima seção do texto.

Alguns problemas vivenciados por professores iniciantes

A respeito do início da carreira docente, fase da vida do professor que inicia, cheia de conflitos e descobertas, Huberman (1995) destaca que os três primeiros anos podem ser considerados como os de vivências regadas por sentimentos de “sobrevivência” e “descoberta”, que caracterizam um “choque de realidade” (VEENMAN, 1984), período de confrontação inicial entre a complexidade da situação profissional e as ideias constituídas ao logo da formação inicial.

Conforme Huberman (1995, p. 39), a sobrevivência é identificada com:

[...] o ‘choque com o real’, a constatação da complexidade da situação profissional: o tatear constante, a preocupação consigo próprio (‘Estou a me aguentar?’), a distância entre os ideais e as realidades cotidianas da sala de aula, a fragmentação do trabalho, a dificuldade em fazer face, simultaneamente, à transmissão de conhecimentos, à oscilação entre relações demasiado íntimas e demasiado distantes, dificuldades com alunos que criam problemas [...].

Tal sensação é recorrente ao ingressar na carreira docente. É no período de indução/ inserção no campo profissional que se “sobrevive” às dificuldades, por mais “duras” e “cruéis” que elas sejam. Ao mesmo tempo, descobre-se, em meio aos dilemas, que a docência pode ser uma forma de contribuir com a formação do outro e, portanto, com seu processo emancipatório.

No entanto, essa realidade nem sempre é a mesma para todos. Muitos se frustram antes mesmo de se inserirem na carreira, por não conseguirem uma ocupação nos postos de trabalho. Essa dificuldade de ingresso na docência acaba fazendo com que esses profissionais, para não ficarem desempregados, trabalhem em áreas fora de sua formação inicial.

Autores que discutem o início da carreira, como Veenman (1984) e Esteves e Rodrigues (1995), analisam que esses profissionais, ao chegarem à realidade escolar, sofrem o que denominam de “choque de realidade”, momento em que o professor iniciante, como já relatado, passa por inúmeras dificuldades na nova profissão. Esse choque, se não for bem gerido pelo professor com apoio de outros profissionais da educação mais experientes, pode provocar sérios danos à identidade do docente que inicia o trabalho na escola (ROCHA, 2006).

Os dilemas e dificuldades do professor iniciante são causados pela exigência de atuação na resolução de vários problemas, dentre os quais, segundo Franco (2000, p. 34) destacamse: “[...] 1) problemas em conduzir o processo de ensino e de aprendizagem, considerando as etapas de desenvolvimento de seus alunos e o conteúdo a ser desenvolvido; 2) problemas com a disciplina dos alunos e com a organização da sala de aula”.

Desse modo, é “[...] como se da noite para o dia o indivíduo deixasse subitamente de ser estudante e sobre os seus ombros caísse uma responsabilidade profissional, cada vez mais acrescida, para qual percebe não estar preparado” (SILVA, 1997, p. 53).

Assim, no turbilhão de sentimentos como angústia, medo e insegurança, vivenciados diariamente pelo professor, é preciso que o mesmo tente encontrar motivos para a permanência na profissão. E, para que isto aconteça, é necessário que possa recorrer ao apoio da instituição onde trabalha e aos referenciais de sua formação (SILVA, 1997).

Fontana (2000), ao estudar o processo de constituição da carreira docente em sua tese de doutorado, lembra que o professor não se encontra preparado quando ingressa na profissão. Para a autora, muitos dos motivos que levam professores iniciantes ao fracasso na carreira e/ou a se sentirem desmotivados devem-se à indiferença da equipe de coordenação e demais membros da comunidade docente.

Ademais, de acordo com Lima (2006), o início da docência constitui-se um período marcado por aprendizagens intensas e conflitos pessoais que os jovens professores encontram ao transitar do estado de estudante para o de professor. A autora destaca ainda que essa fase da vida profissional não tem a atenção devida de pesquisadores da área educacional, o que respalda investimentos em pesquisas da natureza que aqui explorarei, mais adiante, com base nos dados das investigações do GEPIDEM/UFMS.

Perrenoud (2002) afirma que o professor iniciante necessita de orientação para permanecer na carreira, pois ao mesmo tempo em que se disponibiliza para a busca do saber, ele pode se desencantar e acabar abandonando seu posto de trabalho em decorrência tanto da falta de apoio institucional quanto das suas inseguranças.

As etapas de formação inicial, inclusão e desenvolvimento profissional precisariam estar inter -relacionadas para instituir uma aprendizagem coerente e um sistema de desenvolvimento para os professores. Nesta perspectiva, é apropriado melhorar a inserção e o desenvolvimento profissional dos professores ao longo de sua carreira em vez de incrementar a duração de formação inicial (LIMA, 2006, 76).

Assim, podemos encontrar na formação continuada dentro do contexto escolar, junto às necessidades formativas dos docentes, uma das possíveis alternativas para alguns dos problemas vivenciados no início da docência, com vistas ao processo de socialização de suas vivências e à busca permanente por soluções junto aos demais colegas.

O design metodológico das pesquisas sobre professores iniciantes vinculadas ao GEPIDEM/UFMS

Os estudos descritos e analisados neste texto tiveram como procedimento a análise descritiva e exploratória de um conjunto de dados que envolveu uma abordagem qualitativa da pesquisa em educação sobre a temática do professor iniciante. A opção por esse tipo de trabalho de campo deve-se pelo fato de que a pesquisa qualitativa permite ao pesquisador o contato direto e observável com a situação estudada, como também por oportunizar a identificação de categorias de análises de conteúdo (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).

As informações foram produzidas no contexto das ações do GEPIDEM, grupo este que dedicou-se ao trabalho com investigações no âmbito da formação docente entre os anos de 2013 a 2019 na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), o qual foi coordenado por mim e esteve vinculado ao Diretório de Grupos de Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) durante o período em que fui professor formador na UFMS2.

Os próximos tópicos apresentarão os participantes e instrumentos de produção de dados das três pesquisas analisadas neste estudo, as quais designarei como Pesquisa I, Pesquisa II e Pesquisa III.

Pesquisa I: a perspectiva de egressos da licenciatura em Pedagogia

Os colaboradores foram 43 acadêmicos egressos do curso de licenciatura em Pedagogia da UFMS, formandos de 2013, que no momento do questionário desenvolvido haviam colado grau e estavam em busca do primeiro emprego. O referido instrumento foi composto por 19 questões com perguntas abertas e fechadas, as quais foram formuladas com o objetivo de caracterizar o perfil da formação e as expectativas para o ingresso na carreira docente, bem como aferir se todos pretendiam atuar como professores.

Segundo Lakatos e Marconi (2001), o questionário consiste em um meio de produção de dados composto por uma série ordenada de perguntas que devem ser respondidas com ou sem a presença do entrevistado. Tal instrumento permitiu que trabalhássemos no grupo de pesquisa com dados percentuais e quantitativos que, mais tarde, contribuíram para a compreensão do problema de pesquisa em questão: a indução na docência via percepção dos egressos da Universidade.

Dentre o quantitativo de colaboradores, procuramos trabalhar, no grupo de estudos, com uma amostra de 15 sujeitos, tendo em vista que o número de recém-formados era grande. Logo, os dados que serão relatados na análise referem-se às respostas desse subgrupo de pedagogos acerca de suas percepções no período de indução na carreira docente. Cabe ressaltar que nem todas as respostas foram utilizadas, levando em consideração que foram selecionadas as que melhor respondiam ao tema da pesquisa. Do subgrupo de análise do questionário, todas as colaboradoras são do sexo feminino e têm média de idade entre 21 e 45 anos.

Assim, a análise dos dados produzidos foi guiada pelo objetivo de identificar as dificuldades encontradas na inserção profissional na carreira do magistério por acadêmicos egressos do curso de Pedagogia da UFMS, campus Naviraí. A fim de preservar a identidade das respondentes e, assim, cumprir os princípios éticos da pesquisa, as respostas serão identificadas pelas letras iniciais dos nomes das participantes.

Pesquisa II: investigação sobre o papel da instituição de Educação Infantil na formação de professoras iniciantes que nela atuam

O movimento de produção de dados deu-se em decorrência da tentativa de atender o objetivo de verificar as contribuições da instituição de Educação Infantil (gestão educacional) para o processo de formação e desenvolvimento profissional do professor.

Para este fim, o trabalho de campo compôsse de algumas etapas consideradas importantes tendo em vista o objetivo proposto: a) mapeamento de professores iniciantes atuantes em dois Centros Integrados de Educação Infantil, sendo um na área central e outro na periferia da cidade; b) elaboração de roteiro de entrevistas semiestruturadas para professores e coordenadores; c) realização das entrevistas; d) leitura e identificação de categorias para análise; e, por fim; e) análise dos dados.

Após o mapeamento das professoras iniciantes, estas foram convidadas para a participação voluntária no estudo e, dentre as 19 docentes que tinham até 5 anos de carreira encontradas em dois Centros de Educação Infantil onde o levantamento foi realizado, 2 aceitaram contribuir com a pesquisa. Com isso, direcionamos esforços para elaborar um roteiro de entrevista que contemplasse a identificação das dificuldades do período de iniciação à docência, bem como que caracterizasse qual o papel das instituições em que atuam para seu processo formativo.

A abordagem e métodos de produção de dados possibilitaram compreender a situação estudada de modo mais abrangente e detalhar, de forma mais precisa, informações obtidas via entrevista com as professoras. O roteiro semiestruturado cumpriu o papel de, pelas perguntas, buscar compreender processos formativos das professoras iniciantes ao realizarmos a entrevista tanto com as docentes quanto com suas respectivas coordenadoras. Para Lüdke e André (1986, p. 34), a vantagem da entrevista reside no fato de que ela “[...] permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tópicos”.

As docentes entrevistadas receberam a identificação de docente A e docente B com intuito de preservar suas identidades. Quando do momento da realização da pesquisa, 2015, a docente A tinha 30 anos, formara-se em Pedagogia em 2012 e atuava na pré-escola (crianças de 4 a 5 anos e 11 meses). A docente B lecionava no maternal II (crianças de 2 a 3 anos), também tinha 30 anos e graduara-se em 2013 no curso de Pedagogia. Ambas eram professoras contratadas em Centros Integrados de Educação Infantil (CIEI) pertencentes à rede municipal de ensino de Naviraí-MS.

A coordenadora A tinha 32 anos, possuía formação em Normal Superior e Pedagogia. Ocupava o cargo no CIEI em que a docente A era professora. A coordenadora B, com 33 anos à época, também tinha formação em Normal Superior e Pedagogia, e exercia sua função na instituição de Educação Infantil em que a docente B lecionava.

Pesquisa III: professores iniciantes em diferentes níveis da educação

Foi adotado o método da pesquisa narrativa com quatro professores iniciantes com o objetivo de caracterizar sentimentos e dificuldades sobre a atuação em diferentes níveis da educação: Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior. Os colaboradores atuavam no sistema público e/ ou privado de ensino.

De acordo com Souza (2007, p. 4):

As narrativas ganham sentido e potencializam-se como processo de formação e de conhecimento, porque têm na experiência sua base existencial. Desta forma, as narrativas constituem-se como singulares num projeto formativo, porque se assentam na transação entre diversas experiências e aprendizagens individual/coletiva.

A professora da Educação Infantil tinha 21 anos e optou pelo curso de Pedagogia por não ter condições de fazer outra graduação em municípios distantes de sua cidade natal. Mencionou no momento da entrevista que, embora houvesse iniciado seus estudos, não queria ser professora e acreditava que teria muitas dificuldades para lecionar, porém, foi adquirindo o gosto pela docência ao longo da formação inicial. Essa docente ingressou na carreira ainda em seu segundo ano de sua licenciatura e, quando contribuiu com o trabalho de pesquisa, atuava em uma sala do Jardim I (crianças de 4 anos) na rede particular de educação. Seu tempo de atuação na carreira docente era de três anos. Além da formação em Pedagogia, havia iniciado, em 2014, um curso de Pós-Graduação lato sensu em Psicopedagogia.

Em relação à professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental, com 23 anos, sua opção por cursar Pedagogia decorreu da oportunidade que teve de se vincular a um curso superior, devido a não ter condições de fazer faculdade fora do município. De início, teve muitas dificuldades, contudo, agora, em suas palavras, “ama o que faz” e não se “vê em outra profissão”. Essa docente, pelo exposto, continuava a buscar por novos conhecimentos e, naquele período, cursava Pós-Graduação lato sensu em Educação Especial e trabalhava com uma turma de quarto ano na rede particular.

A professora do Ensino Médio tinha 26 anos. Formada em Ciências Sociais, trabalhava em duas escolas estaduais e em uma escola particular com as disciplinas de Sociologia e Filosofia. Seu tempo de atuação na carreira docente era de cinco meses.

Por fim, o professor de Ensino Superior tinha 24 anos e possuía formação em Pedagogia com Mestrado em Educação. No momento da produção de dados, fevereiro a julho de 2014, atuava há um ano e quatro meses em dois cursos de licenciatura de uma Universidade pública federal do Centro-Oeste brasileiro, concursado. Para esse professor, sua maior realização é ser Pedagogo; gosta de estar discutindo a educação porque ela possibilita a pesquisa e sua maior realização é trabalhar com a formação de futuros professores.

Contribuições da formação inicial para atuação profissional e a inserção na carreira na perspectiva de egressas de Pedagogia

Em relação à formação inicial das professoras colaboradoras da Pesquisa I, de modo geral, a maioria identificou promissoras contribuições da licenciatura para a etapa de iniciação à docência. Muitas mencionam a relevância que o estágio obrigatório parece exercer sobre a constituição da identidade, bem como a relação entre teoria e prática durante o período de formação inicial.

Tal fato contribui com a discussão e enfatiza o quanto o lugar da prática pedagógica, nas agências de formação de professores, precisa estar mais articulado ao aspecto da compreensão da dinâmica do trabalho docente e da realidade da escola para que o professor, em seu ingresso na carreira, não sinta tanto o “choque de realidade” (VEENMAN, 1984) e tente amenizar os problemas provenientes de sua inserção no terreno da profissão.

A título de ilustração, as respostas de AK, IL, MR, MA, RI e CM, egressas da Pedagogia, reforçam as afirmações destacadas:

Porque o curso nos preparou não apenas na teoria, também pudemos vivenciar as dificuldades em sala de aula. Através dos estágios, projetos entre outras ações. (AK)

[...] se tivéssemos este contato no ambiente escolar, desde o início, penso que não seria tão corrido as práticas de estágios, é muito pouco esse contato direto com o aluno. Pois na prática é bem diferente que na teoria. (IL)

[...] o estágio deveria ser desde o primeiro ano para que as dúvidas fossem sanadas no decorrer do curso, já que são muitas as dúvidas existentes no período de estágio. (MR)

Para que possamos identificar as semelhanças da teoria com a prática. Porque até o terceiro anos escutamos que como funciona, e quando chegamos para fazer a regência não é nada o que aprendemos, ou até mesmo na observação. (MA) Com o estágio desde o primeiro ano penso que seria melhor, pois no último ano tudo fica muito corrido nem estágio empresarial e os estágios na escola então faz-se tudo muito correndo e sob pressão. (RI)

Não no primeiro ano, mas pelo menos no segundo para que o contato escola/acadêmico seja mais frequente e que tenha mais acesso à prática [...]. (CM).

Conforme pudemos verificar, os relatos sobre as contribuições da formação inicial para a prática pedagógica, ao que tudo indica, destacam o papel do estágio como elemento articulador entre a teoria vista durante todo período do curso e a prática efetivada, na maior parte das vezes, quando o acadêmico toma contato com a escola, ou seja, no período da disciplina de estágio. Embora não tenhamos relacionado, nos dados acima, todos os sujeitos, é notória essa percepção em resposta aos questionários pois, dentre os 15 professores, 11 afirmaram a importância desse componente curricular do curso de formação para a aquisição de experiências práticas na carreira docente.

Com relação a essa questão, Pimenta (1999) esclarece-nos a importância de se considerar o professor em sua própria formação, num processo de autoformação, de reelaboração dos saberes iniciais em confronto com sua prática vivenciada. Ao que tudo indica, essa prática que a autora comenta parece estar atrelada aos saberes da experiência, decorrentes, no caso pesquisado, do contato dessas professoras com o estágio durante o processo de formação inicial, tão recorrente no discurso delas. Contudo, é no começo da carreira que o saber da prática se consolida, ou seja, é diferente estar em uma sala de aula como estagiário ou como professor.

Tardif (2007, p. 86) esclarece que:

[...] é no início da carreira que a estruturação do saber experiencial é mais forte e importante, estando ligada à experiência de trabalho. A experiência inicial vai dando progressivamente aos professores certezas em relação ao contexto de trabalho, possibilitando assim a sua integração no ambiente de trabalho, ou seja, a escola e a sala de aula. Ela vem também confirmar a sua capacidade de ensinar.

Nesse entendimento, tenho ciência de que não será o papel da formação inicial consolidar esse saber da experiência, mas ela poderá contribuir com isso articulando teoria e prática no decorrer das atividades de estágio, de modo a possibilitar um processo de ressignificação do contato inicial dos futuros professores com a escola. Assim, os saberes da experiência vão se constituindo a partir de uma reflexão “na” e “sobre” a prática. Desse modo, as vivências durante o estágio têm um papel de extrema importância na constituição da carreira do professor, pois o contato com a sala de aula via observação, coparticipação e regências, na maioria das vezes, possibilita um movimento de reflexão sobre a atuação em contextos específicos da futura atuação, desde que gerido de forma orgânica no sentido dos significados desse primeiro momento da prática escolar.

Em relação aos desafios encontrados durante a trajetória formativa, seja na vivência do curso em si ou especificamente do estágio, foi identificada a alteração da rotina de estudos, que passa a exigir maior envolvimento e dedicação do futuro professor durante os anos de sua formação. A dificuldade de articular teoria e prática e o tempo para cumprir as exigências acadêmicas também foram dados declarados pelas egressas ao apontarem os limites da formação inicial.

Ainda em referência aos desafios do estágio, muitas das egressas da Pedagogia relatam a relevância de se trazer a disciplina para o primeiro ano do curso ou, pelo menos, para o segundo ano, já que em suas respostas ao questionário fazem menção à relação teoria e a prática como a principal limitação. Outro fator interessante foi o reconhecimento de que, pelo fato do estágio estar alocado a partir do terceiro ano da licenciatura, no curso em questão, muitas concluem a graduação para não ficarem com o sentimento de tempo perdido, uma vez que descobrem, quase no fim, após o estágio, que não querem ser professoras, o que pode contribuir para futuras frustrações no trabalho ou ainda para um começo de carreira “conturbado” e “doloroso”.

MA reforça o quão relevante fora o estágio: “Para que possamos identificar as semelhanças da teoria com a prática. Porque até o terceiro anos escutamos como funciona, e quando chegamos para fazer a regência não é nada o que aprendemos, ou até mesmo na observação.”.

Outro dado oriundo da análise dos questionários é a confirmação, pelas egressas, de que o estágio favorece o enfrentamento de problemas reais, possibilita o entendimento sobre as particularidades da profissão e é um fator importante, que oportuniza a mobilização dos saberes de experiências.

Contudo, essas jovens recém-formadas que buscam um espaço para inserção no mercado de trabalho acreditam que podem contribuir com mudanças, fazer a diferença na educação com práticas que favoreçam os alunos por meio de um processo de ensino e aprendizagem mais dinâmico. Alguns dos motivos que levaram-nas à busca por essa formação inicial são: a falta de opção, o sonho de infância, a crença de que seria uma profissão de boa renumeração e, adicionalmente, de fácil ingresso no mercado de trabalho, o que não se confirmou, em muitos casos, após a colação de grau desse grupo.

Sobre a questão da construção do início da carreira, Mariano (2006) retrata esse período como um momento de frustração para o professor principiante por ter que enfrentar dificuldades, burocracias, inúmeras rejeições e diferenças de tratamento.

Desse modo, podemos entender o início da carreira docente como um período repleto de anseios, que apenas são superados quando paralelos a esse sentimento existem o desejo e o entusiasmo pela profissão ao conseguir seu primeiro emprego na área educacional, por exemplo.

No caso pesquisado, no que diz respeito à inserção na carreira docente, as professoras relataram que uma das principais dificuldades encontradas, após se formarem, residiu na forma de ingresso por meio de editais de contratação de professores convocados que exige, além da experiência em sala de aula comprovada, uma excessiva pontuação para assumir uma turma, o que não conseguiram devido à inexistência de prática pedagógica comprovada. Os relatos agora expostos ilustram algumas dificuldades e desapontamentos:

Não estou atuando, mas gostaria de estar, pois passar os quatro anos na Universidade aprendendo como lidar com os alunos, a perder a timidez, enfrentando os desafios de o estágio querer colocar em prática é tudo o que mais gostaria, acaba sendo frustrante saber o que fazer e não colocar em prática. (SL)

[...] porém estudei quatro anos me preparando para esse ramo e hoje vejo que para conseguir trabalho na área tenho que buscar por mais conhecimento, e mesmo assim não sou reconhecida pelos que estão no poder da contratação de professores na rede municipal do meu município, pois fazem descaso com sua preparação. (JQ)

[...] todos que fazem uma faculdade já querem sair da sala de aula com um emprego certo, sem precisar se humilhar como já acontecia antes de ingressar em uma universidade. (MA).

As respostas destacadas são de profissionais que ainda não estão inseridas no mercado de trabalho, o que demonstra a dificuldade de inserção na docência. Essa afirmativa encontra respaldo no fato de que, dentre as 15 (quinze) egressas colaboradoras da pesquisa, apenas 6 (seis) estão atuando como professoras na rede particular de ensino local. Os dados apontaram que antes mesmo do professor recém-formado conseguir se inserir na profissão, os sentimentos de insegurança, dúvidas e medo fazem parte do repertório das expectativas em relação ao primeiro emprego. Tais informações condizem com as características da etapa de iniciação à docência elencadas por Marcelo García (1999).

Seguindo a linha de raciocínio, ao evidenciarmos a análise das dificuldades sentidas pelas egressas, é possível inferir que a prática docente comporta situações complexas, incertas, singulares, imprevistas, que apresentam características únicas que são compreendidas como fontes de aprendizagem a partir da qual é elaborado um determinado saber (NÓVOA, 1995).

Com base nos resultados da Pesquisa I, em concordância com Nóvoa (1995), elencamos alguns pontos que constituem limitações para a inserção na carreira: falta de experiência, falta de oportunidades ao iniciante e relação com professores mais experientes. No discurso das professoras recém-formadas esses pontos ganham maior evidência:

Dificuldade em conquistar a confiança dos colegas logo de início, a adaptação com os alunos em aprender que cada um possui seu tempo de aprender e como ensinar uma sala mista de dificuldade sem prejudicar os grupos que sabem. (SD).

[...] foi a relação com colegas de trabalho, pois muitos ao invés de ajudar apenas dificultaram a relação e criticaram (KL).

Pelo fato de eles terem um certo preconceito sobre o professor iniciante (JQ).

É nítida, pelas afirmações, a falta de apoio que essas professoras têm no cotidiano do trabalho docente, principalmente em relação a sua socialização no espaço escolar junto aos demais membros que ali se encontram. Os relatos apresentados caminham no sentido de revelação das relações hierárquicas presentes dentro da escola, em que professores mais experientes acabam por “silenciar” os novatos no sentido de querer fazer com que eles se adequem à cultura de “acomodação” na profissão, cultura essa que difere das características do curso de formação inicial em que os sujeitos deste estudo se formaram.

Frente aos desafios postos ao ingresso na carreira e dos sentimentos de “sobrevivência” vivenciados pelas professoras iniciantes, que foram apresentados nesta seção do Educação e aprendizagem da docência, acredito que competirá à formação continuada auxiliá-las na perspectiva do desenvolvimento profissional docente, uma vez que já estão lançadas no mercado de trabalho em busca do primeiro emprego.

Por fim, defendo a tese de que a escola cumpre um papel de suma importância na formação dessas profissionais novatas, pois esse é um espaço rico de aprendizagem da docência quando esta é encarada como um projeto coletivo.

O papel da instituição de Educação Infantil na formação das professoras iniciantes

As experiências identificadas na Pesquisa II apontaram os desafios vivenciados pelas docentes em seu início de carreira, dentre os quais se destacam: realidades diferentes do que haviam idealizado, sentimentos de medo e angústia, sensação de estarem perdidas, uma circunstância assustadora, movida pela responsabilidade e pelo medo de falhar. Gama (2009, p. 102) menciona que os sentimentos característicos do período de iniciação à docência “[...] constituem-se em desafios para a continuidade na carreira e para o desenvolvimento profissional da grande maioria dos professores iniciantes [...]”.

Nesta perspectiva, para o desenvolvimento da presente investigação, as coordenadoras pedagógicas foram indagadas sobre como acolhem os professores recém-formados que adentram o ambiente das instituições de Educação Infantil. Ambas declararam que: compreendem esse momento e que procuram acolher os novos docentes com consciência.

Mariano (2006) expõe que todo começo não é fácil; há muita insegurança, já que os professores chegam nas instituições motivados e empenhados em mudanças mas, com o passar do tempo, esse sentimento positivo começa a perder espaço para os novos conflitos (NONO; MIZUKAMI, 2006). Perguntadas sobre como realizam o auxílio mais especificamente em relação à sala de aula, ou seja, solicitadas a darem exemplos práticos de como atuam junto às orientações pedagógicas com as professoras iniciantes, as coordenadoras especificaram que Empregam sugestões de trabalho para dar rumo ao docente e o acompanhar; também se estuda, pesquisa, ocorre uma troca de ideias, sempre valorizando o diálogo.

Percebe-se que as coordenadoras têm compreensão das peculiaridades da fase inicial da profissão, pois acompanham as iniciantes por meio do diálogo constituído por direcionamentos pontuais e mais genéricos, ou mesmo evidencia-se a importância de buscar uma prática colaborativa mediada por estudos e reflexões para superação dos desafios postos ao trabalho pedagógico. Verificou-se que, para ambas, essa orientação ao professor novato é compreendida como um dado pontual no começo do ano e que as orientações relativas a problemas específicos só ocorrem na medida em que o docente procura a coordenação, o que, para nós, do grupo de estudos GEPIDEM, não se apresenta como uma prática que contribua para a formação dos saberes da profissão.

Neste âmbito, Souza (2009) menciona que os professores principiantes encontram-se, por vezes, à mercê da sorte, fato que obsta sua adaptação ao trabalho, em decorrência dos conflitos de vivência. Desse modo, o auxílio pedagógico precisa ocorrer cotidianamente e o papel da escola é oferecer medidas de superação das dificuldades da docência. O reforço dessa conduta reside em dois fatores, a saber: a) a grande ocorrência de professores iniciantes em processo de convocação (contrato); e b) a falta de apoio pedagógico em algumas escolas.

Dadas as reflexões acima, a docente A corrobora a afirmação da docente B, descrevendo também a falta de apoio no espaço em que atua ao destacar que, por vezes, procura a direção, mas estão sempre muito ocupados para atendê-la. Essa realidade acaba fazendo com que ela busque auxílio em outras pessoas fora da instituição.

A coordenadora B descreve que a dificuldade da professora iniciante reside, em muitos casos, na questão da agilidade que a atuação na Educação Infantil exige, pois, para ela, quando o professor ingressa na profissão, encontra conflitos, dentre os quais se destacam “[...] a falta de material, as salas lotadas, a falta de agilidade para lidar com estas situações”.

A partir da identificação das dificuldades do professor iniciante, alguns questionamentos são pertinentes: Quais medidas de superação são traçadas pela gestão escolar a partir dos elementos apontados pela coordenação como dificuldades da professora? Como esses problemas observados pela coordenadora são gerenciados? De que forma a intervenção da instituição de Educação Infantil interfere no processo formativo da aprendizagem da docência da professora iniciante?

No caso pesquisado, a coordenadora B revelou: “muitas vezes eu vou para a sala e dou aula para ela ver”, o que não se avalia como um ponto favorável para o aprender a ser professor. A visão de “fazer pelo outro” reforça o comportamento da reprodução de modelos estereotipados da prática pedagógica. Neste sentido, seria interessante que a coordenação ou direção contribuíssem de modo mais efetivo, auxiliando a professora iniciante a refletir sobre sua prática, fornecendo-lhe mais apoio e incentivo nas propostas que planeja para implementação junto às crianças com as quais atua.

Os elementos apontados como sendo fatores vivenciados de forma negativa pelas professoras iniciantes podem ser melhorados a partir de uma perspectiva de gestão escolar que considere a importância do gerenciamento dos problemas decorrentes da fase de inserção na carreira e, por essa razão, precisamos encarar essa fase como um projeto coletivo.

Outro fato destacado na pesquisa foi a necessidade de uma parceria entre professoras experientes e professoras iniciantes, haja vista que está em jogo nessa relação o processo de aprendizagem da docência e o ensino.

Foi frequente a queixa das professoras novatas sobre serem vistas pelas docentes em exercício há mais tempo como alguém que “quer mostrar trabalho” e comentários do tipo “Ah, isso não adianta, é perda de tempo”, ou ainda, “Use o básico, é a forma mais eficiente, não invente!”.

Tal fato reforça uma conduta diferente da cultura de formação inicial pois, ao saírem da licenciatura, os professores principiantes chegam às escolas preocupados em fazer o melhor e implementar uma forma particular marcada por estilos singulares da docência. Conhecer o papel da escola junto à inserção dos novos professores também é reconhecer, no âmbito escolar, que os problemas emergentes desse contexto precisam ser tratados.

Sobre isso, Nono e Mizukami (2006) contribuem com a discussão ao mencionarem que o professor iniciante se vê indefeso ao compreender que a prática legitimada de ensino não corresponde ao que lhe foi apresentado, tampouco às perspectivas de que tomou conhecimento em seu processo de formação inicial. Assim, expõe a docente B:

Há cobrança da direção geral, que desconhece a rotina, e a realidade do dia a dia, sobrecarregando a docente e alterando as condições do local de trabalho, sua disponibilidade e realidade, sendo necessário dar conta de certos conteúdos e atender os pais e ouvir reclamações e exigências, poucas pessoas te valorizam.

A coordenadora A admite que o docente novato precisa de um atendimento diferenciado, contudo, reconhece que, por uma questão de tempo, isso não ocorre; as informações repassadas são básicas e só nos primeiros dias do trabalho na creche. Rocha (2006) menciona um relato de uma docente que alegou ter passado seu primeiro ano da docência sozinha, sem auxílio da coordenação pedagógica, e que findou desistindo de sua profissão.

Os dados revelam que tanto para a docente A quanto para B, o compartilhamento de experiência e o trabalho colaborativo são formas de amenizar os problemas na fase de indução à docência. Seus relatos apontam a necessidade de parceria entre a comunidade escolar e os professores experientes e novatos; além disso, o investimento na qualificação profissional e a melhoria nas condições de trabalho também foram aspectos notórios em suas falas. Souza (2009) afirma que a formação é primordial para um desempenho profissional dos professores principiantes, sendo importante que a escola seja lócus de aprendizagens significativas.

A partir das considerações apresentadas pelas docentes, a direção e coordenação das instituições em que atuam deixam a desejar quanto às contribuições das interações entre professor/escola durante a construção do conhecimento profissional docente.

A gestão educacional e gestão escolar são instâncias onde se dão o direcionamento e a mobilização do “como fazer” o sistema educacional. Em suma, a instituição de ensino deve proporcionar ao professor iniciante um clima onde este possa ter a oportunidade de expor suas inquietações, ao mesmo tempo em que também recebe dos pares uma direção de como caminhar e se portar em diferentes momentos das fases vivenciadas por ele no percurso do aprender a ser professor. Esse entendimento visa a compreensão de que a aprendizagem da docência ocorre a partir de uma prática colaborativa.

As narrativas de professores iniciantes em diferentes níveis de atuação

Conforme destacado anteriormente, a Pesquisa III teve como objetivo analisar as dificuldades e desafios apresentados por professores em início de carreira que atuavam em diferentes níveis da educação. Os dados apresentados foram obtidos por meio de discussões teóricas, numa abordagem autobiográfica. Com base na apresentação dos dados, torna-se possível analisar as escritas dos professores a partir de seus sentimentos acerca da etapa de iniciação à docência, como também tentar compreender, por meio de suas narrativas, os desencantos e encantos com a profissão.

A utilização de relatos biográficos vem se tornando uma estratégia que possibilita o estudo das práticas pedagógicas e também um momento oportuno para a reflexão sobre a ação docente. Dessa maneira, conforme ilustrado nos registros escritos dos professores iniciantes colaboradores do estudo em pauta, os dados dos diários mostram marcos constitutivos da carreira docente e as características dos sentimentos revelados pelas narrativas apontam para instabilidade na profissão quando o registro escrito se apresenta ora com mais intensidade, ora com nível menor. Esses pontos apresentam momentos de “choque de realidade” (VEENMAN, 1984), pois todos os sentimentos em relação à profissão dependem da trajetória pessoal e intransferível de cada professor iniciante.

Embora tivéssemos professores atuantes em diferentes níveis de educação como participantes da pesquisa, foi possível compreender que os sentimentos do período de indução à docência se entrecruzam, revelando proximidades e uma estreita relação entre conhecimentos teóricos e práticos dos sujeitos. Em relação aos professores da Educação Infantil e do Ensino Superior, podemos perceber que o momento de inserção na carreira foi uma fase “dura” e intensa para ambos, quando nos falam sobre as situações vivenciadas, principalmente no que tange ao sentimento de isolamento e à falta de apoio pedagógico, como podemos verificar em seus registros:

A principal dificuldade que encontrei além da insegurança, foi o sentimento de estar sozinha, minhas colegas de trabalho não me auxiliavam e tive que aprender praticamente sozinha desde o cuidar, até a parte pedagógica. (Diário da Professora da Educação Infantil, maio/2014)

Quando cheguei [...] para ser docente, tive vários choques, que, num primeiro momento me deixaram frustrado e quase paralisado. Por pouco não fui embora, abandonando o concurso. De início, senti certa frieza de alguns que seriam os colegas de trabalho e resistência a mim, resistência que senti também por parte de alunos (Diário do Professor do Ensino Superior, maio/2014).

Os dados das narrativas escritas apresentam sentimentos decorrentes da socialização profissional desses professores, e essa informação é um ponto recorrente nas pesquisas que retratam as dificuldades dos professores iniciantes. Alguns autores (GAMA, 2009; CIRÍACO; MORELATTI, 2013) apontam que isso ocorre porque o docente principiante encontra-se num momento marcado por conflitos pessoais e profissionais, em que precisa lidar com desafios, e o maior deles refere-se à relação com os demais colegas de trabalho - ponto corroborado pelas declarações dos professores da Educação Infantil e do Ensino Superior.

Freitas (2002) considera que o processo de socialização profissional dos professores iniciantes constitui-se como um momento de aprendizagem de valores, crenças e formas de compreensão de um mundo próprio da cultura ocupacional, ou seja, da dinâmica do trabalho docente para qual o aluno/futuro professor não fora preparado; daí advém a dificuldade nas relações humanas.

O processo de socialização no espaço escolar vem se mostrando como uma barreira a ser superada por aqueles que ingressam na carreira docente, haja vista que o corpo docente atuante nesse espaço impõe determinados modos de atuação para aquele que está aprendendo a ensinar. Neste ponto, não há grande diferença entre a escola e o Ensino Superior. No caso pesquisado, o docente iniciante na Universidade relata situações de decepção e desencanto com o magistério: “Senti que no campus ficaram, de certo modo, decepcionados conosco, professores recém-empossados, porque éramos apenas mestres e não doutores. Todavia, tínhamos passado e derrotado, no processo seletivo, alguns doutores” (Diário Professor do Ensino Superior, maio/2014).

A partir dessa narrativa, podemos observar que tampouco no contexto universitário “sobreviver” ao início da carreira é uma tarefa fácil. De modo comum, por meio das falas dos professores, podemos verificar que suas vivências, ao iniciarem na carreira docente, são muito parecidas, apesar de serem professores de níveis tão distantes. Todos apontam a falta de apoio profissional, pedagógico e o relacionamento com os colegas de trabalho como sendo algumas das principais dificuldades. Mariano (2006, p. 19) compara esta fase do início da docência com um cenário de teatro ao afirmar:

Achamos que vamos encontrar cada parte do cenário no lugar certo de nossos sonhos, que os atores e atrizes mais experientes vão nos receber de braços abertos e nos ensinar todos os macetes da profissão. Pensamos que a nossa platéia estará sempre sorrindo e atenta à nossa fala.

A partir dessa constatação, podemos perceber que as características apresentadas por Mariano (2006) estão presentes nas narrativas dos professores ao compartilharem suas experiências iniciais na docência e revelarem suas frustrações/decepções pelo fato de não terem o apoio de que precisavam quando ingressaram em seus postos de trabalho.

Em conformidade com as palavras de Mariano (2006), o professor do Ensino Superior apresenta em sua escrita um trecho que representa bem esta comparação com cenário de teatro.

Eu, que vivera a condição de aluno do Ensino Superior, agora via de perto os conflitos, as intrigas e as contradições da profissão docente nesse nível de ensino, o que eu apenas suspeitava, mas não podia ter certeza de como eram os ‘bastidores’ (Diário do Professor do Ensino Superior, maio/2014).

A escrita do professor universitário revela pontos do choque de transição entre o estado de estudante para o de professor, o que, de acordo com Tardif (2007), pode ser denominado também como o choque cultural, ou seja, aquele instante em que o professor novato se vê responsável por questões que antes apenas imaginava como seriam. Esse choque cultural, ao qual se refere o autor, envolve ainda a combinação de etapas formais e informações de aprendizagem da docência pelo professor iniciante, que se vale de inúmeras tentativas para lidar com situações adversas, como as “intrigas” relatadas na narrativa acima.

Além disso, um dado frequente nas narrativas dos professores da Educação Básica diz respeito à participação da família nas escolas, principalmente nas instituições privadas, uma vez que os pais dos alunos acabam por “sufocar” o professor iniciante por meio de repressão/ cobrança da didática e influência em decisões tomadas pela escola, fato este recorrente no discurso das professoras de Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental.

[...] as duas escolas que trabalhei são particulares, porém nesta que estou hoje os pais influenciam muito nas decisões da escola e isto acaba dificultando nosso trabalho (Diário da Professora da Educação Infantil, maio/2014).

Teve alguns imprevistos com alguns pais, pois no colégio particular os pais cobram muito mais de você (Diário da Professora do Ensino Fundamental, maio/2014).

A escrita desses professores demonstra o desejo de mudança na forma de atuação em sala de aula, apresenta que possuem uma compreensão clara do currículo dos níveis em que atuam, como também que têm propriedade para lidar com questões práticas e teóricas da docência nas turmas em que trabalham.

Contudo, esses dados sinalizam que os professores iniciantes de diferentes níveis da educação consideram-se autônomos ou capazes o suficiente para tomar decisões pedagógicas influenciadas por marcas de seu processo de formação, ao longo da vida, não só profissional, como também pessoal. Em outras palavras, se reconhecem como profissionais que necessitam ter em suas mãos a direção das ações que pretendem tomar e, talvez por isso, a fase de ingresso na carreira seja inicialmente marcada por sentimentos negativos, uma vez que a cultura escolar é diferente da cultura de formação e quem está atuando há mais tempo nessa profissão acaba por fixar uma relação hierárquica dos postos ocupacionais dentro dos níveis da educação, o que contribui para o sentimento de instabilidade do professor iniciante.

O que podemos concluir sobre a pesquisa com professores iniciantes?

Ao longo do Educação e aprendizagem da docência, procurei caracterizar o processo de início da docência, os desafios e perspectivas frente à aprendizagem dos ofícios da carreira. Para isso, apoiei-me tanto na literatura especializada na temática, quanto em resultados de pesquisas com professores iniciantes desenvolvidas no âmbito do GEPIDEM, vinculado à UFMS, liderado por mim no período de 2013 a 2019.

A experiência do GEPIDEM em trabalhos de natureza de campo envolvendo o professor iniciante permite afirmar que o ingresso na carreira docente constitui um grande desafio para aqueles que estão em busca de um posto de trabalho no campo da docência.

Sobre o primeiro estudo, com egressas da Pedagogia, um dado importante que a pesquisa revelou foi o sentimento de “impotência” das jovens professoras perante a busca incessante do ingresso na profissão. Na interlocução com suas respostas ao questionário, retratou-se que existem algumas contribuições da formação inicial para o início da docência, a exemplo do papel que o estágio obrigatório parece exercer na constituição de suas identidades.

Apesar de todas as dificuldades e desafios postos no processo da inserção na carreira, podemos dizer que, na experiência desse estudo, as professoras egressas sentem-se motivadas para adquirir práticas de aprendizagens profissionais ao buscarem novos conhecimentos por meio da formação continuada.

Sobre a segunda pesquisa, avaliou-se a necessidade de ações coletivas das instituições de ensino para busca de medidas de apoio e desenvolvimento na profissão. Em relação às situações difíceis, as professoras apontaram limites em relação à rotina cotidiana das turmas em que atuam e a dificuldade com os desafios a superar: o relacionamento com as colegas experientes na profissão e com a gestão escolar que, em muitos casos, deixa a cargo exclusivamente do professor iniciante responsabilidades que poderiam ser compartilhadas; a falta de cursos ofertados pela rede municipal visando à gestão da sala de aula, a falta de apoio a práticas pedagógicas alternativas, que são “barradas” em detrimento de ações já existentes na cultura escolar e, ainda, a questão burocrática e o excesso de trabalho das equipes de coordenação, que amiúde alegam falta de tempo para o acompanhamento do professor novato em face das múltiplas funções administrativas.

A experiência do trabalho com narrativas, da terceira e última pesquisa relatada neste Educação e aprendizagem da docência, leva-nos a compreender melhor a formação inicial dos colaboradores que, ao terminarem suas graduações, não ficaram “parados” e foram em busca de mais aperfeiçoamento profissional com o intuito de melhor atender/ensinar seus alunos. Pode-se constatar que as dificuldades enfrentadas por eles no início da docência não são muito diferentes das relatadas pelos participantes das demais pesquisas analisadas neste Educação e aprendizagem da docência: falta de compromisso dos pais, indisciplina dos alunos, falta de companheirismo de colegas mais experientes, de valorização do professor iniciante e de apoio pedagógico por parte da gestão da escola são apontadas recorrentemente pelos docentes iniciantes de diferentes níveis da educação.

Com base nos dados, verifica-se que os problemas enfrentados são os mesmos, ou parecidos; que, na maioria dos casos, o convívio com os colegas de trabalho é o ponto-chave para uma melhor adaptação à instituição, enquanto noutros casos a questão é a relação com a gestão escolar. Constata-se, também, que cada professor desenvolveu o seu método de superação das dificuldades e aprimoramento de seus conhecimentos. O trabalho com as narrativas de professores iniciantes demonstrou que essa é uma possibilidade rica e promissora a ser explorada no contexto de autoformação dos participantes deste estudo, ao narrarem nos diários reflexivos os sentimentos do processo de aprender a ensinar, entre outras coisas.

Por fim, a busca por um referencial teórico consistente sobre a temática investigada nas três pesquisas relatadas proporcionou uma visão mais ampla de como ocorre o processo de ingresso do professor nas escolas, como também dos desafios da docência desde a Educação Infantil até o Ensino Superior. A conclusão a que chego, ao compartilhar dados de alguns dos trabalhos que orientei, é a de que existem ainda muitas dúvidas e questões que precisam ser sanadas sobre a prática do docente em início da carreira. Os dados analisados aqui apontam para a necessária relação de cooperação entre os colegas de profissão: os docentes deveriam se unir, pois somente com o apoio do grupo e da coordenação pedagógica é que conseguiremos ter um ensino com maior qualidade e superaremos alguns dos dilemas decorrentes do processo de iniciação à docência.

1Os procedimentos éticos durante a realização das pesquisas que deram origem ao texto apresentado respeitam os protocolos do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e os dados apresentados foram aprovados, pela Plataforma Brasil, a partir do projeto Desenvolvimento profissional de professores que ensinam matemática em início de carreira: a aprendizagem colaborativa da docência - CAAE: N. 27854114.2.0000.0021.

2A partir de 19 de fevereiro de 2019, assumi, via Concurso Público e Prova de Títulos, o cargo de Professor Adjunto no Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas (DTPP) do Centro de Educação e Ciências Humanas (CECH) na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar, São Carlos) na área de “Educação Matemática nos anos iniciais”.

REFERÊNCIAS

CIRÍACO, K. T.; MORELATTI, M. R. M. A reflexão como possibilidade de desenvolvimento profissional no início da docência em Matemática. In: CIRÍACO, K. T.; BEZERRA, G. F. (Orgs.). Educação Básica, formação de professores e inclusão: práticas e processos educacionais em diferentes cenários. 1. ed. Curitiba: CRV, 2013. [ Links ]

ESTEVES, M.; RODRIGUES, A. A formação de professores: especificidades e problemas. In: ESTEVES, M.; RODRIGUES, A. (Orgs.). Análise de necessidades na formação de professores. Porto: Porto, 1995, p. 39-42. [ Links ]

FONTANA, R. C. Trabalho e subjetividade. Nos rituais da iniciação, a constituição do ser professora. Cadernos CEDES, v. 20, n 50. p. 107-119, 2000. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ccedes/a/LWR9qs7XK6BkyKJ8q4gB3Qc/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 14 mar. 2023. [ Links ]

FRANCO, F. C. O coordenador pedagógico e o professor iniciante. In: FRANCO, F. C.; ALMEIDA, L. R.; BRUNO, E. B. C.; CHRISTOV, L. H. da S. (Orgs.). O coordenador pedagógico e a formação docente. São Paulo: Loyola, 2000, p.33-36. [ Links ]

FREITAS, M. N. de C. Organização escolar e socialização profissional de professores iniciantes. Cadernos de Pesquisa, n. 115, p. 155-172, março de 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cp/a/ssCqvfGzqp8HbFMsGQyDJqk/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 10 mar. 2023. [ Links ]

GAMA, R. P. Professores iniciantes e o desenvolvimento profissional: um olhar sobre as pesquisas acadêmicas brasileiras. In: FIORENTINI, D.; GRANDO, R. C.; MISKULIN, R. G. S. (Orgs.). Práticas de Formação e de Pesquisa de Professores que Ensinam Matemática. Campinas -SP: Mercado de Letras, 2009, p.101-124. [ Links ]

GATTI, B. A.; BARRETTO, E. S. de S.; ANDRÉ, M. E. D. de A. Políticas docentes no Brasil: um estado da arte. Brasília: UNESCO. 2011. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000212183. Acesso em: 10 mar. 2023. [ Links ]

GAUTHIER, C. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Editora Unijuí, 1998. [ Links ]

GHEDIN, E.; ALMEIDA, M. I.de; LEITE, Y. U. F. Formação de professores: caminhos e descaminhos da prática. Brasília: Líber Livro Editora, 2008. [ Links ]

HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. Porto/Portugal: Porto, 1995, p.31-78. [ Links ]

LAKATOS, E. M.; MARCONI. M. A. Metodologia do trabalho científico. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2001. [ Links ]

LIMA, E. F. de (Org.). Sobrevivências no início da docência. Brasília: Líber Livro Editora, 2006. [ Links ]

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. Pesquisa em educação: Abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. [ Links ]

MARCELO GARCÍA, C. Formação de professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto Editora, 1999. [ Links ]

MARIANO, A. L. S. O início da docência e o espetáculo da vida na escola: abrem-se as cortinas. IN: LIMA, E. F. de. (Org). Sobrevivências no início da docência. Brasília: Líber Livro Editora, 2006, p.17-26. [ Links ]

MIZUKAMI, M. da G. N. Aprendizagem da docência: algumas contribuições de L. S. Shulman. Educação. v. 29, n. 2, p. 33-50, 2004. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/reveducacao/article/view/3838. Acesso em: 17. mar. 2023. [ Links ]

NONO, M. A.; MIZUKAMI, M. da G. N. Processos de formação de professoras iniciantes. R. bras. Est. Pedag., Brasília, v. 87, n. 217, p. 382-400, set./dez. 2006. Disponível em: http://rbep.inep.gov.br/ojs3/index.php/rbep/article/view/1450/1189. Acesso em: 25 fev. 2023. [ Links ]

NÓVOA, A. Profissão professor. Lisboa: Porto, 1995. [ Links ]

PERRENOUD, P. A prática reflexiva: chave da profissionalização do ofício. In: PERRENOUD, P. A prática reflexiva do ofício de professor: profissionalização e razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002, p.11-25. [ Links ]

PIMENTA, S. G. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: PIMENTA, S. G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo: Cortez, 1999, p.15-34. [ Links ]

ROCHA, G. A. Por uma política institucional comprometida com o início da carreira docente enquanto um projeto coletivo. In: Reunião Anual da Anped, 29. 2006, Caxambu. Anais... Caxambu: ANPEd, 2006. Disponível em: http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT08-2611--Int.pdf. Acesso em: 15 jan. 2023. [ Links ]

SILVA, M. C. M. O primeiro ano da docência: o choque com a realidade. In: ESTRELA, M. T. (Org.). Viver e construir a função docente. Lisboa: Porto, 1997, p.48-63. [ Links ]

SOUZA, D. B. de. Os dilemas do professor iniciante: reflexões sobre os cursos de formação inicial. Revista Multidisciplinar da Uniesp Saber Acadêmico, n. 8, p. 35-45, dez. 2009. Disponível em: https://espacomarciocosta.com/pdf/ingles/questoes-teoricas-e-metodologicas/os-dilemasdo-professor-iniciante-souza-2009.pdf. Acesso em: 15 mar. 2023. [ Links ]

SOUZA, E. C. História de vida e práticas de formação: escrita de si e cotidiano escolar. Salto para o Futuro. TV Escola/SEED/MEC, 26 a 30 de março de 2007. Disponível em: http://www.tvbrasil.org.br/fotos/salto/series/165212Historias.pdf. Acesso em: 24 jan. 2023. [ Links ]

TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 8. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. [ Links ]

TARDIF, M.; LESSARD, C.; LAHAYE, L. Os professores face ao saber: um esboço de uma problemática do saber docente. Teoria e educação: Porto Alegre, n. 4, p. 215-233, 1991. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4903161/mod_resource/content/2/TARDIF%2C%20Maurice%20et%20al.%20Os%20professores%20face%20ao%20saber%20-%20esbo%C3%A7o%20de%20uma%20problem%C3%A1tica%20do%20saber%20docente.pdf . Acesso em: 15, mar. 2023. [ Links ]

VEENMAN, S. Problemas percebidos de professores iniciantes. Review of Educational Research, v. 54, n. 2, p.143-178, jul.-set. 1984. [ Links ]

Recebido: 17 de Março de 2023; Aceito: 05 de Julho de 2023

Creative Commons License Este é um Educação e aprendizagem da docência publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.