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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

Print version ISSN 0104-7043On-line version ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.32 no.71 Salvador July/Sept 2023  Epub Apr 22, 2024

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2023.v32.n71.p274-286 

Educação e aprendizagem da docência

QUAIS OS DESAFIOS DO INÍCIO NA DOCÊNCIA? ESTUDO COM PROFESSORES DO CEARÁ

WHAT ARE THE CHALLENGES OF BEGINNING IN TEACHING? STUDY WITH TEACHERS FROM CEARÁ

¿CUÁLES SON LOS DESAFÍOS DE COMENZARSE EN LA DOCENCIA? ESTUDIAR CON PROFESORES DE CEARÁ

Maria Mikaele da Silva Cavalcante1 

Doutora em Educação (UECE). Docente dos anos iniciais da Rede Pública Municipal de São Gonçalo do Amarante, Ceará, Brasil. E-mail: mikaele262009@hotmail.com


http://orcid.org/0000-0002-4551-6495

Iure Coutre Gurgel2 

Doutorando em Educação (UECE). Docente na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Patu, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: iure.gurgel@aluno.uece.br


http://orcid.org/0000-0002-3760-2764

Luciana de Oliveira Souza Mendonça3 

Doutora em Educação (UECE). Docente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará, Maracanaú, Brasil. E-mail: lucianamendonca@ifce.edu.br


http://orcid.org/0000-0002-8950-092X

1E.E.F. Poetisa Abigail Sampaio

2Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

3Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará


RESUMO

Este Educação e aprendizagem da docência versa sobre os desafios docentes de professores iniciantes cearenses. O objetivo desta pesquisa foi compreender os desafios dos primeiros anos de atuação como professores no contexto do Ceará. O aporte teórico foi norteado pelos referenciais de: Cruz, Farias e Hobold (2020), Garcia (2010) e André (2018). Com relação aos aspectos metodológicos, recorremos à pesquisaformação, na perspectiva de Delory-Momberger (2008). Os resultados apontam que os professores iniciantes vivem inúmeros desafios nos seus primeiros anos de docência, o que torna esse momento difícil, mas também permeado de intensas aprendizagens, sendo este um processo dinâmico, subjetivo e complexo. Esperamos com este estudo potencializar as discussões na área de formação e atuação de professores.

Palavras-chave Desafios da docência; professores iniciantes; Ceará

ABSTRACT

This article deals with the teaching challenges of beginning teachers from Ceará. The objective of this research was to understand the challenges of the first years of acting as teachers in the context of Ceará. The theoretical contribution was guided by the references of: Cruz, Farias and Hobold (2020); Garcia (2010); Andrew (2018). With regard to methodological aspects, we resorted to research-training, from the perspective of Delory-Momberger (2008). The results indicate that beginning teachers experience numerous challenges in their first years of teaching, which makes this moment difficult, but also permeated with a lot of learning, which is a dynamic, subjective and complex process. With this study, we hope to enhance discussions in the area of teacher education and performance.

Keywords Teaching challenges; beginning teachers; Ceará

RESUMEN

Este artículo trata sobre los desafíos de enseñanza de los profesores principiantes de Ceará. El objetivo de esta investigación fue comprender los desafíos de los primeros años de actuación docente en el contexto de Ceará. El aporte teórico estuvo guiado por las referencias de: Cruz, Farias y Hobold (2020); García (2010); Andrés (2018). En cuanto a los aspectos metodológicos, recurrimos a la investigación-formación, desde la perspectiva de Delory-Momberger (2008). Los resultados indican que los docentes principiantes experimentan numerosos desafíos en sus primeros años de docencia, lo que hace que este momento sea difícil, pero también permeado de mucho aprendizaje, que es un proceso dinámico, subjetivo y complejo. Con este estudio, esperamos enriquecer las discusiones en el área de formación y desempeño docente.

Palabras clave Desafíos docentes; maestros principiantes; Ceará

Introdução1

Os professores são sujeitos que aprendem, mudam e se desenvolvem ao longo de suas trajetórias profissionais na carreira. No entanto, é durante os primeiros anos de atuação que vivem um momento de intensas aprendizagens, permeado de desafios, dilemas e situações de diferentes ordens. O debate sobre os desafios docentes, sobretudo em início de carreira, é fundamental e urgente para se pensar a formação e atuação docentes, aspectos esses que interferem diretamente no processo de desenvolvimento profissional.

Os primeiros anos na docência são determinantes para a permanência na profissão, mas também para a constituição profissional de cada professor, pois embora o aprendizado ocorra ao longo de toda a sua trajetória na carreira, acontece de maneira mais intensa no decorrer de suas primeiras experiências na docência, momento em que são registrados e marcados os sentimentos, desafios e aprendizagens iniciais do contato com esse fazer laboral (CAVALCANTE, 2023).

Partindo desse entendimento, é preciso que se “reconheça que a docência é uma profissão complexa, que exige um aprendizado constante e que para enfrentar as questões e os desafios da prática cotidiana é preciso continuar estudando, recorrer a colegas mais experientes, buscar apoio, dispor-se a aprender” (ANDRÉ, 2018, p. 6). Nesse sentido, buscando dar continuidade às reflexões desenvolvidas pela autora, surgem outras provocações que potencializam o presente estudo: quais os principais desafios enfrentados pelos professores nos seus primeiros anos de docência? De que natureza são esses desafios? Quais desafios têm maior tônica no exercício do trabalho docente?

Os desafios que são postos aos professores em seu primeiro contato com sua atividade profissional não são exclusivos da docência. Todo profissional sente o peso de estar num ambiente novo pela primeira vez, o medo daquilo que não conhece e o entusiasmo de conseguir alcançar o que se espera dele. O fato é que as situações dilemáticas enfrentadas pelos iniciantes são variadas, às vezes referentes a especificidades da realidade escolar em que estão inseridos. Por mais que não se possa apontar para um único elemento desafiador, alguns autores da área da formação de professores já arriscam pontuar determinados aspectos, a exemplo das professoras portuguesas Alarcão e Roldão (2014) que, após análise de pesquisas realizadas sobre a temática, sinalizam em seus estudos que as dificuldades experienciadas pelos professores iniciantes são de diferentes naturezas:

As dificuldades sentidas pelos professores em início de carreira são de várias ordens: científico-pedagógica (gestão do ensino, problemas de indisciplina e desmotivação, diferenciação de ritmos de aprendizagem, gestão do currículo, relacionamento com os alunos, avaliação), burocrática (conhecimento da legislação, dos regulamentos, do funcionamento da escola, diversidade de tarefas e tempo para as gerir, assunção de cargos sem preparação), emocional (autoconhecimento, autoestima e autoconfiança, isolamento, angústias, gestão das dimensões pessoal e profissional), social (identidade e identificação profissional, relacionamento com os colegas, desconhecimento das regras de conduta, relacionamento com os encarregados de educação). É habitual falar-se em resolução das dificuldades por tentativa e erro neste período em que aos saberes aprendidos na formação inicial é preciso dar uma orientação prática e contextualizada (ALARCÃO; ROLDÃO, 2014, p. 112, grifos nossos).

Aqui, neste escrito, são discutidos os principais desafios enfrentados por esses profissionais iniciantes na Educação Básica Cearense. Trata-se de uma investigação inserida no campo da formação de professores, por meio de uma pesquisa interinstitucional, de cunho qualitativo, do tipo pesquisa-formação, com a participação de universidades de três diferentes regiões brasileiras (FARIAS; CRUZ; HOBOLD, 2020).

A escolha pela pesquisa-formação se deu por esta propiciar aos participantes o movimento de construção/reconstrução permanente de conhecimentos, possibilitando que reflitam diretamente sobre suas práticas e assim, entrelacem-nas às histórias de vida e formação. Ou seja, esta modalidade garante um processo de autorreflexão como um caminho fértil para o desenvolvimento do potencial de transformação do sujeito e de reconstrução das trajetórias, reconfigurando sentidos da vida na globalidade da existência (CUNHA, 2001; FRANCO, 2003).

Nesta produção é abordada apenas a realidade do Ceará, um dos estados brasileiros situados na região Nordeste. Este estado possui índices expressivos quanto aos resultados das avaliações externas, razão pela qual recebe significativa atenção e destaque em meio ao contexto educacional brasileiro, o que nos leva a buscar compreender os desafios que são enfrentados pelo corpo docente - afinal, são estes que impulsionam as aprendizagens iniciais, as quais consequentemente provocam e interferem no desenvolvimento profissional docente, discussão abordada a seguir.

Aprender a ensinar e desenvolver-se profissionalmente: um convite à reflexão

Estudiosos contemporâneos na área da formação de professores têm afirmado que, na sociedade atual, ser professor tem se tornado uma atividade cada vez mais complexa e revestida de inúmeros desafios (MARCELO GARCIA, 2010; NÒVOA, 1992; FARIAS, 2022; MIZUKAMI, 2010). No cerne dessas mudanças, paira a nossa compreensão sobre o que é aprender, sobre como o professor aprende a profissão. Assim, comungamos com Vaillant e Garcia ao pontuarem em seus escritos que:

Aprender na sociedade da informação e do conhecimento supõe criar espaços de colaboração e intercâmbios abertos, fluidos e com poucas restrições, que permitam às pessoas darem respostas a seus problemas através de um apoio sustentado pela comunidade-rede à qual pertencem. O conhecimento não pode ser compreendido à margem do contexto no qual surge e ao qual se aplica (VAILLANT; GARCIA, 2012, p. 201).

A partir das reflexões supracitadas, reconhecemos ser a aprendizagem um processo dinâmico, complexo, singular e nutrido por meio das vivências e relações construídas pelos sujeitos nos diferentes espaços, sejam eles institucionais ou não. No caso deste texto, aprender a ser professor na sociedade da informação é um processo constituído de maneira subjetiva, dialógica e perpassado por inúmeras situações dilemáticas no contexto escolar que refletem diretamente no processo de construção identitária do profissional docente.

Para enfrentar essas situações, por vezes desafiadoras e complexas em suas múltiplas dimensões, se faz necessário definir o professor iniciante, foco desse escrito, como aquele recém-formado e que exerça a docência nos cinco primeiros anos da profissão (VEENMAN, 1984); um profissional que passa por um processo de metamorfose, no sentido de aprender continuamente a profissão, de necessitar de acompanhamento por parte da instituição e dos professores mais experientes, como caminho necessário ao desbravamento de novas possibilidades que contribuam para o desenvolvimento de um trabalho de qualidade, reconhecendo essas dinâmicas como elementos basilares para a efetivação da ação docente.

Dessa forma, a tessitura desse texto deu-se a partir de algumas reflexões resultantes de estudos desenvolvidos acerca da aprendizagem da docência - BOLZAN (2006, 2011); BOLZAN; ISAIA (2010); MIZUKAMI (2010) e FARIAS (2021) - que indicam uma preocupação crescente com relação à ausência de espaços formativos que contemplem a especificidade de ser/aprender a ser professor, bem como a necessidade de um olhar por parte da gestão aos professores iniciantes na profissão no sentido de ajudar a lidar com as inúmeras situações que esses profissionais experienciam nessa fase inicial.

Por esse motivo, o debate acerca da docência vem assumindo contornos significativos nas últimas décadas no cenário brasileiro, sobretudo com a preocupação de muitos pesquisadores em investigar o processo de desenvolvimento profissional desses professores, reconhecendo ser a docência um espaço fértil para a ampliação desses estudos.

Pensar a aprendizagem da docência implica inicialmente destacarmos a nossa compreensão sobre o que é ser professor, pois a docência é uma ação que abarca atividades múltiplas, desenvolvidas pelos professores, orientadas para a preparação de futuros profissionais (ISAIA; BOLZAN, 2010). Em outras palavras, é o que afirmam Reali, Tancredi e Mizukami (2008), ao sinalizarem que

[entre] as características da docência, está a de que aprender a ensinar e a ser professor são processos contínuos que ocorrem ao longo da vida, o que leva a considerar que a competência profissional para a docência não é consequência apenas da realização de cursos de formação inicial (REALI; TANCREDI; MIZUKAMI, 2008, p. 29).

Assim sendo, partimos do princípio de que a aprendizagem é um processo dinâmico, vivo, contínuo e que ocorre a partir da relação entre os sujeitos com o objeto de conhecimento, ajudando os indivíduos a se apropriarem da cultura e se tornarem parte dela. Consideramos também que o aprender a ser professor abriga um complexo processo de elaboração entre o já vivido e a criação de novas e distintas configurações da ação docente, as quais imprimem exigências e necessidades que se constituem no contexto da atuação profissional destes docentes.

Nesse debate, visualizamos o processo de aprendizagem da docência como um continuum (Nòvoa, 1992), de modo a romper com uma concepção fragilizada acerca da docência e com um olhar naturalizado sobre a profissão docente: por muito tempo, acreditou-se que ser professor era dominar os conteúdos específicos da área, proferindo expositivamente a matéria a ser ensinada. Em contraponto, neste texto, a compreensão de aprendizagem da docência ganha relevo a partir dos estudos e pesquisas desenvolvidos por Mizukami (2010, p. 47), para quem:

Aprender a ensinar e a se tornar professor são [...] processos e não eventos (KNOWLES et al., 1994, p. 286), processos estes - pautados em diversas experiências e modos de conhecimento - que são iniciados antes da preparação formal, que prosseguem ao longo desta e que permeiam toda a prática profissional vivenciada.

Mizukami (2010) também indica que a aprendizagem da docência é desenvolvimental, subjetiva e que abarca as diferentes experiências constitutivas do fazer docente, com diferentes tipos de aprendizagens que podem ser originárias de fontes diversas, pois aprender a ser professor é um processo dinâmico, não linear, que ocorre ao longo da vida, envolto em mudanças e singularidades, influenciado pelas crenças, pelos valores e pelas expectativas do sujeito.

Por esse motivo, consideramos que o professor aprende a profissão docente a partir das ações coletivas entre pares, no diálogo constante e nas reflexões acerca do seu trabalho pedagógico e do que esses profissionais pensam sobre o que é ensinar e aprender, coadunando, assim, para a ampliação do papel social da escola e do alargamento do seu objetivo de formar as novas gerações por meio dos conhecimentos necessários à sua inserção na vida em sociedade; uma escola pensada, por conseguinte, a partir do tipo de ser humano e de sociedade que se intenta promover por meio da prática educativa (FARIAS; CASTRO; VEIGA, 2020).

Com base nessas considerações, o processo de desenvolvimento profissional docente tem sido compreendido como esse movimento de longo prazo que integra diferentes tipos de experiências, vivências e desafios, planejadas e oportunizadas de forma sistemática e colaborativa, cujo propósito caracteriza-se por promover o crescimento profissional e a aprendizagem da docência (MARCELO GARCIA, 2009).

Diante dessa compreensão, corroboramos com André (2012, p. 6) quando pontua que “a aprendizagem da docência não se encerra na conclusão dos cursos de licenciatura, mas deve prosseguir ao longo da carreira”, ou seja, ser um bom professor pressupõe um longo processo (MARCELO GARCIA, 2009), o que envolve desafios e dificuldades que devem ser mobilizadores de aprendizagens.

Especificamente, tratando-se da aprendizagem da docência nos primeiros anos de carreira do professor, Garcia (1999) aponta que a inserção profissional é importante para o desenvolvimento profissional, haja vista que constitui um período de experimentação e de intenso aprendizado diante do “choque de realidade” (termo cunhado por Veenman para descrever a transição entre a formação inicial e o trabalho docente na escola nos primeiros anos).

Pesquisas clássicas como as de Veenman (1984) e Huberman (2007) tratam o início de carreira docente como um período de sobrevivência e descobertas. Relatam que o professor iniciante, ao se inserir na carreira, geralmente sente um tipo de “choque de realidade”, descrito por Veenman (1984, p.143) como um embate inicial com a complexidade e imprevisibilidade que caracterizam a profissão docente, com a idealização da profissão e a vida cotidiana da escola, abarcando aspectos como a gestão da sala, a falta de boas condições de trabalho, desvalorização da carreira etc. (NONO, 2011).

Mesmo diante desse choque de realidade, o professor iniciante, muitas vezes sem apoio, tenta sobreviver na carreira - o que a literatura chama de “período de sobrevivência”. Esse momento é um processo que envolve identidade, apropriação e aprendizagem do “ser professor” como força motriz para se manter na carreira, conforme o docente tenta, no processo de inserção profissional, ajustar suas expectativas em relação a escola idealizada, escola real e suas experiências, que trazem muitas angústias e sentimentos contraditórios, dilemas e solidão marcantes (MENDONÇA, 2022).

A pesquisa de Lima et al. (2007, p. 143144), que objetivou analisar os resultados de algumas dissertações e teses defendidas em um mesmo Programa de Pós-Graduação em Educação, ajuda-nos a compreender melhor o sentir, agir e o reagir do professor em início de carreira, dentre cujas características destacamos:

  1. o “choque de realidade” entre a profissão sonhada e a realidade que se apresenta;

  2. necessidade de isolamento e atuação individual, para não demonstrar insegurança e lacunas;

  3. preocupação excessiva em adaptar-se a regras, mecanismos burocráticos da escola e de controle do fazer docente, podendo gerar submissão à cultura escolar sem reflexões críticas;

  4. preocupação com a indisciplina dos alunos para não demonstrar a ausência de autoridade;

  5. preocupação com o planejamento, com a aprendizagem de conteúdos e avaliações externas para não demonstrar fragilidades;

  6. experimentação de diversos modelos de ensino, mesmo que alguns dos professores apenas reproduzam esses modelos sem a devida reflexão do como e do porquê utilizá-los para o ensino de determinado conteúdo;

  7. fortalecimento de sua identidade através de melhoria dos contextos, das relações vivenciadas na escola e de importantes transformações pessoais e profissionais, embora ainda estejam em processo de superação dos diferentes problemas que se apresentam;

  8. os Desafios que encontram no início da docência, os quais geram expectativas e frustrações que podem determinar, no limite, a permanência, aprendizagem da docência ou a evasão da profissão;

  9. Processos de ensino-aprendizagem guiados por tentativas e erros.

Por isso, como pondera André (2018),

O principiante precisa receber apoio e orientação no ambiente de trabalho, de modo que reconheça que a docência é uma profissão complexa, que exige um aprendizado constante e que para enfrentar as questões e os desafios da prática cotidiana é preciso continuar estudando, recorrer a colegas mais experientes, buscar apoio, dispor-se a aprender (ANDRÉ, 2018, p. 6).

Tendo isso em vista, é perceptível que sem o apoio necessário para permanecer na carreira o professor iniciante vive momentos muito difíceis. Por outro lado, pode ser um momento de descobertas; envolve vários aspectos que favorecem ou dificultam a inserção profissional docente, dentre eles, destacam-se o acolhimento e o contexto escolar no qual estiver se inserindo, a formação inicial, as experiências ligadas ao ensinar, ao relacionar-se, ao seu jeito de ser, atuar e resolver problemas.

Assim, no próximo tópico apresentamos o que dizem os professores cearenses iniciantes sobre os desafios em seus primeiros anos de atuação profissional.

Desafios da docência nos primeiros anos da profissão: o que nos revelam os professores cearenses?

Neste tópico apresentamos as narrativas de professores cearenses iniciantes na profissão, com menos de cinco anos de atuação profissional, resultadas de uma pesquisa-formação. Nessa produção analisamos as narrativas dos professores iniciantes cearenses quanto aos desafios e as aprendizagens dos primeiros anos de docência. Em suas narrativas, os professores indicam que vivenciaram e permanecem experienciando inúmeros desafios na sua vida cotidiana como docentes. Tais desafios acabam assumindo diferentes frentes em seus processos de desenvolvimento profissional, aprendizagem da docência e experiência na docência.

Os professores iniciantes participantes da pesquisa indicam como ocorreu o seu ingresso na rede de ensino, destacando o choque de realidade, primeiras impressões e desafios iniciais do contexto em que foram inseridos. Os professores informam que o processo de adaptação foi difícil, uma fase permeada por inúmeros sentimentos e, com isso, surgiu, para alguns, uma crise identitária.

Com relação ao processo de adaptação, os professores iniciantes participantes, independentemente da etapa de ensino, apresentam um conjunto de sentimentos nesses primeiros anos na docência: desânimo, entusiasmo, solidão e medo.

A gente escutava nos corredores da faculdade, os professores mais antigos falando isso, que a vida do professor era solitária. Quando eu fechei a porta da minha sala (risos), eu pude dizer isso, ‘é, a vida do professor realmente é só ele e ele’ (PROFESSOR INICIANTE-9, grifo nosso).

[...] o meu grande desafio pessoal era o medo de errar. Eu tinha muito medo de não fazer as coisas certas, das pessoas não gostarem, dos pais não gostarem, dos alunos não terem um desenvolvimento. Então assim, esse medo de errar me consumia (PROFESSOR INICIANTE-10, grifo nosso).

Quando eu conheci a turma, veio o desafio de que ainda tinham alunos para serem alfabetizados, alunos alfabetizados, alunos entre 9 e 14 anos. E como eu sou pequena, tenho 1,55cm de altura, então tinham uns meninos que eram maiores do que eu. Isso já me gerou medo, receio, daquela coisa da firmeza. Será que eu vou conseguir? (PROFESSOR INICIANTE-6, grifo nosso).

[...] às vezes eu me olho aqui cheio de post-it, são muitos diários e muitas informações, e eu não sei o que fazer. Eu não vou mentir que às vezes aquele desgaste, aquele cansaço bate, mas tem eu tento botar a cabeça no lugar, e uma coisa por vez que há de andar e caminhar! (PROFESSOR INICIANTE-20, grifo nosso).

As narrativas dos professores iniciantes indicam a fragilidade em que se encontram nesse momento inicial de seus trabalhos, quando sentem inúmeros sentimentos, ficam inseguros e têm dificuldades de lidar com os mais diversos desafios que surgem associados à sua prática docente. Esse momento da vida do professor pode “gerar insegurança, o que é comum, pois mesmo aqueles que tiveram uma excelente formação e ‘sentem-se’ preparados para esse momento, enfrentaram o ‘choque de realidade’” (CAVALCANTE, 2018, p. 81). É uma fase na qual o docente passa por um período de “desajustamento ao perceber que, na prática real do ensino, nem tudo é previsível, controlável e harmonioso como se almejava” (LEONI, 2013, p. 106). Por outro lado, alguns professores participantes da pesquisa narraram que apesar de todos esses sentimentos e desafios, nem sempre positivos, houve entusiasmo e confiança de que iriam conseguir se desenvolver e fazer um bom trabalho, conforme é possível perceber nos trechos a seguir apresentados:

[...] a gente tem muito entusiasmo, eu pelo menos tinha, tenho muito entusiasmo ainda em fazer o meu trabalho, em ter um olhar reflexivo sobre o meu aluno, sobre a minha prática (PROFESSOR INICIANTE-6, grifo nosso).

Eu tinha que dar conta de crianças que estavam bem desenvolvidas, que já estavam no cinco, e de crianças que ainda estavam em desenvolvimento, em fase de aprender a escrita do nome, e eu tive uma dificuldade muito grande, mas eu consegui me sobressair. Em momento algum pensei em desistir (PROFESSOR INICIANTE-4, grifo nosso).

Por mais que os primeiros anos na profissão possam ser desafiadores para todos, o entusiasmo e ânimo pela profissão podem ser fatores que tornam o dia a dia mais leve e fácil para alguns professores, levando-os a várias descobertas e aprendizagens, como indicam Nono e Mizukami (2006) e Mendonça (2022) O fato é que tais sentimentos surgem diante da necessidade de ter que se adaptar a um sistema, no caso, ao sistema escolar, que possui suas demandas diversas, rotina particular e situações específicas, dilemas éticos etc.

Os professores iniciantes destacaram que o dia a dia na escola, as inúmeras cobranças e atividades que lhes são exigidas também são um desafio à parte, principalmente com relação às cobranças das avaliações externas, que costumam nortear a dinâmica da escola, conduzir tanto o trabalho docente como o processo de ensino e aprendizagem. Vejamos os excertos a seguir.

A escola que eu trabalho, eles cobram muito essa questão da alfabetização no Infantil V, a direção da escola quer que os alunos saiam sabendo escrever o nome, saiam conseguindo formar sílabas curtas. Inclusive, quando estava na escola, no momento presencial, uma colega minha falou que no final do ano a diretora da escola fazia uma avaliação, para saber quais eram os melhores alunos da sala e ela ia ficar com aqueles alunos. Os alunos que ela considerava que não eram alunos tão bons, ia ser direcionados para outras escolas, porque o objetivo da diretora era cumprir essas metas que vêm do governo, essas provas externas, então ela selecionava os melhores alunos do Infantil V. (PROFESSOR INICIANTE-6)

Aí o que acontece, na hora do vamos ver a gestão vem e diz assim: ‘Pessoal, a gente não concordou que aprovação seria 98%?’, ‘Por que o aluno tal, não tá sendo aprovado?’. ‘Pessoal, a gente precisa no começo do ano letivo ter um total de X aluno na escola, se não tiver o total de X matrícula na escola, infelizmente os professores temporários vão ficar desempregados’. Eu sou professor temporário, eu tenho família, eu tenho responsabilidade, eu não posso ficar desempregado. Então, automaticamente o sistema está me colocando contra a parede, eu preciso aprovar, eu tenho que aprovar, está entendendo? (PROFESSOR INICIANTE-22).

E eu lembrei agora das avaliações, quando a discussão aqui começou, quando eu entrei coincidentemente estava com meu Google Forms aberto com todas as provas e peguei algumas aqui que “meu Deus do céu”, tem hora que você quer jogar tudo pro alto, porque ‘meu Deus, o que é que eu faço com esse aluno?!’. (PROFESSOR INICIANTE -17).

As avaliações citadas pelos professores acabam sendo um ponto central das escolas, pois são elas que “servem” como termômetro para identificar se o processo de ensino e aprendizado teve êxito. Evidentemente, há múltiplos fatores que interferem nessa dinâmica e os resultados das avaliações externas nem sempre representam efetivamente o que acontece em sala de aula, os progressos e outros fatores que favorecem ou dificultam que essa aprendizagem ocorra. Porém, as escolas são penalizadas e cobradas pelos resultados obtidos nessas avaliações e, consequentemente, recai sobre o professor a responsabilidade de garantir bons resultados dos seus alunos.

As escolas de Educação Básica têm se organizado a partir das avaliações externas e, por mais que se diga que o professor possui autonomia para dinamizar e conduzir seu trabalho, esses profissionais sofrem toda uma pressão por parte da secretaria de educação e gestão escolar para que sejam essas avaliações o foco do ensino e aprendizagem, desconsiderados todos os outros fatores e nuances que envolve o ato de ensinar. Os professores de turmas que não serão avaliadas naquele ano ainda têm a possibilidade de desenvolver o seu trabalho sem tanta pressão, diferentemente dos professores das “turmas de foco” (2º, 5º, 9º ano do ensino fundamental e 3º ano do ensino médio, avaliados pelo SPAECE e ENEM), os quais geralmente acabam seguindo a ordem imposta por não encontrarem outras possibilidades, principalmente quando se trata de professores em início de carreira.

Além dessas cobranças com relação às avaliações externas, os professores também indicam que as atividades burocráticas são um desafio em seu contexto de trabalho:

O primeiro desafio foi me adaptar ao sistema, que sistema é esse? É o sistema que a gente tem na escola em si, a rotina escolar, como é que ele trata um professor, os preenchimentos de diário, é, a rotina, as reuniões diárias, os conteúdos para abordar (PROFESSOR INICIANTE-19).

Quando você está na faculdade, a gente aprende como lidar com aquelas documentações comprobatórias do estágio, mas não se fala do que a gente tem que fazer lá na escola, quando a gente está lá! Como é um diário, como organiza, se tem um livro para assinar quando chega lá, alguma coisa, tipo assim, esses detalhes que fazem parte da rotina do professor e da escola, mas que não foram mencionados antes. Ser a única professora de Educação Física da escola (PROFESSOR INICIANTE-16).

[...] esses desafios de burocracias, como está nesse ensino remoto e, principalmente, a Educação Física no ensino remoto, e aí muita coisa acaba recaindo nas costas do professor, e daí a gestão, te vê como um professor novo, que está chegando, concursado, e tomar esse peso sobre as costas (PROFESSOR INICIANTE-20).

Sobre esses desafios, em particular, é importante ponderar que a própria dinâmica cotidiana favorece que os professores aprendam a lidar com as inúmeras atividades burocráticas que surgem em seu dia a dia, mas também é um aspecto que poderia ser sanado ou vivenciado de forma mais tranquila se esses professores tivessem um acompanhamento adequado e constante, o que é negligenciado em muitos casos.

Alves (2017) considera que o profissional no início da carreira docente precisa atender a expectativas que vão além do ato de ensinar, mas que também compõem o rol de atividades do professores, sendo parte da sua função, como, por exemplo: interação com os pais e/ ou responsáveis, desenvolvimento de planejamento que atenda às necessidades de aprendizagem, preenchimento de diários, atendimento às atividades burocráticas solicitadas pelas secretarias de educação, desenvolvimento de atividades diferenciadas que atendam às crianças com dificuldades de aprendizagem ou um aluno desmotivado/indisciplinado, mediação de conflito dentro e fora da sala de aula etc. Portanto, engana-se o professor que pensa ser o trabalho em sala de aula sua única função, o que pode ser um fator a mais para se preocupar, sentir-se tensionado e ter que lidar em suas atividades diárias.

Outro desafio apontado pelos professores dos anos finais do ensino fundamental e ensino médio é com relação aos alunos em si, as realidades e dificuldades que se apresentam no período da adolescência. Os docentes destacam como é custoso, muitas vezes, conseguir dar aula para esse público.

Ai, tem até a questão da vulnerabilidade social que eu me identifiquei aqui bastante, porque eu já tive questões, alguns alunos, no meu primeiro ano, peguei uma turma que tinha duas alunas que estavam grávidas, alunas do 9º ano (PROFESSOR INICIANTE-17).

Eu relatei o seguinte, que muitas das vezes eu ficava em silêncio, silêncio e aguardando que aquela baderna acabasse, que aquele barulho amenizasse, que eu tivesse espaço de fala. (PROFESSOR INICIANTE-22)

E quando eu cheguei lá eu não consegui dar aula, não consegui, os alunos eram, apesar de ser um terceiro ano do Ensino Fundamental, tinham muita violência. O primeiro dia de aula um aluno enfiou uma caneta na cabeça do outro, para vocês terem noção. Então, assim para mim aquilo foi assustador! Quando eu cheguei em casa foi só choro, foi só choro, eu achava que eu não ia mais conseguir e tal e não queria voltar, mas eu precisava voltar. (PROFESSOR INICIANTE-10)

[...] porque estavam brigando eu fui separar e ‘Ah tio, cuidado que eu vou te pegar lá fora’, alguma coisa assim, aí botei de castigo no final da aula e ficou chutando a bolsa e eu disse: ‘Poxa, daqui a pouco ele vai me querer chutar também.’ (sorri) Bem complicado, mas é isso. (PROFESSOR INICIANTE-13)

O desafio da violência, indisciplina e dificuldade em lidar com o público adolescente é muito significado e, em geral, fica restrito aos professores que atuam nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio. Para alguns autores da área, esses motivos estão entre os mais apontados quando se trata do “elevado índice de abandono da profissão, isto é, professores experientes que se afastam por adoecimento ou por não suportarem mais serem vítimas de violência física e/ ou simbólica no cotidiano da sala de aula” (ARANHA; SOUZA, 2013, p. 80). Sobre esse assunto, Garcia (2010) indica que “muitos professores abandonam a profissão e fazem isso por estarem insatisfeitos com seu trabalho devido aos baixos salários, a problemas de disciplina com os alunos, à falta de apoio e poucas oportunidades para participar na tomada de decisões” (p. 30).

Com relação aos adolescentes, há um agravante com relação aos demais alunos, pois a família costuma ser mais distante do que as dos alunos menores, o que implica em uma sensação maior de desamparo e solidão por parte dos professores que enfrentam esse desafio. Além disso, muitos temem pela própria integridade física diante desses alunos.

Diante disso, os professores iniciantes participantes da formação informaram que o processo de adaptação acabou ocasionando em alguns professores da pesquisa uma crise identitária, conforme retratado nos extratos de narrativas a seguir:

Então, esses três anos, que tive de experiência na Educação Infantil e no primeiro ano, foram muito desafiadores nesse sentido. Eu precisei me entender como uma professora de perspectiva formativa diferente das minhas colegas que não tiveram, talvez, a mesma experiência teórica e pedagógica, enfim, acadêmica que eu. (PROFESSOR INICIANTE-8)

[...] eu fiquei pensando se realmente eu queria isso para mim, se realmente eu queria ser docente, se realmente era isso que eu queria para minha vida. Eu fiquei com aquela crise de identidade. Por quê? Porque eu não tive esse acolhimento. Então meu primeiro ano como docente não foi um ano, é, como é que eu digo, acolhedor, eu não fui bem recepcionado pela direção atual que eu estava, eu não fui bem recepcionado pela primeira direção, e isso me deixou com uma sensação de impotência, tipo, eu pensei que eu tinha sido sugado pelo sistema e não só sugado pelo sistema, eu pensei que eu tinha perdido para o sistema, porque eu não consegui nem alimentar o próprio sistema, eu não consegui fixar um roteiro, e eu não tive essas orientações, eu senti falta disso (PROFESSOR INICIANTE-19).

Conforme é possível identificar, os professores participantes (re)pensam sobre sua continuidade na carreira ou, pelo menos, se questionaram sobre suas atuações profissionais. Esse aspecto, somado aos demais sinalizado anteriormente, nos faz refletir sobre os vários desafios enfrentados pelos professores em início de carreira, mas sobretudo, com relação ao sentimento de solidão que lhes aflige e é tão legítimo.

Giordan e Hobold (2016) consideram que “[...] a escola é um lócus privilegiado de formação e de aprendizagem de saberes que constituem a identidade profissional dos professores que iniciam na docência, seja na primeira experiência de trabalho ou em um novo contexto educacional” (p. 7).

De um modo geral, a partir das narrativas dos professores iniciantes participantes, podemos considerar que o ingresso na rede pública de ensino do Ceará é um momento difícil e desafiador, no qual é preciso aprender a lidar com a dinâmica em sala de aula, mas também com outras atividades que igualmente fazem parte da atuação docente, fazendo com que desenvolvam uma série de sentimentos, como medo, solidão e entusiasmo. Os professores que atuam nos anos finais do ensino fundamental e médio possuem um desafio diferente dos demais: o trato com os seus alunos adolescentes, uma fase que por si só já é complexa. Todas essas nuances acarretam numa crise identitária por parte dos docentes.

Todavia, para que o processo de inserção profissional dos professores em início de carreira afetasse a atuação profissional docente de uma forma que maximizasse a aprendizagem da docência na escola, seriam necessários mais apoio e acompanhamento desses professores assim que chegam à escola. Nesta perspectiva ressaltamos, como destaca Mendonça (2022), a importância das Secretarias de Educação estaduais e municipais oferecerem algum tipo de apoio aos iniciantes, com o intuito de garantir uma entrada na profissão menos impactante e com condições mais favoráveis ao desenvolvimento profissional de iniciantes e professores experientes.

Considerações finais

O aprender a ser professor ocorre como um processo dinâmico, complexo, evolutivo e ao longo da vida, por meio das múltiplas experiências vivenciadas por esse profissional que corroboram para a melhoria do seu desenvolvimento profissional docente. É durante os primeiros anos de experiências profissionais, em meio aos desafios e aprendizagem, que os professores mudam e iniciam seus processos desenvolvimentais.

Neste estudo, o qual focalizou os principais desafios dos professores iniciantes cearenses participantes de uma pesquisa-formação, foi possível identificar que os principais desafios no contexto cearense são: adaptação à realidade de trabalho, crise identitária, choque de realidade, relação com os alunos, desenvolvimento de atividades burocráticas, excessivas cobranças e os diversos sentimentos (medo, solidão, insegurança).

No que se refere ao ingresso na docência, os professores apontam-no como um período singular em sua formação e que permite a construção de novos saberes necessários ao campo profissional. Destacam a dificuldade em se adaptar, uma vez que são muitas as atividades a serem desenvolvidas enquanto docentes, o que acaba gerando um conjunto de sentimentos como cansaço, desânimo, ansiedade e vontade de desistir da carreira. Esses sentimentos ocasionam uma crise identitária, em que levantam questionamentos sobre sua atuação e continuidade na atividade.

Os participantes também sinalizam que o aprender a ser professor é um processo tecido no chão da escola, a partir das relações estabelecidas entre pares, dos diálogos realizados e dos momentos de estudos, debates e avaliação do trabalho pedagógico, como elementos basilares para se (re)pensar a prática docente em suas múltiplas dimensões, reconhecendo, assim, o aluno enquanto protagonista do processo de ensino e aprendizagem.

Outros aspectos sinalizados durante a pesquisa-formação e que ganham relevo nesse estudo são a falta de apoio por parte da gestão da escola e da coordenação pedagógica, deixando muitas vezes o professor recém-chegado à escola sozinho, sem “saber como agir” diante de algumas situações que ocorrem em sala de aula, bem como as condições estruturais, o que indica uma desvalorização da profissão e, principalmente, do processo educacional. Além disso, sobre esses desafios, os professores também destacam o quantitativo de alunos e as realidades de vulnerabilidades que vivem essas famílias.

Nessa direção, os achados da pesquisa, por meio das narrativas dos professores iniciantes, apresentam o quanto tais profissionais vivem sozinhos essa trajetória de suas vidas profissionais. É preocupante identificar que os relatos indicam tanto descaso e preocupação com esse público. Desse modo, entendemos que este estudo provoca-nos a pensar a formação, a atuação e a atenção que é dada a essa fase da carreira docente, um período tão particular e decisivo daqueles que estão iniciando como professores, bem como a enxergarmos por outras lentes que tais desafios vividos pelos professores participantes da pesquisa também os potencializam para se desenvolverem profissionalmente e construírem conhecimentos necessários à ação docente; por fim, o presente estudo chama-nos a reconhecer que a aprendizagem do professor é um movimento tecido ao longo da vida.

Encerrando o texto, gostaríamos de destacar que as narrativas dos professores revelaram a necessidade e a importância de acolhimento e apoio das escolas durante a inserção profissional dos professores. Além disso, enfatizamos a necessidade de investimento e criação de políticas de indução que acompanhem os professores iniciantes na Educação Básica do Estado do Ceará e que, por meio dessas parcerias entre universidade e escola, possam enfrentar os desafios do início de carreira, que impactam não só na aprendizagem do professor, mas de toda comunidade escolar, propiciando assim um processo de ensino e aprendizagem pautado na qualidade e no reconhecimento da formação docente como um movimento dinâmico, subjetivo e experiencial.

1Durante o desenvolvimento do estudo, os procedimentos éticos foram devidamente realizados, tendo em vista que uma pesquisa, especialmente as que têm como participantes seres humanos, implica ter uma série de cuidados com o outro a fim de garantir os seus direitos e que essa participação não represente nenhum prejuízo a sua vida atual ou provoque consequências a posteriori.

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Recebido: 20 de Março de 2023; Aceito: 28 de Junho de 2023

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