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Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade

Print version ISSN 0104-7043On-line version ISSN 2358-0194

Revista da FAEEBA: Educação e Contemporaneidade vol.33 no.73 Salvador Jan./Mar 2024  Epub May 01, 2024

https://doi.org/10.21879/faeeba2358-0194.2023.v33.n73.p124-136 

Internacionalização da Educação

PRÁTICAS LOCAIS DE INTERNACIONALIZAçÃO: GESTÃO FINANCEIRA E SOCIOPOLÍTICA DO PROGRAMA CAPES-PRINT

LOCAL PRACTICES OF INTERNATIONALIZATION: CAPES-PRINT PROGRAM’S FINANCIAL AND SOCIOPOLITICAL MANAGEMENT

PRÁCTICAS LOCALES DE INTERNACIONALIZACIÓN: GESTIÓN FINANCIERA Y SOCIOPOLÍTICA DEL PROGRAMA CAPES-PRINT

Daniela Alves de Alves1 

Daniela Alves de Alves é doutora em Sociologia pela UFRGS. Professora associada do Departamento de Ciências Sociais e docente do Programa de Pós-graduação em Educação, ambos da Universidade Federal de Viçosa. É coordenadora do Laboratório de Estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade (LECTS). E-mail: danielaa.alves@ufv.br


http://orcid.org/0000-0003-4614-8687

Victor Luiz Alves Mourão2 

Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa. Doutor em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Coordenador do Laboratório de Estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade (LECTS). Email: vmourao@ufv.br


http://orcid.org/0000-0003-2770-721X

1Universidade Federal de Viçosa

2Universidade Federal de Viçosa


RESUMO

O presente trabalho visa apresentar, a partir de uma perspectiva crítica, uma análise sobre o Programa Capes-PrInt, política que busca promover a institucionalização da internacionalização em universidades brasileiras. Para tal utilizamos metodologia qualitativa, que envolve análise documental e a realização de entrevistas com membros do comitê gestor de quatro universidades brasileiras partícipes do programa. Como resultado indicamos que a internacionalização se mostra como atributo altamente legítimo de avaliação da qualidade da produção acadêmica, funcionando como ponto central de definição referente a alocação de recursos científicos. O Programa Capes-PrInt vem promovendo uma dinâmica institucional que envolve a descentralização da gestão de recursos científicos aliada a sua concentração em universidades, programas e grupos de pesquisa estabelecidos, promovendo sua consolidação em detrimento de grupos com perfis menos internacionalizados ou com vinculações regionais e locais.

Palavras-chave: Internacionalização dos Conhecimentos; Políticas Públicas; Ciência e Tecnologia

ABSTRACT

This work aims to present, from a critical perspective, an analysis of the Capes-PrInt Program, a policy to promote the institutionalization of internationalization in Brazilian universities, formulated and implemented since 2016 and currently in force. To this end, we used document analysis methodologies and interviews with members of the management committee of four Brazilian universities participating in the Capes-PrInt program. As a result, we indicate that internationalization appears to be a highly legitimate aspect of evaluating the quality of academic production, functioning as a central criterion of definition regarding the allocation of resources. The Capes-Print Program has been promoting an institutional dynamic that involves the decentralization of the management of scientific resources combined with their concentration in status quo universities, programs and research groups, promoting their consolidation to the detriment of groups with less internationalized profiles or with regional and local links.

Keywords: Public policy; Internationalization of Knowledge; Science and technology

RESUMEN

Este trabajo tiene como objetivo presentar, desde una perspectiva crítica, un análisis del Programa Capes-PrInt, una política para promover la institucionalización de la internacionalización en las universidades brasileñas, formulada e implementada desde 2016 y actualmente vigente. Para ello, utilizamos metodologías de análisis de documentos y entrevistas con miembros del comité directivo de cuatro universidades brasileñas que participan en el programa. Como resultado, indicamos que la internacionalización parece ser un aspecto altamente legítimo de la evaluación de la calidad de la producción académica, funcionando como un criterio central de definición respecto de la asignación de recursos. El Programa Capes-PrInt viene promoviendo una dinámica institucional que implica la descentralización de la gestión de los recursos científicos combinada con su concentración en universidades, programas y grupos de investigación establecidos, promoviendo su consolidación en detrimento de grupos con perfiles menos internacionalizados o con perfiles regionales y enlaces locales.

Palabras clave: Políticas públicas; Internacionalización del conocimiento; Ciencia y Tecnología

Introdução1

A internacionalização da ciência e da tecnologia (CT) tem sido um tema de extrema relevância e atualidade no contexto contemporâneo. Multiplicam-se as iniciativas dos países, institutos de pesquisa e universidades em estabelecer acordos bilaterais ou multilaterais de cooperação científica e tecnológica, com o objetivo de trocar, compartilhar ou transferir informações, tecnologias, processos, métodos e resultados de pesquisa. A pesquisa científica tem sido um lócus privilegiado das relações internacionais no âmbito diplomático em um contexto em que as universidades e institutos de pesquisa são vistos como alicerces do desenvolvimento técnico e científico das diferentes nações.

As relações internacionais no campo da ciência e da tecnologia têm sido destacadas como um dos principais ganhos da globalização, ampliando não somente a publicação internacional, tal qual amplamente divulgada pelos rankings bibliométricos, mas também na formação de equipes internacionais de pesquisa e intercâmbio de estudantes de diversos níveis. Considera-se que o comércio exterior, a defesa dos interesses nacionais e a cooperação internacional possuem estreita conexão com a área da ciência e tecnologia. A presença de unidades sociais transnacionais, enlaçadas por conhecimento usado tecnologicamente, reconfiguram o poder dos Estados-nação, evidenciando a CT como elemento estratégico fundamental no mundo contemporâneo (Knorr-Cetina, 1999).

Uma pesquisa realizada pela Capes em 2017 com os programas de pós-graduação sobre o conceito de internacionalização encontrou que a maioria dos critérios citados se relacionavam à mobilidade de pessoas (Morosini, 2019). Ainda que haja uma diversidade e pluralidade de maneiras de conceber a internacionalização, iremos seguir aqui a pesquisadora Jane Knight (2003) ao colocar que a “Internacionalização nos níveis nacional, setorial e institucional é definida como o processo de integrar uma dimensão internacional, intercultural e global aos propósitos, funções ou formação de ensino em nível superior” (Knight, 2003, p. 2).

Este Internacionalização da Educação tem o objetivo de analisar, sob uma perspectiva crítica do campo de estudos sociais da ciência e tecnologia, as principais características do Programa Institucional de Internacionalização Capes-PrInt, dando destaque para o seu desdobramento em algumas das principais instituições brasileiras2. O Programa Capes-PrInt é uma política de promoção da internacionalização de instituições universitárias brasileiras, formulada e implementada a partir de 2016 no âmbito da CAPES/MEC. Foram 36 instituições de educação superior brasileiras selecionadas a partir do edital 41/2017.

Como forma de aprofundarmos a coleta de dados, selecionamos quatro universidades. Utilizamos como critérios de seleção a representatividade regional (com exceção da região norte, que não teve nenhuma instituição contemplada pelo programa), a amplitude das áreas (buscando contemplar instituições com maior diversidade de áreas de conhecimento em seus projetos atrelados ao programa) e a disponibilidade de documentos e para entrevistas (instituições cujos gestores se mostraram abertos à realização de entrevista e que mantêm documentos à disposição em seus sites). Obedecendo a estes critérios, foram selecionadas a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Universidade Federal do Ceará (UFC), a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade de São Paulo (USP), nas quais entrevistamos os presidentes dos comitês gestores. Em fase anterior da pesquisa, tivemos oportunidade de realizar entrevistas com membros do comitê gestor da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Também entrevistamos uma assessora da Diretoria de Relações Internacionais que trabalhou diretamente com a elaboração do Capes/PrInt.

Este trabalho foi desenvolvido a partir de uma análise dos documentos disponíveis do Programa, tanto em âmbito federal, quanto local, de documentos das instituições selecionadas analisadas, além de entrevistas semiestruturadas com membros do comitê gestor das instituições selecionadas.

Internacionalização e produção científica nacional

A internacionalização da ciência brasileira tem sido concebida, de maneira cada vez mais contundente, como algo inescapável e benéfico. Os critérios de avaliação científica (de pesquisas, produções científicas, pesquisadores, programas de pós-graduação e instituições de educação superior) incorporam de maneira cada vez mais central a dimensão internacional, e os programas de pós-graduação de excelência são vistos como “internacionalizados”, ou seja, com uma produção científica e uma formação de recursos humanos “de ponta”.

O debate sobre internacionalização é permeado por diagnósticos clássicos sobre a ciência brasileira: sua concentração e financiamento no setor público, com pouca participação do setor privado; sua produção científica (em Internacionalização da Educaçãos) considerável, mas com desempenho pouco expressivo no âmbito tecnológico (patentes concedidas). A fonte de financiamento público coloca questões em torno da regulamentação excessiva (denominada “burocracia”) no manuseio dos recursos humanos e financeiros. Também é característica da internacionalização da ciência brasileira, a individualização da mobilidade internacional, ou seja, o processo de internacionalização é geralmente baseado em esforços, financiamentos e formação de redes individuais, o que remete à hipótese a ser trabalhada de que os projetos e programas brasileiros tendem a uma colaboração restrita e assimétrica, diferente da proposta da cooperação, que busca ser mais simétrica e envolver mais diálogo, negociação e decisão conjunta (Silva, 2007).

As práticas políticas institucionais da ciência brasileira têm tentado acompanhar, como critério de avaliação e validação do conhecimento técnico-científico dos pesquisadores e das revistas, regras internacionais de certificação e avaliação dos periódicos, utilizando cada vez mais indicadores oriundos de rankings internacionais como parâmetro de produtividade e de internacionalização do conhecimento. Os documentos institucionais das áreas de conhecimento voltadas para a avaliação da pesquisa nacional na pós-graduação dão relevância à produção científica internacionalizada, e as revistas científicas estrangeiras costumam ter uma presença massiva nos estratos superiores da avaliação QUALIS de periódicos científicos. Também se destacam as iniciativas das instituições de ensino superior em promover políticas de intercâmbio, especialmente na pósgraduação, bem como estimular a ampliação das disciplinas ministradas em língua inglesa. Datam do final da década de 1990, as primeiras exigências da CAPES relativas a práticas de cooperação e inserção internacional, impactando no processo avaliativo dos programas de pós-graduação. Em 2007, a CAPES assume como um de seus objetivos a promoção da internacionalização do sistema nacional de pósgraduação. Isso provocou transformações no âmbito administrativo e financeiro da agência (Oliveira, 2019).

Uma das formas recorrentes de medição quantitativa do grau de interação internacional de países, instituições científicas e pesquisadores é a cienciometria ou bibliometria. As medidas da produção científica de um país levam em consideração variáveis como o número de Internacionalização da Educaçãos publicados em revistas internacionais e a contagem das citações feitas dos Internacionalização da Educaçãos, que mede o impacto da produção. Uma das constatações recorrentes no debate da internacionalização é a de que, ainda que a ciência brasileira não seja fortemente internacionalizada, seu perfil vem caminhando nesta direção. No entanto, áreas do conhecimento distintas possuem graus de internacionalização variados: enquanto as humanidades são menos internacionalizadas, as ciências exatas e biológicas são mais internacionalizadas quanto à sua produção bibliográfica (Mueller, 2005).

Para além da quantificação da produção científica, a internacionalização da ciência brasileira pode assumir formas variadas, envolvendo: mobilidade de pesquisadores, colaboração física e virtual, contratos de pesquisa supranacionais, participação em organizações internacionais de pesquisa, coordenação e planejamento conjunto de atividades em CTI, e também processos locais de construção de políticas que promovam essas relações internacionais científicas.

Desse modo, o debate sobre a internacionalização da ciência brasileira tem se tornado um tema recorrente na reflexão sobre a área, mesclando aspectos estratégico-políticos (relativos à posição brasileira na divisão de trabalho da produção científica e tecnológica internacional e nas formas de cooperação política bilaterais e multilaterais) e científicos (relativos à importância de constituirmos grupos científicos de nível “internacional”).

Sob perspectiva histórica, é possível perceber que a internacionalização da ciência brasileira é uma realidade desde a fundação das primeiras universidades no Brasil, que contavam com a formação de quadros intelectuais da elite nos centros políticos, ou ao trazer professores/pesquisadores destes mesmos centros para compor o corpo docente das instituições recém-criadas (Schwartzman, 2001). A formação dos quadros de nível superior no ensino e na pesquisa estiveram vinculados a interesses políticos e também concentrados regionalmente. Desta forma não há uma tradição no país de uma política sistemática e consolidada de financiamento da produção e colaboração científica, em que pese os acordos internacionais no campo diplomático, que envolvem parcerias e também na produção do conhecimento.

Sob uma perspectiva crítica, este modelo de internacionalização é um dos aspectos da colonialidade do poder (Quijano, 2007), que pressupõe que o conhecimento produzido do Norte Global é supostamente universal e global, em detrimento dos conhecimentos produzidos no restante do planeta. Em que pese a tradição de investimentos e fomentos em cooperação do Brasil com os países do Norte (Gaillard, 1995), a posição subalterna assumida pelo Brasil pode ser observada tanto na distribuição de recursos econômicos e decisórios, quanto na de prestígio e reconhecimento.

Nas hierarquias políticas e cognitivas, o Brasil, assim como outros países fora do eixo central do poder global, se constitui como periférico, em que pese a expertise e/ou o pioneirismo desenvolvido em várias áreas da produção do conhecimento. Assim, a internacionalização da produção do conhecimento científico brasileiro tem sido sobretudo voltada para o Norte global e centrada no intercâmbio de pessoas em formação entre os países (Morosini, 2021). O lugar de periferia ou de inferioridade é legitimado por uma ordem hierarquizadora instaurada no interior das práticas científicas, nos procedimentos, nos valores e no imaginário corrente. Nas relações de internacionalização do conhecimento científico, observam-se as marcas do que Fabrício Neves denomina processo de periferização (Neves, 2020). Assumir um lugar periférico na hierarquia significa, na prática, aprender com os países vistos como centrais; significa buscar em outro lugar o que não sabemos aqui, ou que é visto como aquilo que nos “falta” (Ferreira, 2019). Por outro lado, essa posição periférica se inverte em relação a outros países: o Brasil tem sido um polo de atração de estudantes e pesquisadores de países africanos (Finardi, 2022).

O financiamento da internacionalização, levando-se em conta os editais da Capes, tem sido concentrado nos subsídios para bolsas individuais de estudos no exterior, vinculados a projetos conjuntos ou direcionado a um público específico de pesquisadores, como são as cátedras, professores visitantes no exterior (Oliveira, 2019). Nos últimos anos, a qualidade da produção científica tem sido diretamente relacionada à capacidade de internacionalização dos pesquisadores e das instituições, sendo entendida de diversas formas: produção em colaboração, produção em revista internacional, intercâmbio acadêmico de pós-graduandos e pesquisadores, consultoria internacional, bancas de pós-graduação com membros estrangeiros, co-tutela das teses de doutorado. Há uma forte relação na pós-graduação entre excelência e internacionalização. Fomentada pela cultura dos indicadores quantitativos de qualidade e pela adesão à cultura dos rankings internacionais, que inclui o negócio lucrativo das editoras de alto impacto e de acesso restrito, a internacionalização encontrava seu limite na imprevisibilidade e inconstância das políticas. Parte da comunidade acadêmica criticava o baixo enraizamento institucional da internacionalização (Oliveira, 2019).

O último grande investimento público federal na internacionalização stricto sensu, anteriormente ao Capes-PrInt, foi o Programa Ciências sem Fronteiras, voltado para a mobilidade acadêmica de estudantes em diversos níveis, mas com maior investimento para o nível de graduação sanduíche. Ele representou o “ápice do foco na mobilidade acadêmica”, destacando-se, “seja pelo número de alunos em mobilidade acadêmica e de instituições parceiras, seja pelo volume de recursos envolvidos” (Oliveira, 2019, p. 93): foram aproximadamente R$ 13 bilhões de reais e cerca de 100 mil bolsas concedidas. Várias críticas têm sido apontadas a esta política: caráter individual e pouco sistêmico da concessão de bolsas, com alta concentração em bolsas de graduação; ausência de planejamento e estratégia, com foco em “áreas do conhecimento, em lugar de temáticas abrangentes e necessárias ao desenvolvimento do país”; baixo retorno em termos de formação de redes atrelada às experiências de intercâmbio, devido ao foco na graduação, além de baixo aproveitamento dos créditos, alto custo orçamentário e a origem do fomento (Oliveira, 2019).

Também na educação superior podemos destacar o Projeto BRICS, cujo objetivo era internacionalizar a pós-graduação entre os países emergentes Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e que tem apresentado baixa colaboração entre os países do bloco (Khomyakov; Dwyer; Weller, 2020). O afastamento do Brasil dos BRICS se deu especialmente após a ruptura institucional que sofreu o governo da presidente Dilma Rousseff (2011-2016) e das abordagens ideológicas antiglobalização assumidas pelo então presidente Jair Bolsonaro (2019-2023).

Internacionalização, colonialidade e dependência

Mas para que internacionalizar a ciência brasileira? Em um seminário dedicado ao tema, Paulo Sérgio Lacerda Beirão (então diretor de cooperação institucional do CNPq) identificou ao menos quatro razões: atualizar a ciência brasileira em relação aos programas científicos e tecnológicos estrangeiros; detectar possibilidades de desenvolvimento na área de C&T; comparar a qualidade de nossa produção científica em relação às estrangeiras; adquirir competências e habilidades indisponíveis nacionalmente. O pesquisador indica que “é necessário e importante desenvolver a tecnologia no Brasil para que não seja preciso sua importação”3. Há aqui dois motivos recorrentes para os propósitos de internacionalização da ciência brasileira e que justificam a criação de políticas públicas voltadas para tal objetivo, a saber, a melhoria da qualidade da ciência brasileira, e a busca por internalizar a capacidade tecnológica e científica nacional.

Essas observações apontam para duas problemáticas: a primeira relativa à importância dos processos de constituição de competências científicas e tecnológicas. O debate sobre essas competências é permeado por uma característica identificada por Michel Polanyi, a saber, do caráter tácito do conhecimento científico. Enquanto grande parte dos estudos sobre a ciência e tecnologia nacionais focam em aspectos quantificáveis (número de Internacionalização da Educaçãos publicados, patentes, titulados em pós-graduação), a avaliação do estado de formação nacional dessas competências encontra uma dificuldade inerente relativa à intangibilidade do seu processo de formação, difusão e acumulação, ou, como coloca Michel Callon, de adoção (Callon, 1995; Polanyi, 1996; Foray; Mairesse, 1999). Uma segunda se volta para a problemática da dependência tecnológica, tema este que foi recorrente no debate sobre as políticas de ciência e tecnologia (PCTs) nacionais nas décadas de 1970 e 1980, e que se volta para uma busca para contrapor-se à concentração de atividades mais simples e primárias no desenvolvimento da ciência e da tecnologia nacionais (Amin, 1973), de uma posição de consumidores de ciência para a posição de produtores de ciência (Burgos, 1999). Um campo de debate emergente no âmbito da sociologia da ciência e da tecnologia está se desenvolvendo no sentido de apreender aspectos que se situam entre estas duas problemáticas. Podemos aqui apontar a pesquisa desenvolvida por Leandro Medina e que identifica “objetos subordinantes” no âmbito da produção científica transou internacional e que ajuda a compreender como diferentes campos científicos são subordinados uns aos outros (Medina, 2013a, b).

Por outro lado, Fabrício Neves (2009; 2014) apreende um processo de extroversão da própria prática científica periférica ao se utilizar da distinção centro/periferia nos processos de avaliação e legitimação dos conhecimentos científicos, apontando não para o aspecto de dominação externo no funcionamento da ciência periférica, mas sim para processos internos que estruturam essa subordinação no nível mais amplo. Assim, na perspectiva que queremos construir aqui, é também possível ver como se estabelecem tensões entre aspectos estrangeiros/externos e aspectos locais na construção das políticas científicas (Invernizzi et al., 2014). A produção científica de países do Sul tende a endogenamente produzir conhecimento em uma lógica de extroversão e dependência (Domingues; Bringel, 2015; Hountondji, 1990), na medida em que o polo dinâmico destes processos é externo em relação à vida intelectual e acadêmica desses países. A extroversão implica também um espelhamento, que significa que o processo de internacionalização da ciência permite aos/as pesquisadores/as brasileiros/as, através dos olhos dos/as pesquisadores/as do Norte, avaliar qual é a qualidade de sua pesquisa e onde ela se situa no âmbito da produção científica mundial (Mourão; Alves, 2021). Desse modo, seria mais profícuo olhar tal processo sob a perspectiva de zonas de contato/troca (trading zones) em que parceiros mais ou menos desiguais em termos de recursos, habilidades e competências se encontram de modo a produzir conhecimentos (Dasgupta, 2016).

Nos interessa compreender o modo pelo qual a política de internacionalização está reorganizando e/ou consolidando processos de institucionalização da internacionalização no âmbito das universidades. Qual o modelo de cooperação e de trocas internacionais seguido no Programa Capes-PrInt? Quais os princípios e interesses mobilizados no Programa Capes -PrInt? Como o programa se insere dentro da universidade enquanto campo social e político de produção de saberes, de pessoas e de pesquisas? Essas são as indagações que nortearam nossa pesquisa, cuja contribuição espera auxiliar na compreensão, formulação e avaliação das políticas públicas de internacionalização da pesquisa executadas pelo poder público.

Programa Institucional de Internacionalização Capes-PrInt

O Programa Capes-PrInt surgiu com o objetivo de provocar a institucionalização da internacionalização nas instituições acadêmicas brasileiras, criando assim uma cultura institucional de internacionalização. Sob uma perspectiva geral, a proposta do Programa nasce, por um lado, na busca por uma inserção mais significativa da ciência produzida nacionalmente (vislumbrada nos rankings e índices métricos acima relatados) e, por outro, de uma resposta aos déficits do Ciências Sem Fronteiras. Como colocou Cyntia Sandes Oliveira (2019, p.155), “o Capes -PrInt nasceu da insatisfação da Capes com os resultados brasileiros nos indicadores internacionais de impacto da produção acadêmica e do esgotamento do modelo de internacionalização centrado na mobilidade acadêmica de saída, cujo auge se deu com o programa Ciência sem Fronteiras”. A proposta inicial de formulação do programa foi construída dentro da CAPES pela Diretoria de Relações Internacionais, que em 2016 criou um grupo de trabalho com a participação de pesquisadores da comunidade acadêmica UnB, UFRGS, USP e UFPB e alguns servidores de carreira da CAPES. Este grupo implementou um questionário de consulta às IES para levantar informações sobre a internacionalização nas instituições, e percepções sobre critérios, benefícios e ações prioritárias, buscando sugestões para implementar no programa. Embora esta participação tenha enfrentado os costumeiros obstáculos de retorno às enquetes, especialmente padronização das respostas e taxa de retorno, ela embasou as discussões que se deram a seguir no interior da CAPES, representando um processo entendido como sendo de cocriação da política de internacionalização (Oliveira, 2019).

Um dos objetivos iniciais do projeto era estimular a denominada “internacionalização em casa”, financiando a vinda de pesquisadores estrangeiros ao Brasil, através da bolsa de Professor Visitante do Exterior (PV) (Oliveira, 2019). A institucionalização do programa passaria a contar com a descentralização da gestão do orçamento da CAPES para as bolsas para as instituições.

O Capes-PrInt foi implantado pelo Edital Nº 41/2017, com os seguintes objetivos:

São objetivos do Programa:

1.2.1. Fomentar a construção, a implementação e a consolidação de planos estratégicos de internacionalização das instituições contempladas nas áreas do conhecimento por elas priorizadas;

1.2.2. Estimular a formação de redes de pesquisas internacionais com vistas a aprimorar a qualidade da produção acadêmica vinculadas à pós-graduação;

1.2.3. Ampliar as ações de apoio à internacionalização na pós-graduação das instituições contempladas;

1.2.4. Promover a mobilidade de docentes e discentes, com ênfase em doutorandos, pós doutorandos e docentes para o exterior e do exterior para o Brasil, vinculados a programas de pós-graduação stricto sensu com cooperação internacional.

1.2.5. Fomentar a transformação das instituições participantes em um ambiente internacional.

1.2.6 Integrar outras ações de fomento da Capes ao esforço de internacionalização.

No âmbito deste edital, foram selecionados 36 instituições de ensino superior públicas e privadas, com o objetivo de financiar as seguintes modalidades: Missões de curta duração; Capacitação em cursos de curta duração (no exterior); Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior; Professor Visitante no Exterior Sênior (sabática/pós-doutorado); Professor Visitante no Exterior Júnior; Professor Visitante no Brasil (com experiência no exterior); Jovem Talento (com experiência no exterior); Pós-doutorado com experiência no exterior. A dotação orçamentária prevista era de R$300.000.000,00 (trezentos milhões de reais) por ano.

Como coloca Oliveira (2019, p. 63), “o Programa Capes-PrInt representa uma mudança de abordagem na política de internacionalização do sistema nacional de pós-graduação brasileiro”. Se antes as políticas de internacionalização se voltavam exclusivamente para a mobilidade acadêmica internacional, com o envio de docentes e discentes, agora busca-se uma “internacionalização em casa” que objetiva articular institucionalmente e internamente processos de internacionalização das atividades científicas. Diferentes vocações e estágios de internacionalização das universidades deveriam estar de alguma forma contemplados no âmbito da implementação e execução da política, que deveria induzir uma capacidade institucional local - de cada instituição de ensino superior - de planejamento estratégico da internacionalização (Oliveira, 2019).

Capes-PrInt: Descentralização, concentração e consolidação

A característica descentralizada do Programa Capes-PrInt permitiu uma grande diversidade na gestão e aplicação interna dos recursos, na organização dos comitês gestores, na distribuição interna do poder de deliberação sobre a seleção de bolsas via editais e na escolha das instituições e países parceiros. A partir dos resultados da análise das instituições UnB, USP, UFV, UFSC e UFC, apresentamos algumas características que podem contribuir para a construção de um modelo de análise desta política.

COMPOSIÇÃO COMITÊS GESTORES PRINT (UNIVERSIDADES SELECIONADAS): ÁREA DE FORMAÇÃO
  UnB USP UFC UFV UFSC TOTAL % TOTAL
Ciências Exatas e da Terra 4 2 1 0 2 9 21%
Ciências Biológicas 1 0 1 0 0 2 5%
Engenharias 1 1 4 0 3 9 21%
Ciências da Saúde 1 3 1 1 4 10 24%
Ciências Agrárias 0 1 1 5 0 7 17%
Ciências Sociais Aplicadas 1 0 0 0 0 1 2%
Ciências Humanas 3 1 0 0 0 4 10%
Linguística, Letras e Artes 0 0 0 0 0 0 0%
Multidisciplinar 0 0 0 0 0 0 0%
Total (por instituição e amostra) 11 8 8 6 9 42 100%

Fonte: Elaboração própria a partir dos documentos disponíveis nos portais virtuais institucionais e da tabela de áreas de conhecimentos/avaliação da CAPES

O comitê (ou grupo) gestor do PrInt tem uma série de funções, dentre elas a de gerenciar recursos e autorizar beneficiários de bolsas. A princípio, sua composição deve contemplar diferentes áreas do conhecimento, e seus integrantes devem ter liderança acadêmica e experiência internacional nas áreas do programa, refletindo assim os projetos de pesquisa e os programas de pós-graduação que compõem cada programa institucional PrInt. Analisamos a área de formação dos membros dos comitês gestores das instituições selecionadas para nossa amostra.

Na UnB, a maior parte dos membros do comitê gestor são das Ciências Exatas e da Terra (quatro) e das Ciências Humanas (três), de um total de 11. Na USP, são dois membros das Ciências Exatas e da Terra e três da área da Saúde, de um total de oito. Na UFC, quatro membros do comitê gestor são das Engenharias, do total de oito membros, que estão espalhados pelas demais áreas. Na UFV, dos seis membros, cinco são das Ciências Agrárias. Na UFSC predominam as Ciências da Saúde, são quatro membros com esta formação e as Engenharias com três membros do comitê gestor. Do ponto de vista mais geral, dentro da delimitação das universidades aqui em foco, observamos comitês gestores com uma predominância das Ciências da Saúde (24% dos membros), seguida pelas Ciências Exatas e da Terra e Engenharias (21% cada) e Ciências Agrárias (17%).

Na UNB, dentre os 16 programas de pósgraduação de nota 6 e 7, cinco deles são das Ciências Humanas e três das Ciências Sociais Aplicadas. Na USP, há uma diversidade maior de programas com notas 6 e 7, em todas as áreas do conhecimento. Na UFC, que concentra engenheiros como membros do comitê gestor embora haja um curso da área das engenharias com nota 7, a Engenharia Civil e dois com nota 6, a Engenharia de Teleinformática e a Engenharia Química. Na UFV, todos os cinco programas de pós-graduação nota 7 são das Ciências Agrárias e dos seis programas nota 6, apenas um é da área da Saúde, os demais são das Ciências Agrárias, o que explica o perfil do comitê gestor. Esse perfil só muda com os programas de nota 5. Na UFSC, os programas nota 7 são Ciência e Engenharia de Materiais, Engenharia Química e Química. Já dentre os 17 programas nota 6, há uma maior diversidade de áreas, mas as engenharias ainda tem mais quatro cursos nota 6.4

Os dados indicam que os membros do comitê gestor tendem, na maioria dos casos, a serem recrutados nas áreas de conhecimento dos programas de maior nota na avaliação da Capes ou nas áreas de maior prestígio institucional, o que nos leva a inferir que o efeito a longo prazo desta política caso ela seja renovada é uma maior concentração de poder e recursos nas áreas de conhecimento mais tradicionais das instituições contempladas ou nas áreas que já estão consolidadas.

A partir das entrevistas realizadas, podemos mapear os limites, os desafios e os ganhos do Capes-PrInt. As entrevistas indicaram um grande entusiasmo dos gestores com relação à possibilidade de construção de uma política institucional com recursos descentralizados e maior autonomia e flexibilidade na sua gestão. As universidades organizaram estratégias diferenciadas para a seleção de bolsistas e de instituições estrangeiras vinculadas aos projetos. Algumas universidades deixaram a cargo dos programas de pós-graduação e dos coordenadores dos projetos ou coordenadores de áreas dos projetos a definição das bolsas; em um segundo modelo os editais selecionavam planos de trabalho dos projetos, para posterior definição de bolsistas; em um terceiro modelo o comitê gestor concentrou as tarefas de organização dos editais e seleção dos bolsistas. Desse modo, o processo de descentralização política relacionada a alocação de recursos (especialmente bolsas) abriu espaço institucional de experimentação administrativa, com diferentes modos de decisão sendo testados e, frequentemente, corrigidos e reconfigurados.

No que se refere às universidades estrangeiras parceiras, alguns comitês utilizaram uma lista prévia de instituições onde os programas atendidos já tinham parcerias estabelecidas, enquanto outras fizeram um trabalho maior de prospecção de novos parceiros e nas quais o comitê gestor assumiu um papel de protagonismo na organização de missões e de filtragem da lista de parceiros. Aqui identificamos uma tensão entre uma opção mais restritiva e diretiva por parte de comitês gestores que visaram promover recursos e relações com um número delimitado de instituições, enquanto outros optaram por uma lista aberta e ampla de instituições parceiras, compilada a partir de sugestões dos vários programas e projetos que compõem os PrInts institucionais.

No que se refere às áreas do conhecimento, algumas instituições, como a USP, buscaram atender um número de projetos que abrangessem todos os programas de pós-graduação da instituição. Já outras instituições concentraram recursos em projetos vinculados a programas a partir da nota 5, como é o caso da UFV. De qualquer forma, a ênfase da política em atender principalmente projetos vinculados a programas de excelência levou à concentração de recursos nos grupos consolidados e, quanto maior é esta concentração, maiores são os obstáculos internos de gerenciamento dos PrInts.

Além dos desafios internos, desafios externos de três ordens variadas foram observados a partir deste trabalho. Em primeiro lugar, o advento da pandemia que teve impacto direto no fluxo internacional de pessoas. Além de instituições fechadas, alguns países estabeleceram regras rígidas de controle de voos comerciais de passageiros. Mas os maiores obstáculos mencionados no período, mesmo após a pandemia, se referiram à dificuldade de comunicação com a CAPES e aos cortes orçamentários, feitos desde o primeiro ano do projeto. Os recursos poderiam ser utilizados durante quatro anos, a contar de novembro de 2018. No ano de 2019, o corte orçamentário foi de 30%, postergando o fim da vigência do programa para 2023.

No que se refere à comunicação com a CAPES, as dificuldades mencionadas estiveram relacionadas às mudanças contínuas de orientação. Como argumentou um dos gestores entrevistados, a comunicação neste tipo de política é central, já que problemas que envolvem a renda e a mobilidade de bolsistas em deslocamento em países estrangeiros deveriam ser prioritários. As dificuldades de comunicação com a CAPES, para alguns entrevistados, dificultaram o processo de descentralização da gestão política e financeira do programa, já presente em sua concepção.

A descentralização permitiu uma concentração ainda maior de recursos nas áreas de conhecimento e nos programas de pós-graduação já dominantes nas instituições, indicando que a participação mais ativa da comunidade acadêmica na gestão de recursos nem sempre implica em uma democratização de acesso aos recursos políticos e financeiros. O programa, neste sentido, pode ser bem-sucedido na consolidação de grupos e áreas, mas com alcance limitado para inclusão e diversificação de grupos e áreas de conhecimento nas atividades internacionalizadas.

Observamos que a UnB se distanciou na implantação deste modelo na medida em que, na seleção inicial dos projetos, estimulou as articulações entre programas e as discussões interdisciplinares, por outro lado concentrou os recursos no decanato para posterior implementação por planos de trabalhos. Já na USP a inclusão de todos os programas de pósgraduação da instituição permitiu, ao menos potencialmente, uma maior democratização dos recursos.

No que se refere aos países das instituições conveniadas, há uma tendência de direcionamento aos países do norte global, incentivado inclusive pelo edital que indicou países prioritários. Um exemplo é que, na América Latina, apenas a Argentina foi citada no edital de 2018 como país prioritário para a realização de parcerias com suas instituições. Pelo edital, as universidades tinham que ter pelo menos 70% de suas bolsas destinadas a estas instituições prioritárias.

Esta política indica dois caminhos aliados, uma adequação à cultura internacional dos rankings atrelada a uma visão gerencial das instituições acadêmicas brasileiras, seguindo o modelo das universidades de classe internacional, que buscam se inserir em um mercado internacional de educação em nível de graduação e pós-graduação, ofertados em língua inglesa, dentro de uma lógica de transnacionalização do mercado universitário. Internamente o programa PrInt se adequam a uma modernização dos modos de dominação presentes nas universidades, adotando técnicas gerencialistas e produtivistas de avaliação da relevância e da qualidade da produção do conhecimento, atualizando processos de gestão em consonância com a consolidação de grupos de pesquisa estabelecidos (Carlotto, 2014).

Desse modo, o Capes-PrInt significou uma inflexão nos modos de atuação pública já que promoveu: (1) reorientação do modo de financiamento de bolsas para atividades internacionais de pesquisa, retirando bolsas da modalidade “balcão” (com tomada de decisão centralizada em Brasília) para uma flexibilização permitindo que a gestão universitária ficasse encarregada de decidir o processo de alocação dessas bolsas; (2) centralização dos recursos financeiros e políticos nas universidades selecionadas; (3) reorganização política e administrativa interna às instituições, de modo a lidar com a complexidade gestionária da nova situação e de responder às demandas institucionais vinculadas ao projeto; e (4) consolidação dos grupos nacionais e institucionais com acesso aos recursos.

Considerações Finais

Buscamos, nesse Internacionalização da Educação, fazer uma análise do Programa Capes-PrInt, principal política de promoção da internacionalização da ciência vigente atualmente no país. Essa política foi resultado de um processo de reflexão e de consulta à comunidade científica, que se deu no âmbito da Capes a partir de 2016, e surgiu em parte como uma contraposição ao Ciência Sem Fronteiras, política estabelecida pelo governo Dilma Rousseff. Sob uma perspectiva crítica, buscamos identificar processos que envolvem não apenas aspectos coloniais e externos à implementação da política, mas os modos de articulação local/global no âmbito da gestão da política. O Capes-PrInt é marcado pela descentralização da gestão dos recursos financeiros das atividades de pesquisa e pela concentração de recursos em universidades e programas tidos como de excelência, promovendo ainda processos de reorganização institucional visando lidar com a situação criada pela política.

O Programa permanece em execução no momento da escrita deste Internacionalização da Educação continua como um pilar fundamental de financiamento de programas e pesquisas de pós-graduação nacionais. Os processos de descentralização, de concentração e de consolidação precisam ser observados e analisados com atenção, já que implicam desdobramentos centrais na configuração do sistema de pesquisa brasileiro. Uma análise que consiga rastrear os processos de alocação de recursos financeiros e de concentração de recursos políticos seria central para compreender a dinâmica desta política, para além dos aspectos que foram possíveis de serem observados aqui, dentro dos limites dessa pesquisa. A construção de uma produção global da atividade científica se encontra, desse modo, imbricada em processos locais que envolvem instituições, agendas de pesquisa, alocação de recursos financeiros e decisórios, que se por um lado anunciam um novo modo de gerir as atividades de pesquisa levadas adiante em nosso país, podem se mostrar, ao mesmo tempo, como processos de consolidação das posições dominantes dentro da comunidade universitária e de pesquisa nacional.

1Texto revisado e normalizado por Ana Paula Lopes da Silva Rodrigues.

2Este trabalho de pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da UFV, registrado sob o número CAEE 60690016.4.0000.5153, e contou com a colaboração de Carolina Véo de Jesus Acevedo, Enilson Mitunaga Júnior, João Gabriel Paes e Thiago Henrique Rodrigues. Agradecemos à FAPEMIG e ao CNPq pelo financiamento recebido.

3Seminário ANPG Internacionalização da Ciência Brasileira. Disponível em: http://www.anpg.org.br/?p=7367. Acesso em 13/03/2024.

4Os dados referentes ao programas de pós-graduação foram extraídos da plataforma sucupira, disponível em https://sucupira-beta.capes.gov.br/sucupira4/observatorio/programas?ano-base=2022&id-ies=4362&conceito=7&search=&size=20&page=0 Acesso em 13/03/2024.

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Recebido: 26 de Setembro de 2023; Aceito: 11 de Março de 2024

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