INTRODUÇÃO
Estudos em diferentes países e contextos culturais têm apontado docentes entre os trabalhadores que apresentam os maiores níveis de estresse relacionado ao trabalho (Brouwers, Tomic e Boluijt, 2014; Borba et al., 2015; Carlotto et al., 2015). De acordo com Borba et al. (2015), o trabalho docente é considerado uma atividade de risco pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde 1981, além de ser a segunda categoria profissional em todo o mundo que mais desenvolve problemas de saúde ocupacional. Nos últimos anos, pesquisas têm se voltado a investigar a saúde dos professores, uma vez que lidam, no desenvolver de suas funções, com inúmeros fatores estressores que podem contribuir para o surgimento de enfermidades, entre as quais têm se destacado os problemas relacionados à saúde mental (Carlotto et al., 2014; 2015; Borba et al., 2015).
As repercussões negativas do adoecimento desses profissionais atingem não apenas sua saúde física e mental, mas também afetam diretamente a qualidade do ensino em decorrência do afastamento do trabalho, além de um aumento crescente no abandono da profissão. Tais consequências fazem com que os professores estejam entre os mais investigados no que diz respeito a problemas de saúde em decorrência da atividade laboral (Carlotto et al., 2015).
No contexto da docência há também os problemas enfrentados pelos professores de Educação Física, cuja demanda, além das já enfrentadas pelos demais professores, possui particularidades que fazem com que a prática pedagógica tenha sobrecargas que podem facilitar o seu adoecimento. Marques et al. (2015) mencionam entre os desafios do cotidiano do trabalho do professor de Educação Física: a desvalorização da disciplina no currículo escolar, como sendo uma disciplina que não contribui efetivamente para a formação dos alunos e a escassez ou precariedade da estrutura física e material para as aulas de Educação Física. Além dessas, Santini e Molina Neto (2005) constataram ainda que entre os principais problemas relatados por professores de Educação Física no desenvolvimento da profissão, estão: formação inicial deficitária; multiplicidade de papéis do professor; violência e insegurança na escola; conflitos nas relações interpessoais com colegas de trabalho.
No município de Belém, Pará, Freitas (2010) entrevistou 22 professores de Educação Física de escolas municipais. O objetivo era compreender de que forma a sua saúde era afetada pelos processos de precariedade do trabalho. Além disso, o autor realizou registros fotográficos que retratavam a realidade do sofrimento estampado principalmente no corpo dos docentes. As quadras descobertas foram consideradas um fator impeditivo para as aulas, pois tornam o ambiente de aula imprevisível, principalmente por conta das questões climáticas na região. O excesso de exposição ao sol é um problema recorrente e que tem influenciado o surgimento de doenças na pele, entre eles o câncer, que acometeu um dos participantes do estudo.
Segundo Silva et al. (2008), de modo geral, os docentes estão submetidos a dois tipos de agentes estressores, externos e internos, que colaboram para a insatisfação ou prejuízo tanto físico quanto psicológico do trabalhador, que não consegue responder de forma adequada aos problemas enfrentados. Entre os fatores externos estão questões referentes ao ambiente de trabalho, à relação com os colegas de profissão e com os usuários dos serviços prestados, por exemplo. Pode-se citar, nesse aspecto: condições precárias de trabalho; deterioração das relações entre os pares; mau comportamento dos alunos; salas superlotadas; carga horária elevada. Já os fatores internos, são relativos às características individuais do professor e sua maneira de lidar com as situações do cotidiano; sua autoestima, seus valores e pensamentos, emoções, comportamentos, personalidade, vulnerabilidades biológicas ou psicológicas; autocobrança; elevadas expectativas quanto à aprovação e aos elogios de pais, alunos, administradores, entre outros (Silva et al., 2008).
De acordo com Dias (2013), muitos trabalhadores conseguem enfrentar diariamente os múltiplos problemas relacionados às atividades ocupacionais, evitando assim o adoecimento. Apesar disso, os acontecimentos que ocasionam estresse constantemente no ambiente de trabalho podem facilitar o surgimento de psicopatologias (Dias, 2013). Ferreira (2014) acrescenta que, no caso dos professores, a naturalização das condições de trabalho adversas contribui diretamente para o aumento de resultados negativos no exercício da função, como também para um possível abandono da carreira. Diehl e Marin (2016) afirmam que o estresse e a Síndrome de Burnout são as principais causas de afastamento dos professores.
Uma pesquisa realizada por Reis (2014) com professores da Rede Municipal de Ensino de Belém, no estado do Pará, buscou identificar as causas do adoecimento desses profissionais. Participaram da pesquisa 12 professores que trabalhavam nas escolas com o maior número de casos de docentes em processo de adoecimento, segundo os dados da Secretaria Municipal de Educação. A coleta de dados foi feita através do instrumento Self-Report Questionnaire, ferramenta que permite relacionar as características do trabalho com o sofrimento psíquico e o adoecimento. Além disso foram feitas entrevistas com os docentes. Os resultados revelaram que o adoecimento dos professores estava relacionado à existência de mal-estar docente que corroborava com o desgaste e insatisfação com o trabalho; às condições de trabalho ligadas a processos de intensificação e precarização do trabalho docentes; assim como ao alto grau de exigência em relação às avaliações de âmbito nacional, porém sem oferecer o suporte necessário para o desenvolvimento do trabalho.
O mal-estar docente foi um termo cunhado pelo pesquisador espanhol José Emanuel Esteve (Xavier, 2014). Segundo Xavier (2014), Esteve relaciona essa sensação de mal-estar com diversas transformações sociais que aconteceram nos últimos anos, como por exemplo: o crescimento das fontes de informação alternativas à escola, as novas expectativas quanto ao ensino escolar, aumento das demandas no trabalho do professor, entre outras questões que acabaram causando uma ruptura no consenso quanto ao papel da escola, do professor, além dos objetivos do ensino.
De acordo com Xavier (2014), o reflexo mais visível desse mal-estar que acomete os docentes é o crescimento dos pedidos de licença em virtude dos problemas de saúde, entre os quais tem se destacando nos últimos anos a Síndrome de Esgotamento Profissional, também denominada internacionalmente de Síndrome de Burnout. Para Rodriguez, Carlotto e Câmara (2017) o burnout tem sido um dos temas mais presentes nos estudos da Psicologia Ocupacional, uma vez que já possui inúmeros estudos consolidados que mostram as suas consequências negativas no desempenho e na saúde dos trabalhadores, principalmente nos que atuam na educação, como os professores.
Segundo a 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), o burnout é um fenômeno ocupacional, sendo uma síndrome resultante do estresse crônico no ambiente de trabalho que não foi gerenciado com êxito. É uma resposta emocional ao estresse intenso e contínuo no trabalho, principalmente entre os profissionais que exercem suas funções em contato direto com pessoas, assim como atuam em contexto ocupacional com demasiada pressão, pouco reconhecimento, conflitos e poucas gratificações emocionais (Silva et al., 2008; Dias, 2013; Borba et al., 2015; Carlotto et al., 2015).
A abordagem mais aceita e utilizada pelos pesquisadores a fim de investigar a Síndrome de burnout é a concepção sociopsicológica ou psicossocial, desenvolvida por Christina Maslach e seus colaboradores. Com base nessa perspectiva, o burnout é caracterizado pela presença da relação entre suas três dimensões, que são: exaustão emocional, despersonalização e reduzida realização pessoal no trabalho (Codo, 1999; Maslach, Schalfeli e Leiter, 2001; Maslach, 2003; Savas, Bozgeyik e Eser, 2008; Santos e Nascimento Sobrinho, 2011; Dias, 2013; Yildirim, 2015; Borba et al., 2015).
A exaustão emocional corresponde à sensação de estar desgastado emocionalmente e fisicamente devido ao trabalho; o profissional sofre um esgotamento da energia e sente-se incapaz de dedicar-se as suas atividades ocupacionais, chega, por assim dizer, aos limites de suas possiblidades. Além disso, o indivíduo carece de recursos emocionais e afetivos, geralmente em consequência do excesso de trabalho. A despersonalização, também denominada de cinismo, está relacionada a atitudes negativas nas relações interpessoais no ambiente de trabalho. O trabalhador tem sentimentos de indiferença, um distanciamento psicológico dos destinatários dos serviços, bem como dos companheiros de trabalho, minimizando sua relação com eles. Por fim, a reduzida realização pessoal está associada a uma autoavaliação negativa por parte profissional. Portanto, sente-se inadequado no ambiente de trabalho, insatisfeito, incompetente e desmotivado, passa a ter uma percepção negativa de si mesmo e de suas realizações frente às tarefas laborais (Savas, Bozgeyik e Eser, 2008; Pires, Monteiro e Alencar, 2012; Dias, 2013; Yildirim, 2015).
Apesar de ser uma área de investigação com inúmeras pesquisas na categoria docente, Yildirim (2015) enfatiza que tem havido poucos estudos sobre a Síndrome de Burnout entre professores que ensinam o mesmo assunto. Por isso, parece ser necessário que os estudos sobre burnout sejam complementados por pesquisas envolvendo grupos que lecionem a mesma disciplina, em virtude de suas especificidades na prática pedagógica, como é o caso dos professores de Educação Física.
Pires, Monteiro e Alencar (2012) realizaram uma pesquisa com 40 professores de Educação Física, da Região Nordeste do Pará, a fim de mensurar as dimensões da Síndrome de Burnout. Utilizaram o Maslach Burnout Inventory (MBI) e um questionário sociodemográfico para coleta dos dados. Os resultados mostraram valores intermediários nas dimensões de burnout entre o grupo investigado. Outro estudo, desenvolvido por Valério, Amorim e Moser (2009), teve como objetivo comparar os níveis de burnout entre professores de Educação Física e de outros componentes curriculares também através do MBI, além de uma escala de estresse e um questionário sociodemográfico. Participaram da pesquisa 87 docentes de Educação Física e 99 de outras disciplinas. Entre os professores de outras disciplinas a prevalência do burnout foi de 29,3%, enquanto entre os professores de Educação Física, 10%. Por outro lado, os docentes de Educação Física desenvolviam o burnout mais rapidamente do que os outros professores, principalmente em seus primeiros anos de trabalho.
De acordo com Dias (2013), os níveis de exaustão emocional e de despersonalização estão diretamente relacionados à sobrecarga de trabalho e aos conflitos nos relacionamentos interpessoais no ambiente ocupacional, respectivamente. A reduzida realização pessoal por sua vez, está ligada à falta de recursos pessoais, que podem estar intrinsicamente associados a um baixo senso de autoeficácia.
A autoeficácia é um construto central na Teoria Social Cognitiva (TSC) de Albert Bandura. De acordo com a TSC, o ser humano é um agente, ou seja, é alguém com capacidade de influenciar o próprio comportamento e as circunstâncias que circundam a sua vida, e não apenas meros reflexos dessas condições (Bandura, 2005). Sendo assim, na TSC, o comportamento humano deve ser compreendido a partir da reciprocidade triádica, que se exprime por meio da interação entre fatores ambientais, comportamentais e pessoais. Esses elementos são interconectados e interdependentes, e tanto influenciam quanto são influenciados uns pelos outros (Bandura, 2008; Pajares e Olaz, 2008).
A autoeficácia é uma dimensão da personalidade, ou seja, é um fator pessoal entre os elementos da reciprocidade triádica, e pode ser compreendida como uma crença, percepção ou expectativa das pessoas (Azevedo, 1997; Bzuneck, 2000). A autoeficácia é o julgamento que o indivíduo faz de suas próprias capacidades para desempenhar determinada tarefa frente aos desafios; é a forma como ele interpreta as habilidades de enfrentamento que possui para lidar com situações desafiadores e alcançar os objetivos traçados e que tem, por consequência, uma influência direta no comportamento (Bandura, 1977, 1986, 1995; Bzuneck, 2000). No que diz respeito a autoeficácia do professor, esta corresponde ao julgamento que o docente faz sobre a própria capacidade de ensinar, mesmo em situações desafiadoras e com discentes difíceis de lidar (Tschannem-Moran e Woolfolk Hoy, 2007; Fernandez, 2015).
Segundo Bzuneck (2000), devido a condições objetivas tão adversas, os professores sofrem constantemente abalos em sua motivação a fim de demandarem esforços para atingir metas educacionais com seus alunos. Carlotto et al. (2015) e Dias (2013) afirmam que as muitas exigências e os poucos recursos pessoais, bem como a exaustão e a sensação de falta de energia para lidar com as situações difíceis no ambiente de trabalho, podem ocasionar sucessivas crises de autoeficácia, que com o tempo podem gerar burnout. A autoeficácia tem sido indicada em estudos recentes como um fator de proteção à Síndrome de Burnout. Por outro lado, uma baixa percepção de autoeficácia está diretamente relacionada com os sintomas da síndrome (Ferreira e Azzi, 2011; Dias, 2013; Rodrigues, Carlotto e Câmara, 2014; Souza et al., 2015; Yildirim, 2015).
Um estudo desenvolvido por Bernardini (2017) teve como objetivo investigar as possíveis correlações entre a Síndrome de Burnout e as crenças de autoeficácia de 356 professores de ensino superior. Foram utilizados como instrumento de coleta de dados a Escala de autoeficácia (Polydoro et al., 2004) e o MBI. Os resultados identificaram associações significativas entre burnout e autoeficácia, evidenciando que a propensão ao burnout era maior em docentes que apresentavam menor percepção de autoeficácia. Além disso, a prevalência de sintomas como distúrbios do sono, cansaço intenso e desânimo foi maior em participantes com baixos níveis de autoeficácia.
Para Ferreira e Azzi (2011, p.186), uma vez que a TSC aponta que a constituição do sujeito, nesse caso o professor, ocorre com base na interação entre o ambiente que faz parte, as cognições pessoais e o comportamento, essa teoria “sinaliza a possibilidade de uma proposta explicativa consistente para o adoecimento”, como no caso dos sintomas associados ao burnout. Farsani, Aroufzad e Farsani (2012) afirmam que o burnout é explicado algumas vezes como resultado da associação entre variáveis contextuais e de personalidade. Porém, um traço da personalidade, como a autoeficácia, tem sido negligenciado na maioria dos estudos (Dias, 2013).
Infere-se, a partir da problemática apontada, ser necessário investigar não apenas os níveis de burnout, como também a sua relação com a percepção de autoeficácia entre docentes, pois as pesquisas que analisam essas variáveis ainda são escassas (Ferreira e Azzi, 2011; Dias, 2013; Yildirim, 2015; Bernardini, 2017). Sendo assim, este estudo teve como objetivo verificar a prevalência da Síndrome de Burnout e identificar os níveis de autoeficácia nos professores de Educação Física, tendo em vista que esse grupo de docentes possui características específicas em sua prática pedagógica que podem contribuir para o desenvolvimento de burnout no decorrer da carreira.
METODOLOGIA
DELINEAMENTO DO ESTUDO
Quanto à abordagem, trata-se de uma pesquisa quantitativa. Segundo Kauark, Manhães e Medeiros (2010), esse tipo de pesquisa considera aquilo que pode ser quantificável, traduzindo em números informações e opiniões a fim de analisá-las e classificá-las. Quanto aos objetivos, constitui-se como uma pesquisa descritiva, pois tem como objetivo descrever as características de determinada população ou fenômeno e neste caso, também verificar o estabelecimento de associações entre variáveis; além disso, utiliza técnicas padronizadas de coletas de dados, como o questionário (Gil, 2008; Kauark, Manhães e Medeiros, 2010). Quanto aos procedimentos, pode ser considerada um levantamento de campo, pois caracteriza-se por interrogação ao grupo de indivíduos que se deseja conhecer o comportamento. De acordo com Gil (2008, p. 55), no levantamento “basicamente, procede-se à solicitação e informações a um grupo significativo de pessoas acerca do problema estudado, para em seguida, mediante análise quantitativa, obter as conclusões correspondentes aos dados coletados.”
PARTICIPANTES
Inicialmente, um link com os questionários foi enviado por meio de aplicativo de mensagem para um grupo de 24 professores de Educação Física de um curso de especialização. O mesmo link também foi disponibilizado nas redes sociais dos pesquisadores. O critério de inclusão para participação na pesquisa era ser professor de Educação Física atuante na Educação Básica. No total, 63 docentes aceitaram participar do estudo respondendo aos questionários. Sendo assim, a amostra foi do tipo não probabilística, por conveniência, constituída por 63 professores de Educação Física que atuam em escolas públicas e particulares do município de Belém e região Metropolitana, no estado do Pará.
INSTRUMENTOS PARA COLETA DE DADOS
Como instrumentos para coletas dos dados foram utilizados:
Questionário sociodemográfico;
Maslach Burnout Inventory (MBI - versão para professores);
Escala de Autoeficácia de professor de Educação Física (EAEF).
O Questionário Sociodemográfico e de Trabalho foi construído com base em estudos como os de Iaochite (2007), Sinott (2013) e Bernardini (2017). Teve como finalidade adquirir informações quanto à caracterização sociodemográfica e de trabalho dos participantes como, sexo, idade, estado civil, renda, grau de formação, carga horária do trabalho, tipo de instituição em que trabalha e tempo de atuação como professor de Educação Física.
O MBI (versão para professores) é considerado, até então, o instrumento mais utilizado para avaliar a Síndrome de Burnout (Codo, 1999; Moreno-Jimenez et al., 2002; Carlotto e Câmara, 2004; Benevides-Pereira et al., 2008; Savas, Bozgeyik e Eser, 2008; Pires, Monteiro e Alencar, 2012; Sinott, 2013; Bernardini, 2017). O MBI utilizado neste estudo foi originalmente elaborado por Maslach e Jackson (1981) e adaptado e validado para ser utilizado com professores brasileiros pelo Grupo de Estudos sobre Estresse e Burnout (GEPEB) (Benevides-Pereira et al., 2008). Estudos com professores de Educação Física como os de Moreira et al. (2009), Pires, Monteiro e Alencar (2012), Sinott (2013) e Silva (2014) - que tiveram como objetivo verificar a prevalência das dimensões de burnout - utilizaram essa escala.
O MBI é um questionário autoaplicável, constituído de 22 afirmativas em escala do tipo Likert de 7 pontos, cujo grau de intensidade varia entre 0 e 6, quanto maior o número escolhido, maior é a frequência com que sente cada uma das afirmativas (Silva, 2014). A descrição de cada ponto da escala é:
0. nunca;
1. uma vez ao ano;
2. uma vez ao mês;
3. algumas vezes ao mês;
4. uma vez por semana;
5. algumas vezes por semana;
6. todos os dias.
As 22 questões do MBI visam identificar os escores de exaustão emocional, despersonalização e de realização pessoal no trabalho, por meio de afirmativas voltadas para cada uma dessas dimensões. O burnout é constatado a partir de altos níveis de exaustão emocional e despersonalização, e baixos índices de realização pessoal simultaneamente. Níveis intermediários da síndrome são representados por valores médios nos escores das três dimensões. Um baixo nível de burnout é representado por escores baixos nas dimensões de exaustão emocional e despersonalização e escores elevados na dimensão realização pessoal.
A dimensão exaustão emocional é composta por 9 itens na escala (questões 1, 2, 3, 6, 8, 13, 14, 16 e 20); a despersonalização possui 5 itens (questões 5, 10, 11, 15 e 22); e a realização pessoal no trabalho conta com 8 itens no questionário (questões 4, 7, 9, 12, 17, 18, 19 e 21) (Carlotto e Camara, 2004; Sinott, 2013; Silva, 2014). Os resultados da análise da confiabilidade das Escalas para avaliar burnout em professores de Educação Física neste estudo apresentaram valores α de Cronbach de 0,66. Em pesquisa anterior, o teste de correlação da escala do MBI demonstrou níveis aceitáveis de reprodutibilidade (0,60 a 0,80). O teste alfa de Cronbach apontou alto índice de consistência interna para exaustão emocional (α=0,88) e realização pessoal (α=0,82) e índices moderados para despersonalização (α=0,58) (Carlotto e Câmara, 2004; Moreira et al., 2009).
É possível também classificar o burnout segundo graus de gravidade como: fraco, moderado e severo, tendo como base o número de dimensões atingidas (Bernardini, 2017). Um grau de gravidade é classificado como fraco quando apenas uma das dimensões é afetada, sendo considerado assim um estágio inicial do desenvolvimento da síndrome. Considera-se gravidade moderada quando são afetadas duas dimensões. Quando se atinge as três dimensões, a gravidade é tida como severa. Segundo Carlotto e Câmara (2004) o MBI avalia como o trabalhador vivencia as situações de trabalho, de acordo com a exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal. Entretanto, apesar de avaliar os escores dessas três características, o MBI não é capaz de identificar os fatores que são responsáveis pelo desenvolvimento dos sintomas de cada uma dessas dimensões da síndrome.
De acordo com Iaochite (2007) e Venditti Júnior (2005), a EAEF foi traduzida e adaptada por Polydoro et al. (2004) e levou em consideração a especificidade da Educação Física e a realidade brasileira. A EAEF é derivada da escala Ohio State Teacher Efficaccy Scale, de Tschannen-Moran e Woolfolk Hoy (2001), que é do tipo Likert de 9 pontos, possui 24 itens e é subdividida em três fatores: eficácia no engajamento do estudante, eficácia nas estratégias instrucionais e eficácia no manejo de sala de aula (Iaochite, 2007).
A escala adaptada por Polydoro et al. (2004) utilizada neste estudo também é composta por 24 itens, porém, considerando a realidade brasileira, é do tipo Likert de 6 pontos, representados pela marcação de:
As questões da EAEF eram precedidas da fórmula “Quanto você pode fazer para” em todos os quesitos. É subdividida em dois fatores de avaliação (α de Cronbach=0,937). O fator 1 é o da Eficácia da Intencionalidade da ação docente (α de Cronbach=0,913), formado por 14 itens (questões 2, 4, 6, 9, 10, 11, 12, 14, 15, 17, 18, 19, 20 e 23). O fator 2 é a Eficácia no Manejo de classe (α de Cronbach=0,863), composto por 10 itens (questões 1, 3, 5, 7, 8, 13, 16, 21, 22, 24) (Venditti Júnior, 2005; Iaochite, 2007).
Os resultados da análise da confiabilidade da EAEF, do presente estudo, encontraram valores α de Cronbach de 0,95. Estudos nacionais como os de Venditti Júnior (2005), Iaochite (2007), Ferreira (2011) e Bernardini (2017) utilizaram esse instrumento.
PROCEDIMENTOS ÉTICOS
Os procedimentos éticos foram realizados com base na Resolução nº 196 do Conselho Nacional de Saúde. Sendo assim, esta pesquisa tem autorização do Comitê de Ética da Universidade Federal do Pará (UFPA), conforme Parecer Consubstanciado nº 3.026.005. Os participantes deste estudo foram informados do objetivo da pesquisa, assim como dos cuidados éticos tomados, e assinalaram positivamente por meio eletrônico o Termo de Consentimento Livre e esclarecido (TCLE).
PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS
O procedimento de coletas de dados foi realizado via web. Todos os instrumentos foram digitados e encaminhados no formato de um Formulário Google, que foi compartilhado por meio de aplicativos de mensagens de texto para professores de Educação Física. O Formulário Google é um software livre que permite criar questionários on-line, que podem ser acessados por meio de um link de URL. Uma vez que o questionário é preenchido por completo, o software armazena os dados em uma planilha do Excel. Coletas de dados dessa natureza já foram realizadas em estudos como os de Bernardini (2017) e Sanchéz-Oliva et al. (2014).
PROCEDIMENTO DE ANÁLISE DE DADOS
Os dados originalmente armazenados na planilha do Excel foram inseridos no software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 24, e analisados nesse programa, com estatística descritiva, por meio de cálculos de médias e percentuais, alguns deles representados em tabelas e gráficos. A análise dos escores de burnout foi realizada com base nos pontos de corte da Quadro 1, que foi desenvolvida pelo GEPEB, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Apresenta assim, as pontuações baixa, média e alta para cada dimensão da Síndrome de Burnout.
Dimensões | Pontos de Corte | ||
---|---|---|---|
Baixo | Médio | Alto | |
Exaustão emocional | 0 - 5 | 16 - 25 | 26 - 54 |
Despersonalização | 0 - 02 | 03 - 08 | 09 - 30 |
Realização Pessoal | 0 - 33 | 34 - 42 | 43 - 48 |
Fonte: Benevides-Pereira, 2001; Pires, Monteiro e Alencar, 2012; Sinott, 2013.
No caso da autoeficácia os índices de percepção da EAEF foram calculados com base na média dos pontos na escala Likert (de 1 a 6 pontos). Sendo assim, os resultados com pontuação entre 1 e 2,9 foram classificados com baixa autoeficácia, entre 3 e 4,9 foram considerados índices moderados de autoeficácia e entre 5 e 6, níveis elevados de autoeficácia (Ferreira, 2011; Bernardini, 2017).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
CARACTERIZAÇÃO DA AMOSTRA
A Quadro 2 apresenta a caracterização geral dos professores de Educação de acordo com as variáveis sociodemográficas e de trabalho analisadas. Como características sociodemográficas, foram analisadas as seguintes variáveis: sexo, estado civil, idade e formação acadêmica. Já os dados relacionados ao trabalho foram: tipo de instituição, carga horária, tempo de atuação na profissão e renda salarial.
Participantes | Quantidade | Percentual |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 39 | 61,9 |
Masculino | 24 | 38,1 |
Total | 63 | 100,0 |
Estado civil | ||
Casados (as) | 25 | 39,7 |
Solteiros (as) | 38 | 60,3 |
Total | 63 | 100,0 |
Faixa etária (anos) | ||
De 20 a 30 | 20 | 31,7 |
De 31 a 40 | 25 | 39,7 |
De 41 a 50 | 15 | 23,8 |
Maior que 51 | 3 | 4,8 |
Total | 63 | 100,0 |
Formação acadêmica | ||
Graduação | 21 | 33,3 |
Especialização | 36 | 57,1 |
Mestrado | 4 | 6,3 |
Doutorado | 2 | 3,2 |
Total | 63 | 100,0 |
Tipo de instituição | ||
Pública | 44 | 69,9 |
Privada | 15 | 23,8 |
Pública e Privada | 4 | 6,3 |
Total | 63 | 100,0 |
Carga horária semanal | ||
Até 20h semanais | 14 | 22,2 |
De 21 a 40h semanais | 36 | 57,2 |
Maior que 40h semanais | 13 | 20,6 |
Total | 63 | 100,0 |
Tempo de atuação (anos) | ||
Menos que 1 | 5 | 7,9 |
De 1 a 5 | 19 | 30,2 |
De 6 a 10 | 11 | 17,5 |
De 11 a 15 | 13 | 20,6 |
Mais que 1 | 15 | 23,8 |
Total | 63 | 100 |
Renda salarial (salários-mínimos) | ||
De 1 a 3 | 27 | 42,9 |
De 4 a 6 | 21 | 33,3 |
Maior que 6 | 15 | 23,8 |
Total | 63 | 100,0 |
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.
Com relação ao sexo, a maioria dos docentes investigados são mulheres (61,9%), enquanto os homens representaram 38,1% da amostra (Quadro 2). Quanto ao estado civil, 60,3% dos docentes se declararam solteiros e 39,7% são casados (Quadro 2). A idade dos docentes variou entre 20 e 61 anos, sendo a idade média de ±36,1 (DP=8,69). Quanto ao grau de formação, 57,1% dos entrevistados possuem especialização, 33,3% possuem apenas a graduação, 6,3% possuem mestrado e 3,2% possuem o doutorado (Quadro 2). Quanto ao tipo de instituição de ensino em que lecionam, 69,9% trabalham apenas em escolas públicas, 23,8% apenas em escolas privadas e 6,3% atuam em escolas públicas e privadas (Quadro 2). No que diz respeito à carga horária semanal de trabalho, a maioria dos professores (57,2%) trabalham de 21 a 40 horas por semana (Quadro 2). Com relação ao tempo de atuação na área, 30,2% estão atuando de 1 a 5 anos, seguidos daqueles que estão há mais 16 anos na profissão (23,8%) e apenas 7,9% trabalham há menos de um ano (Quadro 2). Quanto à renda salarial, a maior parte dos entrevistados recebe de 1 a 3 salários-mínimos (42,8%) (Quadro 2).
ÍNDICES DE BURNOUT ENTRE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA
Considerando os critérios de classificação do MBI adaptado para professores e validado para estudos nacionais (Carlotto e Câmara, 2004), a Quadro 3 apresenta os resultados referentes à prevalência e gravidade do burnout na amostra geral dos professores de Educação Física.
Presença de Burnout conforme Classificação do MBI | N | % |
---|---|---|
Combinação dos três indicadores | 11 | 17,5 |
Um indicador apenas | 52 | 82,5 |
Total | 63 | 100,0 |
Gravidade de Burnout | ||
Fraca | 19 | 30,2 |
Moderada | 23 | 36,5 |
Severa | 11 | 17,5 |
Total | 53 | 84,2 |
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.
Levando em conta a classificação proposta pelo MBI, observa-se primeiramente que 17,5% sinalizam a presença da síndrome entre os professores de Educação Física, ou seja, apresentaram alta exaustão emocional, alta despersonalização e baixa realização pessoal simultaneamente (Quadro 3). Enquanto 82,5% dos participantes não apresentaram essa combinação de fatores ao mesmo tempo (Quadro 3). Todavia, considerando o grau de gravidade definido por Bernardini (2017), verifica-se que 84,2% dos docentes são afetados de algum modo pela síndrome (Quadro 3). Destes, 30,2% são atingidos por pelo menos uma das dimensões, gravidade considerada fraca e 36,5% por duas das três dimensões, indicando gravidade moderada de burnout (Quadro 3). Além disso, um total de 12,6% (n=8) da amostra apresentou níveis baixos ou médios de exaustão emocional e despersonalização, e escores médios ou altos de realização pessoal ao mesmo tempo, não sendo classificados, portanto, quanto ao nível de gravidade do burnout. Apenas 3,17% (n=2) dos participantes não tiveram nenhum indício de burnout, apresentando baixa exaustão emocional, baixa despersonalização e alta realização pessoal.Esses resultados mostram-se inquietantes, uma vez que um número elevado dos participantes deste estudo é afetado em maior ou menor grau pelas dimensões da síndrome de Burnout. Codo e Vasques-Menezes (1999) observam que um índice moderado de burnout é preocupante a partir de uma perspectiva epidemiológica, pois considera-se, nesse caso, que o processo de desenvolvimento da síndrome já está em andamento. Estudos indicam que a condição se estabelece de forma lenta e gradual, acometendo o indivíduo de maneira única e gradativa (Maslach e Leiter, 1997; Pêgo e Pêgo, 2016).
Na Quadro 4 são apresentadas as médias das pontuações de exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal dos professores de Educação Física que apresentaram gravidade severa de burnout.
Classificação | N | % | Média | Desvio-Padrão |
---|---|---|---|---|
Alta Exaustão Emocional | 11 | 17,4 | 40,4 | 8,85 |
Alta Despersonalização | 11 | 17,4 | 15,1 | 4,04 |
Baixa Realização Pessoal | 11 | 17,4 | 22,2 | 3,60 |
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.
De acordo com Pêgo e Pêgo (2016, p.173) o burnout em professores prejudica o ambiente educacional, pois leva os profissionais “a um processo de alienação, cinismo, apatia, problemas de saúde e intenção de abandonar a profissão”, gerando repercussões negativas no sistema educacional e na qualidade da aprendizagem. Além disso, por mais que o burnout seja uma condição associada apenas a fatores estressores do ambiente de trabalho, seus efeitos interferem em todas as áreas da vida do sujeito, desencadeando prejuízos tanto no âmbito profissional quanto no pessoal.
CLASSIFICAÇÃO DOS NÍVEIS DE BURNOUT POR DIMENSÃO
Tratando especificamente de cada dimensão, a Quadro 5 apresenta os resultados referentes à exaustão emocional na amostra geral. A exaustão emocional remete à sensação de haver chegado ao limite, nessa circunstância os professores sentem que não conseguem dar mais de si mesmos em nível psicológico (Maslach e Jackson, 1981). Percebem-se como esgotados e sem energia, além de desgastados física e emocionalmente em decorrência do contato diário com problemas no trabalho (Codo, 1999; Leite, 2007; Benenevides-Pereira, 2008). Estudos têm considerado a exaustão emocional como fator central na Síndrome de Burnout (Maslach e Jackson, 1981; Tamayo e Tróccoli, 2002; Savas, Bozgeyik e Eser, 2014).
Classificação | N | % | Pontos Média | Desvio-Padrão |
---|---|---|---|---|
Baixa | 5 | 7,9 | 11,6 | 2,30 |
Média | 14 | 22,2 | 21,0 | 2,86 |
Alta | 44 | 69,9 | 36,4 | 7,08 |
Total | 63 | 100,0 | 31,3 | 10,86 |
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.
Os dados revelam que apenas 7,9% dos entrevistados apresentaram baixos escores, enquanto 69,9% dos professores têm altos índices de exaustão emocional e 21% níveis intermediários da dimensão (Quadro 5). Ao analisar as questões referentes à exaustão emocional no MBI, constatou-se que 63,4% (n=40) dos professores de Educação Física sentem-se exaustos pelo trabalho de “uma” a “algumas vezes por semana”. Ao responder a afirmativa “Sinto que atingi o limite das minhas possibilidades”, 23,8% (n=15) assinalaram que isso ocorre na frequência entre “uma vez por semana” a “algumas vezes por semana”. O fato de trabalhar com alunos faz com que 26,9% dos professores sintam-se estressados entre “uma vez por semana” e “algumas vezes na semana”, além disso, desempenhar essa tarefa o dia inteiro exige um grande esforço de 38,0% dos participantes algumas vezes ao longo da semana de trabalho. Outra assertiva de destaque foi o sentimento de frustração em relação ao trabalho, pois mais da metade dos participantes (57,1%, n=36) afirmaram que se sentem frustrados entre “uma vez ao mês” e “algumas vezes por semana”. Pode-se inferir que é necessário que medidas sejam tomadas o quanto antes a fim de amenizar os elevados índices de exaustão entre os professores de Educação Física.
Na Quadro 6, são apresentados os resultados concernentes à dimensão da despersonalização. Maslach e Jackson (1981) ressaltam que a despersonalização está ligada ao desenvolvimento de sentimentos negativos e cínicos em relação aos usuários do serviço prestado, os trabalhadores passam a ter uma percepção mais desumanizada dos outros. Nesse sentido, os professores podem ter comportamentos mais impessoais e frios nas relações interpessoais e frios no trabalho, seja com os alunos ou com colegas de profissão.
Classificação | N | % | Média | Desvio-Padrão |
---|---|---|---|---|
Baixa | 17 | 27,0 | 0,8 | 1,14 |
Média | 18 | 28,6 | 6,1 | 1,58 |
Alta | 28 | 44,4 | 13,8 | 4,41 |
Total | 63 | 100,0 | 8,1 | 6,34 |
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.
Os resultados apontam que um total de 44,4% apresentou escores altos de despersonalização, o que representa quase metade dos participantes (Quadro 6). É possível constatar também 28,6% de professores com índices intermediários de despersonalização (Quadro 6), que com o passar do tempo, sem intervenções para melhoria, podem agravar esse quadro entre os docentes de Educação Física.
Entre as questões referentes à despersonalização, verificou-se que 17,5% (n=11) dos professores demonstraram preocupação “algumas vezes por semana” com o fato de que o trabalho esteja endurecendo-os emocionalmente. Além disso, 19% (n=12) dos professores sentem que têm se tornado mais insensíveis desde que começaram a exercer a docência, entre “uma vez ao mês” e “algumas vezes por semana”. Estudos têm mostrado que professores de Educação Física têm pouco contato com seus colegas de trabalho, seja por ter que dar aula num espaço mais separado na estrutura escolar, ou até mesmo por, em alguns casos, não ser chamado a participar nas atividades pedagógicas com outros professores e gestão, como reuniões, conselhos de classe etc. (Salgado, Salles e Alves, 2012; Cieslinski e Szum, 2014; Colakoglu e Yilmaz, 2014).
Essas situações de maneira recorrente fazem com que muitos desses profissionais sintam-se desvalorizados e até mesmo inferiores na hierarquia informal dos professores, visto que, para alguns, o trabalho do docente na Educação Física não demanda tanto esforço e que é preciso apenas “jogar bola” com os alunos (Cieslinski e Szum, 2014). Além disso, a literatura tem apontado pouco interesse dos alunos por esse componente curricular, pois acreditam não ser importante para a formação acadêmica (Ha, King e Naeger, 2011; Tsigilis, Zounartzi e Koustelios, 2011; Brouwers, Tomic e Boluijt, 2014). Esses fatores podem influenciar para o desenvolvimento de índices elevados em todas as dimensões de burnout, porém é importante que outros tipos de análise sejam feitos para que seja possível identificar como a afetividade dos professores de Educação Física tem sido afetada pelos estressores relacionados ao trabalho.
Quanto aos índices de realização pessoal no trabalho, os resultados encontrados são exibidos na Quadro 7. A reduzida realização pessoal no trabalho é marcada por uma tendência de avaliar-se negativamente. Os professores, nesse caso, sentem-se insatisfeitos com seu desenvolvimento profissional e com eles mesmos. Passam a sentir-se incompetentes e desmotivados (Maslach e Jackson, 1981, Santini, 2004; Pires, Monteiro e Alencar, 2012). A ausência da realização pessoal provoca uma diminuição das expectativas pessoais e uma autodepreciação crescente, e por consequência gera sentimentos de baixa autoestima e fracasso (Santini, 2004).
Classificação | N | % | Pontos Média | Desvio-Padrão |
---|---|---|---|---|
Baixa | 26 | 41,3 | 24,4 | 4,41 |
Média | 28 | 44,4 | 37,9 | 2,71 |
Alta | 9 | 14,3 | 45,0 | 1,87 |
Total | 63 | 100,0 | 33,4 | 8,61 |
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.
Constatou-se que somente 14,3% dos participantes apresentaram uma alta realização pessoal no trabalho (Quadro 7). Em contrapartida, observa-se que 41,3% dos professores de Educação Física possuem níveis baixos dessa dimensão, que é uma das características da presença de burnout (Quadro 7). Os dados que contribuem para esse resultado são verificados nas análises das questões sobre a dimensão no MBI.
Ao responder a afirmativa “Tenho conseguido muitas realizações em minha profissão”, 25,3% (n=16) dos professores assinalaram a resposta “nunca” e 9,5% (n=9) responderam “uma vez ao ano”. Quando perguntados se sabem tratar de forma adequada os problemas emocionais que enfrentam no trabalho, 19% (n=16) responderam entre “nunca” ou “uma vez ao ano”. Por outro lado, apesar dos baixos índices de realização, 50,8% (n=32) dos docentes sentem que influenciam de maneira positiva a vida de outras pessoas por meio de seu trabalho “algumas vezes por semana”. Além disso, 33,3% (n=21) disseram que, pelo menos “uma vez por semana”, conseguem criar um ambiente relaxado para os alunos.
Segundo Santini (2004), a reduzida realização pessoal no trabalho pode ser associada a uma diminuição no senso de autoeficácia, sendo relacionada inclusive a depressão e inabilidade em lidar com o trabalho e pode ser acentuada pela falta de suporte social e de oportunidades de crescimento profissional. De acordo com Bernardini (2017) e Dias (2013), a baixa realização pessoal pode estar relacionada a uma crise de autoeficácia. No entanto, uma vez que se trata de uma síndrome cujos fatores de influência são diversificados, faz-se necessário que variáveis tanto pessoais quanto de trabalho sejam também averiguadas, a fim de verificar as possíveis semelhanças ou distinções nas características dos docentes que desenvolvem a Síndrome de Burnout.
AUTOEFICÁCIA EM PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA
A seguir são apresentados, na Quadro 8, os resultados quanto aos níveis indicativos de autoeficácia docente identificados no grupo de professores de Educação Física. A classificação da autoeficácia entre esses profissionais foi feita com base nos índices utilizados por Ferreira (2011) e Bernardini (2017), podendo ser baixa, média ou alta, considerado a média da pontuação na escala de 1 a 6 pontos. A baixa autoeficácia apresenta média de 1 a 2,9 pontos, a autoeficácia moderada varia de 3 e 4,9 pontos, e é tida como alta quando a pontuação varia entre 5 e 6 pontos.A partir desses resultados, verifica-se que a maior parte dos participantes possui uma autoeficácia moderada, totalizando 55,5% da amostra total. A pontuação média dos professores com níveis moderados de autoeficácia foi de 4,41 pontos e o desvio-padrão foi de 0,74 na escala de 1 a 6 pontos (Quadro 8). Em seguida os docentes com altos escores de autoeficácia apresentaram uma representatividade de 41,2% da amostra (Quadro 8). Esses professores apresentaram uma pontuação média de 5,41 pontos na escala de 1 a 6 pontos e um desvio-padrão de 0,59 (Quadro 8). Apenas 3,2% dos participantes tiveram baixos índices de autoeficácia (Quadro 8). A Quadro 9, por sua vez, apresenta estatísticas média e mediana dos escores do desvio-padrão encontradas nas dimensões Eficácia da Intencionalidade da ação docente e na Eficácia no Manejo de Classe. De modo geral, verifica-se que os professores de Educação Física possuem uma autoeficácia moderada em ambas as dimensões. Na escala geral, a média de pontos da autoeficácia docente foi de 4,77 e desvio-padrão de 0,68 (Quadro 9). Evidenciou-se ainda que os professores tiveram pontuações acima da média nas duas dimensões de autoeficácia e com baixa variabilidade de respostas indicado pelo valor do desvio-padrão (Quadro 9). A dimensão eficácia da ação docente foi levemente maior (4,81 pontos) que a de manejo de classe (4,71 pontos) (Quadro 9). De modo semelhante, um estudo de Iaochite et al. (2011), com 220 professores de Educação Física de São Paulo, utilizou a EAEF adaptada por Polydoro et al. (2004), e encontrou valores de 5,04 pontos na média da eficácia da intencionalidade da ação docente, com desvio-padrão de 0,62, e valores menores na eficácia do manejo de classe que apresentou média de 4,82 pontos e 0,68 de desvio-padrão.
Classificação | N | % | Média | Desvio-Padrão |
---|---|---|---|---|
Baixa | 2 | 3,2 | 2,91 | 0,69 |
Moderada | 35 | 55,5 | 4,41 | 0,74 |
Alta | 26 | 41,3 | 5,41 | 0,59 |
Total | 63 | 100,0 | 4,77 | 0,68 |
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.
Dimensões | Média | Mediana | Desvio-padrão |
---|---|---|---|
Eficácia da Intencionalidade da ação docente | 4,81 | 4,80 | 0,24 |
Eficácia no manejo de classe | 4,71 | 4,70 | 0,69 |
Total | 4,77 | 4,80 | 0,68 |
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.
Pode-se inferir com base nesses resultados que, embora os professores de Educação Física participantes deste estudo vivenciem situações estressoras no ambiente de laboral, eles têm buscado de alguma maneira dirigir seus esforços para a resolução dos problemas encontrados na sua prática pedagógica. De acordo com Bandura (1986), quando um profissional se julga capaz de lidar com os desafios que surgem no trabalho, isso significa consequentemente que considera possuir recursos cognitivos, emocionais e sociais para enfrentar tais situações desafiadoras a fim de alcançar seus objetivos.
NÍVEIS DE AUTOEFICÁCIA POR DIMENSÃO DA EAEF
Na Quadro 10 são apresentados os níveis de autoeficácia subescala. Eficácia na intencionalidade da ação docente. De acordo com Iaochite (2007, p. 61), essa dimensão representa “a crença do professor na capacidade de mediar o ensino e mobilizar o estudante a realização da atividade.”
Classificação | N | % | Média | Desvio-Padrão |
---|---|---|---|---|
Baixa | 1 | 1,6 | 2,85 | 0,86 |
Moderada | 31 | 49,2 | 4,30 | 0,72 |
Alta | 31 | 49,2 | 5,39 | 0,53 |
Total | 63 | 100,0 | 4,81 | 0,24 |
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.
Nota-se primeiramente que apenas 1,6% dos participantes apresentaram escores baixos na eficácia da intencionalidade da ação docente, com uma média de 2,85 pontos na escala de 1 a 6 pontos (Quadro 10). Esses dados corroboram os estudos de Bernardini (2017) e Ferreira (2011) que também identificaram uma porcentagem pequena de professores com baixos escores nessa dimensão da autoeficácia. Entretanto, percebe-se que 49,2% dos professores de Educação Física apresentaram níveis tanto médios quanto altos nessa subescala (Quadro 10). A pontuação média no nível moderado foi de 4,30 na escala de 1 a 6 pontos, com desvio-padrão de 0,72 (Quadro 10). Já os que foram classificados com altos índices de autoeficácia nessa dimensão apresentaram 5,39 pontos na escala de 1 a 6 pontos e desvio-padrão de 0,53 (Quadro 10).
Entre as questões de destaque sobre essa dimensão, verificou-se que 31,7% (n =19) dos professores sentem-se “moderadamente muito” e 30,2% (n=20) “muitíssimo” capazes de motivar os alunos que demonstram baixo interesse pelas atividades desenvolvidas na aula. Além disso, 44,4% (n=28) dos participantes afirmaram ser muitíssimo capazes de fazer com que os alunos acreditem que podem realizar bem as tarefas. Percebeu-se, no entanto, que os professores de Educação Física apresentam certa dificuldade no que diz respeito ao ajuste das atividades para o nível de cada aluno e em utilizar múltiplas possibilidades avaliativas. Cerca de 14% (n=9) sentiram-se pouco capazes de ajustar suas atividades para o nível individual dos alunos e 20,6% (n=13) consideraram-se pouco capazes de utilizar uma variedade de estratégias de avaliação.
Na Quadro 11 são apresentados os resultados relativos aos níveis de eficácia no manejo de classe. Esse item corresponde à crença do professor para lidar e gerenciar os inúmeros aspectos do dia a dia das aulas (Iaochite, 2007).
Classificação | N | % | Média | Desvio-Padrão |
---|---|---|---|---|
Baixa | 2 | 3,2 | 2,9 | 0,92 |
Moderada | 34 | 54,0 | 4,3 | 0,76 |
Alta | 27 | 42,8 | 5,32 | 0,59 |
Total | 63 | 100,0 | 4,71 | 0,69 |
Fonte: Elaborada pelos autores, 2019.
A princípio, constata-se que mais da metade (54,0%) dos participantes possui níveis moderados de eficácia no manejo de classe, que tiveram uma média de 43,4 pontos e desvio-padrão de 3,74 na subescala geral, e de 4,3 pontos na escala de 1 a 6 pontos e desvio-padrão de 0,76 (Quadro 11). Em segundo lugar, 42,8% dos docentes apresentaram altos escores na capacidade de lidar com os múltiplos aspectos do cotidiano de aula, com média de 5,32 pontos na escala de 1 a 6 pontos e 0,59 de desvio-padrão (Quadro 11). Somente 3,2% dos professores demonstraram ter uma baixa eficácia na dimensão do manejo de classe, com média de 2,9 pontos na escala de 1 a 6 pontos e desvio-padrão de 0,91 (Quadro 11).
Algumas questões se destacaram nessa subescala. Constatou-se, por exemplo, que 52,4% (n=33) dos professores sentem-se “moderadamente muito” capazes de estabelecer rotinas para manter as atividades ocorrendo de forma tranquila durante a aula. Outros 38,1% (n=24), acreditaram ser “moderadamente muito” capazes de controlar comportamentos perturbadores de alunos durante a aula. Contudo, cerca de 17,5% dos docentes de Educação Física afirmaram que pouco podem fazer para lidar com os alunos mais difíceis e 12,7% (n=8) sentiram-se pouco eficazes em ajudar os pais a auxiliar os filhos a irem bem nas atividades escolares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo fornece dados importantes com relação à Síndrome de Burnout, bem como sobre a percepção de autoeficácia em professores de Educação Física. Os resultados revelam que esses docentes têm sofrido com altos índices de exaustão emocional e despersonalização, além de uma baixa realização pessoal no trabalho. A presença de burnout foi constatada em grau fraco, moderado e grave, numa porcentagem preocupante de participantes. A dimensão exaustão emocional foi a que mais atingiu os professores, que têm se sentido esgotados pelo trabalho e demandam um grande esforço para lidar com os alunos. Há, portanto, necessidade imprescindível de medidas interventivas para tratamento da síndrome, assim como ações de prevenção.
Os resultados também revelam que a maioria dos docentes desse estudo apresentou níveis moderados de autoeficácia. Demonstrando que, ainda que se sintam emocionalmente exaustos, esgotados pelo trabalho e frustrados, eles têm tentado de alguma forma enfrentar as dificuldades encontradas. No entanto, é necessário que estudos que correlacionem o Burnout e a autoeficácia sejam realizados nessa categoria docente, a fim de identificar em que medida esses construtos se influenciam.
Por se tratar de um estudo com uma amostra não probabilística e realizado numa região específica do país, os resultados possuem limitações, não podendo ser feitas generalizações. Outra limitação decorre da modalidade de coleta de dados, por relato verbal em escala Likert, quando é provável a tendência de respostas favoráveis, chamadas de viés de autoapresentação socialmente aceitável (Rufini, Bzuneck e Oliveira, 2011). Sendo assim, no MBI os professores podem exagerar um tanto, como se queixando das condições de trabalho e, na escala de autoeficácia podem igualmente exagerar sobre suas capacidades em lidar com os desafios profissionais. Tais achados podem ainda servir de base para reflexão a respeito do adoecimento dos professores de Educação Física e sobre a importância de mudanças nas condições objetivas de trabalho, a fim de que esses profissionais tenham qualidade de vida e saúde, melhorem sua percepção de autoeficácia e possam de fato proporcionar uma educação de qualidade.