INTRODUÇÃO
Os novos normativos para a Educação em Portugal destacam, por um lado, o planeamento educativo centrado no aluno, de acordo com as suas necessidades, potencialidades e interesses através de uma abordagem multinível e, por outro, a gestão flexível do currículo, dos espaços e dos tempos escolares, de modo que a ação educativa possa responder às singularidades de cada aluno. Essas assunções implicam mudanças efetivas nas práticas dos professores, pois ensinar e ser professor implica um crescimento e desenvolvimento pessoal/profissional contínuo (Davis, Sumara e Luce-Kapler, 2008; Dejene, 2020).
Vários estudos apontam que as conceções de ensino-aprendizagem dos professores influenciam as suas práticas pedagógicas, nomeadamente, a planificação, o método de ensino e a implementação das atividades de aprendizagem (Mellado, 1998; Levitt, 2002; Fives e Buehl, 2012). A consistência da relação entre as conceções de ensino-aprendizagem e as práticas pedagógicas dos professores foi encontrada ao longo dos anos em diferentes disciplinas académicas: matemática (Vacc e Bright, 1999), ciências (Czerniak e Lumpe, 1996), história (Wilson e Wineburg, 1988) e literacia (Fang, 1996). No entanto, existem igualmente estudos que referem que as conceções de ensino-aprendizagem e as práticas dos professores nem sempre têm uma relação consistente (Ertmer, Gopalakrishnan e Ross, 2001; Farrell e Lim, 2005).
Pennington (1989, p. 96) refere que as conceções dos professores e as suas práticas estão basicamente relacionadas, utilizando o termo “attitude”, o qual define como “a personal theory or philosophy of instruction”. A autora reitera que o comportamento do professor na sala de aula reflete inevitavelmente a sua “attitude” em relação aos alunos, a si próprio e a todo o processo educativo. Davis, Sumara e Luce-Kapler (2008, p. 192) referem que “[…] teaching is an enormously complex undertaking that is learned over a lifetime.”, destacando que ensinar e ser professor implica um crescimento e desenvolvimento pessoal/profissional contínuo.
Dada a inexistência de instrumentos em Portugal com qualidades métricas confirmadas que relacione as conceções de ensino-aprendizagem dos professores com as suas práticas pedagógicas, decidimos construir o Questionário sobre conceções e práticas de ensino-aprendizagem (QEADP)1. O objetivo é contribuir para a facilitação de processos de mudança paradigmática de atuação dos professores. A aposta numa escola inclusiva onde todos e cada um dos alunos, independentemente da sua situação pessoal e social, encontram respostas que lhes possibilitam a aquisição de um nível de educação e formação facilitadoras da sua plena inclusão social é uma das ideias fundamentais do Decreto Lei n.° 54/2018 (Portugal, 2018). A interpretação e compreensão dos dados obtidos pelo QEADP pode ajudar processos de autorreflexão e de discussão entre professores e agentes educativos e incentivar o desenvolvimento de práticas onde se destaque a educabilidade universal e a equidade educativa.
A investigação acerca das conceções de ensino-aprendizagem e a sua relação com as práticas adotadas em sala de aula tem-se focado em diferentes tópicos, entre os quais, o papel dos professores e dos alunos no ensino (Mahmood, 2007); o grau de participação dos alunos na aula (Hussain, Azeem e Shakoor, 2011); a organização da sala de aula (Holt-Reynolds, 2000); os objetivos do ensino (Shumba, 2011); os critérios de avaliação (Savasci, 2006); e a investigação e os projetos no desenvolvimento de aprendizagens (Roehrig e Luft, 2004). Numa outra linha de investigação, os estudos de Prosser e Trigwell (2006) e Trigwell, Ellis e Han (2011) mostraram que as conceções dos professores influenciam as abordagens de ensino que eles adotam em sala de aula. Esse impacto influencia as abordagens quanto às aprendizagens dos alunos, influenciando concomitantemente o processo de aprendizagem dos alunos e o resultado da aprendizagem (Marton e Säljö, 1997; Entwistle, 2000; Prosser e Trigwell, 2006; Trigwell, Ellis e Han, 2011).
O papel do professor é essencial para o desenvolvimento de práticas de ensino-aprendizagem que permitam ao aluno adquirir conhecimentos e compreendê-los para os aplicar e generalizar a situações do seu dia a dia (Echazarra et al., 2016). Os professores que visam estimular uma aprendizagem profunda concentram-se na construção ativa de conhecimentos apontando para mudanças concetuais permanentes nos seus alunos (Jacobs et al., 2020). As aprendizagens serão significativas e sentidas, se permitirem o desenvolvimento concetual e a compreensão individual, aspetos-chave para os alunos se envolverem numa abordagem quanto às aprendizagens profunda e com conceções de aprendizagem mais complexas (Entwistle, 2000).
Numa perspetiva mais simbólica, Fenstermacher e Soltis (2004) invocaram que os professores se dividem concetualmente por três abordagens ao ensino: executiva, facilitadora e liberalista. A abordagem executiva revela um professor como um gestor hábil de aprendizagem, focando-se na aquisição de conhecimentos, habilidades e competências dos alunos. A abordagem facilitadora refere-se a professores que se centram no desenvolvimento das capacidades únicas e características pessoais de cada aluno para os ajudar a atingirem a autenticidade e a autorrealização. A abordagem liberalista vê o professor como um libertador da mente, enfatizando o desenvolvimento das virtudes intelectuais e morais do aluno.
Onwuegbuzie et al. (2007) sugeriram a existência de dois tipos de abordagens ao ensino, nomeadamente, uma transmissiva e uma progressiva. A abordagem transmissiva (centrada no professor) enfatiza a transmissão de conhecimento aos alunos e utiliza a aula expositiva como método de ensino prioritário. A abordagem progressiva (centrada no aluno) destaca a relação do ensino-aprendizagem com o mundo das pessoas e materiais, dentro e fora do ambiente da escola, valorizando a construção de valores humanistas.
As principais diferenças entre as abordagens centradas no professor e as centradas no aluno/aprendizagem residem no estabelecimento de metas, no papel do professor, na orientação motivacional, no tipo de avaliação e na interação entre aluno e conteúdos de aprendizagem (Pedersen e Liu, 2003). Numa abordagem centrada no professor, os alunos trabalham para cumprir os objetivos definidos pelo professor, enquanto este assume uma função diretiva, controla a interação dos alunos e utiliza as classificações para motivá-los, tendo as avaliações como determinantes para as classificações finais. Numa abordagem centrada no aluno/aprendizagem, os alunos têm um papel ativo na sua aprendizagem; o professor desempenha um papel de facilitador para ajudar os alunos a assumir o controlo da sua aprendizagem; os alunos interagem com os colegas e aprendem coletivamente enquanto trabalham em tarefas diversificadas; a motivação intrínseca é fator-chave; e o foco das avaliações é compreender as necessidades de aprendizagem dos alunos (Wright, 2011; Singhal, 2017).
Investigação correlacional recente destaca que as conceções dos professores têm um papel importante nas decisões de sala de aula e nas abordagens ao ensino (Mardiha e Alibakhshi, 2020). Apesar da relevância da temática, constata-se a escassez de instrumentos validados acerca das conceções e práticas de ensino-aprendizagem dos professores em contexto nacional. Nesse sentido, foi elaborado o QEADP e foram analisadas as suas propriedades métricas no âmbito da validade e fiabilidade.
MÉTODO
AMOSTRA
A amostra de conveniência foi constituída por 294 participantes, 241 (82,0%) do género feminino e 53 (18,0%) do masculino. A distribuição por idades revela 69 (23,4%) participantes até os 45 anos; 114 (38,8%) entre os 45 e 55 anos; e 111 (37,8%) com mais de 55 anos. Relativamente aos anos de serviço, 43 (14,6%) participantes têm até 15 anos de serviço; 100 (34,0%) têm entre 15 e 25 anos de serviço; e 151 (51,4%) têm mais de 25 anos de serviço. Relativamente às habilitações académicas, 202 (68,7%) participantes possuem bacharelato/licenciatura; 78 (26,5%) têm um mestrado; e 14 (4,8%) têm um doutoramento. No que respeita ao ciclo de ensino de lecionação, 69 (23,5%) participantes lecionam no 1° ciclo; 53 (18,0%), no 2° ciclo; 95 (32,3%), no 3° ciclo; e 77 (26,2%) no ensino secundário. Por fim, relativamente a disciplina/grupo de lecionação, 65 (22,1%) participantes lecionam português/língua(s) estrangeira(s); 29 (9,9%), matemática/física/química; 10 (3,4%), biologia/geologia/ciências naturais; 10 (3,4%), psicologia/filosofia; 34 (11,6%), educação física/música/educação visual; 35 (11,9%), geografia/história/cidadania e desenvolvimento; 53 (18,0%), ensino do 1° ciclo; 36 (12,2%), grupo de educação especial; e 22 (7,5%) participantes assinalaram “outro”.
INSTRUMENTO
O QEADP foi construído com o objetivo de compreender/verificar se as conceções de ensino-aprendizagem dos professores influenciam a planificação e a implementação das suas práticas pedagógicas. Para tal, foram gerados, inicialmente, 22 itens num questionário do tipo Likert de cinco opções, variando entre 1 (discordância total) e 5 (concordância total). Os itens descrevem, numa primeira parte, conceções acerca do que é ensinar, aprender e avaliar e, numa segunda parte, atitudes e juízos de valor sobre práticas pedagógicas, mais especificamente sobre a planificação/organização do ensino-aprendizagem. Os itens foram pensados a partir de estudos anteriores, nomeadamente entrevistas com professores nas quais eram encorajados a fazerem relatos e a refletirem acerca das suas conceções de ensino-aprendizagem e sobre as suas práticas pedagógicas (Rodrigues e Ferreira, 2016; Ferreira et al., 2020). Essa metodologia de investigação qualitativa desenvolvida em contexto educacional orienta-se para o conteúdo e para a reflexão, sendo denominada por fenomenografia (Marton, 1986).
O autor procedeu igualmente a uma análise rigorosa das respostas dos professores e enquadrou teoricamente o QEADP, concebendo propositadamente itens associados a uma perspetiva/abordagem mais centrada no professor e itens associados a uma perspetiva/abordagem mais centrada no aluno/aprendizagem.
PROCEDIMENTOS
Os requisitos éticos foram garantidos e, depois de obtida a versão final a aplicar do questionário, foram incluídos na primeira página, explicando-se o objetivo e os procedimentos, assegurando-se a confidencialidade e o anonimato dos dados. Os indicadores da versão final exigiram uma dupla abordagem: primeiro, foram listados os conteúdos que a literatura considera como representativos do constructo; e, numa segunda fase, assumiu-se a avaliação qualitativa e quantitativa da versão elaborada. Apenas depois de analisados os vários índices de validade de conteúdo (IVC), proporção de acordo e Kappa de Cohen (k) é que se iniciou a aplicação do questionário, que foi enviado a vários agrupamentos, escolas e professores, via LimeSurvey. O questionário apenas permitia avançar quando os participantes confirmavam a sua participação voluntária e o seu preenchimento demorava cerca de 15 minutos.
Inicialmente, utilizámos uma amostra (n=21) para verificar a estabilidade temporal do QEADP, utilizando a técnica de teste-reteste (preenchimento do QEADP com um intervalo de 15 dias) e os respetivos coeficientes de correlação de Pearson. Analisámos a fiabilidade do QEADP por meio da consistência interna, utilizando o α de Cronbach. Avançámos posteriormente para a última fase de aplicação do QEADP com uma amostra (n=294) constituída por professores dos ensinos básico e secundário com variáveis demográficas diversificadas. A fiabilidade foi novamente verificada pela consistência interna (α de Cronbach) e realizámos uma análise fatorial exploratória, com rotação Varimax, no sentido de identificar a estrutura fatorial do QEADP. Após uma análise detalhada dos dados, resolvemos repetir o procedimento fatorial, dessa vez, utilizando 26 itens. Por fim, efetuámos uma análise das correlações entre itens e domínios que, em conjunto com a análise fatorial realizada, constituem o suporte estatístico para a validade de constructo do QEADP. O tratamento dos dados foi concretizado recorrendo ao Excel e ao Statistical Package for Social Sciences (SPSS), versão 27.
RESULTADOS
A validade de conteúdo do QEADP foi feita por dez peritos da área em estudo, que classificaram cada item relativamente a relevância, clareza, simplicidade e ambiguidade, utilizando uma escala de Likert que variava entre 1 (irelevante) e 4 (muito relevante) (Wynd, Schmidt e Schaefer, 2003; Yaghmaie, 2003; Polit e Beck, 2006). Em todos os itens, havia a oportunidade para observações qualitativas, o que levou ao aumento do número de itens. Relativamente ao índice de validade de conteúdo por item (IVC_I), os valores para a relevância variaram entre 0,80 e 1,0, acordos universal (IVC_AU) de 0,80 e médio (IVC_M) de 0,96. Para a clareza, os valores de IVC_I variaram entre 0,60 e 1,0; de IVC_AU, de 0,73; e de IVC_M de 0,90. No que diz respeito à simplicidade, os valores de IVC_I variaram entre 0,60 e 1,0; os de IVC_AU, de 0,77; e os de IVC_M de 0,92. Para a ambiguidade, os valores de IVC_I variaram entre 0,60 e 1,0; os de IVC_AU, de 0,73; e os de IVC_M, de 0,90.
Todos os itens foram considerados representativos, havendo, contudo, necessidade de reformulação, simplificação ou adição de outros itens (IVCclareza,ambiguidade = 0,60 em três itens). Os valores foram ao encontro da literatura, que aponta para IVC_I superiores a 0,78, IVC_AU superiores a 0,70 e IVC_M superiores a 0,90 (Polit e Beck, 2006). A análise da proporção de acordo entre peritos revela consenso sobre a relevância dos itens e da sua formulação, apresentando valores entre 0,78 e 1,0 para a Relevância; entre 0,74 e 1,0 para a Clareza; entre 0,81 e 1,0 para a Simplicidade; e entre 0,85 e 1,0 para a Ambiguidade.
Finalmente, e ainda relativamente à validade de conteúdo do QEADP, os valores do Kappa de Cohen (Quadro 1) demonstram acordos moderados a bons (41,00 > k < 0,75), à exceção do P10 (fraco acordo, k < 0,40) (Wynd, Schmidt e Schaefer, 2003).
Peritos | P2 | P3 | P4 | P5 | P6 | P7 | P8 | P9 | P10 |
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P1 | 0,60 | 0,70 | 0,70 | 0,60 | 0,70 | 0,70 | 0,74 | 0,60 | 0,34 |
P2 | - | 0,71 | 0,70 | 0,60 | 0,70 | 0,70 | 0,70 | 0,50 | 0,30 |
P3 | - | - | - | 0,54 | 0,50 | 0,50 | 0,60 | 0,40 | 0,00 |
P4 | - | - | - | - | 0,60 | 0,50 | 0,70 | 0,40 | 0,30 |
P5 | - | - | - | - | 0,70 | 0,70 | 0,80 | 0,60 | 0,34 |
P6 | - | - | - | - | - | 0,60 | 0,70 | 0,40 | 0,30 |
P7 | - | - | - | - | - | - | 0,70 | 0,50 | 0,20 |
P8 | - | - | - | - | - | - | - | - | 0,10 |
P9 | - | - | - | - | - | - | - | - | 0,30 |
Fonte: Elaboração do autor.
Alguns peritos colocaram algumas notas qualitativas adicionais e, dada a sua relevância, decidiu-se incorporar novos itens. Com o intuito de averiguar a normalidade da distribuição, calculou-se o teste de Shapiro-Wilk, cujos valores foram menores que 0,05, pelo que se aceitou a normalidade e se assumiram as técnicas paramétricas. A fiabilidade do QEADP foi analisada pela estabilidade temporal, técnica de teste-reteste (n = 21), apresentando com coeficientes de correlação de Pearson (r) a apontar correlações moderadas a fortes (0,45 > r < 0,98) (Hartley e MacLean Jr., 2006) e pela consistência interna (α de Cronbach), obtendo-se, com apenas 21 participantes, valores promissores (0,63 > α < 0,70), com um α total de 0,68 (Andresen, 2000).
O Quadro 2, com uma amostra de 294 participantes, apresenta a estatística descritiva para os vários itens do QEADP, as correlações item–total e a consistência interna pelo α de Cronbach, obtendo-se valores significativos (0,83 > α < 0,85) com um total de 0,84 e indiciando a sua fiabilidade (Andresen, 2000; Noonan, Miller e Noreau, 2009).
Itens | Média | Desvio padrão | α s/item | r - item total |
---|---|---|---|---|
Ensinar é… | ||||
1. Expor os conteúdos programáticos de forma lógica, pois o objetivo primordial do ensino é a transmissão de conhecimento. | 3,24 | 1,27 | 0,84 | 0,45 |
2. Proporcionar oportunidades de discussão ativa e de trabalho cooperativo entre os alunos. | 4,45 | 0,68 | 0,84 | 0,47 |
3. Instruir, testar e classificar a aprendizagem dos alunos. | 3,27 | 1,18 | 0,84 | 0,49 |
4. Promover a aprendizagem autorregulada e o espírito crítico. | 4,55 | 0,65 | 0,84 | 0,44 |
5. Preparar os alunos na observação e na metodologia da investigação científica. | 4,02 | 0,94 | 0,84 | 0,37 |
Aprender é… | ||||
6. Assimilar e reproduzir conteúdos programáticos lecionados nas aulas. | 2,92 | 1,21 | 0,83 | 0,50 |
7. Capacidade de construir conhecimento através do questionamento mútuo e da colaboração com os pares. | 4,41 | 0,71 | 0,84 | 0,45 |
8. Utilizar conceitos, princípios e técnicas nas atividades que ocorrem na sala de aula. | 4,30 | 0,76 | 0,85 | 0,41 |
9. Utilizar os novos conceitos adquiridos para mudar comportamentos de forma permanente. | 4,21 | 0,77 | 0,84 | 0,38 |
10. Reorganizar informação de forma pessoal, adquirindo competências alargadas de desenvolvimento pessoal. | 4,49 | 0,69 | 0,84 | 0,47 |
Avaliar é… | ||||
11. Corrigir as respostas dadas nos testes, avaliando os conhecimentos adquiridos pelos alunos. | 3,19 | 1,29 | 0,83 | 0,51 |
12. Fornecer feedback aos alunos de forma a oferecer uma orientação clara e objetiva de como melhorar a aprendizagem e o desempenho académico. | 4,63 | 0,63 | 0,84 | 0,41 |
13. Testar os alunos por provas periódicas e exames finais, para ajuizar sobre os conhecimentos adquiridos dos alunos e decidir sobre a sua progressão. | 3,03 | 1,19 | 0,83 | 0,54 |
14. Facilitar o desenvolvimento pessoal e a promoção de competências de autoavaliação. | 4,43 | 0,67 | 0,84 | 0,45 |
15. Observar os progressos das aprendizagens e avaliar a sua adequação comparativamente aos objetivos formativos. | 4,38 | 0,69 | 0,85 | -0,20 |
Acerca das práticas pedagógicas… | ||||
16. As estratégias e os recursos são ajustados às necessidades e ritmos de aprendizagem dos alunos, tomando em consideração os objetivos de aprendizagem. | 4,19 | 0,83 | 0,84 | 0,27 |
17. A diferenciação pedagógica é um processo que incorpora o uso de várias estratégias de ensino. | 4,50 | 0,63 | 0,84 | 0,55 |
18. Existem alunos que precisam de alguns conteúdos ajustados aos seus interesses, não devendo receber, nestes casos, conteúdo igual aos seus pares. | 3,87 | 0,99 | 0,84 | 0,41 |
19. As atividades de aprendizagem devem ser iguais e simultâneas para todos os alunos. | 2,21 | 1,13 | 0,83 | 0,58 |
20. O ensino implica a utilização de diferentes materiais adaptados às necessidades dos alunos. | 4,53 | 0,69 | 0,84 | 0,48 |
21. Alguns alunos aprendem melhor através do trabalho em grupo e alguns trabalhando individualmente, alguns aprendem melhor fazendo projetos, enquanto outros aprendem melhor em discussão com os pares. | 4,52 | 0,68 | 0,84 | 0,50 |
22. Numa aula existem sempre oportunidades para ajustar (diminuindo ou aumentando) a dificuldade das tarefas. | 4,22 | 0,79 | 0,84 | 0,41 |
23. O ambiente físico da sala de aula deve ser alterado, regularmente, para permitir mudar os alunos de grupo, alocando tempo e recursos distintos a cada grupo. | 3,95 | 0,96 | 0,84 | 0,41 |
24. A repetição por parte do professor das mesmas estratégias de ensino-aprendizagem permite aos alunos aprender melhor. | 2,63 | 1,07 | 0,84 | 0,28 |
25. A utilização de métodos de avaliação diagnóstica permite determinar os conhecimentos que os alunos já possuem sobre o tema a lecionar. | 3,81 | 0,99 | 0,85 | 0,42 |
26. A utilização de instrumentos de avaliação iguais para todos os alunos é o procedimento mais correto em termos pedagógicos. | 2,13 | 1,09 | 0,84 | 0,46 |
27. Os professores devem diferenciar as atividades, dando aos alunos diferentes opções de expressão para demonstrar o que aprenderam. | 4,43 | 0,72 | 0,84 | 0,47 |
28. A organização da turma em grupos flexíveis e heterogéneos é uma mais valia em termos de aprendizagem. | 4,20 | 0,82 | 0,84 | 0,44 |
29. O ensino deve ser focado em toda a turma, valorizando o grupo e não a individualidade de cada aluno. | 2,39 | 1,20 | 0,84 | 0,41 |
Fonte: Elaboração do autor.
De seguida, foi efetuada uma análise fatorial exploratória2 (índices de Kaiser-Meyer-Olkin = 0,88 e teste de esfericidade de Bartlett: χ2 = 3.569,07 / gl 406 / p < 0,001), para perceber a relação entre itens e identificar a sua organização por dimensões (Quadro 3). O método de análise de componentes principais com rotação varimax identificou cinco fatores, explicando 55,4% da variância total, cujos itens obedeciam aos critérios recomendados: eigenvalues superiores a 1,00, scree plot e valores de extração superiores a 0,40 (Pestana e Gageiro, 2005).
QEADP | FATORES | h2 | |||
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1 | 2 | 3 | 4 | ||
Item 1 | 0,75 | 0,58 | |||
Item 2 | 0,70 | 0,57 | |||
Item 3 | 0,80 | 0,67 | |||
Item 4 | 0,74 | 0,61 | |||
Item 5 | 0,62 | 0,45 | |||
Item 6 | 0,83 | 0,73 | |||
Item 7 | 0,76 | 0,62 | |||
Item 8 | 0,49 | 0,49 | |||
Item 9 | 0,55 | 0,41 | |||
Item 10 | 0,72 | 0,58 | |||
Item 11 | 0,83 | 0,71 | |||
Item 12 | 0,58 | 0,50 | |||
Item 13 | 0,71 | 0,61 | |||
Item 14 | 0,69 | 0,58 | |||
Item 17 | 0,54 | 0,50 | |||
Item 18 | 0,53 | 0,43 | |||
Item 19 | 0,75 | 0,72 | |||
Item 20 | 0,66 | 0,53 | |||
Item 21 | 0,52 | 0,44 | |||
Item 22 | 0,65 | 0,45 | |||
Item 23 | 0,69 | 0,50 | |||
Item 25 | 0,43 | 0,40 | |||
Item 26 | 0,75 | 0,67 | |||
Item 27 | 0,66 | 0,51 | |||
Item 28 | 0,67 | 0,51 | |||
Item 29 | 0,61 | 0,47 | |||
Valor próprio | 4,40 | 4,00 | 3,62 | 2,10 | |
% Variância | 17,0 | 15,4 | 13,9 | 8,1 | |
% Acumulada | 17,0 | 32,4 | 46,3 | 54,4 | |
α de Cronbach | 0,85 | 0,87 | 0,80 | 0,74 |
Fonte: Elaboração do autor.
QEADP: Questionário sobre Conceções e Práticas de Ensino-Aprendizagem; método de extração: análise de componente principal; método de rotação: varimax com normalização de Kaiser;
ᵃ: rotação convergida em seis iterações.
Analisámos detalhadamente os valores extraídos, considerando igualmente os valores do Quadro 2 e também algumas das notas qualitativas assinaladas durante a validação de conteúdo por parte dos peritos. Assim, tomámos a decisão de eliminar os itens 15, 16 e 24. Os itens 15 e 24 apresentaram valores de r baixos quando comparados com os outros itens e os valores de extração (h2) foram igualmente dos mais baixos, 0,41 e 0,42 respetivamente. Quanto ao item 16, a sua exclusão deve-se ao facto de, por si só, ser o responsável pela existência de um quinto fator com uma extração (h2) de 0,74 e os valores de extração para os outros fatores serem inferiores a 0,25.
Assim, resolvemos repetir o procedimento fatorial, desta vez, utilizando apenas 26 itens, cujos valores de maior extração são apresentados no fator correspondente no Quadro 3.
A solução fatorial destaca a organização dos 26 itens em quatro fatores/dimensões e os quatro fatores retidos explicam 54,4 da variância total e uma consistência interna (α de Cronbach) de 0,85. O Quadro 4 apresenta a distribuição dos itens por fator/dimensão.
Fator 1 – Conceção de ensino-aprendizagem compreensiva e colaborativa (CEAcc) |
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2. Ensinar é proporcionar oportunidades de discussão ativa e de trabalho cooperativo entre os alunos. |
4. Ensinar é promover a aprendizagem autorregulada e o espírito crítico. |
5. Ensinar é preparar os alunos na observação e na metodologia da investigação científica. |
7. Aprender é a capacidade de construir conhecimento através do questionamento mútuo e da colaboração com os pares. |
9. Aprender é utilizar os novos conceitos adquiridos para mudar comportamentos de forma permanente. |
10. Aprender é reorganizar a informação de forma pessoal, adquirindo competências alargadas de desenvolvimento pessoal. |
12. Avaliar é fornecer feedback aos alunos de forma a oferecer uma orientação clara e objetiva de como melhorar a aprendizagem e o desempenho académico. |
14. Avaliar é facilitar o desenvolvimento pessoal e a promoção de competências de autoavaliação. |
Fator 2 – Conceção de ensino-aprendizagem sistemática e convencional (CEAsc) |
1. Ensinar é expor os conteúdos programáticos de forma lógica, pois o objetivo primordial do ensino é a transmissão de conhecimento. |
3. Ensinar é instruir, testar e classificar a aprendizagem dos alunos. |
6. Aprender é assimilar e reproduzir conteúdos programáticos lecionados nas aulas. |
8. Aprender é utilizar conceitos, princípios e técnicas nas atividades que ocorrem na sala de aula. |
11. Avaliar é corrigir as respostas dadas nos testes, avaliando os conhecimentos adquiridos pelos alunos. |
13. Avaliar é testar os alunos por provas periódicas e exames finais, para ajuizar sobre os conhecimentos adquiridos dos alunos e decidir sobre a sua progressão. |
Fator 3 – Prática pedagógica inclusiva (PPi) |
17. A diferenciação pedagógica é um processo que incorpora o uso de várias estratégias de ensino. |
18. Existem alunos que precisam de alguns conteúdos ajustados aos seus interesses, não devendo receber, nestes casos, conteúdo igual aos seus pares. |
20. O ensino implica a utilização de diferentes materiais adaptados às necessidades dos alunos. |
21. Alguns alunos aprendem melhor através do trabalho em grupo e alguns trabalhando individualmente, alguns aprendem melhor fazendo projetos, enquanto outros aprendem melhor em discussão com os pares. |
22. Numa aula existem sempre oportunidades para ajustar (diminuindo ou aumentando) a dificuldade das tarefas. |
23. O ambiente físico da sala de aula deve ser alterado, regularmente, para permitir mudar os alunos de grupo, alocando tempo e recursos distintos a cada grupo. |
25. A utilização de métodos de avaliação diagnóstica permite determinar os conhecimentos que os alunos já possuem sobre o tema a lecionar. |
27. Os professores devem diferenciar as atividades, dando aos alunos diferentes opções de expressão para demonstrar o que aprenderam. |
28. A organização da turma em grupos flexíveis e heterogéneos é uma mais valia em termos de aprendizagem. |
Fator 4 – Prática pedagógica conservadora (PPc) |
19. As atividades de aprendizagem devem ser iguais e simultâneas para todos os alunos. |
26. A utilização de instrumentos de avaliação iguais para todos os alunos é o procedimento mais correto em termos pedagógicos. |
29. O ensino deve ser focado em toda a turma, valorizando o grupo e não a individualidade de cada aluno. |
Fonte: Elaboração do autor.
Por fim, efetuámos uma análise das correlações entre fatores (Quadro 5) que, em conjunto com a análise fatorial realizada, constitui o suporte estatístico para a validade do QEADP.
Fator 1 – (CEAcc) | Fator 2 – (CEAsc) | Fator 3 – (PPi) | Fator 4 – (PPc) | |
---|---|---|---|---|
Fator 1 – CEAcc) | 1 | |||
Fator 2 – (CEAsc) | -0,03 | 1 | ||
Fator 3 – (PPi) | 0,55* | 0,22 | 1 | |
Fator 4 – (PPc) | 0,18* | 0,51* | 0,22* | 1 |
Fonte: Elaboração do autor.
CEAcc: Conceção de ensino-aprendizagem compreensiva e colaborativa; CEAsc: Conceção de ensino-aprendizagem sistemática e convencional; PPi: Prática pedagógica inclusiva; PPc: Prática pedagógica conservadora;
*A correlação é significativa no nível 0,01 (2 extremidades).
A dimensão/fator 1 Conceção de ensino-aprendizagem compreensiva e colaborativa (CEAcc) apresenta uma correlação significativa (0,55) com a dimensão/fator 3 Prática pedagógica inclusiva (PPi) e uma correlação também significativa, mas de menor peso (0,18), com a dimensão/fator 4 Prática pedagógica conservadora (PPc). A dimensão/fator 2 Conceção de ensino-aprendizagem sistemática e convencional (CEAsc) apresenta uma correlação significativa (0,51) com a dimensão/fator 4 Prática pedagógica conservadora (PPc). Essas correlações têm um significado concetual e empírico muito relevante e serão discutidas mais à frente.
DISCUSSÃO
A escassez de instrumentos validados acerca das conceções e práticas de ensino-aprendizagem dos professores em contexto nacional levou-nos à elaboração do QEADP.
O contributo dos peritos revelou-se fundamental e, em conjunto com os procedimentos estatísticos efetuados, levou aos seguintes procedimentos: eliminação de três itens, por apresentarem valores inferiores a 0,40 e/ou constituírem um fator de um único item, com valores inferiores a 0,30 nos restantes fatores (Costello e Osborne, 2005); e introdução de novos itens sobre aprendizagem colaborativa (Laal e Laal, 2012), avaliação entre pares (Tsivitanidou et al., 2012) e práticas de diferenciação pedagógica (Ferreira, 2017).
A solução fatorial definitiva gerou a extração de quatro fatores/dimensões. Um primeiro fator, com oito itens, que explica 17,0% da variância a que denominámos, conceção de ensino-aprendizagem compreensiva e colaborativa (CEAcc); um segundo fator, com seis itens, que explica 15,4% da variância, conceção de ensino-aprendizagem sistemática e convencional (CEAsc); um terceiro fator, com nove itens, que explica 13,9% da variância, prática pedagógica inclusiva (PPi); e um quarto fator, com três itens, que explica 8,1% da variância, prática pedagógica conservadora (PPc).
Esses quatro fatores/dimensões têm relevância teórica e empírica substantiva e parecem indicar que as conceções de ensino-aprendizagem dos professores influenciam a planificação e a implementação das suas práticas pedagógicas. Conceções mais compreensivas e colaborativas (fator 1) estão associadas a práticas mais inclusivas (fator 3), enquanto conceções mais convencionais (fator 2) associam-se a práticas mais conservadoras (fator 4) (Trigwell, Ellis e Han, 2011; Echazarra et al., 2016). Ou, dito de outra forma, conceções de ensino-aprendizagem mais construtivistas e menos diretivas associam-se a abordagens centradas no aluno/aprendizagem e conceções de ensino-aprendizagem mais tradicionais e diretivas associam-se a abordagens centradas no professor (Pedersen e Liu, 2003).
Essa relação entre conceções e práticas de ensino-aprendizagem colaborativas e inclusivas enfatizada pelo QEADP parece ir ao encontro dos princípios orientadores dos normativos nacionais da educação inclusiva, isto é, educabilidade universal, equidade, direito ao acesso e participação de modo pleno e efetivo nos mesmos contextos educativos. Dito de outra forma, a necessidade de cada escola reconhecer a mais-valia da diversidade dos seus alunos, encontrando formas de lidar com essa diferença, adequando os processos de ensino às características e condições individuais de cada aluno, mobilizando os meios de que dispõe para que todos aprendam e participem na vida da comunidade educativa.
Professores com práticas mais inclusivas e colaborativas estão mais disponíveis para aprender novas técnicas, utilizam mais estratégias para ensinar todos os alunos e participam ativamente na sua formação, apresentando uma atitude de mudança face à heterogeneidade da turma (Cook, Cameron e Tankersley, 2007). Como referem Cross et al. (2004), percorrer os caminhos para uma educação inclusiva é criar um conjunto de práticas baseado na entreajuda e cooperação. Não é expetável que o professor possua todo o conhecimento e saberes necessários para o atendimento à diversidade dos processos de desenvolvimento de toda a população escolar. Assim, devem ser desenvolvidas ações formativas que criem oportunidades de aprendizagem e de desenvolvimento de competências, tornando o professor progressivamente autónomo na capacidade de resolver problemas num modelo de ensino-aprendizagem construtivista e de partilha (Dejene, 2020).
Numa sala de aula flexível e inclusiva, o papel do professor deve centrar-se na elaboração e seleção de oportunidades de aprendizagem para os alunos, orientando-os e trabalhando com eles na monitorização da sua evolução escolar, promovendo, neles, processos de autonomia, de motivação e confiança.
CONCLUSÃO
As conceções e as práticas de ensino-aprendizagem dos professores estão associadas (Savasci, 2006; Fives e Buehl 2012), havendo necessidade de as identificar e analisar para uma mudança no ensino-aprendizagem, visando a uma educação plena e para todos. Essa identificação carecia de um instrumento válido e fiável, razão pela qual se apresenta esse instrumento cujas qualidades métricas foram confirmadas, permitindo a obtenção de dados para a compreensão da relação entre conceções e práticas de ensino-aprendizagem. Para além de correlações significativas entre conceções e práticas, destaca-se uma relação positiva e significativa entre conceções mais convencionais e práticas mais conservadoras, corroborando estudos anteriores (Gilakjani, 2012; Feixas e Euler, 2013), tornando fundamental incluir, nos processos formativos dos professores, menções explícitas sobre conceções mais colaborativas e centradas na personalização do ensino e na singularidade de cada aluno (Dejene, 2020).
A escola terá de se afastar de modelos de ensino-aprendizagem centrados no currículo, passando a dar relevância a modelos centrados no aluno em que a construção do ensino tenha por base as suas necessidades individuais (Sailor, 2015; Ferreira et al., 2020). Essa diferenciação significa “romper” com muitas das rotinas diárias da sala de aula, implicando uma organização de trabalho que integre procedimentos de ensino e aprendizagem e que disponibilize, a cada aluno, uma situação de aprendizagem desafiante e motivadora (Ferreira, 2017). Torna-se fundamental uma aposta decisiva na formação contínua dos professores, designadamente por meio do reforço de saberes fundamentados em evidências empíricas que facilitem a definição de estratégias de diferenciação pedagógica e diversificação curricular.
A valorização das conceções de ensino-aprendizagem dos professores em atividades formativas de desenvolvimento profissional é fundamental para se efetivar uma mudança na escola (Ambrosetti, 2015). Este estudo pode dar um pequeno contributo para essa mudança, fornecendo evidências teórico-empíricas substantivas acerca da relação entre conceções e práticas de ensino-aprendizagem.