INTRODUÇÃO
A obra de Paulo Freire está hoje incorporada de maneira definitiva à reflexão pedagógica internacional. Prova disso foi a ampla repercussão do centenário de seu nascimento (1921–2021) no mundo, especialmente na América Latina. Isso, no entanto, não significa que haja consenso em relação ao que ela representa em cada contexto sociopolítico e teórico. Da mesma forma que a atuação profissional de Freire, em razão tanto do exílio quanto de opções pessoais, levou-o a andanças por todos os continentes, assim também a sua pedagogia foi traduzida para diferentes culturas e tradições de ensino. A tradução, neste caso, não se refere apenas ao texto escrito, mas à transculturação de suas ideias pedagógicas. Verifica-se esse fato tanto na priorização de determinados conceitos quanto no significado que se atribui a eles e às respectivas práticas. Um inventário dessas diversas apropriações da obra de Paulo Freire, de preferência de caráter internacional e comparativo, ainda está por ser feito.
Neste texto o interesse é compreender a obra de Paulo Freire e sua relação com a pedagogia latino-americana. O argumento que pretendo propor e construir é que a sua pedagogia representa tanto uma consolidação do pensamento pedagógico latino-americano quanto o ponto de partida para novos desenvolvimentos na área. A obra de Paulo Freire, mesmo que implicitamente, surge em uma tradição pedagógica largamente ignorada por educadores e pouco estudada.1 Ao mesmo tempo, representa uma âncora para uma grande diversidade de práticas educativas com suas respectivas teorizações.
Este artigo está desdobrado em quatro partes. Na primeira, procura-se olhar como Paulo Freire constrói a sua visão de América Latina, ou seja, a sua latino-americanidade. Sabe-se que a relação do Brasil com os demais países da América Latina é ambígua. Mesmo compartilhando a história de colonização predatória e genocida, há dificuldade em reconhecer essa pertença a um mesmo passado e provavelmente a um mesmo destino. A expressão “o Brasil e a América Latina” revela essa tensão, quando não separação, entre um “nós” brasileiro e um “eles” latino-americano. Paulo Freire, como a maioria dos brasileiros, teve que desaprender essa visão e construir uma perspectiva mais integradora de América Latina.
A segunda parte trata de compreender o contexto de práxis na época em que se forma a pedagogia do oprimido. Refiro-me não explicitamente ao livro Pedagogia do oprimido, mas ao conjunto de sua obra que representa, conforme ele mesmo, alongamentos, explicitações e revisões da ideia da práxis pedagógica do oprimido em sua luta pela libertação. A pedagogia do oprimido surge em um momento de “revolução cultural” que vai desde os costumes, a arte, até a academia.2 Neste texto será dada atenção especial à teologia e a metodologia de pesquisa.
Segue-se a identificação de alguns antecedentes da pedagogia do oprimido, exemplificando como a pedagogia de Paulo Freire ecoa uma rica tradição pedagógica, infelizmente pouco conhecida e estudada. São práticas educativas construídas ao longo de séculos de resistência e de busca de alternativas emancipatórias. São identificadas aproximações com Guaman Poma de Ayala, Sor Juana Inés de la Cruz, Simón Rodríguez, José Martí, José Carlos Mariátegui e Gabriela Mistral.
Por fim, na quarta parte, destaco algumas marcas da pedagogia latino-americana nas quais se faz presente de maneira mais evidente a presença de Paulo Freire. A identificação dessas marcas passa necessariamente pela compreensão que se tem de América Latina. Mesmo se considerássemos a América Latina apenas como uma grandeza geográfica no mapa mundial, seria difícil não reconhecer que a diversidade cultural proporciona a criação de projetos educativos próprios. As marcas, no entanto, adquirem maior evidência e contundência se olhamos para a América Latina como uma realidade sociopolítica construída sobre os pilares da opressão de grande parte da população, conjugada com a exploração predatória da natureza. Como contraponto, respectivamente, as marcas do que aqui denominamos de pedagogia latino-americana constituem-se em meio às lutas de superação dessa realidade.3
A FORMAÇÃO DA LATINO-AMERICANIDADE
Os primeiros livros de Paulo Freire, Educação e atualidade brasileira e Educação como prática da liberdade, retratam a típica formação universitária no Brasil. Educação e atualidade brasileira, originalmente apresentado como tese do concurso para a cadeira de História e Filosofia da Educação da Escola de Belas Artes de Recife, em 1959, trata da realidade brasileira sem uma vinculação explícita com outros países da América Latina. Os livros publicados na Argentina e no México são usados, assim como aqueles publicados nos Estados Unidos e na Europa, para dar conta da formação política brasileira no tocante à sua inexperiência democrática, ao contexto sociopolítico no qual a educação teria o papel de fomentar o trânsito de uma consciência ingênua para uma consciência crítica.
Adriana Puiggrós (2010, p. 42) nota essa falta de articulação explícita na obra de Freire com a tradição pedagógica latino-americana:
Hay una certa insuficiencia de articulación explícita del discurso de Freire com los acontecimientos de la historia latino-americana. Se extraña, más que el tema de las raíces fundamentales (que nunca se encuentran en el pasado social, nacional o regional) la inscripción en una herencia político-educativa.
Segundo ela, é uma infeliz herança do tratado de Tordesilhas que continua se colocando como obstáculo para uma integração mais orgânica entre os povos. Essa constatação aplica-se ainda hoje para grande parte dos currículos de formação universitária no Brasil, entre eles o da formação de professores.
O comentário de Adriana Puiggrós, uma das mais importantes historiadoras da educação latino-americana, não pode ser visto como demérito para Paulo Freire. Pelo contrário, ele aponta para a superação de alguém que faz do exílio uma experiência de aprendizagem única, até mesmo de sua latino-americanidade. Ao deixar o Brasil, Paulo Freire esteve por cerca de 70 dias na Bolívia, onde, além da dificuldade de se adaptar à altitude de La Paz, vivenciou mais um golpe de estado (Freire, 2006). Embora a experiência boliviana fosse breve e geralmente tratada en passant, é difícil imaginar que a cultura indígena presente nas ruas e nas escolas não tenha impactado Freire. Coincidentemente, em uma nova estada na Bolívia, em Cochabamba, no ano de 1987, Paulo Freire (1987, p. 6) diz: “En el exilio aprendí la necesidad de dejar de estar seguro de la certidumbre; es la única manera de estar seguro. Si vengo abierto: aprendo y enseño”. Há aqui, depois de mais de duas décadas, o reconhecimento explícito de sua aprendizagem em termos de uma história e de um destino comuns na América Latina:
Lo que hacemos lo tenemos que hacer clara y lucidamente en relación con el destino de América Latina. América Latina no será rehabilitada sino por nosotros mismos, peleando por nuestras independencias, por nuestra afirmación, por la seguridade de ser nosotros, por nuestra coherencia com nuestro pasado, transformando el presente para poder crear e inventar um futuro mejor. (Freire, 1987, p. 6)
Depois da Bolívia vem o Chile, onde a pedagogia do oprimido ganha a forma com a qual passará a ser conhecida e reconhecida mundialmente. As experiências fundantes do nordeste brasileiro são testadas em nova conjuntura que dará à pedagogia do oprimido a potência que a coloca no cenário pedagógico mundial. A estada no Chile, que durou de novembro de 1964 a abril de 1969, proporcionou o contexto para a escrita de algumas de suas mais importantes obras,4 entre elas o hoje clássico Pedagogia do oprimido. Trata-se de um período de maturação de sua obra que, depois do Chile, também terá seu teste acadêmico e de relevância internacional na Universidade de Harvard e no Conselho Mundial de Igrejas entre 1970 e 1979.
Cabe perguntar em que sentido a experiência no Chile, em realidade a sua primeira grande experiência internacional, contribuiu para que a obra de Paulo Freire se tornasse uma referência da pedagogia latino-americana. Podem ser destacados os seguintes aprofundamentos ou prolongamentos proporcionados por essa experiência, que são relatados em Pedagogia da esperança e em outros depoimentos:
A contextualidade do ato de conhecer: O trabalho pedagógico com novos sujeitos exige reaprender o ato de produzir conhecimento sobre a realidade. “A realidade chilena, escreve ele, me ajudava, na sua diferença com a nossa, a compreender melhor as minhas experiências e estas, revistas, me ajudavam a compreender o que ocorria ou poderia ocorrer no Chile” (Freire, 1992, p. 44). Os trabalhadores chilenos diferenciavam-se em termos de nível de formação e de consciência política, além da presença da cultura indígena mapuche em certas regiões chilenas. Em outro depoimento, 20 anos depois de sua saída do Chile, temos este testemunho de humildade de quem reconhece que não se ensina sem aprender: “Chile me enseño muchas cosas. Aprendi com los amigos y compañeros chilenos como aprender también” (Freire, 1991, p. 1).
As relações de poder mais explícitas: No Chile, o embate entre classes sociais com interesses antagônicos torna-se mais explícito e é formulado em termos de opressores e oprimidos. Paulo Freire chega ao país sob o governo da democracia cristã liderada por Eduardo Frei, que prometera uma “revolução em liberdade” (Triviños e Andreola, 2001, p. 25). As reflexões de Freire refletem as disputas políticas que culminaram na eleição do socialista Salvador Allende, em 1970, deposto pelo golpe militar em 1973, de certa forma antecipando a impossibilidade de democratização do poder entre opressores e oprimidos. As ditaduras que se instalavam em vários países da América Latina mostravam que a metáfora do trânsito (do homem objeto para homem sujeito; da sociedade objeto e fechada para sociedade sujeito e aberta), proposta em Educação como prática da liberdade, precisava ser repensada.5
A pesquisa inter e transdisciplinar integrada com a o ensino: Desde a sua experiência no nordeste brasileiro Paulo Freire insistia no princípio de que o adulto a ser alfabetizado não é um vazio em termos de cultura. Fazia-se necessário, por isso, partir do cotidiano das pessoas para novas aprendizagens, entre elas a do letramento. No Chile, o contato com novas culturas proporcionou uma oportunidade para a consolidação dessa metodologia (Gajardo, 2021).
Um fértil contexto teórico: Paulo Freire reconhece que Santiago, naquele tempo, talvez tenha sido o melhor centro intelectual da época na América Latina. Segundo ele (Freire, 1992, p. 45), “aprendíamos das análises, das reações, das críticas feitas por colombianos, venezuelanos, cubanos, mexicanos, bolivianos, argentinos, paraguaios, brasileiros, europeus”. No mesmo parágrafo, no entanto, Freire reconhece o aprendizado com o “saber da experiência feito”, “dos sonhos, da clareza, das dúvidas, da ingenuidade, das ‘manhas’ dos trabalhadores chilenos, mais rurais do que urbanos, no meu caso”.
Durante a sua estada no Chile, Paulo Freire teve presença marcante no Centro Intercultural de Documentação (1961–1976), criado por Ivan Illich em Cuernavaca, e que era o lugar de encontro de importantes intelectuais progressistas da América Latina e dos Estados Unidos, entre os quais John Holt, Peter Berger, Paul Goodman, Erich Fromm e Salazar Bondy (Silva, [s.d.]). O Centro foi, nesse sentido, o espaço tanto para fortalecer a perspectiva latino-americana no confronto com a visão internacional quanto para iniciar o processo de internacionalização de suas odeias.
Não se pode esquecer que, a partir da década de 1950, a América Latina era um espaço de disputa na Guerra Fria, com fortes embates ideológicos. É sintomático, por exemplo, que no seu projeto de alfabetização Paulo Freire não mencione a Campanha de Alfabetização em Cuba, realizada no ano de 1961, e que praticamente eliminou o analfabetismo na ilha.6 No entanto, Freire estará presente na Campanha de Alfabetização da Nicarágua, em 1979, e continuará peregrinando pela América Latina e pelo Caribe e aprendendo a ser um cidadão deste subcontinente onde as feridas coloniais clamam por justiça.
O CONTEXTO DA PRÁXIS
Há um consenso na literatura pedagógica que, em meados do século XX, mais precisamente nas décadas de 1950 e 1960, se configura uma nova fase da educação popular. Antes disso, desde o tempo das independências e da constituição das repúblicas a educação popular era sinônimo de educação pública, com todas as limitações que havia nessa compreensão de público, tanto em termos de acesso quanto em termos de qualidade em uma visão republicana. A noção de educação popular é comum a pensadores, políticos e educadores tão diferentes quanto Sarmiento (Argentina), Varela (Uruguai) e Martí (Cuba).
O que muda no período acima mencionado é a redefinição do popular, dando-lhe um caráter classista, não necessariamente num sentido mais restrito da tradição marxista, mas sempre num claro reconhecimento da produção social das desigualdades na América Latina. As terminologias expressam que se trata de uma realidade que permite diferentes olhares, que no entanto coincidem no mesmo reconhecimento de que estamos diante de uma situação de injustiça social com a qual a educação hegemônica compactua e que acaba reproduzindo. As terminologias são metáforas que expressam diferentes imagens da sociedade: os marginalizados de um sistema constituído por um centro e uma periferia; os subalternizados que se encontram inferiorizados nas relações de poder; os oprimidos que são explorados nas relações de trabalho e roubados de sua humanidade; mais recentemente, os excluídos que ou são incluídos na medida das necessidades dos “de dentro”, ou são simplesmente descartáveis como sem utilidade.
Há em vários campos de conhecimento e de prática o reconhecimento de que as mudanças não viriam nem por acaso nem como concessão daqueles que estão “no centro”, “em cima” ou “dentro”. Forma-se assim um contexto de práxis transformadora com os grupos que se encontram no outro lado fraco, ocultado ou silenciado do espectro do poder. A pedagogia do oprimido, assim, é parte de um movimento político, social e cultural que questiona radicalmente relações de poder produtoras e mantenedoras de desigualdades. Para a nossa reflexão destaco dois desses campos com os quais a obra de Paulo Freire tem especial afinidade.
Um deles é a teologia. Em vários relatos autobiográficos, Paulo Freire (1971) faz referência à religiosidade na qual foi formado desde a infância. Escolheu a religião católica de sua mãe, que o ajudou para que a escolha fosse efetiva. Houve, não obstante, um afastamento temporário por conta da distância que ele via entre o que se pregava nos púlpitos e o que se vivia. Freire voltou influenciado por autores como Tristão de Atayde, Maritain e Bernanos, identificados com o Movimento da Ação Católica, que utilizava o método ver-julgar-agir concebido pelo sacerdote belga Joseph Cardjin.
Menciono apenas duas obras que surgem no que caracterizo como o contexto de práxis no qual se gesta a Pedagogia do oprimido. Em 1969 Rubem Alves publica o seu livro A Theology of Human Hope, que, segundo seu depoimento, só não foi publicado com o título de Teologia da libertação por uma opção do editor norte-americano. No livro ele afirma a historicidade da salvação, não dicotomizando a transcendência da imanência. “History is thus the medium in and through which God creates for history, man, and himself, a future that does not yet exist, either actually or formally” (Alves, 1969, p. 97). Em outra passagem, o amor é definido como a dialética da libertação na história. “From the point of view of the historical experience of community of faith, love is the name for the dialectics of liberation in history. Love is what God does in order to make man free” (ibidem, p. 126).7
A outra obra que marca esse contexto de práxis é Teologia da libertação, de Gustavo Gutierrez. Nos diálogos com os educadores e teólogos australianos8Freire (1974b) cita Gustavo Gutierrez, a quem se refere como seu grande amigo:
Eu tenho um grande amigo meu, que é um dos mais importantes teólogos da América Latina hoje em dia, do Peru, Gustavo Gutierrez. Ele escreveu um livro lindo, Teologia da Libertação.9 E quando nós nos conhecemos em Genebra, ele me disse algo muito sintomático… ele me disse que teve uma reunião com algumas pessoas do alto escalão da Igreja em Roma. E os homens do alto escalão na hierarquia estavam interessados apenas em testar a sua fé. Então, a maior preocupação desses homens era saber, perseguir, descobrir de diferentes maneiras se Gutierrez continuava a ter fé.
Assim como Rubem Alves, para Gustavo Gutierrez (1973) a salvação se traduz como libertação de todas as formas de opressão que limitam a realização humana em sua plenitude, aqui e agora. Ele (Gutierrez, 1973) identifica três dimensões no processo de libertação:
como aspiração de todas as pessoas e classes oprimidas, revelando o caráter conflitivo dos processos econômicos, sociais e políticos;
como homens e mulheres assumindo a sua responsabilidade consciente pelo seu destino;
como um conceito que ecoa a fontes bíblicas, sendo Cristo a figura que encarna o sentido mais profundo de libertação.
A Investigación Acción Participativa é outra prática com o mesmo ímpeto emancipatório da época. Desde a década de 1950, Orlando Fals Borda se ocupava da questão agrária na Colômbia e buscava romper com formas de conhecer a realidade campesina que a descrevem e interpretam desde fora. Tomo como referência para esta reflexão o livro Las revoluciones inconclusas em América Latina, publicado no ano de 1968. Tal quais os acima mencionados teólogos e o próprio Paulo Freire, Fals Borda (2009, p. 390) sente que se vive, por um lado, a grande possibilidade de transformação da sociedade: “Vivimos el momento decisivo de uma subversión histórica em que se sientan las bases de uma nueva sociedade”. Ao mesmo tempo, ele aponta para um problema ontológico não resolvido: o de saber quem somos e para onde vamos. E segue sua advertência:
Si los latino-americanos — tan sofridos em la perplexidade como yo mismo lo estoy hoy — queremos saber lo que realmente somos y a donde vamos, probablemente deberíamos continuar preparando a ciência y paciência y com todos nuestros recursos aquella estrategia y acción decisivas que prometan construir en nuestro medio uma nueva y mejor sociedade (ibidem, p. 417).
Uma dessas estratégias passa por recriar a pesquisa social, distanciando-a dos preceitos positivistas. Uma nova ciência social do povo e para o povo deveria gerar conhecimento na própria ação para potencializar e/ou redirecionar as transformações. Para isso, haveria também a necessidade de um trabalho interdisciplinar, rompendo com a fragmentação do conhecimento típica do mundo acadêmico. Essa busca dava-se também em profícuo diálogo com experiências semelhantes em outras partes do mundo, como relatado em seu discurso “La investigación-Accion em convergências disciplinarias” (Fals Borda, 2010).
Esse contexto de práxis poderia ser ampliado, incluindo a área da comunicação, as artes, a filosofia, a sociologia, a psicologia, entre outras. O que as une é a ruptura com um conhecimento desconectado com a realidade vista da perspectiva dos oprimidos. A academia como que desce do seu pedestal para reaprender um mundo que havia esquecido ou que servia apenas como fonte de pesquisa.
ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO
A obra de Paulo Freire apresenta uma vasta e variada gama de referências. Um levantamento que percorreu os seus escritos identificou mais de 500 fontes citadas, que vão desde autores clássicos até os contemporâneos, desde a filosofia à física (Pitano, Streck e Moretti, 2019). Há, no entanto, como apontado na introdução, ausência de pensadores e pensadoras que compõem o legado histórico da pedagogia latino-americana. Isso, no entanto, não desmerece a sua obra e também não significa que ela esteja desconectada de uma herança pedagógica da qual mesmo que implicitamente somos devedores. Cabe-nos a tarefa de ir completando o quadro de cuja moldura Paulo Freire foi um dos mais importantes artífices.
Identifico apenas algumas dessas heranças que ecoam na obra de Paulo Freire, dando substância à pedagogia latino-americana.10 No fim do século XVI, Felipe Guamán Poma de Ayala denuncia em sua Nueva Corónica y Buen Gobierno, endereçada aos reis da Espanha, as desumanidades cometidas pelos conquistadores que criam nessas terras nada menos que um mundo ao revés, o pachacuti (Streck, Moretti e Adams, 2019). É ao mesmo tempo uma crônica da resistência quando, por exemplo, o autor tenta mostrar que, afinal, essa religião que estava sendo imposta de fato já estava presente nessas terras. São as “manhas” (Freire, 1992, p. 107), às vezes de sobrevivência e sempre de resistência, desenvolvidas pelos oprimidos para se defender da violência a que estão sendo submetidos.
Sóror Juana Inés de la Cruz (1651–1695) é um testemunho de que a erudição não é privilégio de um grupo seleto, no caso de teólogos e religiosos (Streck, Moretti e Adams, 2019). Sua vida e obra revelam como uma mulher supera a misoginia, a subordinação e a exclusão e conquista um conhecimento científico e teológico que a habilita a discutir com os intelectuais de seu tempo. É a voz da mulher presente na formação da pedagogia latino-americana, na luta pela igualdade e pela equidade.
Simón Rodríguez (1771–1854), conhecido como o mestre de Simón Bolívar, é outra figura que não pode estar ausente na reconstrução de nossa memória pedagógica. A conquista da independência política deveria vir acompanhada da educação do povo, e de todos indistintamente, como um dever do Estado (Streck, 2010). A ilustração de uns poucos e a ignorância da maioria formariam, segundo ele, nada menos que um monstro social. Simón Rodríguez lança as raízes para uma educação popular que reconhece as peculiaridades das novas repúblicas, que por isso estariam condenadas a inventar, porque a transposição de políticas e práticas levaria ao erro e ao fracasso.
José Martí (1853–1895) traduz em sua vida e obra princípios pedagógicos que compõem a pedagogia latino-americana (Streck, 2010). Ele percebe que se faz necessária, para a emancipação dos povos de nuestra América, uma sólida formação científica nos moldes das melhores escolas da Europa e dos Estados Unidos, mas ao mesmo tempo uma formação ética e política de promoção da justiça e da igualdade. Antecipando a educação nos movimentos sociais, recomenda que os mestres itinerantes levem aos homens e às mulheres do campo o conhecimento técnico, mas também a ternura que faz falta para quem não foi poupado pelas durezas da vida.
José Carlos Mariátegui (1894–1930) introduz na pedagogia latino-americana a perspectiva dialética materialista, reinterpretando as ideias de Marx para o contexto latino-americano, especialmente o contexto andino (Streck, 2010). A defesa de uma escola unitária não se contrapõe, no caso, às especificidades da cultura indígena peruana. Enfatiza a relação entre os problemas educacionais com a realidade econômica e social, criticando reformas que não levem em consideração o contexto. Importante, ainda, a perspectiva internacional dada às novas condições de circulação das ideias e das conexões no mundo do trabalho. “Uma das características fisionômicas de nossa época é justamente a circulação universal, veloz e fluida das ideias. A inteligência trabalha, nessa época, sem limitações de fronteira nem de distância” (Mariátegui, 2007, p. 107).
Gabriela Mistral (1889–1957), poetisa e educadora chilena, dedica especial atenção à criança e ao cotidiano (Streck, 2010). Com ela exemplificamos também como a pedagogia latino-americana está imbuída do senso estético. Freire enfatizaria mais tarde a união da ética com a estética, da beleza com o agir justo. Na mensagem “Para as que ensinam”, Mistral escreve:
Ensinar sempre; no pátio e na rua, como na sala de aula. Ensinar com a atitude, o gesto e a palavra./ Viver as teorias formosas. Viver a bondade, a atividade e a honradez profissional./ Tornar desnecessária a vigilância da chefa. Em quem não se vigia, se confia./ Se não realizamos a igualdade e a cultura dentro da escola, onde se poderão exigir essas coisas? (ibidem, p. 219)
As pensadoras e os pensadores latino-americanos mencionados são apenas um exemplo da riqueza de experiências pedagógicas acumuladas ao longo dos séculos e que estão refletidas na obra de Paulo Freire. A lista pode ser quase que infinitamente ampliada, dando cada vez mais robusteza à pedagogia latino-americana. Como não lembrar, entre tantos outros, Elizardo Pérez com Warisata, a escola Ayllu, na Bolívia; ou a brasileira Maria Lacerda de Moura e a educação libertária das mulheres? Uma de nossas tarefas no contexto do legado freiriano, como lembrou Adriana Puiggrós (2010, p. 103), consiste em continuar povoando a ainda desértica memória pedagógica latino-americana:
En cierto sentido, mi meta es poblar. Coincide con una obsesión argentina y alberdiana, la del territorio desierto. Se trata de aspectos fundamentales del territorio simbólico, por los quales passa el nervio del legado, que constituyen el patrimonio que debemos balancear, seleccionar, ordenar. Para promover nuevos sujetos en la arrasada tierra de la educación latinoamericana, no es suficiente convocar a las nuevas generaciones. Es necesario nombrar las del pasado, reubicarlas y reubicarnos frente a ellas o com ellas. Solo así lograremos que el espectro de un pasado irresuelto se torne sedimento productivo para la continuidad de nuestra historia.
A PEDAGOGIA LATINO-AMERICANA COM PAULO FREIRE
Paulo Freire é referência para um conjunto de práticas educativas que se identificam como progressistas, um conceito usado pelo próprio Paulo Freire (1992, p. 107), por exemplo, quando ele fala da necessidade de o “[…] educador ou a educadora progressista se familiarizar com a sintaxe, com a semântica dos grupos populares”. Em outra passagem ele enfatiza que ensinar na perspectiva progressista, hoje, implica assumir uma atitude mais pós-moderna do que moderna. Ensinar, do ponto de vista “pós-modernamente progressista”, só é válido “[…] quando os educandos aprendem ao aprender a razão de ser do objeto e de seu conteúdo” (Freire, 1992, p. 81).
Quais são as práticas educativas que cabem na perspectiva progressista referida por Paulo Freire? Acredito ser possível identificar pelo menos quatro grandes grupos:
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As pedagogias progressistas clássicas identificadas com o ideário da educação ativa e da Escola Nova têm como base a experiência do aluno, a defesa da horizontalidade das relações pedagógicas como encontramos e a democratização da educação. Como antecedentes dessa escola encontramos um vasto leque de educadores como John Dewey, Maria Montessori, Jean Piaget e Célestin Freinet. Todos eles de certa forma se encontram no embate com o que identificam como educação tradicional e que em Paulo Freire se reflete na distinção entre educação bancária e problematizadora. O conceito progressive education é recorrente na obra de John Dewey, como exemplificado no artigo intitulado “Progressive education and the Science of education” (1974). Uma escola progressista seria aquela preocupada com o crescimento, com a transformação de experiências, com a subordinação de realizações do passado às possibilidades futuras, e a ciência da educação estaria sobretudo preocupada com as condições que favorecem o aprendizado. Falando especificamente da ciência da educação e sua relação com as escolas, ele afirma:
But if one conceives that a social order different in quality and direction from the present is desirable and that schools should strive to educate with social change in view by producing individuals not complacent about what already exists, and equipped with desires and abilities to assist in transforming it, quite a different method and content is indicated for educational science. (Dewey, 1974, p. 175)
Talvez mais que um autor ou autora específica, muitas práticas educativas associadas com o ensino por meio de projetos e de aproximação com a realidade do aluno podem ser compreendidas nessa visão mais clássica do progressismo. Pode-se inserir nessa perspectiva também grande parte dos embates pela educação pública, que no Brasil teve em Anísio Teixeira o seu grande expoente. Na obra de Paulo Freire essas práticas possivelmente estariam mais associadas com seus primeiros escritos, notadamente Educação e atualidade brasileira e Educação como prática da liberdade.
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As pedagogias críticas fundamentam-se na tradição do materialismo histórico e têm como princípio identificar as contradições na sociedade capitalista, tendo como perspectiva a justiça socioambiental e a emancipação das formas de dominação econômica e cultural. Na América Latina, além dos teóricos da Escola de Frankfurt como Adorno, Marcuse, Habermas, são figuras importantes Louis Althusser e António Gramsci. O que distingue essas pedagogias das progressistas clássicas é o reconhecimento explícito das relações de poder que mantêm grandes parcelas da população subjugadas.
Em “Mapeamento da educação crítica”, Apple, Au e Gandin (2011, p. 15) identificam as seguintes tarefas da educação crítica, nas quais se reconhece indelevelmente a ressonância de Paulo Freire: ser “testemunha da negatividade”, expondo a relação das políticas e práticas educacionais com as relações de exploração e dominação; engajar-se na análise crítica, apontando as contradições e os possíveis espaços de ação; redefinir o que se entende por pesquisa, assumindo a tarefa de descrição densa das práticas transformadoras; reconstruir a forma e o conteúdo da educação de modo a servir às necessidades dos oprimidos; manter vivas as tradições do trabalho radical; questionar a serviço de quem se conhece; agir com os movimentos sociais apoiados por seu trabalho; usar o “privilégio” acadêmico para abrir espaço nas universidades e outros espaços para quem não tem voz.
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As pedagogias de(s)coloniais enfatizam o prolongamento do colonialismo com suas novas manifestações e têm afinidade histórica e teórica com as teorias pós-coloniais da Ásia e África, tendo na América Latina Catherine Walsh como uma das principais expoentes. Na introdução ao livro Pedagogías de(s)coloniais: Prácticas insurgentes de resistir, (re)existir y re-vivir, ela indica o que parece ser distintivo das pedagogias decoloniais:
Son estos momentos complejos de hoy que provocan movimientos de teorización y reflexión, movimientos no lineales sino serpentinos, no anclados en la búsqueda o proyecto de una nueva teoría crítica o de cambio social, sino en la construcción de caminos —de estar, ser, pensar, mirar, escuchar, sentir y vivir con sentido o horizonte de(s)colonial. (Walsh, 2013, p. 24)
As pedagogias de(s)coloniais têm como pontos em comum a crítica ao eurocentrismo, enfatizando a necessidade valorizar os saberes regionais e autóctones. Compartilham com as pedagogias críticas o desenvolvimento de perspectivas teóricas e práticas educativas anticlassistas, antipatriarcais e antirracistas. Como aponta Walsh, reconhecem os meandros “serpentinos” da construção social, o que leva a um olhar em profundidade e de longo prazo ao mesmo tempo que se caminha ensaiando outras formas de existir no mundo.
A educação popular é expressão pedagógica nascida no contexto das lutas emancipatórias na América Latina a partir da segunda metade do século passado. Se para autores como Sarmiento e Varela e outros seus contemporâneos, a educação popular era equivalente à educação pública, nesse novo contexto histórico a educação popular passa a ser identificada como a dimensão pedagógica — como teoria e prática — do movimento de setores marginalizados da sociedade em busca não apenas de inserção na sociedade injusta e desigual, mas de mudança das relações de poder que geram essa injustiça e desigualdade. Entre outros aspectos, há uma valorização da cultura dos grupos populares, buscando identificar e potencializar nessa cultura os elementos geradores de mudança. O fato de alguns autores falarem hoje em educações populares sugere o caráter multifacetado dos movimentos e lugares nos quais se gera essa práxis educativa. É importante, no entanto, não perder de vista os elos históricos que unem essas diferentes práticas educativas e perspectivas teóricas e metodológicas e que são reconstruídos por autores como Carlos Rodrigues Brandão, Oscar Jara, Alfonso Torres Carrillo e Marco Raúl Mejía (Streck e Esteban, 2013).
Há na perspectiva progressista uma dupla pluralidade. Em primeiro lugar, a pluralidade do próprio campo pedagógico progressista. Entendo que, quando Paulo Freire se refere à perspectiva progressista no singular, ele reconhece afinidades de sua práxis com cada um desses desdobramentos que, apesar de suas diferentes origens, estratégias e bases teóricas e metodológicas, têm em comum a superação da educação bancária e a promoção da justiça social. Um segundo tipo de pluralidade encontra-se em cada uma dessas perspectivas teóricas mencionadas. Por exemplo, na teoria crítica, embora todas reconheçam o lugar central das condições sociais e políticas que produzem a desigualdade, há pontos de vista quanto ao papel da educação na transformação dessas estruturas geradoras das desigualdades. Na educação popular essa pluralidade passou a ser assumida mais recentemente como um reconhecimento das diferenças pedagógicas nas lutas das mulheres, dos afrodescendentes, dos povos originários, entre outros.
Apesar de todas essas pedagogias progressistas encontrarem conexões com Paulo Freire, é possível afirmar que do ponto de vista da pedagogia latino-americana a educação popular é aquela com a qual ele demonstra uma relação mais explicita, e é também aquela cuja origem e desenvolvimento estão intrinsicamente vinculados com a práxis de Paulo Freire. Em documento oficial como secretário de educação a todas as escolas da rede municipal de São Paulo, com o título “Construindo a educação pública popular: aprender é gostoso mas exige esforço”, ele pleiteia que “[…] escola deva ser um espaço de educação popular” (Freire, 2019, p. 61, grifos do original). Enfatiza uma das principais premissas da educação popular: “A participação popular na criação da cultura e da educação rompe com a tradição de que a elite é competente e sabe quais são as necessidades e os interesses de toda a sociedade” (ibidem, p. 65). Há uma democratização das competências, e abre-se o espaço para outras pedagogias.
Tudo isso leva-nos a afirmar que a pedagogia latino-americana é, por um lado, multifacetada, mas que principalmente pelas convergências com a pedagogia de Paulo Freire ela apresenta algumas características que a distinguem. Cabe também advertir que essa distinção ou originalidade se dá na interação com pedagogias de outros lugares, ora como complementação, ora como contraposição e ora como adaptação ou integração. Destaco algumas dessas características:
O compromisso ético-político com a promoção da justiça social. A pedagogia latino-americana tem consciência de estar inserida em relações de poder que historicamente produziram a realidade injusta que está aí, e de que a educação é apenas um dos meios indispensáveis para superá-la, mas insuficiente se concebida de forma isolada de outras práticas sociais.
Uma visão ampliada de mundo. Para Paulo Freire o mundo é a história e as relações sociais, mas também as aves e plantas do quintal, o mar e os mangues de sua terra natal. A amorosidade com as pessoas estende-se para o mundo mais que humano que não pode ser dissociado da possibilidade da realização humana. Da mesma forma, a cidadania é ao mesmo tempo situada em determinado tempo e espaço geográfico, mas não está limitada a esse tempo e espaço.
A dialogicidade como marca metodológica. O diálogo é um dos conceitos mais identificados com a práxis freiriana. É um diálogo que exige compromisso, confiança no outro, esperança na possibilidade de mudança, entre outras condições.
A integralidade da pessoa, que em sua incompletude ontológica está em permanente busca do ser mais. A humanização, em tensão com a possibilidade de desumanização, representa não um estágio fixo a ser alcançado, mas um projeto a ser cuidado e trabalhado no cotidiano, com suas alegrias, derrotas e desafios. Daí a presença de valores como a esperança, a amorosidade e a tolerância, mas também a indignação, a teimosia e a justa ira.
Trata-se de uma pedagogia insurgente e transgressora. Em Paulo Freire se configura uma insurgência e transgressão político-pedagógica que se caracteriza pela radicalidade e pela amorosidade. A radicalidade não permite que o necessário compromisso com a justiça social se transforme em sectarismo. O radical, ao contrário do sectário que se fecha em suas posições, busca ir à raiz dos problemas com abertura para ideias divergentes. A amorosidade, sem perder a capacidade de indignação, é uma atitude revolucionária, como ele destaca no último parágrafo de Pedagogia do oprimido, em que trata da teoria da ação dialógica como condição para a revolução: “Se nada ficar dessas páginas, algo, pelo menos, esperamos que permaneça: nossa confiança no povo. Nossa fé nos homens e na criação de um mundo em que seja menos difícil amar” (Freire, 1981, p. 218).
COMO CONCLUSÃO
A reflexão apresentada neste ensaio partiu da premissa de que, em Paulo Freire, a pedagogia latino-americana encontra um ponto de ancoragem em dois sentidos: uma vez como consolidação de uma memória pedagógica em grande parte desconhecida em virtude da colonialidade, a qual também se faz presente na academia, respectivamente, na formação dos educadores e das educadoras. Por outro lado, Paulo Freire representa também uma plataforma para a recriação pedagógica que se reflete no fato de que o conjunto de pedagogias progressistas encontra nele um ponto de apoio para sua práxis. Não se discute aqui o tipo de uso que se faz de sua teoria pedagógica, mas se destaca o fato de que a passagem por Freire se impõe como necessidade, mesmo que seja por intermédio de uma frase extraída aleatoriamente como epígrafe ou citação no texto.
A reflexão também faz sentir algumas lacunas que cabe explorar e aprofundar. Uma delas é a inserção mais consistente do pensamento de Paulo Freire no ideário pedagógico latino-americano construído ao longo da história. Procuramos salientar que não importa que não encontremos em Paulo Freire referências explícitas a autores como José Martí ou José Carlos Mariátegui. O fato é que há uma indubitável proximidade desde a compreensão sobre o papel da educação até os princípios que deveriam nortear a prática educativa.
Outra frente de investigação diz respeito à apropriação das ideias de Paulo Freire nas práticas educativas identificadas por ele mesmo como progressistas. Entendo que as diferenças não são apenas uma questão de retórica, mas escondem afinidades teóricas e a inserção em diferentes comunidades discursivas e de prática. A rigorosidade metódica e a radicalidade propostas por Freire são ferramentas que nos ajudam a encontrar, usando uma expressão cara a ele, a unidade na diversidade. Não se trata de apagar as diferenças ou de discutir quem é mais ou menos freiriano, mas de identificar as convergências exigidas para fazer frente às novas e velhas formas de opressão.
Por fim, cabe lembrar que a pedagogia latino-americana nunca foi e não poderá ser criada em uma bolha isolada de outras partes do mundo. A obra de Paulo Freire é um exemplo de como a originalidade não cresce no isolamento, mas no diálogo com outras ideias e outros projetos. A fecundidade da pedagogia do oprimido está nessa conectividade com outras experiências, que coloca tanto a exigência do aprofundamento quanto a possibilidade de alargamento.
O centenário do nascimento de Paulo Freire (1921–2021) continua sendo uma oportunidade ímpar de trabalho coletivo de educadores e pesquisadores que desvelam novas facetas de seu trabalho, publicam entrevistas e palestras inéditas e estabelecem novas conexões com pensadores e pensadoras do passado e do presente. Considerando-se as exigências postas para a educação em nosso tempo, o centenário de Paulo Freire pode se transformar no século de Paulo Freire.